sexta-feira, 26 de abril de 2013

RELEMBRANDO ABRIL Era Primavera, final de Abril, o tempo estava morno. Na noite de 24 fomos ao cinema, ao velho Tivoli, ver o filme chamado “A Golpada”, com Paul Newman – que raio de coincidência... Já madrugada o telefone toca, atendo estremunhado. Uma voz do outro lado: - Já ouviu o rádio? - Que rádio? – perguntei, caiu algum avião? - Não, não é esse rádio. É a emissora. A Rádio Renascença ou a Rádio Comercial. Parece que começou uma revolução. Saltei da cama e fui ouvir o aparelho de rádio. Era verdade. Parecia que havia uma revolução, cujos soldados já tinham ocupado aquelas emissoras de rádio. Ouvi ainda várias vezes o “Depois do Adeus” na voz do Paulo de Carvalho, e o “Grândola Vila Morena” na voz do Zeca Afonso. O dia amanheceu sem eu ter dado conta, colado ao aparelho de rádio, sorvendo todas as notícias que iam chegando. Parecia que o velho regime ia finalmente cair. Não me lembro do que aconteceu a seguir durante aquela manhã. Não sei a que horas liguei a televisão para ter imagens em directo do que se passava no Largo do Carmo e do Terreiro do Paço, que parecia ter sido bombardeado por uma corveta da Marinha. Mas parece que a corveta só tinha disparado dois tiros e a sua tripulação tinha aderido à revolução. Acho que a determinada altura do dia 25 a emissora de televisão tinha sido ocupada pelos revoltosos. Era Abril, era Primavera, parecia que a nação ia finalmente ser resgatada, ia ressuscitar do longo período sombrio de mais de quarenta anos. Renascia a esperança, embora a esperança seja duvidosa, pois não se sabe se é um bem. Os antigos gregos desconfiavam da esperança, pois fora a única coisa que restara no fundo da “Caixa de Pandora” quando esta a abriu e espalhou todos os males pelo mundo. Se a esperança ficou no fundo, é porque também era um mal. As pessoas foram chegando e foram-se sentando, olhando para a pequena tela do aparelho de televisão que continuava a transmitir o que se passava. Alguém tivera a ideia de colocar flores, cravos vermelhos, nos canos das armas, ideia que veio a ficar como o símbolo da revolução de Abril. As pessoas continuaram a chegar. Já não havia cadeiras, sentaram-se no chão. No outro aposento as crianças brincavam ruidosamente. Para o fim do dia tudo estava consumado, Marcelo Caetano tinha sido aprisionado e recolhido num “chaimite” que o levou para algures, juntamente com o então ministro dos Estrangeiros. A nação renascia em flores e festa. Nascia também o “espírito de Abril”, que fez mover multidões, alheias à verdadeira guerra que se estabeleceu entre as várias correntes partidárias, desde a extrema esquerda à extrema direita. O “espírito de Abril” morreu no dia em que mataram o Sá Carneiro e o Amaro da Costa, crime hediondo que ficou impune, pela covardia de muitos e o conluio de outros. Hoje a nação está de novo muribunda. Nas palavras de um grande amigo, podemos estar a assistir à maior tragédia da nossa História. Desapareceu a esperança, o “espírito” há muito morto. Nada resta, somente o nevoeiro como disse Fernando Pessoa. No fim do dia abrimos o champanhe. Afinal... era o dia do meu aniversário. Nesse dia já parecendo tão longínquo, eu fazia trinta e um anos de idade.