O ritual da maçonaria e o ritual da Igreja brotaram da mesma fonte: o Gnosticismo original, herdeiro dos segredos dos mistérios egípcios. Mas enquanto a maçonaria deu continuidade a esses mistérios através, na época, do cristianismo esotérico, a Igreja organizou-se a partir do paganismo exotérico.
Há quem ache que a maçonaria tem a sua origem na lenda de Hiram, ou Hiram Abiff, mas esta lenda é um mito criado não antes do século XVIII e que encerra em si profundos ensinamentos através da sua simbologia. Por exemplo, em termos astrológicos, três companheiros assassinam Hiram, representando os meses do Outono, culminando no solstício de Inverno, e 9 mestres procuram o seu corpo, representando os restantes meses do ano. Tem a ver também com o processo de morte e ressurreição, pois a natureza está aparentemente morta nesses dias obscuros de inverno, para ressuscitar com o crescimento dos dias (mais Sol) que antecedem a Primavera.
A introdução na maçonaria do espírito bíblico também é tardia e acontece também depois do século XVIII. Aqueles que sustentam a origem em Hiram argumentam que os maçons são conhecidos como “os filhos da viúva”, e que Hiram, chamado por Salomão para a construção do templo, era filho de uma viúva da tribo de Neftali, cujo pai era natural de Tiro (1Reis 7-13).
Mas se nos reportarmos às origens egípcias, vamos encontrar a história de Hórus, cujo pai, Osíris, foi morto por Seth e Ísis, sua mãe, é viúva na altura do seu nascimento. Esta história fazia parte dos mistérios interiores egípcios, mais tarde adoptados pelo gnosticismo ou cristianismo esotérico. Ragon, escritor e um dos mais ilustres maçons do século XIX, membro do Grande Oriente do Rito de Mizraim, realizou algumas representações ritualísticas para o público. A primeira, realizada em 15 de Maio de 1817, foi uma representação do 1º grau, a iniciação de Hórus. A segunda representação foi realizada em 1 de Junho do mesmo ano e tratou-se da admissão de Hórus às 5 viagens do 2º grau. Dias mais tarde fez uma terceira representação em que Hórus se apresentou ao público coroado de flores de lótus, marchando à frente de uma procissão de Ísis – a manifestação do iniciado. Nestas representações se vê claramente as origens egípcias da maçonaria tradicional. Claro que depois destas representações públicas Ragon teve que abandonar o rito de Mizraim.
Da mesma forma que muitas igrejas, o tecto dos templos maçónicos é, muitas vezes, pintado de azul e juncado de estrelas, numa alegoria à abóbada celeste. Isto foi copiado dos templos egípcios onde o Sol e as estrelas eram adorados.
É do oriente que nasce o Sol, de onde vem a luz e a vida. Por este motivo as igrejas são orientadas de oriente para ocidente, ficando o altar no oriente, simbolizando o caminho da luz. O mesmo acontece com os templos maçónicos, cujo interior pode ter algumas variações conforme os ritos, mas são orientados para oriente, de onde vem o “Rei da Glória”, o Sol, que em termos humanos se transformou no Cristo. No tempo de Constantino, quando este legalizou o cristianismo em todo o império romano, a religião pagã que vigorava era a do “Sol Invictus”, à qual ele se manteve fiel até aos seus últimos dias, pois só se deixou converter ao cristianismo pouco antes de morrer. “Sol est Dominus Meus”, diz David no salmo 95, mas nas traduções autorizadas da Bíblia, foi convenientemente transformado em: “Porque Javé é um Deus grande, o soberano de todos os deuses”. Esta frase traduzida assim tem muito que ver com politeísmo, mas vou deixar isto para outra crónica.
Como já disse numa crónica anterior, os primitivos cristãos abominavam templos e altares. Eles achavam que não tinham que se esconder, nem esconder o seu objecto de adoração – o Sol. Seguiam os ensinamentos de Paulo, o Mestre Iniciado, o “Mestre Construtor”, de não orar em sinagogas e em templos, como fazem os hipócritas “para serem vistos pelos homens”. A razão principal era a existência de uma luz maior, a imagem do Grande Arquitecto, alegoricamente simbolizada pelo astro-rei, o Sol.
Para Ragon, “os templos maçónicos são iluminados por três luzes astrais, – o Sol, a Lua e a Estrela Geométrica –, e por três luzes vitais, – o hierofante e seus dois vigilantes, – porque um dos pais da maçonaria, Pitágoras, sugeriu que não deveríamos falar das coisas divinas sem estarmos esclarecidos pela luz.” Por este motivo os pagãos celebravam a “festa das luzes” em homenagem a Minerva, Prometeu e Vulcano, o que causava embaraços aos iniciados no cristianismo esotérico que afirmavam: “Se eles se dignassem contemplar essa luz que nós chamamos Sol, reconheceriam imediatamente que Deus não precisa das suas luzes”. Mas entre a adoração do ideal em si e a adoração do símbolo, há um abismo. Para o egípcio culto, o Sol era o olho de Osíris, não o próprio Osíris. O mesmo acontecia com os primeiros maçons: o Sol era a representação do Grande Arquitecto, não o Grande Arquitecto.
O ritual da cristianismo primitivo, ou esotérico, deriva da antiga maçonaria, a qual, por sua vez, era a herdeira dos antigos mistérios. Estes eram transmitidos aos neófitos previamente seleccionados, nas criptas dos templos, em voz baixa, de boca a ouvido. Num ritual representando os mistérios era transmitida a antiga sabedoria atlante, tentando sobreviver às deturpações criadas pelo ego de muitos hierofantes e iniciados. De acordo com a “Doutrina Secreta” de Helena Blavatsky, os mistérios foram revelados a eleitos da nossa raça, a 5ª, pelas primeiras dinastias de reis divinos, que reinaram sobre os descendentes nascidos do “Santo Rebanho”. Mais tarde, não se sabe bem porquê, esses reis divinos tornaram a descer (presume-se que na Terra), fizeram a paz com a 5ª raça, instruíram-na e ensinaram-na. Esta paz, significando que houve uma contenda anterior, está expressa na Bíblia através das várias alianças feitas com Javé.
A contenda subentendida pode ter a ver com a corrupção dos ensinamentos recebidos porque, apesar de ter havido um esforço de milhares de anos em tentar manter os mistérios na sua pureza original, os iniciados egípcios foram tentados pela sua ambição pessoal e acabaram por desfigurar uma sabedoria que nos fora transmitida pelos deuses. O significado original de muitos símbolos acabou por se perder devido a interpretações pessoais e jogos de poder.
É sabido que os únicos mistérios que conservaram por mais tempo a sua pureza original, foram os mistérios de Elêusis, em Atenas, celebrados em honra da deusa Deméter e em que se louvava a Natureza. Mas mesmo estes acabaram por cair em decadência quando o Estado Ateniense resolveu transformá-los numa fonte de renda. As iniciações passaram a ser pagas e era iniciado quem tinha dinheiro, não quem merecia. Os mistérios interiores acabaram por ser profanados por sacerdotes corruptos que, a troco de dinheiro iniciavam quem não tinha a menor preparação para entender os ensinamentos. Antes desta queda no obscurantismo, a iniciação era descrita como um “passeio no Templo”, e a “purificação” ou “reconstrução do Templo” referia-se ao corpo do iniciado na sua última e suprema prova. É isto que está escrito no evangelho de João, 2-19: “Destruam esse Templo e em três dias eu o levantarei”.
Desaparecidos os mistérios, a antiga sabedoria tentou sobreviver através dos gnósticos, que eram verdadeiramente os antigos maçons. Apesar da ascensão ao poder de Roma do cristianismo, através de Constantino, o gnosticismo continuou a ser uma força muito poderosa. Perante a situação, o cristianismo fez o que se habituou a fazer dali para a frente: esmagou o gnosticismo. Teodósio I, imperador romano, aprovou e fez publicar mais de cem leis contra os gnósticos. No ano de 381 o gnosticismo passou à condição de heresia e de crime contra o Estado. As escrituras gnósticas foram completamente destruídas e queimadas e todo o debate filosófico foi suprimido. Uma das proclamações dizia: “Não haverá oportunidade para nenhum homem sair a público e discutir religião ou debatê-la ou dar qualquer conselho”.
Um abade assistente de Cirilio, poderoso bispo de Alexandria no início do século V, dirigiu ataques às comunidades heréticas, dizendo: “Farei com que reconheçam o arcebispo Cirilo, ou então a espada eliminará a maioria de vós, e além disso aqueles que foram poupados irão para o exílio”.
Agostinho, o santo Agostinho porta-voz do cristianismo católico, achava que a força militar era necessária para suprimir os heréticos.
A espiritualidade tinha assim os dias contados, a gnose de Paulo tinha-se transformado na religião de obediência e terror da Igreja romana. A imensa vaga de obscurantismo invadiu tudo, obrigando todos sem excepção e sob pena de severa punição, a uma obediência cega à sua doutrina. Durante séculos, os iniciados tiveram que se esconder ou assumir papeis que não eram verdadeiramente os deles. Apesar das perseguições e dos riscos para a própria vida, os alquimistas continuaram á procura do ouro espiritual, da verdadeira Pedra Filosofal.
(Continua)
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