sábado, 15 de novembro de 2008

Cadernos Esotéricos - O Papa João XXIII era um Mestre Iniciado (?) - 3ª Parte

Naturalmente que nem as profecias, nem a iniciação de João XXIII podem ser provadas com documentos ou fotografias. Logo vêm a correr dizer: isso é tudo uma invenção desse escritor italiano, pode lá ser um Papa iniciado na tradição rosacruz! As profecias foram entregues a Pier Carpi num volume com vários documentos manuscritos, numa visita nocturna por um desconhecido. Esses documentos continham as profecias e a história da iniciação de Roncalli. Pier Carpi fotocopiou os documentos e devolveu os originais ao portador desconhecido.
Não é de estranhar que um sacerdote católico tenha sido iniciado numa das tradições mais antigas, condenada em todos os tempos pela doutrina da Igreja. Roncalli não foi, nem é caso único dentro da Igreja Católica. Ao longo dos tempos, muitos sacerdotes se dedicaram ao oculto, à sabedoria secreta, à alquimia, apesar da política exotérica da Igreja ser absolutamente contrária a essas actividades. O exemplo talvez mais conhecido é o de Eliphas Levi, que depois de ser ordenado diácono, acabou por ser expulso da Igreja, não por ter interesse no ocultismo, mas por se ter apaixonado por uma bela jovem chamada Adelle Allenbach.
Isto não quer dizer que dentro da Igreja exista algum grupo dedicado ao esoterismo, enquanto que para o público se manifesta o culto exotérico. Poderá haver alguns elementos que, à revelia da hierarquia, se dedicam a essas actividades. Porque existem muitos segredos não revelados, muitas “chaves” do antigo conhecimento repousam ignoradas ou permanentemente escondidas dentro de duas grandes religiões: o cristianismo e o islamismo.
Um dia, numa das muitas visitas que fiz a Santiago de Compostela, encontrei alguém com quem acabei por ter uma conversa interessante. Uma das coisas que me disse, quando comentei que o Caminho de Santiago era bem mais antigo que a própria Igreja, foi que esta também tinha várias faces ou estágios; que não me deixasse enganar pelas aparências e pelo exoterismo, porque dentro da Igreja havia várias Igrejas. Assim, tínhamos a Igreja inicial, a Igreja de Paulo, o instrutor, o construtor; depois veio a Igreja de Pedro, aquela que se estabeleceu em poder, representando a pedra bruta que precisa de ser trabalhada, a obra ao negro, o culto exotérico; tínhamos ainda a Igreja de João, a interiorização, a transformação, a apreensão dos símbolos no seu verdadeiro significado, a obra ao branco; finalmente a Igreja de Tiago, o caminhante das estrelas, a transubstanciação, a obra ao vermelho, o culto esotérico.
É óbvio que os documentos entregues pelo desconhecido (que não era desconhecido) ao autor do livro suscitam dúvidas sobre a sua autenticidade. Um leigo não será capaz de estabelecer a sua veracidade, porque não tem o conhecimento necessário para o fazer. Os crentes de uma qualquer religião também serão incapazes de ver se os documentos são genuínos, uma vez que se encontram envolvidos emocionalmente num culto exotérico, sem acesso à compreensão dos símbolos – não conseguem ver, por exemplo, que a custódia ou o ostensório é um símbolo solar, um círculo dourado rodeado de raios dourados.
Somente os gnósticos conhecedores da antiga tradição, talvez também os verdadeiros martinistas que permanecem incógnitos, os S.I.I., conseguem decifrar se o que se passou com Roncalli é verdadeiro ou falso. Certamente os rosacruzes, os que leram os livros de T. e M.
O encontro em sonhos com o seu mestre, que não são sonhos, mas contactos no astral, a leitura dos livros T. e M. numa língua estranha, mas que, estranhamente, se tornam inteligíveis a quem foi dado o privilégio de os ler, são sintomas que conhecemos de outras situações e que nos dão a garantia de estarmos a trilhar um caminho verdadeiro.
Numa crónica anterior transcrevi o documento denominado “A Mesa dos Três Mestres”, resultante de um encontro em Paris desses três grandes iniciados: Cagliostro, Saint Germain e Saint-Martin. Esse encontro destinou-se a deixar uma mensagem para aqueles que pretendessem seguir um caminho iniciático.
Cagliostro, o mestre desconhecido, o fundador do ritual egípcio da maçonaria, perseguido pela Inquisição, acabou os seus dias emparedado numa pequena cela. Saint Germain, o viajante que sempre se manteve longe das sociedades iniciáticas, íntimo de poderosos, espalhou as suas ideias por toda a parte e depois desapareceu (desapareceu?). Saint-Martin, que recebeu de Martinez de Pasqually os fundamentos para o martinismo que impulsionou, pois nas verdade ele não fundou nenhuma Ordem Martinista. Todos eles se encontraram com o Mestre, em sonhos que não eram sonhos; todos eles se reconhecem nas três cores sagradas.
Roncalli recebeu a visita do Mestre várias vezes e, quando estava preparado, soube encontrar o caminho que o levou ao templo em que foi iniciado.
A tradição rosacruz em que Roncalli foi iniciado é a mesma que Christian Rosencreutz foi beber no Islão, na viagem que fez ao Oriente no início do século XV. Nessa viagem terá conseguido entrar em contacto com os cenáculos esotéricos islâmicos onde conheceu antigos segredos e ganhou a confiança dos Antigos que lhe mostraram e lhe deram a ler os livros de T. e M. De volta à Europa, organizou a Ordem Rosacruz que, a partir daí, passou a ter influência determinante nos movimentos esotéricos iniciáticos, desde o martinismo à maçonaria e às várias sociedades rosacruzes que se estabeleceram desde então. O rosacrucianismo passou a ser o fundamento de todo o conhecimento esotérico e alquímico. No entanto, algumas dessas sociedades ditas rosacruzes tentaram inovar, estabelecer princípios baseados em crenças religiosas e não na verdadeira tradição, desvirtuando completamente a sabedoria que nos foi legada pelos Antigos.
Introduzido no templo, Roncalli deparou-se com tudo quanto lhe tinha sido transmitido pelo seu Mestre, aquele cujo rosto é sempre igual, como semelhantes ficam os rostos dos que são iniciados. Sobre a mesa central em formato pentagonal, a Bíblia aberta mostrando o evangelho de João; uma espada de punho de prata; dois candelabros de bronze, de três braços cada um e três velas vermelhas; entre os candelabros o símbolo da Ordem em que Roncalli ia ser iniciado. Debaixo desse símbolo, que não posso descrever, três rosas em tecido – uma branca, uma vermelha e uma preta.
O ambiente estava fracamente iluminado. Junto a três paredes Roncalli viu três cadeiras, sobre as quais repousavam três túnicas de linho branco. Sentiu passos leves atrás de si – era o Mestre, que agora lhe sorria e lhe começou a explicar os símbolos presentes. Usava ao pescoço o símbolo da Ordem em prata, preso a um cordão feito de nós templários.
Chegou a uma altura da cerimónia em que foi pedido a Roncalli para escolher um nome. Johannes, disse ele sem hesitar. Depois da imposição da espada, seguiu-se o juramento de fidelidade à Ordem, de nunca revelar os seus segredos, de seguir a tradição, de praticar sempre o bem, etc.
Mais pormenores encontram-se no livro de Pier Carpi, mas nada é revelado com respeito ao símbolo da Ordem. Nada é verdadeiramente revelado, senão aquelas coisas que um profano pode saber. No entanto, aquilo que está descrito é o bastante para todos aqueles que já passaram por uma iniciação semelhante e conhecem o que falta aqui nesta crónica e no livro.
Que melhor maneira de terminar esta série de crónicas sobre João XXIII senão o poema de Fernando Pessoa “No Túmulo de Christian Rosencreutz”:

I
Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,
Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclue.
Deus é o Homem de outro Deus maior.
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,
Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.
II
Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.
Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.
Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;
Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue atual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.
III
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.
Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.
Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rósea-cruz conhece e cala.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Cadernos Esotéricos - O Papa João XXIII era um Mestre Iniciado (?) - 2ª Parte

“A Religião do Deus que se fez homem encontrou-se com a religião — porque é uma religião — do homem que se faz Deus.”

A frase acima faz parte de um dos muitos comentários negativos que tenho lido acerca do Concílio Vaticano II. Salvo algumas excepções, a crítica ao Concílio é cerrada, por parte dos que se sentiram ultrajados pelas reformas propostas, muitas das quais nunca chegaram a ser implementadas. Esta frase faz parte do discurso de encerramento do Concílio proferido por Paulo VI e provocou a ira dos sectores mais conservadores da Igreja.
Uma das acusações que se faz ao Concílio é a de que as “impiedades” erigidas em sistema, como a revolução anarquista, o comunismo, os diversos socialismos e as maçonarias, não foram condenadas, antes pelo contrário aceites como processos de evolução humana. Que outros concílios e Papas anteriores se chocaram e lutaram contra estas várias formas da religião do homem que se faz Deus.
É interessante constatar que, quando falam em “impiedades” se esquecem de falar do nazismo, contra o qual a Igreja não reagiu e manteve uma atitude dúbia, e dos vários fascismos ou regimes fascizantes, com os quais a Igreja colaborou. Por exemplo, uma das grandes contribuições para o fascismo italiano de Benito Mussolini foi a encíclica Rerum Novarum” do Papa Leão XIII, publicada em 1892 e que defendia o corporativismo de Estado como uma solução para a crise do operariado após a Revolução Industrial. São conhecidos os apoios explícitos da Igreja aos regimes de Franco em Espanha e Salazar em Portugal.
É interessante também notar que nenhum dos ferozes críticos das “impiedades” se referiu aos milhões de mortos provocados pela Inquisição, esta sim, uma enorme impiedade para com o ser humano. Nem se referiu também às perseguições movidas contra os heréticos e as numerosas heresias (consideradas pela Igreja) que foram surgindo durante os séculos de obscurantismo em que a Igreja foi senhora absoluta das vidas e haveres das pessoas. As enormes labaredas das fogueiras estão aí para nos lembrar esse passado macabro.
Lembrando de novo Alessandro Cagliostro, a última vítima da Inquisição, que foi praticamente emparedado vivo numa cela reduzida tendo apenas um catre de madeira para dormir, alguém um dia deixou sobre esse catre um ramo de rosas amarrado com três fitas, uma preta, outra branca, outra vermelha, as cores da iniciação martinista e gnóstica, além de terem também um grande significado para os alquimistas, pois simbolizam a matéria densa, a obra ao branco e a obra ao rubro.
Quem acusa o Concílio de se abrir ao mundo, de procurar o ecumenismo considerando todos os seres humanos como filhos de Deus, independentemente da sua religião ou filosofia, deveria encolher-se de vergonha pelo papel que a sua Igreja desempenhou ao longo dos quase dois mil anos. Porque não são apenas os cristãos que são irmãos, somos todos irmãos, não importa a credo, a cor, a pobreza ou a riqueza, ou ainda a opção política. Porque tudo isto é transitório na longa ascensão do homem até Deus, tudo passa, tudo muda, a única coisa imutável é a aspiração humana de um dia se tornar Deus, porque o Cristo já vive no interior de cada um, basta despertá-lo.
Tudo tem sido feito para ofuscar a figura de João XXIII, cujas relações com o mundo espiritual exterior à Igreja constituem um grande embaraço para aqueles que acham que o único caminho espiritual reservado ao homem é através do catolicismo. A sua iniciação rosacruz e as suas relações com metropolitas da Igreja Ortodoxa e com elementos preponderantes da maçonaria são uma “pedra no sapato” da Igreja Católica. Da sua iniciação rosacruz, que terá acontecido quando da sua estadia na Turquia, em 1935, nasceram as Profecias que foram publicadas por Pier Carpi em 1976. Aparentemente não tiveram mais nenhuma publicação posterior, o que leva a crer que a Igreja Católica continua a ter o braço bem comprido.
Nessa campanha de ofuscamento levada a cabo por sectores conservadores da Igreja, foi impresso em Manila, nas Filipinas (?) um diário atribuído a João XXIII, que teria sido encontrado por uma empregada de limpeza do Vaticano, quando limpava umas arrecadações. Nesse diário João XXIII teria anotado experiências que lhe aconteceram, como várias visitas nocturnas da Virgem Maria e de Jesus Cristo, assim como algumas profecias prevendo tempos difíceis para o futuro.
Ora bem, não é credível que algo tão importante como o diário de um Papa encontrado dentro do Vaticano fosse parar às Filipinas para aí ser publicado; não é credível que um diário de João XXIII tivesse sido abandonado numa qualquer arrecadação do Vaticano; não é credível que João XXIII tivesse usado outro diário, além do que o acompanhou toda a vida, para anotar esperiências fantásticas. Quanto às pretensas profecias, que são poucas, apenas uma meia dúzia, trata-se de uma manobra para fazer esquecer as verdadeiras, aquelas que foram escritas em 1935.
Uma das profecias (as verdadeiras) prevê a sua própria eleição para Papa e a abertura do Concílio Vaticano II:
“Depois tornar-se-á Pai o inesperado, filho dos campos e das águas.
Eu não o vejo. Receio por sua causa, por sua época. Pela Mãe.
Caminhará entre pessoas divididas, prontas a pôr e a arrancar a túnica do redentor. Gritará muito no seu coração, falará docemente. Acreditarão nele. A luta será dura.
Entre os papeis do Pai morto encontrará o plano para reunir os pastores e falar ao rebanho. Ousará o que jamais foi ousado. Errará, mas será um bem. Desejará conhecer o mundo e dá-lo a conhecer aos simples através dos seus olhos. Rebentará o escândalo, mas todos compreenderão.
As suas cartas ficarão.
Morrerá longe dos pastores antes de os voltar a chamar. Os seus papeis serão escondidos. Os seus papeis serão roubados. Pouco se falará dele. Mas no dia em que o Pai que vier depois dele, surgindo do nevoeiro, for atingido, também a sua voz será ouvida entre os túmulos. O Pai morto abrirá o sétimo sigilo.
Para ele peço perdão.”
Esta profecia é uma das mais fáceis de interpretar, as outras, quase todas, são extremamente herméticas. O Pai é o Papa, a Mãe é a Igreja. O plano para o Concílio estava entre os papeis de Pio XII. De facto, João XXIII morreu numa altura em que o Concílio tinha sido interrompido. O Papa que o sucedeu veio do nevoeiro, de Milão, cidade conhecida por ter muito nevoeiro. Quanto ao resto… cabe a cada um tentar fazer a sua própria interpretação.
(Continua)

domingo, 2 de novembro de 2008

Cadernos Esotéricos - O Papa João XXIII era um Mestre Iniciado (?) - 1ª Parte

“Ano de 1935. A vida não é fácil para Ângelo Roncalli, arcebispo de Masembria, delegado apostólico na Turquia. Também ele, assim como todos os sacerdotes e religiosos, por causa das perseguições, deve andar em trajes civis. É vigiado, não podendo movimentar-se à vontade. Há espiões por todo o lado. Todavia, os que se aproximavam dele achavam que tinha um ar de grande serenidade, que não era só aquela alegria que tinha sempre sabido transmitir aos outros, principalmente nos momentos difíceis. Foi exactamente naquela época que ele iniciou o contacto com o mundo desconhecido.
Ângelo Roncalli fora iniciado na tradição rosacruciana, sob o nome de Johannes – João, o nome que escolheria ao ser eleito pontífice da Igreja Católica.”(As Profecias do Papa João XXIII, Edições António Ramos, Lisboa, 1977).
Quem conhece um pouco da história da Igreja Católica concordará que João XXIII, apesar do seu curto reinado, deixou uma marca indelével na História, não só da Igreja, como da Humanidade. A sua vida foi árdua, cheia de espinhos, dificuldades que soube ultrapassar com rara mestria. Filho de uma família numerosa de camponeses, conseguiu ordenar-se padre depois de ingressar no seminário de Bérgamo e depois, com uma bolsa de estudos, no seminário romano de Apollinar, onde se formou em Teologia e conseguiu grandes conhecimentos da língua hebraica. Durante todo o tempo de estudos e depois, durante o resto da sua vida, escreveu um diário a que mais tarde foi dado o nome de “Diário da Alma”, onde anotou as suas angústias, as suas ansiedades, afinal, tudo quanto lhe ia na alma.
Foi sempre escolhido para missões extremamente difíceis e imprevistas – a própria eleição para Papa foi uma grande surpresa para ele, que não a esperava de modo nenhum. Conheceu o mundo da Cúria romana pela mão do Papa Bento XV, que o introduziu na Sagrada Congregação de Propaganda da Fé. Em 1925 foi elevado a bispo em Roma. Como arcebispo de Aeropoli foi enviado para a Bulgária, onde procurou um contacto difícil com as comunidades cristãs e conseguiu encontrar-se com Sepanosse Hovegnimian, metropolita dos Arménios (Igreja Ortodoxa), superando obstáculos seculares e abrindo caminho para um projecto que não mais o abandonaria, o ecumenismo. Ainda na Bulgária é nomeado por Roma como primeiro delegado apostólico naquele país. Em 1935 é nomeado bispo de Masembria e colocado como núncio apostólico na Grécia e na Turquia, países onde há muito tempo a Igreja encontrava enormes dificuldades. Em 1941, de visita a Sófia, ciente dos perigos que corria em relação ao conservadorismo da Igreja, avistou-se com o metropolita ortodoxo, Stefan, a quem abraçou como irmão.
Em 1944 é colocado em França como núncio apostólico. De Gaulle exigira do Vaticano o envio de alguém para resolver um problema: queria afastar os bispos e prelados que tinham colaborado com os nazis e nomear outros de sua escolha. Com extrema habilidade e diplomacia, conseguiu levar por diante o seu plano de reestruturação da Igreja em França, não fazendo a vontade do governo mas também não criando clivagens. Pelo seu trabalho conseguiu a maior admiração por parte de De Gaulle. Tornou-se amigo de ministros maçónicos e anticlericais, abrindo a sua casa e sentando à sua mesa as pessoas mais diversas e mesmo inimigos políticos. Depois da morte de Pio XII, De Gaulle recomendou ao seu embaixador junto da Santa Sé que agisse o melhor possível a favor de Roncalli. Em 15 de Janeiro de 1953 recebeu, de acordo com a tradição, no palácio do Eliseu em Paris, o barrete cardinalício, das mãos do então presidente da República Francesa e seu amigo pessoal, Vincent Auriol. Na mesma altura Pio XII nomeia-o patriarca de Veneza.
Anotou no seu “Jornal da Alma” que esperava terminar a sua vida como patriarca de Veneza mas, seis anos depois, Pio XXII morre e Roncalli parte para Roma para participar no Conclave que acabaria por elegê-lo Papa. O preferido do Conclave era o arcebispo de Milão, Giovanni Montini mas Pio XII não o elevara a cardeal. Isto foi feito por João XXIII logo após a sua eleição.
Uma das suas primeiras preocupações como Papa foi a preparação de um Concílio ecuménico, reunindo ali todas as tendências que havia dentro da Igreja e tentando superar uma crise que já era visível. Encontrara a ideia nas anotações do seu predecessor, Pio XII, e, quando as forças mais conservadoras do Vaticano previam uma década para a preparação do Concílio, João XXIII preparou-o em alguns meses. Foi assim que no dia 25 de Janeiro de 1959, João XXIII, usando as vestes de bispo de Roma, anunciou na Igreja de São Paulo a iminente celebração de um sínodo para a diocese de Roma e de um concílio para a Igreja Católica. Esta notícia teve o efeito de uma bomba nos meios eclesiásticos, principalmente nos mais conservadores e imobilistas, que não queriam nenhuma alteração ao “status quo”. Ao anunciar o concílio, João XXIII correu um risco tremendo, pois não é nenhuma novidade que quando um Papa entra por caminhos menos conservadores e inovadores, o Vaticano funciona como uma monarquia: se o rei não serve, mata-se o rei. Foi assim com João Paulo I, acerca do qual ainda hoje se especula se foi assassinado ou vítima de um enfarto do miocárdio.
O Concílio Vaticano II seria o Concílio de uma certa viragem da Igreja Católica. Infelizmente João XXIII não pôde assistir às conclusões do Concílio, às mudanças que ele propunha. Quem o fez foi Montini, o cardeal que o substituiu na cadeira pontifícia sob o nome de Paulo VI, o primeiro Papa a viajar pelo mundo e o primeiro a viajar de avião. Apesar da reacção do clero conservador, uma nova era se abria para a Igreja Católica, que poderia ser bem melhor se muitas das decisões tomadas no Concílio não tivessem sido encerradas definitivamente numa gaveta.
(Continua)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Cadernos Esotéricos - Origens do Ritual Maçónico - 3ª Parte (A Mesa dos Três Mestres)

Quantidade não é qualidade. Quanto maior a multiplicação de uma determinada coisa, menor e mais fraca será a sua energia original. Da mesma forma, quando as manifestações exotéricas se sobrepõem às esotéricas, tende a perder-se a essência original, o verdadeiro sentido ou significado do simbolismo. Ou seja, quando a coisa se torna pública, perde a sua verdadeira natureza. E não adianta o argumento do “núcleo central”, o tal grupo de eleitos que se supõe preservar a pureza original, o verdadeiro segredo. Presumindo que existam esses “núcleos centrais”, não se percebe muito bem qual seria a sua missão. É óbvio que muitas coisas se passam no gabinete do Papa que não são do conhecimento de mais ninguém, a não ser dele e de alguns cardeais assistentes. Mas esta é uma situação normal em qualquer organização – há sempre decisões tomadas que não serão nunca do conhecimento da “arraia miúda”, como diria o Fernão Lopes .
Os antigos mistérios perderam a sua força original quando passaram a ser acessíveis a quem tinha dinheiro para comprar a sua iniciação, mesmo que não entendesse uma letra do seu significado. Passaram para os gnósticos que tentaram reproduzir, sob novas vestimentas, as antigas iniciações. Mas o significado das suas palavras perdeu-se, como aconteceu com Paulo, no mar exotérico do cristianismo literalista. Os antigos maçons, os que tentaram manter viva a chama legada pela velha Atlântida, viram-se forçados ao esquecimento, a ocultarem-se, a confundirem-se na multidão, tentando preservar a todo o custo os velhos ensinamentos.
Foi preciso chegarmos ao século XVIII para vermos despontar por todo o lado na Europa inúmeras Lojas maçónicas, inúmeros ritos, inúmeras Ordens iniciáticas, tudo numa enorme confusão. A maioria dos nomes famosos de ocultistas, alquimistas, mestres iniciados, viveram nesse século de luzes, em que as luzes se acenderam realmente, depois de uma muito escura travessia dos séculos em que a Igreja teve o domínio absoluto das mentes e da vida de cada um. Mas quando se passa do muito escuro para o muito iluminado, corremos o risco de nos ofuscarmos. Foi o que aconteceu com grande parte das organizações que surgiram, muitas delas não passaram do papel ou das ideias de alguns “iluminados”
Mas foi um século de luzes, sem dúvida. É nesse século que surgem e são contemporâneos nomes como Louis-Claude de Saint-Martin, Jean Baptiste Willermoz, Martinez de Pasqually, Conde de Saint Germain, Conde Cagliostro, só para citar os mais conhecidos. Muitos deles, como Martinez de Pasqually e o Conde de Saint Germain fizeram da sua vida um mistério, sobre o qual se estabeleceram lendas e especulações, como no que concerne à sua origem, quantos anos viveram, etc. Muitos deles, também, procuraram fazer ressurgir uma tradição antiga há muito esquecida. Não sabemos hoje até que ponto foram fiéis a essa tradição antiga, pois muito do que existe hoje em termos de rituais maçónicos foi criado justamente nessa altura.
Martinez de Pasqually tornou-se uma figura controversa. Apareceu aparentemente do nada e organizou a Ordem dos Elus Cohen (Sacerdotes Eleitos), da qual participaram e foram seus discípulos Louis-Claude de Saint-Martin e Jean Baptiste Willermoz. Escreveu um livro intitulado “Tratado da Reintegração dos Seres”, que mais não é do que um discurso sobre os primeiros Livros da Bíblia, o Pentateuco. Não se sabe ao certo a sua origem e nacionalidade, dizem uns que nasceu em Grenoble, na França, mas outros que era um judeu espanhol. Houve alguns que alvitraram a ideia de se tratar de um judeu de origem portuguesa, mas esta ideia não parece ter qualquer fundamento, ou tem o mesmo fundamento da origem do Conde de Saint Germain, acerca de quem um “iluminado” escreveu um livro dando-o como nascido na rua do Ouro em Lisboa, filho de um ourives judeu.
Não se sabe onde é que Martinez de Pasqually foi buscar os rituais que implementou na Ordem dos Elus Cohen, a qual deu origem depois a várias Ordens Martinistas e teve influência na maçonaria, através de Willermoz, que reformulou o ritual do Rito Escocês, criando assim o Rito Escocês Rectificado.
O mais estranho da figura de Martinez de Pasqually foi ele ter aparecido como encarregado de uma missão, que fez por cumprir, retomando a antiga tradição dos mistérios através dos Elus Cohen, e depois retirou-se para a ilha do Haiti, onde terá morrido longe da obra que implementou na Europa. Aparentemente encarregado por alguém de uma missão pois, em carta que dirigiu a Willermoz, refere-se ao “chefe” por duas vezes, explicitando que, acima dele havia mais alguém. Esse “chefe” permaneceu incógnito pois, até à data, não se faz a menor ideia de quem seria.
Os herdeiros de Martinez de Pasqually seguiram caminhos diferentes: Jean Baptiste Willermoz levou para a maçonaria do Rito Escocês a operatividade teúrgica dos Elus Cohen; Louis-Claude de Saint-Martin não estava de acordo com essa parte teúrgica, afastou-se e acabou por fundar a Sociedade dos Filósofos Desconhecidos, que mais tarde, pela mão de Papus, deu origem ao Martinismo. Papus achava que as antigas escolas iniciáticas egípcias e orientais tinham por base leis universais que usavam símbolos e glifos só decifráveis por iniciados e transmitidos, no decorrer dos séculos, em formas inalteradas e inalteráveis. A transmissão desses segredos esotéricos era, naturalmente, reservada para um número restrito de pessoas, pertencentes a Sociedades Secretas, cujo fim era a perpetuação desses ensinamentos. Quis estabelecer uma ponte ou ligação entre o Martinismo e o Rito Escocês da maçonaria, mas não conseguiu levar por diante esse intento, pois morreu em 1916, durante a 1ª Grande Guerra, de tuberculose.
Outra figura misteriosa foi o Conde de Saint Germain, sobre o qual se têm estabelecido inúmeras especulações e contado algumas lendas. É suposto ter sido visto em pontos diferentes simultaneamente, ora em Itália, ora em França, ora na Alemanha; é suposto ter vivido muito tempo, qualquer coisa como mais de trezentos anos; é suposto ter aparecido a Guy Ballard, no monte Shasta na Califórnia, e transmitido ensinamentos que depois esse senhor Ballard transformou num livro a que chamou “O Livro de Ouro de Saint Germain”. O que se sabe ao certo é que de facto existiu e foi contemporâneo de outros Mestres, como já vimos anteriormente.
Falta falar do outro Mestre do século XVIII, Alessandro Cagliostro, que previu a Revolução Francesa e o seu triunfo, e foi a última vítima da Inquisição, que o encarcerou no Castelo de Sant´Angelo, em Roma, devido aos seus dotes mediúnicos e de cura. Quando o povo o quis libertar do cativeiro, em 26 de Agosto de 1795, foi informado pelos seus carcereiros e inquisidores que José Bálsamo, um nome por que também era conhecido, acabara de morrer.
Como homenagem a esses Mestres do nosso passado próximo, termino com a transcrição da “Mesa dos Três Mestres”, tal como foi publicada no livro “As Profecias do Papa João XXIII” de Pier Carpi, editado em português pelas Edições António Ramos, em 1977.

“…

………
………
…….


PARA AQUELE QUE NÃO SE DEVE NOMEAR

Paz. Paz no triângulo, na pirâmide, nos três pontos que conhecemos, reconhecemos, revelámos.
A Paz dos três mestres do passado, nas três cores sagradas.
Reconhecemo-nos no encarnado do sacrifício que cimenta o casamento do branco e do preto, que ninguém poderá jamais separar, até ao fim dos tempos escondidos nos tempos. As asas do pelicano estão abertas. O peito está rasgado pelos nossos mestres, para nós, os discípulos.
Para aqueles que chamaremos mestres.
Para os irmãos.
Hoje a rosa floresce sobre a cruz.
H. M. T.
Livres os irmãos, livres os mestres no plano que continua. Livres na espada, na máscara, na mão.
Quando pediram para destruir, foi conservado. Mas os descendentes da águia e da serpente, da flecha e da serpente, saberão reconhecer-se fora das prisões.
Hoje, eles saem e encontram-se na estrada com a carne viva dos mestres do passado. E juntos são a luz.
O Templo foi destruído porque é imortal. Não tinha tecto, hoje não tem paredes. É como a mesa do Sol.
O Templo está em toda a parte e os nossos passos serão sempre mais leves.
Escolhei a hora e o nome. Escolhei o homem. E imponde pela força que possuís.
Vós conheceis o gesto e a palavra. Sede livres, como foram os mestres.
Apenas com o silêncio construí a palavra.
Procurai-a dentro de vós. Seja ela sempre a mesma da operação do Sol. No grande Templo, ressuscitado nasce o Templo no momento em que vos encontrareis. E não quebreis nunca as cadeias. Nós testemunharemos isso.
H. M. T.
Trabalhai e enriquecereis.
Deixai profundas marcas no vosso caminho sempre do sul para o norte, como o vento quer. Não voltai atrás.
Estas são as quatro partes do mundo.
A primeira luz.
A cadeia de luz.
A luz na mão.
A primeira luz que dareis.
Sede livres ao fazê-lo. Escutai o apelo dos que querem. Sede livres de escolher.
E lançai fogo aos vossos juramentos, pela vossa liberdade de existir.
H. M. T.
Procurai os túmulos. Os nossos mestres não os tiveram, nós não os teremos, vós não os tereis. Eles vivem. Procurai-os.
Para aquele que não se deve nomear.


………
………
…….


(Assinaturas autografadas)
LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN S. I. I. (……)
LE COMPTE DE SAINT-GERMAIN R+C
LE COMPTE DE CAGLIOSTRO G. C.”

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Há Algo de Podre no Reino da Dinamarca

Mal saberia Shakespeare, que esta frase de Hamlet, na peça teatral do mesmo nome, seria tantas vezes usada e tantas vezes corresponderia a uma situação real no futuro.
Na semana passada tivemos uma “novela” que ocupou os canais de televisão quase a cem por cento e continua a ocupar, pelo menos nos programas diurnos, que depois das 6 da tarde há que dar lugar às novelas de ficção e aos programas de grande audiência tipo “Big Brother” e semelhantes, que a “novela” real é dada nas horas das donas de casa, das empregadas domésticas (aqui chamadas secretárias domésticas), dos reformados (aqui chamam-se aposentados) e no intervalo dos programas infantis e infantilizadores.
A história, que no Brasil já toda a gente conhece, conta-se em poucas palavras: na segunda-feira da semana passada um sujeito que julgo ter cerca de 22 anos invadiu o apartamento da sua ex-namorada de 15 anos de idade, de nome Eloá, e sequestrou-a com a ameaça de uma arma de fogo, juntamente com uma amiga desta. Motivo: Eloá tinha acabado o namoro e o rapaz não aceitou.
O sequestro durou, dizem, cerca de 100 horas, o que corresponde a 4 dias e mais algumas horas. A polícia cercou imediatamente o local e, durante esses 4 dias e algumas horas, tentaram negociar com o sequestrador, sem quaisquer resultados. O sequestrador acabou por soltar a amiga da Eloá, mas ela voltou a entrar no apartamento, sabe-se lá porquê. Durante esse tempo todo as duas raparigas assomaram várias vezes a uma janela, vendo-se também por várias vezes a cara do sequestrador.
No final desses 4 dias e algumas horas acabou a peça dramática: Eloá levou dois tiros, um na virilha e outro na cabeça, e a amiga levou um tiro que lhe atravessou a boca de lado a lado. Eloá acabou por morrer no hospital, mas a amiga está fora de perigo.
Após este desfecho sangrento, as televisões afadigam-se em encontrar os “verdadeiros” motivos do drama, com entrevistas a “técnicos especializados”, a advogados, ao comandante da polícia, etc. mais uma chusma de gente tentando justificar o acto tresloucado como devido a forte “stress” emocional, e que se tratou mais de um acto impensado, passional, do que de um assassínio frio e premeditado. O rapaz, a “vítima” infeliz dos acontecimentos, foi levado para uma prisão preventiva (só faltava não ser preso) e colocado numa cela individual porque os outros presos não se sentiam bem na sua companhia. A advogada do rapaz diz que ele só disparou porque a polícia arrombou o apartamento.
Este é um caso paradigmático do estado a que a sociedade chegou e que merece alguma reflexão:
- A polícia tinha atiradores especiais colocados estrategicamente e teve várias oportunidades de abater o criminoso. Não o fez, não aproveitou as oportunidades, porque o rapaz era um jovem, provavelmente com um futuro promissor – de certeza um verdadeiro vencedor na vida à custa de um revólver –, e porque se a polícia tivesse atirado e o tivesse abatido, aí sim, todos os meios de comunicação lhe cairiam em cima, devido à sua crueldade e falta de respeito pelos direitos humanos (do rapaz, que das verdadeiras vítimas, não interessa).
- Durante 4 dias e algumas horas, o criminoso teve que se alimentar, teve que ir ao banheiro, teve que dormir ou dormitar, que ninguém aguenta tanto tempo sem cair no sono. Durante esse tempo todo as raparigas assomaram várias vezes à janela. Apesar disto tudo, não houve coragem de arrombar o apartamento e acabar de vez com a história.
- Somente depois de ouvir os disparos dos tiros é que a polícia arrombou e entrou no apartamento, ao contrário do que diz a advogada do rapaz. Este levou 4 dias para pensar no que iria fazer e, ao fim desse tempo todo não consegui uma saída melhor do que assassinar a ex-namorada e ferir a amiga.
- Durante toda a tragédia, a polícia só estava autorizada a usar balas de borracha.
Uma amiga minha, gente do povo, expressou assim o que pensava: não existe mais senso nenhum do que é certo e do que errado.
Ela tem toda a razão. Existe realmente uma autêntica corrupção de valores da sociedade que nos está a levar para um abismo, onde ninguém mais saiba o que é certo e o que é errado. Graças a essa corrupção de valores o número de vítimas reais é cada vez maior, porque estas não têm ninguém a defendê-las nos seus direitos humanos, pois estes hoje em dia, parece que pertencem exclusivamente aos criminosos.

sábado, 18 de outubro de 2008

A Crise Financeira dos Pobres

Hoje dei com uma notícia que só não me deixou mais preocupado porque já sabia que as coisas eram mais ou menos assim, mas não deixei de pensar nos graves problemas por que devem estar a passar todos aqueles que gostam de investir em bolsas, especular com o dinheiro dos outros, no meio de forrobódós monumentais com a droga solta e o álcool escorrendo pelas gargantas dos pobres meninos família e das coitadas das meninas família, que não têm alternativa senão entregarem-se aos vapores enebriantes de Baco e às sensações afrodisíacas de Astarte.
Não deixei de pensar nos pobres coitados dos empresários especuladores da bolsa e do dólar, ao verem aquela cair e este subir de cotação, ameaçando tudo quanto conseguiram amealhar à custa dos baixíssimos salários e empregos temporários. Devem estar as passar por momentos terríveis de incerteza quanto ao futuro, como é que irão conseguir manter o seu “status” no meio de uma crise destas.
Não deixei de pensar nos pobres dos bancos e dos banqueiros, que se viram de repente sem fundos, porque passaram o tempo a fazer caridade, emprestando dinheiro a quem não podiam emprestar e sabendo que não iam tê-lo de volta. Mas caridade é caridade e quem dá o que tem a mais não é obrigado e sabe-se muito bem que existe sempre uma recompensa, nem que seja no céu, para quem passou a vida a ajudar os outros. Não será preciso esperar tanto, que os santos Estados aí estão numa missão humanitária, alargando os cordões às bolsas – que não são as deles -, em socorro dos pobres banqueiros.
Desconfio seriamente que quando a ”poeira assentar”, os ricos estarão ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres e serão estes, naturalmente, que terão que pagar a factura dos desmandos feitos pelos ricos no seu esforço em ajudar os pobres e desvalidos da vida. Bilhão para cá, bilhão para lá, tudo se resolverá e tudo ficará na santa paz do Senhor.
Voltando à notícia que me fez pensar nestas tristes coisas, ela dizia que 18 por cento da população portuguesa, de acordo com estatísticas da União Europeia de 2006, vive abaixo do limiar de pobreza, ou seja, que vive com menos do que 366 euros por mês. Dizia ainda que Portugal, juntamente com a Irlanda, a Holanda e Malta, eram os únicos países que tinham registado progressos no combate à pobreza, que o nvel de pobreza em países como a Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Hungria, Itália, Lituânia, Letónia, Luxemburgo, Polónia, Suécia e Roménia, tinha piorado. Resumindo, na União Europeia há apenas 78 milhões de pessoas no limiar da pobreza, o que corresponde a, mais ou menos, 16 por cento da população.
Nada de mais, não é verdade? São apenas 78 milhões. O que é isso comparado com a crise das Wall Street do mundo?
Mas mais interessante ainda, a notícia dizia que morrem diariamente em todo o mundo, repito, diariamente, 50.000 pessoas devido a pobreza extrema, sendo a fome uma das faces dessa pobreza. Nada de mais, são apenas 50.000 seres humanos que, privados de tudo, do mais essencial para a sua sobrevivência, acabam por perecer na maior e extrema agonia. No final do ano são mais de dezoito milhões de pessoas que morrem nas condições mais horríveis.
Acrescenta ainda a notícia que novecentos milhões de pessoas não conseguem garantir uma alimentação adequada, quer dizer, devem passar a vida no Mac Donalds e outros similares. Mais ainda, que mais de mil milhões (1 bilhão) de pessoas sobrevivem com menos de um dólar por dia.
Ora bem, compreende-se assim a grande preocupação dos especuladores da bolsa, dos aforradores dos dólares, dos empreiteiros da desgraça alheia. Será que eles conseguiriam sobreviver com um dólar por dia?

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Cadernos Esotéricos - Origens do Ritual Maçónico - 2ª Parte

O ritual da maçonaria e o ritual da Igreja brotaram da mesma fonte: o Gnosticismo original, herdeiro dos segredos dos mistérios egípcios. Mas enquanto a maçonaria deu continuidade a esses mistérios através, na época, do cristianismo esotérico, a Igreja organizou-se a partir do paganismo exotérico.
Há quem ache que a maçonaria tem a sua origem na lenda de Hiram, ou Hiram Abiff, mas esta lenda é um mito criado não antes do século XVIII e que encerra em si profundos ensinamentos através da sua simbologia. Por exemplo, em termos astrológicos, três companheiros assassinam Hiram, representando os meses do Outono, culminando no solstício de Inverno, e 9 mestres procuram o seu corpo, representando os restantes meses do ano. Tem a ver também com o processo de morte e ressurreição, pois a natureza está aparentemente morta nesses dias obscuros de inverno, para ressuscitar com o crescimento dos dias (mais Sol) que antecedem a Primavera.
A introdução na maçonaria do espírito bíblico também é tardia e acontece também depois do século XVIII. Aqueles que sustentam a origem em Hiram argumentam que os maçons são conhecidos como “os filhos da viúva”, e que Hiram, chamado por Salomão para a construção do templo, era filho de uma viúva da tribo de Neftali, cujo pai era natural de Tiro (1Reis 7-13).
Mas se nos reportarmos às origens egípcias, vamos encontrar a história de Hórus, cujo pai, Osíris, foi morto por Seth e Ísis, sua mãe, é viúva na altura do seu nascimento. Esta história fazia parte dos mistérios interiores egípcios, mais tarde adoptados pelo gnosticismo ou cristianismo esotérico. Ragon, escritor e um dos mais ilustres maçons do século XIX, membro do Grande Oriente do Rito de Mizraim, realizou algumas representações ritualísticas para o público. A primeira, realizada em 15 de Maio de 1817, foi uma representação do 1º grau, a iniciação de Hórus. A segunda representação foi realizada em 1 de Junho do mesmo ano e tratou-se da admissão de Hórus às 5 viagens do 2º grau. Dias mais tarde fez uma terceira representação em que Hórus se apresentou ao público coroado de flores de lótus, marchando à frente de uma procissão de Ísis – a manifestação do iniciado. Nestas representações se vê claramente as origens egípcias da maçonaria tradicional. Claro que depois destas representações públicas Ragon teve que abandonar o rito de Mizraim.
Da mesma forma que muitas igrejas, o tecto dos templos maçónicos é, muitas vezes, pintado de azul e juncado de estrelas, numa alegoria à abóbada celeste. Isto foi copiado dos templos egípcios onde o Sol e as estrelas eram adorados.
É do oriente que nasce o Sol, de onde vem a luz e a vida. Por este motivo as igrejas são orientadas de oriente para ocidente, ficando o altar no oriente, simbolizando o caminho da luz. O mesmo acontece com os templos maçónicos, cujo interior pode ter algumas variações conforme os ritos, mas são orientados para oriente, de onde vem o “Rei da Glória”, o Sol, que em termos humanos se transformou no Cristo. No tempo de Constantino, quando este legalizou o cristianismo em todo o império romano, a religião pagã que vigorava era a do “Sol Invictus”, à qual ele se manteve fiel até aos seus últimos dias, pois só se deixou converter ao cristianismo pouco antes de morrer. “Sol est Dominus Meus”, diz David no salmo 95, mas nas traduções autorizadas da Bíblia, foi convenientemente transformado em: “Porque Javé é um Deus grande, o soberano de todos os deuses”. Esta frase traduzida assim tem muito que ver com politeísmo, mas vou deixar isto para outra crónica.
Como já disse numa crónica anterior, os primitivos cristãos abominavam templos e altares. Eles achavam que não tinham que se esconder, nem esconder o seu objecto de adoração – o Sol. Seguiam os ensinamentos de Paulo, o Mestre Iniciado, o “Mestre Construtor”, de não orar em sinagogas e em templos, como fazem os hipócritas “para serem vistos pelos homens”. A razão principal era a existência de uma luz maior, a imagem do Grande Arquitecto, alegoricamente simbolizada pelo astro-rei, o Sol.
Para Ragon, “os templos maçónicos são iluminados por três luzes astrais, – o Sol, a Lua e a Estrela Geométrica –, e por três luzes vitais, – o hierofante e seus dois vigilantes, – porque um dos pais da maçonaria, Pitágoras, sugeriu que não deveríamos falar das coisas divinas sem estarmos esclarecidos pela luz.” Por este motivo os pagãos celebravam a “festa das luzes” em homenagem a Minerva, Prometeu e Vulcano, o que causava embaraços aos iniciados no cristianismo esotérico que afirmavam: “Se eles se dignassem contemplar essa luz que nós chamamos Sol, reconheceriam imediatamente que Deus não precisa das suas luzes”. Mas entre a adoração do ideal em si e a adoração do símbolo, há um abismo. Para o egípcio culto, o Sol era o olho de Osíris, não o próprio Osíris. O mesmo acontecia com os primeiros maçons: o Sol era a representação do Grande Arquitecto, não o Grande Arquitecto.
O ritual da cristianismo primitivo, ou esotérico, deriva da antiga maçonaria, a qual, por sua vez, era a herdeira dos antigos mistérios. Estes eram transmitidos aos neófitos previamente seleccionados, nas criptas dos templos, em voz baixa, de boca a ouvido. Num ritual representando os mistérios era transmitida a antiga sabedoria atlante, tentando sobreviver às deturpações criadas pelo ego de muitos hierofantes e iniciados. De acordo com a “Doutrina Secreta” de Helena Blavatsky, os mistérios foram revelados a eleitos da nossa raça, a 5ª, pelas primeiras dinastias de reis divinos, que reinaram sobre os descendentes nascidos do “Santo Rebanho”. Mais tarde, não se sabe bem porquê, esses reis divinos tornaram a descer (presume-se que na Terra), fizeram a paz com a 5ª raça, instruíram-na e ensinaram-na. Esta paz, significando que houve uma contenda anterior, está expressa na Bíblia através das várias alianças feitas com Javé.
A contenda subentendida pode ter a ver com a corrupção dos ensinamentos recebidos porque, apesar de ter havido um esforço de milhares de anos em tentar manter os mistérios na sua pureza original, os iniciados egípcios foram tentados pela sua ambição pessoal e acabaram por desfigurar uma sabedoria que nos fora transmitida pelos deuses. O significado original de muitos símbolos acabou por se perder devido a interpretações pessoais e jogos de poder.
É sabido que os únicos mistérios que conservaram por mais tempo a sua pureza original, foram os mistérios de Elêusis, em Atenas, celebrados em honra da deusa Deméter e em que se louvava a Natureza. Mas mesmo estes acabaram por cair em decadência quando o Estado Ateniense resolveu transformá-los numa fonte de renda. As iniciações passaram a ser pagas e era iniciado quem tinha dinheiro, não quem merecia. Os mistérios interiores acabaram por ser profanados por sacerdotes corruptos que, a troco de dinheiro iniciavam quem não tinha a menor preparação para entender os ensinamentos. Antes desta queda no obscurantismo, a iniciação era descrita como um “passeio no Templo”, e a “purificação” ou “reconstrução do Templo” referia-se ao corpo do iniciado na sua última e suprema prova. É isto que está escrito no evangelho de João, 2-19: “Destruam esse Templo e em três dias eu o levantarei”.
Desaparecidos os mistérios, a antiga sabedoria tentou sobreviver através dos gnósticos, que eram verdadeiramente os antigos maçons. Apesar da ascensão ao poder de Roma do cristianismo, através de Constantino, o gnosticismo continuou a ser uma força muito poderosa. Perante a situação, o cristianismo fez o que se habituou a fazer dali para a frente: esmagou o gnosticismo. Teodósio I, imperador romano, aprovou e fez publicar mais de cem leis contra os gnósticos. No ano de 381 o gnosticismo passou à condição de heresia e de crime contra o Estado. As escrituras gnósticas foram completamente destruídas e queimadas e todo o debate filosófico foi suprimido. Uma das proclamações dizia: “Não haverá oportunidade para nenhum homem sair a público e discutir religião ou debatê-la ou dar qualquer conselho”.
Um abade assistente de Cirilio, poderoso bispo de Alexandria no início do século V, dirigiu ataques às comunidades heréticas, dizendo: “Farei com que reconheçam o arcebispo Cirilo, ou então a espada eliminará a maioria de vós, e além disso aqueles que foram poupados irão para o exílio”.
Agostinho, o santo Agostinho porta-voz do cristianismo católico, achava que a força militar era necessária para suprimir os heréticos.
A espiritualidade tinha assim os dias contados, a gnose de Paulo tinha-se transformado na religião de obediência e terror da Igreja romana. A imensa vaga de obscurantismo invadiu tudo, obrigando todos sem excepção e sob pena de severa punição, a uma obediência cega à sua doutrina. Durante séculos, os iniciados tiveram que se esconder ou assumir papeis que não eram verdadeiramente os deles. Apesar das perseguições e dos riscos para a própria vida, os alquimistas continuaram á procura do ouro espiritual, da verdadeira Pedra Filosofal.
(Continua)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Cadernos Esotéricos - Origens do Ritual Maçónico - 1ª Parte

A Maçonaria dividiu-se em vários ramos, ou tendências, ou obediências, conforme cada um o entenda, principalmente depois do século XVII. Por este motivo hoje conhecemos um sem número de tendências ou Ritos. Não vou aqui descrever esses Ritos porque a explicação pode ser encontrada facilmente na Internet, onde há vários “sites” com explicações bem pormenorizadas.
O fundamentalismo religioso cristão tem considerado desde sempre a Maçonaria como seu inimigo principal. Por este motivo, durante muitos séculos os seus membros reuniam-se secretamente, assim como a identidade dos que se reuniam só era conhecida deles mesmo. Hoje já não há muita necessidade desse secretismo mas, mesmo que seja por tradição, a Maçonaria continua a ser uma organização que se diz secreta, embora os seus membros e dirigentes sejam conhecidos, senão da generalidade do público, pelo menos daqueles que se interessam por estes assuntos.
Na origem da Maçonaria não existia secretismo, mas sim exclusivismo, quer dizer, no Antigo Egipto os Mistérios Interiores era reservados a uma elite escolhida pelos membros de cada Escola de Mistérios. Os Mistérios Exteriores eram dedicados ao público em geral, o qual assistia aos rituais realizados no exterior do templo. Nos Mistérios Interiores, participava apenas essa elite e realizava-se no interior do templo sem acesso ao público. Foi assim que muitos dos sábios e filósofos gregos foram iniciados nas Escolas de Mistérios do Antigo Egipto.
O secretismo começou a tornar-se necessário logo nos primeiros tempos do Cristianismo, longe estava ainda a Maçonaria de ser conhecida por esse nome. Como já vimos em crónicas anteriores, os gnósticos foram os herdeiros das Escolas de Mistério do Egipto, as quais tinham entrado em decadência depois da invasão de Alexandre Magno, cerca de 320 a.C. A pouco e pouco os grupos gnósticos foram resguardando os ensinamentos das antigas Escolas de Mistérios, transformando-os num movimento interno que veio a desaguar mais tarde no Cristianismo ou, na busca do Cristo interior através da Gnose. Mas o Cristianismo Gnóstico sofreu logo de início a perseguição dos que começaram a formar as várias igrejas impondo a sua visão literalista do Cristianismo. Foi o fanatismo que estabeleceu os alicerces da nova religião, que se fixou definitivamente com o imperador Constantino.
Apesar da liberdade de que hoje desfrutamos no mundo ocidental, em que cada um é livre de seguir a crença ou filosofia que entender e que estiver de acordo com o seu íntimo, o fanatismo continua vivo e actuante, arregimentando milhares ou milhões de pessoas às suas ideias. Foi assim que dei com um “site” na Internet, aparentemente com largos milhares de aderentes e defendendo as doutrinas evangélicas, que logo no título dizia: “Maçonaria, o Braço Direito do Diabo – Desmascarando essa Filial do Império das Trevas”. E depois acrescentava: “Maçonaria: Ramificações: AMORC, Lions Club, Rotary Club, De Molays, Shrines, The Daughters of the Nile, Amaranth, Estrela do Oriente, Grotto, Cavaleiros Templários, Rito de York, Rito Escocês, Illuminati, P2, Skull and Bones, Ordem do Dragão.” O resto do texto é um conjunto de argumentos baseados nos evangelhos, dos quais faz inúmeras citações, atribuindo à Maçonaria e aos grupos acima indicados, todos os males do mundo. Para essas igrejas Jesus é Deus, ou o Filho de Deus encarnado na Terra, quando o próprio Jesus recusou essa condição: “Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?” Jesus respondeu: “Porque me chamas de bom? Só Deus é bom, e ninguém mais” (Marcos 10-17). Um “site” a evitar para quem quiser manter uma certa saúde mental e psíquica.
Evidentemente que qualquer pessoa com um pouco de lucidez vê que se trata de uma manifestação do fanatismo mais primário, além de que, mistura indiscriminadamente no mesmo saco organizações de natureza diferente. Isto não causaria nenhuma preocupação, apenas um sorriso pela ignorância das pessoas que escrevem no “site”, se esses mesmos indivíduos não estivessem a fazer todo o possível por atingir lugares proeminentes a nível governamental em alguns países.
Mas mesmo a Igreja Católica, apesar da tentativa de abertura que constituiu o Concílio Vaticano II, considera que pertencer à Maçonaria é incompatível com a doutrina da Igreja e que os católicos que se inscrevam em qualquer organização maçónica, depois de saberem a posição da Igreja, incorrem em grave pecado. O Documento da Congregação para a Doutrina da Fé, com data de 26 de Novembro de 1983, e que trata da atitude oficial da Igreja frente à Maçonaria, utiliza a expressão "associações maçónicas", sem distinguir uma das outras. Diz que é vedado a todos, eclesiásticos ou leigos, ingressar nessa organização e quem o fizer, está "em estado de pecado grave e não pode aproximar-se da Sagrada Comunhão".
A influência da Maçonaria na nossa sociedade ganhou maior relevo depois da Revolução Francesa, em que a Igreja foi perdendo terreno à medida em que se atingia uma maior liberdade. Sob o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” o mundo se foi transformando, as monarquias foram-se despojando do seu poder absoluto, algumas foram substituídas por repúblicas, muitos países conquistaram a sua independência, como os EUA e os países da América do Sul. No entanto, a atribuição à Maçonaria desse lema é errónea, como é errada também a atribuição à Revolução Francesa, cujo lema era “Liberdade, Igualdade, ou a Morte”. Também se atribuiu a criação desse lema a Louis-Claude de Saint-Martin, o que também é errado. Esse lema é bem mais antigo e não se sabe, exactamente, qual a sua origem.
Atribuem-se à Maçonaria, através do seu braço armado, a Carbonária, muitos atentados à bomba e assassínios, especialmente contra figuras monárquicas, dentre os quais o atentado que vitimou o rei D. Carlos de Portugal, em 1 de Fevereiro de 1908, prelúdio da revolução que iria instaurar a República em 1910.
Embora alguns elementos da Maçonaria tivessem ligações com a Carbonária, esta não é, nem nunca foi o braço armado daquela. Era e é, porque ainda existe, uma organização independente, cujas acções por vezes, embora de forma brutal, correspondiam a objectivos da Maçonaria. Nestes objectivos estariam, por exemplo, a abolição da monarquia em alguns países. É interessante ler um texto notável de Fernando Pessoa, insurgindo-se contra uma proposta de lei que visava a proibição das sociedades secretas: “Ora no nosso país, caída há muito em dormência a Ordem Templária de Portugal, desaparecida a Carbonária – formada para fins transitórios, que se realizaram –, não existem, suponho, à parte uma outra possível Loja Martinista ou semelhante, mais do que duas associações secretas dessa espécie. Uma é a Maçonaria, a outra essa curiosa organização que, em um dos seus ramos, usa o nome profano de Companhia de Jesus, exactamente como, na Maçonaria, a Ordem de Heredom e Kilwinning usa o nome profano de Real Ordem da Escócia”. Talvez a figura mais notável pertencente à Carbonária, terá sido Giuseppe Garibaldi, de cujas acções foi unificada a Itália e o Vaticano deixou de ter poder sobre a cidade de Roma.
A acusação de ateísmo que é feita, na generalidade, à Maçonaria, deve-se à existência de algumas organizações maçónicas que se dizem ateias. Não se percebe muito bem com o é que se pode ser ateu a actuar num recinto sagrado efectuando rituais e se reportarem ao G.A.D.U. (Grande Arquitecto do Universo). É verdade que essas organizações não são hoje mais do que grupos de tráfego de influências, o que acontece também com algumas das organizações não ateias. No entanto, apesar dos condicionalismos do mundo de hoje, em que o profano se impõe ao sagrado, existem ainda organizações maçónicas fiéis aos seus princípios milenários de grande espiritualidade.

domingo, 5 de outubro de 2008

Segredos do Cristianismo - VI - O Maior Segredo

No século XII aconteceu algo de insólito que os pesquisadores e historiadores não conseguiram decifrar até hoje. Trata-se dos Templários, da formação da Ordem do Templo, da sua extraordinária e rápida expansão, do seu poder e da sua riqueza.
A Ordem do Templo foi fundada um pouco posteriormente à Ordem do Hospital, ou dos Hospitalários, mas enquanto esta se manteve estável e comprometida com os objectivos da sua fundação – a ajuda e socorro aos peregrinos da Terra Santa, a Ordem do Templo teve um início estranho e depois, apesar de se manter na Palestina para proteger os peregrinos, expandiu-se rapidamente pela Europa, ganhando um poder superior ao da maioria dos Estados europeus.
A Ordem do Templo foi fundada por nove cavaleiros que participaram na 1ª Cruzada. De 1118, data da sua fundação, até 1127, durante nove anos, não admitiram ninguém nas suas fileiras. Permanecem em Jerusalém durante nove anos e o que estiveram a fazer durante esses nove anos pouco ou nada se sabe. Aparentemente estiveram instalados no que restava das antigas cavalariças do Templo de Salomão onde terão descoberto documentos importantes, segundo alguns, ou um grande tesouro segundo outros.
Aqui convém fazer uma pausa e pensar no que significa a descoberta de um tesouro ou, que características teria esse tesouro. Tradicionalmente um tesouro é constituído por ouro e pedras preciosas mas, pode ser constituído por outras coisas, como esses documentos importantes de que alguns falam, documentos que teriam dado à Ordem um tremendo poder e que a fez catapultar-se para a organização mais importante e mais temida da Europa. Esses documentos estariam relacionados com a história do Cristianismo, o que terá obrigado o Papa, por influência do abade de Claraval, São Bernardo, uma figura enigmática, a reconhecer a Ordem e a conferir-lhe as regras, estas também idealizadas por ele.
Bernardo de Claraval, de monge obscuro cisterciense, tornou-se a figura mais influente da sua época. Enviado em 1115 para Clairvaux (Vale Claro) para fundar uma nova abadia da Ordem de Cister, fundada em 1098, logo começa por impor uma disciplina severa, o que não impede que muitos candidatos comecem a afluir à nova abadia. Sob a sua regência, a Ordem de Cister tem uma expansão fantástica, semelhante à expansão templária pois, por alturas da sua morte aos 63 anos de idade, a Ordem de Cister tem 500 mosteiros em toda a Europa.
Considerado um ortodoxo, defendendo sempre a doutrina oficial da Igreja, Bernardo foi o “padrinho” dos Templários junto da Santa Sé, conseguindo a sua aprovação pelo Papa e dando à Ordem do Templo as regras que ele escreveu pelo seu próprio punho, daí se dizer que as regras do Templo eram semelhantes às da Ordem de Cister. Terão os templários partilhado com ele o seu segredo e assim a Ordem de Cister se expandiu também rapidamente? Seria a sua ortodoxia um escudo por detrás do qual manipulou os poderes da época?
Se os Templários possuíam um segredo capaz de abalar as estruturas do Cristianismo e da própria Igreja, esse segredo perdeu valor e entrou em descrédito depois da perseguição desencadeada por Filipe IV de França, o Belo. Acusando os Templários de heresia e de perda do sentido de missão para a qual a Ordem havia sido fundada, retirou qualquer credibilidade ao segredo que eventualmente os templários possuíssem. Apesar de absolvidos da heresia pelo Papa Clemente V, isto não obstou a que fossem torturados pela Inquisição e muitos queimados vivos, incluindo o seu Grão-Mestre, Jacques de Molay.
Depois desta absolvição não faz nenhum sentido que continuassem a ser perseguidos, torturados e queimados, a não ser que se quisesse eliminar qualquer vestígio deles à face da Terra. Por outro lado a teoria de que o rei Filipe IV desencadeou essa perseguição para deitar mão às riquezas templárias, pode isto ter sido uma das consequências, mas não, certamente, o que a motivou.
Para podermos compreender melhor o que poderia ser esse segredo, vamos voltar aos primeiros tempos do Cristianismo, vamos voltar a Paulo de Tarso. Quem era, efectivamente, Paulo ou Saulo de Tarso? De acordo com a Wikipédia, “O apóstolo Paulo de Tarso, cujo nome original era Saulo, é considerado por muitos cristãos como o mais importante discípulo de Jesus e, depois de Jesus, a figura mais importante no desenvolvimento do Cristianismo nascente.” Para além de outras considerações esta é a ideia que nos tem vindo a ser transmitida ao longo do tempo. Mas quem era o verdadeiro Paulo?
Tradicionalmente, Paulo é considerado o grande combatente contra os gnósticos heréticos. No entanto, os sábios gnósticos do início do século II consideravam Paulo o maior Apóstolo e veneravam-no por ele ter sido a inspiração do Cristianismo gnóstico. Muitos grupos gnósticos atribuíam a Paulo a sua fundação, chamando-se eles próprios de paulistas, apesar da perseguição da Igreja romana até ao século X. Se Paulo foi tão antignóstico como a Igreja reclama, é estranho que seja citado em inúmeros textos gnósticos e que alguns lhe sejam atribuídos. A biblioteca de Nag Hammadi inclui “A Oração do Apóstolo Paulo”, “O Apocalipse de Paulo” e “Os Actos de Paulo”. Este último descreve Paulo viajando com uma companheira chamada Tecla, uma mulher que efectuava baptismos.
Paulo escreve cartas a sete igrejas em sete cidades, conhecidas como centros de Cristianismo gnóstico. Das treze cartas que constam do Novo Testamento, apenas sete são consideradas genuínas, as outras são falsificações acrescentadas mais tarde. Somente nas chamadas cartas pastorais dirigidas a Timóteo e Tito, consideradas universalmente como falsificações, é que Paulo se revela antignóstico. Nestas cartas Paulo é posto a condenar veementemente as doutrinas gnósticas.
Por via destas cartas pastorais, Paulo é transformado de gnóstico em antignóstico. Na primeira metade do século II, Clemente, bispo de Roma, nega terminantemente o estatuto de Paulo como Apóstolo, dizendo inclusive que Paulo nunca viu efectivamente o Cristo ressuscitado. A revelação de Paulo na estrada de Damasco é considerada como um fenómeno demoníaco. Pedro, por sua vez, considera Paulo como seu inimigo, que convenceu alguns gentios a rejeitar a lei judaica e a ensinar coisas tolas e heréticas. Paulo é considerado um elemento de divisão do Cristianismo, inspirado por Satanás, um elemento perigoso que deveria ser expulso da Igreja.
Paulo foi contemporâneo de Jesus mas, por incrível que pareça e sendo Paulo um dos sacerdotes do templo de Jerusalém, nunca se encontrou com Jesus. Nas suas cartas verdadeiras nunca se refere a Jesus como alguém que tenha existido, refere-se ao Cristo que, em termos gnósticos significa o Cristo interno de cada um. Nas suas cartas verdadeiras usa muitos termos caros aos gnósticos como pneuma (espírito), gnosis (conhecimento divino), doxa (glória), sophia (sabedoria), teleoi (o iniciado), etc.
Paulo escreveu em grego e só faz citações da versão grega do Antigo Testamento. O seu trabalho relaciona-se com as cidades pagãs dominadas pela cultura grega. Assim, Antioquia era um centro dos Mistérios de Adónis, Éfeso era um centro dos Mistérios de Átis e Corinto o centro dos Mistérios de Dionísius. Natural de Tarso, esta cidade era o centro da filosofia pagã, ultrapassando na época Atenas e Alexandria. Tarso era a cidade onde se originaram os Mistérios de Mitra e não é possível imaginar que Paulo não se tenha dado conta das semelhanças entre estes Mistérios e as doutrinas cristãs.
Tal como os gnósticos, Paulo era extremamente depreciativo acerca das manifestações externas da religião – cerimónias, dias santos, regras, leis. Tal como os gnósticos, afirmava que os verdadeiros cristãos se tornavam em Cristo. À semelhança dos gnósticos, Paulo não prega a servidão á Lei, mas a liberdade espiritual através da Gnose. Vai ao ponto de declarar a Lei de Jeová, tradicionalmente sagrada, a própria base da religião judaica, ser uma maldição e que Cristo nos resgatou dessa Lei. Para Paulo, assim como para os gnósticos, através da partilha do sofrimento e da ressurreição de Cristo, o iniciado cristão pode ser redimido da Lei e libertado: “Agora, tendo morrido, estamos para além do alcance da Lei que nos subjugava”.
É provável que haja quem discorde do que aqui fica escrito, que afinal a Bíblia não diz nada disso, que Paulo se refere a Jesus como pessoa física, pois basta ler a Carta aos Romanos. Pois é, mas a Bíblia tem sofrido inúmeras alterações à sua versão original, adaptando o seu texto conforme os interesses do momento. Dou como exemplo o Evangelho segundo João. Logo no prólogo, as actuais Bíblias dizem: “No começo a Palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus, e a Palavra era Deus”. A anterior fraseologia dizia o seguinte: “No início era o Verbo: o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus”. Parece que não, mas trata-se de uma alteração que adultera completamente o texto original, pois Verbo não é a palavra, Verbo é muito mais do que a palavra, Verbo é o som primordial através do qual a vida foi criada. Os budistas sabem isto e por isso usam os mantras, que são sons, não são palavras. Por outro lado cada uma das versões actuais do Cristianismo adaptou a Bíblia, principalmente o Novo Testamento, à sua medida. Assim, a Bíblia católica não é igual à Protestante, esta não é igual à Evangélica, etc., etc.
Para terminar, não vou revelar qual é o segredo maior, ele está implícito neste texto e nos outros que tenho vindo a escrever sobre o assunto. Cada um é livre de pensar o que quiser, ou de não pensar e agarrar-se à crença como resposta para todas as dúvidas.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Uma Crise Anunciada!

Como eu não entendo nada de economia, me expliquem por favor o que é essa crise financeira, crediária, hipotecária, económica, que estourou nos EUA e ameaça estender-se a todo o mundo, com consequências que ninguém sabe, exactamente, quais serão. Parece que os bancos emprestaram dinheiro para as pessoas poderem comprar casas, o que é absolutamente normal. Mas continuaram a emprestar mesmo depois do valor das casas começar a cair, para as pessoas poderem fazer negócios para além das suas próprias casas, o que deixa de ser normal. Resultado: com tanto dinheiro emprestado sobre valores imobiliários muito superiores aos que atingiram depois da queda desses valores, pimba, os bancos deixaram de receber o que tinham a receber e começaram a não ter dinheiro suficiente para honrar os seus depósitos. Mais grave ainda, emitiram uma espécie de acções sobre os créditos concedidos e venderam essas acções nas bolsas de todo o mundo. Como consequência, parece que há não sei quantos bilhões de dólares em créditos incobráveis e não sei quantos bilhões de dólares em papeis sem valor na posse de muitos bancos ao redor do mundo. Este é o retrato que alguém vê quando, como eu, não percebe nada de economia. Aliás, nem sei se alguém hoje entende o que se está a passar e o que se avizinha.
A ideia que ressalta de toda esta situação, é a de que a economia dos países assenta hoje sobre bases falsas. Quando as moedas deixaram de ser garantidas pelo ouro depositado nos bancos centrais de cada país, passaram a ter um valor apenas facial, quer dizer, passaram a valer apenas o que estava escrito nos papeis moeda, valor apenas garantido pelo Estado. O valor relativo de uma moeda em relação às outras, situação conhecida como cambial, passou a depender de um conjunto de factores, como o produto bruto interno, o saldo da balança de pagamentos, a quantidade de moeda externa existente internamente, etc., enfim, um emaranhado de situações que não corresponde hoje a nenhum padrão. Por exemplo, no Brasil, a moeda local, o real, tem vindo a valorizar-se em relação ao dólar pela simples razão de existirem dólares em excesso no mercado interno e o saldo da comercial entre importações e exportações é ainda favorável em cerca de 4 bilhões de dólares. A grosso modo e perdoem-me os especialistas, é isto o que acontece.
Evidentemente que a crise que se vive actualmente resulta do excessivo consumismo promovido incessantemente na sociedade, levando esta a consumir cada vez mais coisas que não precisa e a endividar-se cada vez mais. Depois resulta também da competição entre as empresas na conquista de mercados, oferecendo facilidades de crédito sem quaisquer garantias.
Há uns dois ou três anos que ouço falar na crise do mercado imobiliário nos EUA. Não acredito que os bancos americanos não soubessem da situação e que esta se estava a tornar perigosa. Mesmo assim continuaram a emprestar dinheiro. Não acredito que os bancos internacionais também não estivessem informados. Mesmo assim, compraram os tais papeis emitidos pelos bancos americanos e que agora não têm nenhum valor.
Mas nada parece estar perdido, o Estado americano tem um plano de empréstimo (é empréstimo?) para salvar os bancos e as instituições financeiras da bancarrota, qualquer coisa como 800 mil bilhões de dólares, uma quantia que não consigo sequer imaginar. A Comunidade Europeia parece que quer fazer a mesma coisa para salvar os bancos que compraram os tais papeis falsos. Injectando todo esse dinheiro, as instituições financeiras passam a ter de novo liquidez e podem continuar a operar no mercado. Mas… quem vai pagar tudo isso? Onde é que o Estado americano vai buscar esse dinheiro todo? Vai simplesmente emitir papel moeda, aumentando a sua dívida interna que julgo que é a maior do mundo e que nunca será paga certamente? Vai continuar a fomentar guerras para se recuperar à custa da desgraça dos outros?
Os tempos que se avizinham estão carregados de perspectivas sombrias. Sabemos quem é que irá pagar a factura, não serão certamente aqueles que provocaram toda a situação. Provavelmente os países fornecedores de matérias primas verão os preços desses produtos baixarem demasiadamente, aumentando a sua pobreza e dependência; teremos muito provavelmente uma grande carestia de vida, acompanhada por uma subida em flexa dos impostos. O dinheiro poderá perder completamente o seu valor e as propriedades não terão qualquer valor pois não haverá dinheiro para comprá-las. Estarei a ser demasiadamente pessimista? Aguardemos.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A Guerra dos Imbecis

Acreditar que o mundo, o universo e o homem foram criados há cerca de seis mil anos, número deduzido do Génesis da Bíblia somando a idade dos patriarcas, é pura ignorância. Mas se a pessoa não é ignorante, de presumível cultura e conhecimentos, então passa à condição de imbecil. Pior ainda, se tenta convencer outros destas suas ideias criacionistas, será um imbecil de má fé.
É um facto que a ciência tem tido sérias dificuldades para chegar a um consenso sobre a origem e evolução do homem. Mas também é um facto incontroverso que todos os dias surgem mais pistas, mais fósseis são achados, o que não vem esclarecer nada, mas aumentar apenas a confusão E depois há essa coisa do elo perdido, quer dizer, não se percebe muito bem como é que o homem passou de um estágio a outro mais evoluído sem haver uma ligação visível com o estágio anterior. Mas se a confusão existe, é porque há muito material a ser investigado e muitas teorias a serem desenvolvidas de forma coerente, o que não justifica que nos voltemos para o criacionismo literal da Bíblia para resovermos a questão.
Apesar de tudo já se sabe muito sobre a ancestralidade do homem, ou do homo sapiens, como somos actualmente classificados. Apesar de ter havido vários homos, nenhum deles sobreviveu de modo a que pudéssemos achar um elo entre esses homos e o actual.
Durante muito tempo acreditou-se que o homo sapiens tivesse evoluído a partir do homem de Neanderthal, mas as análises recentes de DNA vieram demonstrar que não há nenhuma ligação genética entre os dois, embora tivessem sido mais ou menos contemporâneos há cerca de 200.000 anos. Em tempos mais remotos vamos encontrar vários espécimes de homo, como por exemplo o homo habilis, o ergaster ou o homo erectus, todos vivendo entre cerca de 2,4 e 1,25 milhões de anos atrás. Depois vem o homo heidelbergensis com uma antiguidade entre 800 e 300 mil anos. Há 160 mil anos terá vivido o homo sapiens idaltu, muito parecido anatomicamente com o homem actual. Em 2004 descobriu-se o homo floresiensis, que terá vivido há cerca de 12 mil anos e era praticamente um anão, de tamanho muito pequeno. O homo sapiens, os nossos verdadeiros ancestrais, surgiram há 200 mil anos.
Como é que este homo sapiens apareceu ninguém sabe verdadeiramente, daí o chamado elo perdido. Podemos até pensar numa intervenção alienígena, alterando geneticamente algum dos homos existente, a qual teria passado a intervenção divina em termos religiosos, mas se houve intervenção, foi há muito mais tempo dos que os 6 mil anos bíblicos. Seja como for, parece que os nossos antepassados eram africanos e, provavelmente, negros, para desespero dos ainda racistas, apesar de demonstrado que pode haver mais diferenças genéticas entre dois homens da mesma raça do que de raças diferentes.
Para comprovar a nossa origem africana, a Universidade da Califórnia realizou em 1986 uma pesquisa através do DNA mitocondrial, a parte do DNA que só se transmite pela via feminina, com o fim de tentar saber qual a nossa origem mais remota, a Eva primordial. Seleccionaram várias mulheres de várias raças e etnias e chegaram à conclusão de que todos temos origem numa Eva africana que terá vivido no sudeste daquele continente há 150 mil anos.
Nos últimos anos, grupos pertencentes principalmente a igrejas evangélicas e protestantes, têm levado a cabo nos EUA e Inglaterra uma verdadeira guerra jurídica exigindo que as escolas passem a ensinar o criacionismo bíblico em vez da teoria da evolução das espécies. Ou seja, pretendem apagar das mentes das crianças todo o conhecimento actual sobre a evolução da vida, substituindo-o pela crença de que o mundo e tudo o resto foi criado por Deus há seis mil anos. Para além da militância destes grupos protestantes, há também entre os católicos e os anglicanos quem acredite que o mundo não tem mais de seis mil anos.
Em recente discurso na Inglaterra, o reverendo anglicano Michael Reiss sugeriu que as escolas deveriam incluir o criacionismo no currículo escolar. O mais grave de tudo foi esta sugestão vir de alguém que tinha o cargo de director de educação da Royal Society, a mais famosa e prestigiada sociedade científica da Inglaterra. Estas declarações provocaram uma tempestade de reacções, a começar pela sua imediata demissão do cargo que ocupava na Royal Society. A Igreja Anglicana pediu desculpas públicas dizendo que a posição de alguns clérigos não é a posição oficial da Igreja, que nunca condenou Darwin pelas suas ideias. O Vaticano reagiu também dizendo que não há contradição entre as teorias evolucionistas e a fé católica.
Ponho-me a imaginar se algum desses clérigos atingisse o poder em alguns dos países onde se candidatam a cargos, incluindo o de presidente da república, como é que ficaria a educação. Voltaríamos aos tempos pré-Galileu?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Segredos do Cristianismo - V - A Jihad Cristã

“Jihad” é um termo que se aplica quase exclusivamente ao Islamismo, em cujo livro sagrado, o “Alcorão”, que terá sido transmitido ao profeta Muhammad (Maomé) pelo anjo Gabriel, aparece umas vinte e três ou vinte e quatro vezes referido. O seu significado em termos literais quer dizer luta, combate. Na verdade, parece que o “Alcorão” não terá sido escrito por Muhammad, mas sim pelos seus seguidores após a sua morte e ascensão aos céus no local de Jerusalém hoje chamado de “Cúpula Dourada”, pois encima uma das principais mesquitas do Islão e foi também o local onde Abraão foi convidado por Deus a sacrificar o seu filho Isaac. O “Alcorão” terá assim sido compilado segundo relatos orais de Muhammad.
Segundo a interpretação de muçulmanos mais eruditos, este combate realiza-se a dois níveis: o interno e o externo. Internamente, trata-se da luta que o homem trava consigo mesmo, tentando controlar os seus desejos e emoções mais primárias para que se torne num homem justo de acordo com os mandamentos de Allah. Externamente é a luta pela defesa da Nação Islâmica, quando esta se encontra ameaçada.
Como em todas as religiões, existem os grupos e elementos mais radicais que interpretam as coisas à sua maneira e de modo a coincidirem com os seus objectivos. Estes elementos, de que os talibãs são o exemplo vivo, interpretam a “Jihad” como a guerra contra o infiel, sendo infiel todo aquele que não segue as regras do Islão. Portanto, trata-se, neste caso, da chamada “Guerra Santa” que o mundo muçulmano trava contra o Ocidente. Infelizmente temos hoje numerosos exemplos desta “Guerra Santa”, traduzidos em atentados contra alvos ocidentais ou, contra Israel, que representa esse mundo ocidental e é uma faca espetada no meio da nação árabe. A escalada de violência a que temos assistido nos últimos tempos reflecte a luta entre o islamismo radical e as forças “satânicas” do poder ocidental, mas este será assunto para uma outra crónica de características diferentes.
Não se sabe quando é que a designação de “Guerra Santa” começou a ser usada. Talvez tenha começado a ser usada quando da invasão árabe da Península Ibérica, em 711, embora não se possa chamar propriamente de invasão árabe, dado que se tratava mais de povos berberes do norte de África, conhecidos como mouros. Mas esta invasão foi mais para atender um pedido de ajuda dos povos submetidos pelo império Visigodo do que por iniciativa dos muçulmanos. Pela primeira vez na Europa se defrontavam duas religiões: de um lado os muçulmanos, do outro os cristãos, tratando-se uns aos outros por infiéis.
Claro que já tinha havido confrontos, mas não na Europa. Depois da morte de Muhammad (632), os muçulmanos lançam-se contra o Império Bizantino (cristão ortodoxo) e conseguem conquistar a Síria, a Palestina e o Egipto. Os bizantinos conseguem manter a sua capital, Constantinopla. Lançam-se depois contra a Europa do sul e as ilhas mediterrânicas. E assim, conquistam um extenso império mas, devido à sua natureza tolerante e uma brilhante cultura, muito acima da existente na Europa na época, não conseguem manter a unidade desse império que, a pouco e pouco começa a desagregar-se. Por um lado começam a ter de enfrentar a reacção dos países cristãos no seu esforço de reconquista, por outro lado começam a aparecer novos califas e potentados que tentam a separação e independência nos territórios mais distantes.
No início do 2º milénio a Europa era o que ficou expresso nos romances da demanda do Santo Graal como “uma terra devastada”. Este tema prende-se com a situação que se vivia na Europa naquele tempo. Ultrapassada a data “fatídica” do 1º milénio, carregada com as sombras negras das profecias de fim do mundo, a Europa vivia num autêntico caos, dominada pelo poder absoluto de Roma. Terra devastada refere-se à dissolução de costumes, ausência de valores morais e à injustiça de uma sociedade compartimentada entre nobres ociosos, padres viciosos e uma população miserável e escravizada. Esta população era constituída maioritariamente por camponeses que trabalhavam a terra para os seus senhores. Não possuíam a terra, não eram escravos, pois não podiam ser vendidos, mas viviam numa servidão absoluta ligada à terra de onde não poderiam nunca sair. Se a terra fosse vendida, esses servos acompanhavam a terra para os novos senhores. A sua situação miserável e de servidão era imutável. Apesar da quase totalidade da população estar agregada à terra, a agricultura era incipiente na maioria dos Estados. Os nobres e senhores das terras passavam o tempo quase exclusivamente a guerrearem-se mutuamente, a combater uns com os outros, conquistando terras e castelos e fazendo variar as fronteiras indefinidamente. A fome e a doença grassavam por todo o lado. A moral era baixa ou, em muitos casos não havia sequer regras morais, excepto aquelas impostas pela Igreja Católica que, no meio de toda aquela confusão estava mais interessada em firmar o seu poder temporal em vez de se preocupar com a moral reinante. Salvo raras excepções, os membros do clero não primavam também por um comportamento moral que fosse um reflexo de bons costumes para a sociedade.
O sistema social em vigor na Idade Média contribuía fortemente para esta situação. Os camponeses, chamados em algumas regiões “moços da gleba”, não tinham nenhuns direitos, a própria vida dependia da vontade e, muitas vezes, do humor dos seus senhores. Não tinham direito a qualquer propriedade e o que conseguiam produzir da terra lhes era retirado quase na totalidade pelo dono da terra. Não tinham direito a manter a sua família dentro de padrões morais, as suas filhas serviam muitas vezes de concubinas satisfazendo os apetites sexuais dos nobres e dos filhos dos nobres desocupados, que as largavam depois para casarem com um camponês qualquer e continuar a sua vida de miséria. Não havia a menor possibilidade de um camponês ascender na escala social, atingir um estatuto de nobreza ou ser um religioso. Estas situações estavam reservadas à classe nobre. Quer dizer, havia apenas três classes sociais: a Nobreza, o Clero e o Povo. O povo nunca poderia deixar de ser povo, nascia povo, vivia povo e morria povo, muitas vezes morria a defender as terras do seu senhor ou a ajudar o seu senhor a atacar as terras de outros.
Na Nobreza as coisas também não eram fáceis. O único que tinha direito a herdar o título, a fortuna e as propriedades era o filho varão mais velho que estivesse vivo na hora da morte do seu progenitor. Todos os outros filhos e filhas não tinham direito a nada. Os filhos varões tinham três opções de vida: ou ficavam a viver à conta do irmão mais velho, que seria o conde, o duque ou o marquês; ou colocavam-se ao serviço como cavaleiros de um senhor qualquer e passavam a vida a pelejar; ou entravam para um seminário ou um mosteiro e tornavam-se religiosos. Muitos tornavam-se cavaleiros andarilhos oferecendo os seus serviços aqui e ali, até um dia serem mortos numa refrega qualquer. Esta situação está magistralmente relatada na obra “D. Quixote de la Mancha” de Cervantes. O tolo do D. Quixote procura desesperadamente um motivo que justifique a sua existência e a sua condição de cavaleiro andarilho. Dulcineia, a dama por quem se mete em todas as aventuras é a sua anima, o seu lado feminino que procura compensar a brutalidade da sua profissão de cavaleiro. Em outras palavras é o seu Graal pessoal, que procura alcançar, sujeitando-se às cenas e atitudes mais ridículas.
As filhas da Nobreza tinham um destino complicado: ou a família as conseguia casar com algum senhor de bens, normalmente um casamento negociado, ou seguiam o caminho religioso entrando para um convento, onde seguiriam o percurso normal de noviça a freira.
A situação era praticamente incontrolável e havia que encontrar uma saída para ela. No sul da Europa, no norte de África e pressionando o Império Bizantino estava o inimigo principal, o império dos infiéis que, além de tudo o mais, ocupavam a Terra Santa. O Papa Urbano II clamou pela defesa dos peregrinos na Terra Santa e mandou organizar aquela que foi classificada como 1ª Cruzada. Foi assim que começou a “Guerra Santa”, a “Jihad” cristã, que não mais parou durante os próximos séculos.
Esta 1ª Cruzada foi chamada de Cruzada dos Cavaleiros, porque os elementos que a compunham eram em grande parte constituídos por nobres, gente que pertencia à nobreza europeia. Mas reuniu também muita da escumalha que abundava na Europa e que não se tinha juntado à outra Cruzada, essa chamada de Cruzada Popular ou dos Mendigos. O Papa prometeu as maiores indulgências a quem permanecesse na Cruzada, todos os pecados seriam perdoados e um lugar no céu estaria à sua espera. Quantos mais infiéis matasse, mais fácil seria a sua entrada no Paraíso.
Esta 1ª Cruzada conseguiu reconquistar Jerusalém para a cristandade, à custa de um autêntico banho de sangue em que ninguém foi poupado, homens, mulheres, crianças, velhos, judeus, cristãos ortodoxos, todos foram chacinados. Para além deste feito odioso, a 1ª Cruzada conseguiu destruir a sociedade mais culta e evoluída da época.
Segundo alguns autores, a 1ª Cruzada teria à partida cerca de 600.000 homens entre combatentes e pessoal de apoio. Outros afirmam que não teria mais do que 60.000. Acredito mais neste último número, que deve estar mais próximo da realidade, pois muitos cronistas antigos gostavam de exagerar os números. Como no caso de Maara, cidade tomada pelos cruzados no seu caminho para Jerusalém em que o cronista árabe Ibn al-Athir afirma: “Durante três dias, eles passaram as pessoas a fio de espada, matando mais de cem mil criaturas e fazendo muitos prisioneiros” . Isto é um perfeito exagero pois Maara, na altura, não deveria ter mais do que dez mil habitantes. Mas não é exagerada a descrição do cronista Raul de Caen quando se refere aos acontecimentos de Maara: “Em Maara, os nossos coziam pagãos adultos nos caldeiros, enfiavam as crianças em espetos e devoravam-nas assadas” . Necessidade de sobrevivência ou fanatismo? Provavelmente ambas as coisas, pois se por um lado parece que a fome grassava nas fileiras cruzadas, por outro lado os “franji”, como eram chamados pelos árabes, não deviam considerar aquela gente como seres humanos. Como o facto se tornou demasiadamente conhecido, os chefes da Cruzada viram-se obrigados a enviar uma carta ao Papa em que afirmavam: Uma terrível fome atormentou o exército em Maara e pô-lo na cruel necessidade de se alimentar dos cadáveres dos sarracenos” .
Dos 60.000 que havia à partida da 1ª Cruzada, apenas uns 15.000 chegaram á vista de Jerusalém, seu objectivo final. Pelo caminho, as doenças, a fome, a sede, os naufrágios, as batalhas que tiveram que travar contra os seus opositores, foram dizimando o exército cruzado. Antecedendo o banho de sangue em que se transformaria a tomada da Cidade Santa, os cruzados organizaram uma procissão em volta das muralhas da cidade, agradecendo e pedindo a ajuda divina para o assalto final.
As Cruzadas oficiais duraram até 1291, ano em que a 9ª Cruzada perdeu a fortaleza do Acre, o último bastião cristão na Palestina. Mas além destas 9 oficiais houve outras. Já falámos da Cruzada Popular ou dos Mendigos, que se adiantou à 1ª Cruzada. Organizada por um monge, Pedro o Eremita, que conseguiu convencer uma multidão de deserdados da sorte, incluindo mulheres, velhos e crianças, a deslocar-se até à Palestina para resgatar os lugares santos, e dirigida por um cavaleiro tipo D. Quixote, Guautério Sem-Haveres, foi uma Cruzada tumultuosa, criando desacatos pelos lugares por onde ia passando, matando quantos judeus encontravam pelo caminho. Quando chegou às portas de Constantinopla não passava de uma multidão de maltrapilhos esfomeados e mal equipados. Expulsos de Constantinopla por terem começado também a saquear a cidade, foram completamente dizimados pelos turcos quando tentaram tomar Niceia.
Uma cruzada fora do contexto de combate e reconquista das terras tomadas pelos infiéis, foi a Cruzada Albigense, convocada pelo Papa Inocêncio III para combater o catarismo que grassava no sul de França, numa região conhecida pelo nome de Languedoc. Nessa altura já a Inquisição estava perfeitamente actuante e foi ela que conduziu a Cruzada às mais nefastas consequências, culminando com uma imensa fogueira em frente do castelo de Montségur em que os últimos 256 cátaros, que tinham resistido até ao fim, foram queimados vivos.
Sobre os cátaros, assim como sobre praticamente toda a actividade da Inquisição durante séculos, sabemos apenas a versão dos "vencedores”, quer dizer, a versão oficial que a Igreja permitiu que fosse conhecida. Toda a restante documentação, se é que houve alguma outra documentação, foi destruída e queimada. Mesmo assim, o quadro que nos chega é suficientemente tenebroso e perfeito reflexo do que se designou como Idade das Trevas. No caso cátaro, toda a região próxima de Toulouse e Carcassone foi pilhada e suas vilas e aldeias arrasadas. Centenas e centenas de pessoas foram queimadas vivas, numa selvajaria digna de um filme de terror. A “Santa Cruzada”, como também foi chamada, é responsável pelo extermínio de mais de 15 mil homens, mulheres e crianças na cidade de Beziers. Quando perguntaram a Arnaud Amaury, arcebispo de Narbonne e representante oficial do Papa como é que distinguia os hereges dos crentes verdadeiros, ele respondeu:”Mate-os todos. Deus reconhecerá os seus”. O Papa Inocêncio III por sua vez havia prometido a todos os que permanecessem na Cruzada durante pelo menos 40 dias, a completa absolvição de todos os pecados.
A Cruzada Albigense dá-nos um retrato do que era o domínio da Igreja romana sobre toda a Europa. Ao domínio temporal juntava o domínio espiritual. Ninguém se podia afastar dos seus dogmas e da sua doutrina, sob pena de cair na alçada da Sagrada Inquisição. O catarismo foi um movimento de retorno aos princípios cristãos primordiais e que rapidamente conquistou numerosos adeptos, não só no sul de França, mas também no reino de Aragão, na antiga Germânia, na antiga Bulgária, um pouco por toda a parte, onde tomou nomes diferentes. Pagaram todos muito caro pela tentativa de se libertarem dos aguilhões da Igreja romana.
Para completar o quadro tenebroso em que se vivia e que estava presente no espírito das Cruzadas, houve também uma Cruzada das Crianças, realizada a partir da França e da Alemanha e baseada na crença de que somente almas puras (crianças) poderiam libertar Jerusalém. Foi um desastre completo, a maioria das crianças morreu de fome e de frio e as que sobreviveram acabaram por ser vendidas como escravos no norte de África.
A Jihad cristã iria durar mais de cinco séculos, conduzida magistralmente pela Inquisição, que soube levar o terror a todos os cantos do mundo conhecido.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Segredos do Cristianismo - IV - Origens Pagãs dos Rituais da Igreja

Na minha segunda crónica sobre este assunto, falei sobre a natureza pagã do Cristianismo. Embora isto possa ter chocado algumas pessoas, que continuam a achar que paganismo é algo de demoníaco e portanto, que o Cristianismo não pode ter tido tal génese, a origem dos rituais seguidos pelas igrejas cristãs é, definitivamente, pagã. Isto aplica-se também, de forma indirecta, à Maçonaria que, nos primeiros tempos, estava intimamente ligada à religião que acabava de emergir. Esta parte será objecto de outra crónica mas, posso adiantar que Paulo era mação e era denominado nos círculos restritos que frequentava como “o Mestre Construtor”.
São conhecidos vários mitos pagãos sobre o nascimento de um “salvador” que, durante a sua curta vida faz milagres, depois padece, é morto e ressuscita ao terceiro dia. Estes mitos anteriores ao Cristianismo existiram na região a que chamamos Médio Oriente ou, em regiões muito próximas. Mas indo um pouco mais longe, para um lugar bem distante, encontramos na frígida Finlândia uma lenda muito semelhante à da Virgem Maria. É Mariatta, Virgem-Mãe das terras nórdicas.
Ukko, o Grande Espírito, que mora no céu, escolhe encarnar-se em Homem-Deus através da virgem Mariatta. Repudiada pelos pais, que não acreditam que continue virgem estando grávida, abriga-se num estábulo onde, numa manjedoura, nasce o Santo Menino. A lenda tem continuação: a determinada altura o Menino desaparece e Mariatta vai à sua procura; pede ajuda à estrela, mas esta não consegue ajudá-la; acontece o mesmo com a Lua; somente o Sol, com pena dela, lhe diz:
“Acolá está a criança dourada;
Lá repousa dormindo teu Santo-Menino,
Encoberto pela água até à cintura,
Escondido pelos caniços e juncos.
Este poema faz lembrar uma das muitas versões do nascimento de Hórus, no Egipto, em que sua mãe, Ísis, sabendo-o ameaçado de morte por Seth, que já causara antes a morte de Osíris, o esconde no Nilo, no meio de caniços e juncos. Ísis também concebe Hórus como virgem pois, tendo recolhido e reunido os pedaços de Osíris depois da sua morte, não consegue encontrar o falo. Mas, por artes mágicas, consegue engravidar e gerar Hórus.
A palavra igreja deriva do termo latino “ecclesia”, ou do grego “ekklesia”, significando assembleia. Portanto, o verdadeiro significado de igreja é a assembleia de fiéis, e não o edifício onde se realizam os rituais. O termo mais apropriado para o edifício será templo, o local onde se realiza o culto. Durante os primeiros 250 anos da nossa era os grupos cristãos que se formaram não tinham templos nem altares, aliás abominavam uns e outros por serem locais de adoração pagã. Os cristãos primitivos seguiam os ensinamentos de Paulo, de que o homem era o único templo de Deus, no qual o Espírito Santo, o espírito de Deus, permanecia. Somente durante o reinado do imperador Deocleciano (235-284) adoptaram o costume pagão de adoração em templos.
Os altares foram copiados da “Ara Máxima” da Roma pagã. As aras (altares) romanas eram pedras quadradas que se colocavam perto de túmulos ou em templos, consagradas principalmente aos deuses dos lares. Os celtas também usavam essas pedras quadradas nas suas cerimónias druídicas, como por exemplo na Irlanda, onde os reis eram coroados sobre uma pedra idêntica – existe uma dessas pedras na abadia de Westminster, em Londres.
A palavra missa, ritual maior do cristianismo, deriva do hebraico “missah” ou “mizda”, que significa oferenda. Também deriva do latim “messis”, que significa colheita, donde Messias, aquele que faz amadurecer as colheitas. Nas festas romanas em honra da deusa Ceres, o ajudante do Grande Sacerdote, vestido de branco, colocava sobre a Hóstia (a oferenda do sacrifício), um pão de trigo, água e vinho. Esta oferenda era então erguida pelo Grande Sacerdote. A oferenda simbolizava os três reinos da Natureza: o pão de trigo, o reino vegetal; o cálice ou vaso de sacrifício, o mineral; e a estola do Grande Sacerdote, feita de pura lã branca de cordeiro, pousava uma das extremidades sobre o cálice.
Esta cerimónia é repetida, gesto por gesto, pelos padres modernos. No fim lavam os dedos das mãos, tal como o Grande Sacerdote que dizia: “Lavo minhas mãos entre o justo e rodearei o teu altar, ó Grande Deusa! (Ceres). Depois dava três voltas ao altar levando as oferendas e erguendo o cálice acima da sua cabeça, coberto com a extremidade da sua estola. Na Igreja grega, o padre cobre o cálice com a extremidade da sua estola pousada sobre um dos ombros.
O paganismo é frequentemente associado a idolatria, dado que se adoram vários deuses representados por estátuas ou imagens pintadas. O cristianismo faz exactamente o mesmo em termos de rituais, de objectos usados nesses rituais e nas vestimentas dos seus sacerdotes: O acto de confissão descende directamente dos romanos pagãos, em que nas cerimónias de sacrifício, o sacerdote sacrificador devia confessar-se antes do início da cerimónia; os sacerdotes de Júpiter usavam um chapéu preto, alto e quadrado, em tudo idêntico ao dos sacerdotes arménios e gregos modernos; a sotaina preta dos padres católicos romanos é a mesma dos sacerdotes de Mitra. O Rei-Sacerdote da Babilónia (de notar que Abraão nasceu na Babilónia) usava um anel de ouro com sinete, as suas sandálias eram beijadas pelos súbditos e usava também um manto branco e uma tiara de ouro com duas pequenas faixas. O Papa possui um anel idêntico, as suas sandálias também são beijadas e usa um manto de cetim branco bordado com estrelas de ouro, além da tiara com as pequenas faixas cobertas de pedras preciosas. A vestimenta de linho branco é a mesma dos sacerdotes de Ísis. Os antigos pagãos usavam água santa, ou lustral, para se purificarem e purificarem as cidades, os campos, os templos, uma prática em tudo semelhante à usada actualmente com as pias de água benta nas igrejas.
Os antigos egípcios, como em todo o mundo pagão, adoravam inúmeros deuses, cada um dedicado a determinado objectivo, como protecção contra doenças, auxílio nas colheitas, apoio na maternidade, etc. No entanto, eles tinham a noção de que havia um Deus acima de todos os outros ou, dois ou três mais importantes que todos os outros. Era algo semelhante ao que se passa com o hinduísmo, onde praticamente cada família adora um deus pessoal mas, acima desses mais de trezentos mil deuses adorados pelos hindus, está a Trindade Hindu constituída por Brahma, Vixnu e Shiva, uma coisa parecida com a Trindade Cristã, com a diferença de que as divindades hindus têm todas, mesmo estas principais, uma contraparte feminina.
Mas muitas das divindades egípcias eram manifestações ou expressões de uma divindade maior, como no caso de Ísis, que assumia outros nomes e paramentos conforme a função que era esperada por parte da deusa. Ísis foi tão importante que, muitas das deusas gregas, romanas e celtas eram expressões dela, Ísis, a Grande-Mãe. Acontece exactamente o mesmo no mundo cristão, em que Maria assume várias expressões e se tem manifestado em vários locais com nomes diferentes. Como exemplos temos Fátima, Guadalupe, Aparecida e, as várias Nossas Senhoras como a Senhora da Conceição, Senhora dos Remédios, Senhora dos Navegantes, etc., etc. O culto destas Senhoras e também de Senhores, como expressões de Cristo, pode levar-nos a entender que existe uma tendência politeísta no mundo cristão, tendência essa herdada do paganismo.
Em termos de idolatria, parece não haver dúvidas para ninguém que as igrejas estão cheias de estátuas e imagens. A Igreja Ortodoxa repudia as estátuas, mas utiliza imagens pintadas. O protestantismo aboliu por completo estátuas e imagens mas, por outro lado, aprofundou o antropomorfismo de Deus, transformando Jesus no criador de todas as coisas, como acontece com muitas das chamadas Igrejas Evangélicas.
A figuração, idealização ou antropomorfização de Deus, isto é, a transformação de Deus numa figura humana, não estava presente nos grupos gnósticos conhecedores dos Mistérios Interiores, que deram origem ao cristianismo. Eles entendiam que Deus estava para além da compreensão humana. Os pagãos adoravam os seus deuses figurando-os em termos humanos ou representando-os como animais ou, como no caso do Antigo Egipto, em figuras meio humanas, meio animais. Alguns dos deuses gregos eram também monstros ou autênticas aberrações. Acontece o mesmo ainda hoje na Índia onde, por exemplo, o deus Ganesh, o filho de Shiva e Parvati, é representado por um elefante.
O cristianismo desenvolveu-se com gente que não conhecia os Mistérios Interiores, apenas os Exteriores e, ao estabelecerem que Jesus era o Filho unigénito de Deus, quer dizer, consubstancial ao Pai, deram o passo essencial para a antropomorfização de Deus, transformando-o num ser com figura humana, não sabendo exactamente como figurá-lo, mas socorrendo-se da figura de Jesus para representá-lo junto da grande massa dos fiéis. Os evangélicos, para além do autêntico carnaval em que transformaram o seu culto, foram mais longe e transformaram Jesus no Deus responsável por toda a Criação. Se estou a exagerar nesta acepção, sugiro que vejam os dísticos colados nos vidros dos carros e as numerosas mensagens que circulam na Internet.

sábado, 6 de setembro de 2008

Segredos do Cristianismo - III - Uma religião cisamada

As religiões do “Livro” sempre se caracterizaram por profundas cisões no seu seio, exceptuando talvez o Judaísmo que, apesar de várias ramificações e tendências, estas não têm constituído desavenças graves entre os seus praticantes.
O Islamismo dividiu-se em duas facções principais, os xiitas e os sunitas, em razão dos sucessores de Muhammad (Maomé), pelo menos os primeiros três califas, terem sido usurpadores na opinião dos xiitas. Isto tornou-os inimigos permanentes.
O Cristianismo é uma religião dividida desde as suas mais remotas origens. Como já vimos na minha primeira crónica acerca deste assunto, os primeiros grupos cristãos não se entendiam em questões importantes como a verdadeira natureza de Jesus. Salientava-se uma corrente importante chamada arianismo, nome derivado do seu promotor, Arius, que negava a consubstancialidade entre Jesus e Deus e, portanto, a Trindade. Para Arius, Jesus era filho de Deus, subordinado a Ele, e não o próprio Deus, o qual seria um grande e eterno mistério, oculto em si mesmo, e que nenhuma criatura conseguiria revelá-lo, visto que Deus não podia se revelar a si mesmo.
Esta doutrina não tinha nada de extraordinário, pois estava de acordo com o pensamento judaico acerca da natureza de Deus como é explicado na Cabala e surgia directamente dos grupos gnósticos que tinham adoptado o Cristianismo. No entanto, apesar desta doutrina ser aceite pela maioria dos grupos cristãos, outros havia que começavam a assumir uma posição dogmática e consideravam o Pai, o Filho e o Espírito Santo como três manifestações da mesma natureza. Foi esta posição que foi assumida oficialmente no Concílio de Niceia liderado por Constantino e o arianismo foi considerado uma heresia, sendo Arius e outros apoiantes da sua posição sido expulsos do Concílio. Apesar disso, o arianismo não foi erradicado, antes pelo contrário, pois continua a ser um elemento de discórdia dentro do Cristianismo.
A palavra “cisma” quer dizer divisão e é aplicada, quase exclusivamente, no Cristianismo. Historicamente, apesar do Cristianismo viver em permanente cisma, por isso o título desta crónica, uma religião cismada, são considerados dois grandes cismas: o Cisma do Oriente e o Cisma do Ocidente.
O Cisma do Oriente refere-se à cisão entre a Igreja Católica Romana e Igreja Católica Ortodoxa. Para esta cisão contribuíram motivos de natureza política e de natureza religiosa ou teológica. Embora os motivos políticos tivessem criado sérios problemas para a unidade da Igreja, foram certamente motivos teológicos os responsáveis pelo definitivo desentendimento entre as duas Igrejas.
Por motivos políticos temos a grande reserva que os ortodoxos tinham em relação à dependência de Roma, reserva agravada com a divisão do Império Romano em Império do Ocidente e do Oriente, este com capital em Constantinopla . Enquanto os ortodoxos se fundavam numa organização clássica e conservadora, em que cada um dos patriarcas era dono e senhor do seu burgo, não guardando obediência a ninguém, senão ao sínodo dos patriarcas, os ocidentais obrigavam à dependência de Roma de todas as igrejas cristãs. O fosso foi agravado pelo saque de Constantinopla na 4ª Cruzada em 1204, em que os ocidentais saquearam a cidade e massacraram a população a qual, na sua grande maioria, era cristã ortodoxa.
As razões teológicas que dividem a Igreja Oriental da Ocidental prendem-se, essencialmente, com aquilo que foi designado como “filioque”, que quer dizer “do Filho ou procedente do Filho”. No Concílio de Niceia, em 325, foi adoptado um Credo, que é uma declaração de fé ou profissão de fé cristã, tendo sido aceite por ambas as Igrejas. Este Credo foi revisto mais tarde no Concílio de Constantinopla, em 381, e continuou a ser aceite. Mais tarde foi acrescentado o “filioque” e tudo se complicou. O que é, afinal, o “filioque”?
O “filioque” é um acrescento feito mais tarde pela Igreja latina em que coloca o Espírito Santo proveniente do Pai e do Filho e consubstancial ao Pai e ao Filho, declaração inaceitável pela Igreja Ortodoxa, pois para esta o Espírito Santo provém apenas do Pai ou por intermédio do Filho. Exemplo do “filioque” acrescentado ao Credo:
“Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida,
e procede do Pai e do Filho;
e com o Pai e o Filho
é adorado e glorificado:
Ele que falou pelos Profetas.”
Este acrescento que provocou a ira dos ortodoxos foi criado por monges latinos em Jerusalém. Para o Papa Leão III este acréscimo ao Credo era ilícito, mas os monges insistiram, tomando uma posição de força por se acharem sob a protecção do imperador Carlos Magno. Este, para resolver a questão, convocou um sínodo em Aquisgrano, onde a doutrina do “filioque” foi aprovada. Apesar disto a Santa Sé manteve-se na sua negativa em aprovar tal acréscimo, mas os cristãos ocidentais continuaram a exercer pressão para que fosse aprovado pela mais alta instância. Em 1013, o imperador do Sacro Império Romano, Henrique II, insistiu junto do Papa Bento VIII para que inserisse o “filioque” no Credo. O Papa acabou por concordar em 1014. Os ortodoxos, pela voz de Fócio, Patriarca de Alexandria, reagiram acusando os latinos de "transgressores da Palavra de Deus, corruptores da doutrina de Jesus Cristo, dos Apóstolos e dos padres; seriam novos Judas a dilacerar os membros de Cristo".
Estava aberta a chaga que iria separar definitivamente a Igreja Oriental da Ocidental. As acusações continuaram com o patriarca Cerulário de Constantinopla a fazer uma tremenda campanha contra os latinos por causa da natureza do Espírito Santo contemplado no “filioque”. A separação definitiva deu-se em 1054, quando o papa enviou a Constantinopla um cardeal para tentar conciliar as posições. Infelizmente parece que a missão desse cardeal não foi bem sucedida, pois acabou por excomungar o patriarca Cerulário e este, entendendo que a excomunhão incluía toda a Igreja bizantina, excomungou também o Papa Leão IX. Este foi o que ficou designado como o Grande Cisma do Oriente, que continua em vigor, pois as duas Igrejas nunca conseguiram um acordo até hoje.
Quando ao Cisma do Ocidente, não houve razões de natureza teológica na sua origem, mas razões políticas. Deu-se entre 1378 e 1417, com Papas e Antipapas, uns em Roma e outros em Avinhão, na França, chegando a haver também Antipapas em Pisa, na Itália. Cada um deles recebia apoios dos reinos europeus, que se dividiram também entre apoiar o Papa de Avinhão ou o Papa de Roma. O assunto ficou resolvido em 1417, sediando definitivamente a sede do papado em Roma.
Isto tudo não é nenhuma novidade, consta dos manuais de História e a própria Internet está cheia de informações a respeito. Resta saber a razão dos Cismas, principalmente na Igreja Ocidental pois, para além daqueles que foram considerados historicamente, na verdade tem havido, ao longo do tempo, uma constante instabilidade nessa instituição chamada Igreja Católica Romana. Desde a Reforma e a Contra-Reforma, à separação da Igreja de Inglaterra, aos problemas com a Igreja Americana, até à recente Teologia da Libertação na América Latina, cujos promotores foram duramente castigados pelo Vaticano, tudo isto tem levado a um sucessivo esvaziamento do seu poder e implantação na sociedade, embora as estatísticas continuem a dizer que os católicos são a maioria absoluta nos países do Ocidente. O protestantismo tem vindo a ganhar muito terreno nos últimos tempos pela via das Igrejas Evangélicas. Não incluímos como Cismas os vários movimentos considerados heréticos, como no caso dos Cátaros, assunto que será objecto de outra crónica.
Ao contrário das Igrejas Ortodoxas, que se mantiveram independentes entre si, divididas em patriarcados, cada um com suas características diferentes em função da região em que está implantado, a Igreja Católica Romana transformou-se num império, herdeiro administrativo do extinto Império Romano do Ocidente, com o Sumo Pontífice, cargo anteriormente atribuído aos imperadores romanos, sediado em Roma. Para os ortodoxos, Cristo é o chefe da Igreja, para os latinos, é o Papa, o Sumo Pontífice que dirige de forma autocrática todo a imensidão do mundo católico romano. Hoje restringido ao Vaticano, Estado independente que não chega a ter meio quilómetro quadrado de área, é o chefe incontestado e incontestável da espiritualidade católica, fundamentando o seu poder através dos dogmas que foram sendo incluídos nos cânones da Igreja através dos séculos.
Os dogmas são verdades incontestáveis, não admitem discussão. Existem hoje 46 dogmas, perfeitamente listados para quem quiser consultar a Internet. Por estranho que possa parecer, e celibato dos padres não é um dogma, depende apenas da vontade do Papa.
No seio de uma religião ditadora, que ditou ordens à Europa e ao mundo pós descobertas, é natural que tenham vindo a surgir dissidências e, quando o ramo não verga, quebra. Tirando o caso do Budismo, que não é uma religião, mas uma filosofia, não conheço nenhuma outra religião que dependa assim de um poder absoluto e centralizado. Talvez seja este o motivo principal das dissidências, dos cismas, das divisões de uma Igreja que, apesar da popularidade dos últimos Papas, difícil de compreender principalmente para o mundo feminino, continua a viver numa crise permanente e escondida. Hoje já não pode enviar exércitos para impor a sua doutrina aos povos submetidos