sábado, 29 de dezembro de 2007

MENSAGEM DE ANO NOVO

Poderia começar esta crónica desejando aos amigos e familiares os melhores auspícios para 2008. Mas não o vou fazer. Não preciso de nenhuma data específica para desejar aos meus amigos e familiares as melhores venturas, pois esse deve ser o meu desejo permanente, não importando em que época do ano estiver.
Não são só os amigos e familiares que merecem os desejos de maiores felicidades, são todos os seres humanos, pois cada rosto é o reflexo do meu próprio. Nesta perspectiva, se todos agíssemos desta forma, a grande família humana seria uma grande fraternidade. Infelizmente as coisas não são nada assim.
2008 está aí à porta, pedindo para entrar nas nossas vidas. Toda a gente deseja muito aos outros toda a prosperidade e felicidade, mas, salvo raras excepções, deseja isso para si mesmo, está-se nas tintas para a prosperidade dos outros, da qual chega a sentir inveja. Este é o mundo que temos, aquele que fomos construindo ao longo dos séculos, desde a época em que não passávamos de uma variedade da família dos símios, já erectos sobre duas pernas.
2008 está aí à porta, cheio de promessas e mistérios. Promessas porque todos acreditam que vai ser melhor que o anterior; mistérios porque ninguém sabe o que vai acontecer amanhã, na semana que vem, daqui a uma hora ou no próximo minuto – os acidentes ou os enfartes cardíacos são prova disso. Mas o futuro, como dizem, é assunto da esfera divina, pretendendo explicar o inexplicável.
Segundo alguns profetas da desgraça, sempre prontos a interpretar convenientemente os sinais dos tempos em face do que alguém, num possível estado alterado de consciência, terá predito, 2008 é também um ano complicado. Começa por ser bissexto, algo de que muitos não gostam nada, acham que é de maus augúrios; os astrólogos dizem que será regido por Marte, logo, será um ano agressivo, onde talvez as guerras recrudesçam de violência; depois, por recentes interpretações do calendário Maia, será o último, o aquecimento global não terá tempo de fazer sentir os seus malefícios.
Ah, mas isso não é assim, dirão os mais atentos. O calendário Maia prediz uma data cerca de Dezembro de 2012, ainda nos sobram uns bons quatro anos de sobrevivência. Pois é, não sei como é que as contas foram feitas, pois o nosso calendário está errado, está atrasado, Jesus terá nascido quatro anos antes da data que foi estipulada. Assim, 2008 corresponderá a 2012. Mas o calendário Maia não prevê o fim do mundo, digo eu, prevê apenas o fim da era actual de um milhão trezentos e não sei quantos milhares de anos. Mas há quem diga que é mesmo o fim do mundo pois, o que acontecerá, e não sei onde foram buscar essa teoria, o campo magnético da terra inverterá, repentinamente, os pólos. Não se trata da vinda de anjos e arcanjos com trombetas para o julgamento final, será apenas uma inversão repentina dos pólos e ninguém sabe o que acontecerá à Terra nessas condições. Portanto, temos que nos preparar, 2008 não será apenas um ano ruim, será o último!
Nunca percebi porque é que as profecias só falam em desgraças. Desde o Apocalipse, a Nostradamus, a Edgar Cayce, para citar os mais conhecidos, – embora este último não se tenha dedicado apenas a profetizar – só predizem coisas ruins: guerras, pestes, fome, flagelos de vária ordem, tudo no sentido de causar sofrimento ao miserável do ser humano.
Não acredito em profecias. Acredito que sejam um reflexo do medo que o ser humano sente em relação ao futuro. Esse medo, da morte, da guerra, da fome, de sofrer, faz parte do inconsciente colectivo da humanidade e assim, alguém num estado especial de consciência, consegue captá-lo e transmiti-lo na forma de profecias. Por outro lado, os textos proféticos são, normalmente, de carácter dúbio, obscuro, não definem claramente ao que se referem. Isto permite todas as interpretações, campo fértil para todas as mentes transtornadas, pois só uma mente transtornada pode sentir satisfação em anunciar as desgraças.
Houve uma época em que os portadores de más notícias, depois de transmitirem a nefasta informação, eram mortos. Hoje não acontece assim, os comunicadores das desgraças que pendem sobre a humanidade são até bem considerados – veja-se, por exemplo, o que acontece com a Internet. Aqueles que recebem essas informações proféticas ou pseudo-científicas, não assassinam o comunicador, passam adiante as informações, numa corrente contínua, que só reflecte os temores ocultos no interior de cada um.
Não acredito que 2008 venha a ser diferente de qualquer outro ano. Não será certamente o último da nossa História e nele acontecerá de tudo um pouco: haverá guerra, sem dúvida; haverá fome, indubitavelmente; haverá furacões, terramotos, cataclismos, certamente. Haverá tudo isto, como também haverá coisas boas, poucas, infelizmente. O grande e real flagelo da humanidade continuará a ser a exploração do ser humano pelo ser humano. Continuará imparável, enquanto a maioria não tomar consciência de que somos todos irmãos, não só em Cristo, como dizem os cristãos, mas independente de religião, raça ou estatuto social.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

MENSAGEM DE NATAL

Aos meus Amigos e Amigas,
Aos crentes, aos cristãos, aos muçulmanos, aos budistas e a todos os que professam alguma religião.
Aos não crentes, aos agnósticos, aos ateus, aos mações e a todos os que procuram uma forma de entender a divindade.
Aos amigos e amigas que sabem que têm um lugar especial no meu coração, àqueles e àquelas que se fazem sentir presentes na diáspora que, por vezes, toma conta das nossas vidas.
Aos amigos e amigas que não dizem nada, que preferem esconder-se por detrás do anonimato do mundo cibernético dos PPS.
De forma especial, aos rosacruzes de qualquer latitude ou longitude deste planeta, que continuam na sua caminhada em busca do Graal das suas vidas.
A todos sem excepção convido a viver este Natal de uma forma um pouco diferente, apesar desta época natalícia se ter transformado mais numa época de férias e de consumo desenfreado. Peço a todos que guardem alguns momentos de introspecção, que se harmonizem com o seu interior e vivenciem o Cristo Cósmico, essa energia divina que, nesta altura do ano, se encontra mais próxima do planeta que habitamos.
Peço ainda que, durante esta época de festas, procure harmonizar-se com essa energia crística e se deixe envolver pelo sentimento fraterno por toda a humanidade, tendo em mente que o Natal é só privilégio de alguns, a maior parte dos seres que constituem a humanidade não tem, nem conhece o Natal.
Para todos os meus desejos sinceros de um Natal Feliz e que o Ano Novo, que está aí à porta, recheado de esperanças, lhes traga a Paz interior, condição necessária para a realização de todos os nossos anseios.

Um abraço fraterno,

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Onde estão os Talibãs?

Talibã é a designação do regime fundamentalista de raiz islâmica que se impôs no Afeganistão entre 1996 e 2001, emergindo como poder depois de uma guerra civil que pôs fim à ocupação soviética e ao efémero regime pró comunista que tinha o apoio da antiga União Soviética. O regime talibã, durante a sua existência também efémera (apenas 5 anos), revelou-se de uma crueldade de que temos dificuldade em encontrar precedentes, impondo na população um clima de terror através de purgas, limpezas étnicas e perseguição e extermínio daqueles que não comungavam do seu fanatismo. Uma verdadeira teocracia, tudo era feito em nome de Deus, inclusive as execuções públicas no estádio de futebol de Cabul.
Os membros desse regime chamavam-se talibs, que quer dizer em língua pashtu, uma das duas línguas faladas no Afeganistão, estudante. Realmente o poder talibã era um poder de estudantes e universitários. Prefiro chamar-lhes talibãs, em vez de talibs, porque é a forma mais conhecida. Levaram ao extremo o controlo dos costumes, da tradição e da moral. Por exemplo:
- As mulheres tinham que andar completamente vestidas, de cara tapada com a famosa “burka”, e não podiam sair sem acompanhamento masculino da família. Não tinham acesso a serviços de saúde e hospitalares por não poderem ser tratadas por outros homens. Era-lhes proibido exercer qualquer forma de profissão, não lhes era permitido trabalhar fora do lar em que habitavam, mesmo quando ficavam viúvas e com filhos pequenos para sustentar.
- Os homens não podiam usar calções ou bermudas, mesmo que estivesse um calor de rachar, nos jogos de futebol os jogadores apresentavam-se de calças compridas. Tinham também que usar barba, o mais comprida possível.
- Nos intervalos dos jogos de futebol, no estádio de Cabul, eram comuns as execuções de prevaricadores da moral imposta. Essas execuções podiam ser a amputação de membros, a decapitação ou a morte por apedrejamento. Os casos de adultério eram o prato especial dessas ocasiões, em que os condenados, o homem e a mulher, eram colocados em dois buracos até ao nível da cintura e depois o carrasco, normalmente um talibã proeminente, atirava-lhes pedras até os corpos dos dois executados ficarem transformados numa massa sanguinolenta. Tudo isto precedido por uma prelecção sobre o Alcorão e a leitura de algumas das suas passagens, embora a maior parte dos presentes não percebesse essa leitura feita numa língua estranha.
- Durante os encontros de futebol, os espectadores mais animados, que gritassem mais alto o apoio à sua equipa, eram imediatamente chicoteados por guardas talibã que circulavam permanentemente entre as pessoas.
O termo talibã passou a ser sinónimo de fanatismo, de fundamentalismo religioso. Naturalmente que nos interrogamos sobre o aparecimento de tal fanatismo. Interrogamo-nos também porque é que esse fanatismo só aparece, aparentemente, através do islamismo. Podemos chegar à fácil conclusão de que esta é uma religião fanática. Mas será que é assim?
O Alcorão, o livro sagrado islâmico, não é diferente de outros livros sagrados. Se por um lado o Alcorão contém uns vinte e tantos trechos convocando os fiéis à “jihad” (guerra santa), o Antigo Testamento da Bíblia tem uma porção de passagens de moral extremamente cruel. Basta lembrar as instruções do Deus Javé aos que cercavam Jericó. Vejam-se os livros da Bíblia “Números”, “Deuterónimo” e “Josué”.
Muitos teólogos, bispos e pastores, tentando amenizar ou explicar essas passagens mais incómodas do Antigo Testamento, dizem que se trata de metáforas ou alegorias, que essas coisas não aconteceram de facto. Neste caso seria interessante saber quais as passagens verídicas e quem é que decide o que é verdadeiro ou simbólico.
A moral emergente destes livros sagrados, também chamados de “Sagradas Escrituras”, é uma moral sanguinária e racista, convidando às chamadas “limpezas étnicas”.
O Novo Testamento também não está livre de mácula em aspectos morais. O próprio Jesus repudia a família, instituição cara aos postulantes da trilogia Deus, Pátria, Família, lema muito usado por regimes fascistas ou fascizantes.
O que aconteceu no Afeganistão, em que o poder caiu nas mãos de um grupo de fanáticos, não poderia acontecer no Ocidente. Será assim? Desde a guerra da Bósnia que passei a acreditar que tudo é possível. Os americanos bombardearam o Afeganistão, não porque quisessem acabar com o regime talibã, mas porque este recebia apoio financeiro de Bin Laden, o presumível mentor do ataque às torres gémeas de N. York e porque, pela primeira vez na História, o terrorismo estava a apoiar um regime, em vez deste apoiar aquele.
Mas no Ocidente o fanatismo também vai tendo as suas áreas privilegiadas, tem progredido de forma assustadora, na razão directa da disseminação das igrejas evangélicas.
Na Inglaterra, que é quase uma teocracia, encalhada entre os regimes laicos ocidentais, dado que a rainha ou o rei é, ao mesmo tempo, o chefe do Estado e o chefe da Igreja Anglicana, têm se passado coisas que julgávamos abolidas definitivamente.
Numa época em que já ninguém duvida e a ciência o tem demonstrado à exaustão, que a Terra tem uns largos milhões de anos de idade e que o ser humano tem sido sujeito às mesmas regras de evolução que toda a restante natureza, há escolas importantes que tiveram o apoio do Primeiro-Ministro Blair, além da doação de milhões de libras, onde os professores são obrigados a contrariar tudo quanto diga respeito à evolução e a ensinar o criacionismo, tal como está na Bíblia. Assim, os alunos aprendem que a Terra tem cerca de 10 mil anos de idade e que o ser humano foi criado por Deus em pessoa. Gente formada nas melhores universidades é obrigada a ensinar estas coisas, sob pena de perder o emprego.
Nos EUA a situação não é melhor. Tem havido autênticas batalhas jurídicas entre grupos que querem impor o criacionismo nas escolas e aqueles que defendem que o que deve ser ensinado são as leis da evolução. Em algumas regiões, alguém que não seja membro de uma religião qualquer, é considerado um pária, é colocado à margem da sociedade e nem sequer um emprego decente consegue arranjar.
O Sr. Bush telefona todas as segundas-feiras para o pastor Ted Haggard, que é o presidente da Associação Nacional de Igrejas Evangélicas. Não sei que tipo de conselhos dá a Bush, mas o pastor Ted, falando em nome de 30 milhões de adeptos, defende que o Estado americano deve evoluir para uma teocracia, onde os judeus, os homossexuais e outros segmentos da sociedade não conformes com a moral cristã, devem ser simplesmente expulsos ou eliminados (leia-se chacinados). Em escolas as crianças não cristãs sofrem a maior discriminação, sendo por vezes expulsas pelo facto de não serem crianças cristãs. Como diz um conhecido escritor anti-religioso, Richard Dawkins, não há crianças cristãs, muçulmanas ou judias. Há crianças filhas de pais cristãos, muçulmanos e judeus. Só que não é dada a essas crianças a liberdade de decidirem que crença querem seguir, ou se querem seguir alguma crença.
Todas as religiões se dizem moderadas, que não impõem nenhuma forma de fanatismo, que este acontece apenas em grupos mais fundamentalistas das religiões. Puro engano. O fanatismo nasce dentro das religiões, os seus livros sagrados, levados à letra, motivam o crescimento do fanatismo.
Portanto, os talibãs estarão sempre onde o poder religioso superar o poder laico do Estado, seja entre muçulmanos, judeus ou cristãos. Não é por acaso que na altura em que a Igreja Católica tinha toda a preponderância sobre os Estados europeus e suas colónias, que a Inquisição mais floresceu e realizou a sua tarefa macabra.
Termino com uma pequena prece: “Livre-nos Deus de todas as religiões, que nelas reside o verdadeiro mal”.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O Santo Graal e os Templários

Quando se fala do Graal, ou no Santo Graal na tradição cristã, entramos naturalmente no campo do misticismo, do esoterismo e até no campo religioso. Isto não é de estranhar porque, ao falarmos do Graal estamos no universo do mistério, portanto, algo inerente àqueles campos. O mistério é a força vital do misticismo, do esoterismo e da religião.

Por constituir, ainda hoje, um verdadeiro mistério, o Graal tem sido objecto, ao longo dos séculos, de inúmeras explicações e interpretações, cada uma assumindo-se como a verdadeira. Com algumas variantes, a lenda conta-nos que o Graal teria sido trazido para a Europa por José de Arimateia, que o teria escondido algures na Bretanha. Seria uma taça usada na Última Ceia de Jesus com os seus discípulos em que teriam sido recolhidas gotas do sangue de Cristo expiando na cruz. Por esta razão, trata-se de um objecto especialmente sagrado e possuidor de poderes mágicos.

Esta é uma lenda tão verdadeira e tão falsa como a lenda de Santiago de Compostela, cujo símbolo, a vieira, é também uma representação do Graal. Segundo esta lenda o Apóstolo Santiago andou na Península Ibérica a converter os gentios, e daí a existência do famoso Caminho de Santiago. Ora Santiago nunca saiu da Palestina e foi morto em Jerusalém por decapitação. Da mesma forma, José de Arimateia não deve ter ido para a Europa nem escondido o Graal algures na Bretanha. Estas duas lendas foram criadas com objectivos precisos, como mais adiante veremos.

Uma outra lenda, largamente difundida actualmente através de uma obra de ficção intitulada “O Código Da Vinci”, refere também essa personagem enigmática chamada José de Arimateia e conta-nos que, após a crucificação de Jesus, ele, José de Arimateia, acompanhado de um pequeno grupo de que faziam parte 3 Marias, Maria mãe de Jesus, Maria Madalena e Maria de Betânia (possível irmã de Lázaro), teriam fugido de Jerusalém numa pequena embarcação, navegando um pouco à deriva pelo Mediterrâneo e aportado a uma pequena aldeia de palafitas no sul da actual França. Neste caso o Graal já não seria uma taça, mas o próprio ventre de Maria Madalena, que estaria grávida de Jesus. Assim, a palavra Graal seria uma corruptela do francês “Sangréal”, o que me parece forçado demais. Sangue real (de realeza) significaria a hereditariedade da criança que crescia no ventre de Maria Madalena, sangue de Jesus, cuja ascendência é atribuída à casa de David. Esta criança terá nascido algures no leste da França e dado origem a uma dinastia real ou dinastia sagrada, a dinastia Merovíngia.

Esta será uma lenda verdadeira ou falsa? Terá sido criada também com um objectivo específico? É facto que na costa europeia do Mediterrâneo existem muitas igrejas e capelas dedicadas a Maria Madalena. Este facto parece querer confirmar a lenda, mas na verdade não prova nada. O culto a Maria Madalena pode ter outra origem, como por exemplo, no culto de Ísis, deusa egípcia particularmente reverenciada na bacia mediterrânica. Neste caso a Igreja, em vez de erradicar o culto a uma deusa pagã, substituiu-o pelo de Maria Madalena. Por outro lado, testes feitos com DNA retirado de túmulos merovíngios não mostraram nenhuma ligação com habitantes da Palestina. A leitura do livro “O Código Da Vinci” pode ser empolgante, mas não passa de uma ficção baseada numa história inventada no século XX.

Uma outra lenda refere que os Cátaros, de alguma maneira, terão se apossado da taça misteriosa, e daí a cruzada contra eles teria como finalidade, além da supressão da heresia, a retomada pela Igreja do Santo Graal. A cruzada foi particularmente violenta, acabando com a conquista do castelo de Monteségur, último refúgio dos cátaros, e todos os resistentes foram queimados vivos em frente do castelo. A heresia foi, aparentemente, dominada mas, parece que alguns cátaros conseguiram fugir levando a preciosa taça.

Outras lendas acerca da natureza do Graal têm sido postas a circular ao longo dos séculos:

• Que seria a esmeralda que Lúcifer usava na fronte (terceiro olho) antes da queda. Ao cair para mundos inferiores a pedra de esmeralda ter-se-á partido em três partes, uma das quais permaneceu na testa de Lúcifer, dando-lhe uma visão deformada das coisas, outra foi trazida à Terra pelos anjos bons e aqui permaneceu, sendo guardada por quem a merece.
• Que seria um livro misterioso com as palavras secretas que Jesus terá ditado a José de Arimateia. Estas palavras só poderão ser lidas e entendidas por quem estiver nas graças de Deus.

Da mesma maneira que o culto a Maria Madalena teve uma origem provável no culto de Ísis, a grande deusa egípcia, também o mistério do Graal é bem mais antigo que o cristianismo. A origem do Graal é celta, pertence à tradição celta, foi apenas cristianizada mais de mil anos após a presumível existência de Jesus. Para os celtas, o Graal era o caldeirão onde os druidas cozinhavam as suas poções mágicas, que davam força e destemor aos guerreiros, beleza às mulheres e uma longa e saudável vida a quem a tomasse regularmente. Como é que o Graal se transformou num símbolo cristão?

Na sua tremenda expansão por toda a Europa o cristianismo operou de duas maneiras:

1. Eliminou as tradições que conseguiu eliminar, muitas vezes à custa de autênticos genocídios, em que nem as mulheres e as crianças eram poupadas, considerando-as pagãs e convertendo os sobreviventes ao cristianismo;

2. Quando essas tradições tinham raízes muito fortes na população, ou quando esta era muito difícil de combater pelas armas, adoptou-as, dando-lhes novas roupagens e caracterizando-as com uma feição cristã. O culto de Madalena em substituição do de Ísis ou outras Virgens Negras, um pouco por toda a Europa, mas especialmente na costa mediterrânica, é exemplo dessa adopção.

Uma das coisas curiosas que acontecem com o nome de Portugal é a sua relação com o Graal. Sabe-se que tribos celtas terão chegado em determinada altura a Portugal, vindas do centro da Europa. Os Lusitanos eram tribos de origem celta, os seus cultos eram caracteristicamente celtas. Existem em Portugal numerosos monumentos megalíticos celtas. Só não se sabe onde estavam os celtas antes de se expandirem do centro da Europa para a Península Ibérica e chegado a Portugal, pois há vestígios de presença celta anteriores a essa grande migração. É provável que tenha havido migrações anteriores e que os celtas tenham estado em Portugal antes de se estabelecerem no centro da Europa.

Historicamente a origem do nome de Portugal tem a ver com o condado Portucalense, que foi a sua génese e cujo nome vem de uma povoação existente na foz do rio Douro, Portucale, hoje cidade do Porto. Mas existem documentos antigos do tempo do 1º rei português, D. Afonso Henriques, em que aparece escrito Portograal, significando porta do Graal ou porto do Graal.

Estranho? Não tanto assim, se pensarmos que a fundação de Portugal, em pleno século 12, é coincidente com a tremenda expansão que a lenda do Graal conheceu em toda a Europa. A fundação de Portugal é também coincidente com a fundação de uma Ordem de Cavalaria que dominou toda a Europa durante, pelo menos, dois séculos, a Ordem do Templo. É pela mão dos templários que a lenda do Graal é ressuscitada do fundo dos tempos.

Assumindo-se como Cavaleiros do Graal, os Templários promoveram a criação da lenda do Rei Artur, dos Cavaleiros da Távola Redonda, e de vários romances de Cavalaria sobre a demanda do Graal, cujos autores mais famosos foram Chrétien de Troyes, que publicou o seu “Conte du Graal” em 1190, Robert de Boron, que escreveu “L’Estoire du Graal” entre 1200 e 1210, e Wolframs-Esehenbach, que escreveu a história de Parcifal baseado nos autores anteriores.

Tratou-se, na verdade, da primeira grande campanha de “marketing” registada na História. Ao mesmo tempo que impunham o seu poder temporal por toda a Europa, os Templários rodearam-se de uma aura mística e misteriosa com a difusão das lendas referentes ao Graal.

Como é que tudo aconteceu?

Como é sabido, a Ordem do Templo foi fundada em Jerusalém, em 1118, por alguns Cavaleiros que integraram a 1ª Cruzada e que eram originários do centro da Europa. Esses Cavaleiros eram 9, um número de grande significado simbólico, e estiveram em Jerusalém durante 9 anos, sem admitirem mais ninguém nas suas fileiras. O objectivo da fundação da Ordem do Templo, cujo primeiro nome era Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, era o de protecção aos peregrinos que demandavam a Terra Santa.

Aqui começa o primeiro dos mistérios que rodeiam os Templários. Claro que durante esses 9 anos em que não admitiram mais ninguém, esses 9 Cavaleiros não tinham a menor condição de proteger os peregrinos.

Mas proteger de quê? Dos assaltos durante a longa viagem até à Palestina? Dos árabes ou, como se dizia na altura, dos infiéis?

Antes da tomada de Jerusalém pelos cruzados os peregrinos tinham trânsito livre, ninguém os importunava. Depois da conquista da Cidade Santa pelos cruzados, que fizeram dessa conquista um verdadeiro genocídio, pois mataram todo o ser vivente que havia dentro das muralhas da cidade, incluindo árabes, judeus e… pasme-se, cristãos, que ali viviam tranquilos. A carnificina foi de tal ordem que ninguém foi poupado, velhos, mulheres e crianças.

Evidentemente que depois desta carnificina feita em nome do Deus cristão, os peregrinos não estavam seguros. Mas não eram 9 Cavaleiros que os iam proteger, como é evidente.

Durante esses 9 anos os Cavaleiros do Templo terão ficado instalados numa parte do antigo templo de Salomão, daí o nome de Ordem do Templo e Templários, parte essa contígua às antigas cavalariças do templo.

De repente, em 1127, os Templários aparecem na Europa e transformam-se rapidamente na Ordem mais poderosa e temida de toda a cristandade, temida tanto por monarcas como pelo próprio Papa.

Ao mesmo tempo em que se expandem por toda a Europa, constituindo-se em poder dentro dos vários poderes, uma vez que não guardavam obediência a nenhum monarca, mas apenas ao Papa o que, na prática quer dizer que não obedeciam a ninguém, apenas à própria hierarquia.

Esta hierarquia constituía também uma organização muito semelhante a uma multinacional actual: os Templários de cada país tinham o seu próprio Grão-mestre, o qual estava subordinado ao Grão-mestre da Ordem, sedeado em Jerusalém.
Este é o segundo mistério referente aos Templários: como é que conseguiram tal poder tão rapidamente, ainda por cima com a bênção do Papa e o apoio dos vários monarcas, que se prodigalizaram em doar à Ordem do Templo grandes extensões de terras e outras benfeitorias?

Ao mesmo tempo em que acontece esta expansão, ressurgem das cinzas as velhas lendas relativas ao Graal, como a saga arturiana e os romances de Cavalaria, trabalhos claramente encomendados para cimentar a posição da Ordem do Templo e rodeá-la de uma aura mística de virtudes.

Tudo acontece praticamente em simultâneo: o estabelecimento dos Templários na Europa, a sua rápida expansão, o ressurgimento das lendas do Graal adaptadas ao cristianismo, e a fundação do reino de Portugal, que alguém já afirmou ter sido fundado como um país templário.

As lendas do Graal estão também rodeadas de profundo mistério. No caso da saga arturiana fala-se na Bretanha e atribui-se a sua localização ao sul ou sudoeste da actual Inglaterra. Mas a Bretanha era, e é, também, uma região no noroeste da França. Portanto, o reino mítico de Avalon estar localizado na Inglaterra ou na França.

Quanto à figura do rei Artur, não se sabe se existiu de facto. A lenda arturiana refere-se a acontecimentos passados cerca de 500 anos antes de terem sido escritos. É o mesmo que alguém hoje escrever sobre o achamento do Brasil baseado apenas em relatos orais, sem ter acesso a qualquer documento ou à carta de Pêro Vaz de Caminha.

Pelo que os historiadores conseguiram apurar até agora, é provável que tenha existido na Bretanha alguém chamado Artur, aliás um nome vulgar na região. Tratar-se-ia de um reizinho local ou um chefe de tribo, mas a sua história e a dos Cavaleiros da Távola Redonda é claramente inventada com o propósito de fornecer aos Templários a aura mística de que necessitavam.

Embora as lendas do Graal na saga arturiana estejam recheadas de elementos mágicos, demonstrando claramente a sua origem celta, basta referir a Dama do Lago, Merlin o mago, Excalibur a espada mágica, integram também elementos cristãos, num claro compromisso dos Templários com a Igreja. No entanto, está ainda longe o tempo das perseguições das bruxas e dos magos efectuadas pela Santa Inquisição. O tempo é de magia, de reconstrução da Terra Devastada, da demanda da pureza e das virtudes cavaleirescas oferecidas pelo Graal.

O tema da Terra Devastada expresso nos romances de demanda do Graal, prende-se com a situação que se vivia na Europa naquele tempo. Ultrapassado o primeiro milénio depois de Cristo, carregado das sombras negras das profecias de fim do mundo, de todas as desgraças e do julgamento final, a Europa vivia num autêntico caos de lutas permanentes, dominado pelo poder absoluto de Roma. Terra devastada pode significar dissolução de costumes, ausência de valores morais ou mesmo a injustiça de uma sociedade compartimentada entre nobres ociosos, padres viciosos e uma população miserável e escravizada. Esta população era constituída maioritariamente por camponeses que trabalhavam a terra para os seus senhores. Não possuíam a terra, não eram escravos, pois não podiam ser vendidos, mas viviam numa servidão absoluta ligada à terra de onde não poderiam nunca sair. Se a terra fosse vendida, esses servos acompanhavam a terra para os novos senhores. A sua situação miserável e de servidão era imutável.

Apesar da quase totalidade da população estar agregada à terra, a agricultura era incipiente na maioria dos Estados. Os nobres e senhores das terras passavam o tempo quase exclusivamente a guerrearem-se mutuamente, a combater uns com os outros, conquistando terras e castelos e fazendo variar as fronteiras indefinidamente. A fome e a doença grassavam por todo o lado.

A moral era baixa ou, em muitos casos não havia sequer regras morais, excepto aquelas impostas pela Igreja Católica que, no meio de toda aquela confusão estava mais interessada em firmar o seu poder absoluto em vez de se preocupar com a moral reinante. Salvo raras excepções, os membros do Clero não primavam também por um comportamento moral que fosse um reflexo de bons costumes para a sociedade.

O sistema social em vigor na Idade Média contribuía fortemente para esta situação. Os camponeses, chamados em algumas regiões “moços da gleba”, não tinham nenhuns direitos, a própria vida dependia da vontade e, muitas vezes, do humor dos seus senhores. Não tinham direito a qualquer propriedade e o que conseguiam produzir da terra lhes era retirado quase na totalidade pelo dono da terra. Não tinham direito a manter a sua família dentro de padrões morais, as suas filhas serviam muitas vezes de concubinas satisfazendo os apetites sexuais dos nobres e dos filhos dos nobres desocupados, que as largavam depois para casarem com um camponês qualquer e continuar a sua vida de miséria. Não havia a menor possibilidade de um camponês ascender na escala social, atingir um estatuto de nobreza ou ser um religioso. Estas situações estavam reservadas à classe nobre.

Quer dizer, havia apenas três classes sociais: a Nobreza, o Clero e o Povo. O povo nunca poderia deixar de ser povo, nascia povo, vivia povo e morria povo, muitas vezes morria a defender as terras do seu senhor ou a ajudar o seu senhor a atacar as terras de outros.

Na Nobreza as coisas também não eram fáceis. O único que tinha direito a herdar o título, a fortuna e as propriedades era o filho varão mais velho que estivesse vivo na hora da morte do seu progenitor. Todos os outros filhos e filhas não tinham direito a nada. Os filhos varões tinham três opções de vida: ou ficavam a viver à conta do irmão mais velho, que seria o conde, o duque ou o marquês; ou colocavam-se ao serviço como cavaleiros de um senhor qualquer e passavam a vida a pelejar; ou entravam para um seminário ou um mosteiro e tornavam-se religiosos. Muitos tornavam-se cavaleiros andarilhos oferecendo os seus serviços aqui e ali, até um dia serem mortos numa refrega qualquer. Esta situação está magistralmente relatada na obra “D. Quixote de la Mancha” de Cervantes. O tolo do D. Quixote procura desesperadamente um motivo que justifique a sua existência e a sua condição de cavaleiro andarilho. Dulcineia, a dama por quem se mete em todas as aventuras é a sua anima, o seu lado feminino que procura compensar a brutalidade da sua profissão de cavaleiro. Em outras palavras é o seu Graal pessoal, que procura alcançar, sujeitando-se às cenas e atitudes mais ridículas.

As filhas da Nobreza tinham um destino complicado: ou a família as conseguia casar com algum senhor de bens, normalmente um casamento negociado, ou seguiam o caminho religioso entrando para um convento, onde seguiriam o percurso normal de noviça a freira.

Era assim a Terra Devastada na Idade Média. Wolframs-Esehenbach refere-se a ela na sua obra “Parcifal”, baseada em duas obras anteriores, como já vimos. Foi nesta Terra Devastada que o Papa Urbano II clamou pela defesa dos peregrinos na Terra Santa e mandou organizar a 1ª Cruzada, que reuniu qualquer coisa como 600 mil combatentes, entre cavaleiros, peões, mendigos, salteadores, juntando muitos cavaleiros de renome mas também muito da escumalha que abundava na Europa de então. O sucesso desta 1ª Cruzada deveu-se à promessa do Papa de que quem permanecesse fiel à cruzada teria todos os pecados perdoados e um lugar no céu à sua espera. Quantos mais infiéis matasse mais fácil seria a sua entrada no paraíso. Acabou por conquistar Jerusalém, mas à custa de um dos mais horríveis e odiosos feitos do cristianismo. Com muito suor, muitas lutas e sofrendo os horrores da peste, os cruzados foram sendo dizimados, mortos nos numerosos combates e por doença. Dos 600.000 que tinham partido, apenas uns 15.000 chegaram às muralhas de Jerusalém.

Mesmo assim, em número reduzido, conseguiram tomar a cidade, fazendo dessa conquista um verdadeiro banho de sangue. Tanto os resistentes como a população desarmada foram mortos. Os cruzados não pouparam ninguém, muçulmanos, judeus, e até cristãos. Não pouparam nem velhos, nem mulheres nem crianças. Excepto os judeus, que foram queimados vivos, todos os outros foram passados ao fio de espada. Tudo isto feito em nome de Deus ou de Jesus Cristo.

Além da carnificina da conquista de Jerusalém, a 1ª Cruzada conseguiu ainda outro feito espantoso: destruir a civilização mais evoluída da época.

É nesta 1ª Cruzada que chegam à Palestina os cavaleiros que virão a fundar a Ordem do Templo. A sua estadia de 9 anos, o seu regresso à Europa e expansão meteórica podem ter algumas explicações:

1. Terão encontrado documentos antigos contradizendo a história oficial do cristianismo e sua origem, o que lhes terá dado um poder tremendo, fazendo tremer os alicerces da Igreja e assim, o apoio do Papa, na condição de manterem sigilo absoluto sobre o teor desses documentos. É uma hipótese provável, pois sabe-se que nas correntes mais internas templárias se assumia que o verdadeiro Messias era João Baptista, e não Jesus. Muitos templários eram conhecidos como tendo aderido à seita dos joanitas, os seguidores de João Baptista. Leonardo da Vinci devia saber disto e, por essa razão, representou sempre Jesus em situação inferior à de João Baptista, como no famoso quadro da “Madona do Rochedo” ou “Virgem do Rochedo”.

2. Terão estado em contacto com escolas e mestres sufis do Islamismo, o que lhes conferiu um saber superior a tudo quanto era conhecido na Europa.

3. Nos contactos com o Islamismo terão conhecido o “Velho da Montanha”, Hassan-i-Sabbah, o chefe dos “assassinos”, cujo nome provém do haxixe, que eles fumavam, drogando-se, antes de cometerem as suas missões fatídicas. Com os “assassinos” terão aprendido a arte de forçar decisões através do medo. Para se ter uma noção do tenebroso poder dos “assassinos” e da sua arte de se infiltrarem no território inimigo, basta lembrar Saladino, o grande estratega muçulmano que conseguiu unir os árabes contra os cruzados e retomar Jerusalém. Ninguém conseguia chegar perto de Saladino, a sua guarda impedia de forma feroz qualquer tentativa de aproximação. Saladino e o “Velho da Montanha” (Alamute) eram inimigos declarados. Na primeira vez que Saladino cercou a fortaleza de Alepo, aliada dos “assassinos”, foi surpreendido durante o sono por um “assassino”. Conseguiu defender-se por ter acordado a tempo de evitar a punhalada fatal. Ficou apenas com um ligeiro ferimento na face, mas o episódio atemorizou o próprio Saladino, que resolveu levantar o cerco e retirar. Na segunda vez que tentou o cerco a Alepo, já mais seguro e com a sua guarda bem instruída para evitar qualquer tentativa de infiltração, acordou a meio da noite olhando aterrorizado para um bilhete espetado na sua mesa-de-cabeceira por um punhal. O bilhete era dos “assassinos” recomendando-lhe para levantar o cerco e ir embora porque, de uma próxima vez o punhal teria outro destino. Aterrorizado, Saladino levantou o cerco e foi embora.








Chegámos agora à parte final da nossa pequena palestra. Já vimos como os Templários se assumiram como Cavaleiros do Graal. Mas voltando à pergunta inicial, o que é o Graal afinal?



É um objecto possuidor de poderes miraculosos?

É a taça da Última Ceia em que José de Arimateia recolheu as gotas do sangue de Cristo?

É uma pedra?

É um livro?

Teriam os Templários o segredo da sua verdadeira natureza?

Os Cavaleiros que buscavam o Graal, buscavam o quê?
• O tal objecto?
• O Paraíso Terrestre ou o Jardim das Hespérides?
• O Shangrila?
• O Nirvana?
• A Paz Profunda dos rosacruzes?


Para mim, O Graal ou o Santo Graal, como lhe queiram chamar, está no coração de cada um de nós, pois é aí que o devemos buscar.

O Graal é a mestria que cada um de nós poderá atingir um dia.

domingo, 7 de outubro de 2007

Che Guevara: mito ou lenda?

Eu não sei verdadeiramente qual a diferença entre mito e lenda, mas também não estou muito interessado em descobrir, porque afinal, uma coisa e outra pertencem ao campo da imaginação ou, se quisermos, à chamada consciência colectiva, que pode ser de um grupo, de uma região, de um país ou de toda a humanidade.
Habituámo-nos a estudar a mitologia grega, a egípcia, a suméria, a mitologia de grande parte das civilizações antigas. Nesse estudo nunca acreditámos que, realmente, os mitos possam corresponder a algo que tenha de facto existido ou acontecido. Sempre assumimos que se tratava de pura imaginação popular trazida até aos nossos dias através das gerações, apesar desses mitos estarem registados em antigos papiros, em barrinhas de argila ou em documentos que cruzaram a Idade Média, se submeteram à imaginação dos monges escribas e chegaram até aos nossos dias. No entanto, os gregos legaram-nos coisas que ainda hoje dão a volta à cabeça dos que usam a massa cinzenta para pensar, como por exemplo a história de Édipo, que tem feito correr rios de tinta aos analistas, os psico e os outros.
Na questão das lendas a coisa já muda de figura, pois acreditamos que os acontecimentos narrados tenham de facto acontecido, ainda que toldados pela imaginação popular e dos escritores que lhes deram corpo. Como no caso da lenda arturiana, dos cavaleiros da Távola Redonda, de Avalon, o reino mítico. Já quando se fala no mago Merlin, na Dama do Lago, na espada mágica Excalibur, já achamos que se trata de pura fantasia. No entanto cremos que, realmente, o rei Artur existiu, assim como os seus cavaleiros.
Outros mitos e lendas há, mas esses entram no campo da religião, onde passam a ser verdades absolutas e indiscutíveis. Foi criada a noção de que religião não se discute, é assunto de fé e do foro íntimo de cada um. De acordo que seja do foro íntimo de cada um, mas outros assuntos há que também são do foro íntimo e são abertamente discutidos. Criou-se o conceito de que é preciso respeitar os que crêem e portanto, qualquer questionamento é mal vindo, a não ser que parta de alguém alçado em seu diploma de teosofia e, mesmo assim, aceita-se com reservas, além do facto do próprio estudo da teosofia já condicionar a pessoa. A consequência desta inibição é a proliferação de igrejas e o enriquecimento abusivo dos seus dirigentes à custa dos fiéis, como já foi documentado por diversas vezes e é do conhecimento público.
Depois vêm os mitos ou as lendas modernas sobre coisas que aconteceram e pessoas que viveram do século XX para cá. Um dos mais notáveis é o mito de Elvis Presley, a quem até já ergueram uma estátua em Jerusalém. Com milhões de adoradores fanáticos, o seu túmulo em Graceland, na cidade de Memphis, no Tennessee, é permanentemente visitado por autênticas romarias, como se tratasse da visita ao túmulo de um santo. O mais interessante é que não se trata apenas de apreciar um cantor de características muito peculiares, famoso na sua época, embora nunca tenha saído dos Estados Unidos da América, que revolucionou o rock. Trata-se de pura idolatria irracional, pois ninguém quer saber da vida desregrada que levava, do abuso de drogas e medicamentos, que o conduziram à morte prematura. Não contentes com o facto dele ter morrido, ainda puseram a circular a ideia de que ele afinal não morreu, que está vivo e retirado algures, pois a sua saúde não permitiria continuar a vida intensa que levava.
Mas o mito mais famoso dos últimos tempos, transformado em ícone da juventude em todo o mundo, é sem dúvida o de Che Guevara. A partir de uma foto de Alberto Korda, transformada por um artista plástico irlandês radicado nos Estados Unidos, a sua imagem de guerrilheiro romântico espalhou-se por todo o mundo, transformando-se no guia “espiritual” de toda uma juventude de esquerda e, inclusive de direita. Agora que se completam quarenta anos sobre a sua morte na Bolívia, no dia 9 de Outubro de 1967, alguma imprensa internacional resolveu trazer ao conhecimento dos leitores quem era, realmente, Che Guevara.
Argentino de nascimento e formado em medicina, que nunca praticou, depois de muitas venturas e desventuras, acabou por se juntar aos guerrilheiros de Fidel de Castro na Serra Maestra e participar na luta pela tomada de poder em Cuba. Após o êxito da revolução, tornou-se o braço direito de Fidel de Castro, chegando a ser ministro no governo de Cuba. Em 1965 resolveu deixar Cuba e partir para a luta revolucionária em outras partes do mundo. Esteve no Congo, em África, onde a sua actividade foi um completo fracasso, depois foi para a Bolívia, onde fracassou novamente, acabando por ser morto. Na localidade onde foi assassinado em 1967, a população local ergueu-lhe uma estátua e passou a ser conhecido na região como San Ernesto de La Higuera. Como a própria designação indica, passou a ser cultuado como santo.
Mas Che Guevara era tudo menos o revolucionário romântico que a foto de Korda difundiu por todo o mundo. Marxista da linha mais dura, era um homem cruel e sanguinário, para quem a vida dos outros não tinha a menor importância. À sua ordem foram assassinados milhares de prisioneiros, muitos dos quais foram executados por ele pessoalmente. Nunca demonstrou a menor compaixão pelas vítimas que dizia defender. Entre os seus colegas era conhecido como “el chancho”, que quer dizer porco, pois parece que não era muito amigo de tomar banho e cheirava, segundo se dizia, a rim frito.
Mas esta face de Che Guevara, a sua verdadeira face de homem cruel, de assassino sem remorso, ninguém quer conhecer. As pessoas preferem continuar a viver no mito do guerrilheiro romântico, ou seja, criaram uma imagem que não corresponde minimamente à verdade, mas é com essa imagem que acalentam os seus sonhos de um mundo melhor.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Histórias de Angola

Estas histórias são relatos vividos pessoalmente, ou por gente que conheci e que se perdeu no redemoinho do tempo. Estas histórias aconteceram, foram verdadeiras, tive apenas o cuidado de mudar o nome dos personagens, preservando o seu anonimato. Foram escritas de memória, portanto, é natural e possível haver algumas imprecisões, principalmente no que se refere a datas.

I – O VISTO

Em Setembro de 1975, enquanto se amontoavam nos cais os pertences dos portugueses que abandonavam Angola, Luanda estava quase cercada. Forças das guerrilhas lutavam entre si, tentando conquistar a cidade e garantir a independência para as suas hostes. O MPLA controlava Luanda, mas a sua situação era frágil, do sul subia uma coluna heterogenia de guerrilheiros que, aparentemente, não encontravam resistência. Valeu ao MPLA os soldados cubanos e os “órgãos de Estaline” que, apoiados por aviões russos, desbarataram a coluna, o perigo principal para a sua hegemonia.
A independência de Angola foi declarada às 23 horas do dia 11 de Novembro, por Agostinho Neto, o líder do MPLA. Mas antes disso, a 6 de Novembro, já o Brasil de Ernesto Geisel, tinha reconhecido essa independência, talvez numa corrida para tentar substituir em Angola a presença portuguesa. Quando a maior parte dos países do mundo só reconheceu a independência em 1976, o Brasil foi o primeiro, 5 dias antes da data marcada. Na sequência da independência, o Brasil resolveu retomar os voos da Varig entre Luanda e o Rio de Janeiro, com escala em Recife.
Foi assim que eu fui parar a Angola, em meados de 76, negociar com a TAAG, a herdeira da DTA, o reinício dos voos entre Angola e o Brasil. Junto da Embaixada de Angola em Lisboa obtive o necessário visto no passaporte para poder entrar naquele país, agora independente.
Viajei para Luanda num velho B707 da TAAG, numa cabine de 1ª classe sem qualquer revestimento interior. O ar condensava-se no tecto e depois caía sobre os passageiros na forma de gotas de água.
Durante a viagem tentei imaginar como é que iria encontrar aquela cidade que eu conhecia tão bem, por lá ter vivido muitos anos e depois visitado várias vezes por ano.
Antes da chegada tive que preencher uma ficha, onde me era pedido para explicar o motivo da viagem e quanto dinheiro eu levava.
Após o desembarque e enquanto caminhava para o edifício do aeroporto, consegui ver alguns aviões MIG, mais ou menos camuflados junto da pista. Seguiu-se a revista na Alfândega, a minha mala revirada sem qualquer espécie de cuidado, e depois a revista pessoal, em que me foi retirada a carteira para contarem o dinheiro que eu levava e se correspondia ao que tinha declarado na ficha.
No controlo da polícia uma agente grande e gorda olhou para mim com ar de desprezo e arrancou-me, literalmente, o passaporte da mão. Abriu o passaporte e ficou a olhar para o visto que me tinha sido passado na Embaixada de Angola em Lisboa.
- O que é isto? – Perguntou ela com voz autoritária.
- Isso é o meu visto de entrada. – Respondi.
- Visto de entrada? Não pode ser, isto é falso. Os nossos vistos não são assim. Isto aqui é muito diferente. – Fez sinal a dois soldados armados com metralhadoras, que logo se vieram colocar junto de mim, um de cada lado. Ficou a olhar para mim, talvez à espera que eu dissesse alguma coisa. Mantive-me calado.
- Quem é que passou o visto? – Perguntou.
- A vossa Embaixada em Lisboa. – Respondi.
- Não, não pode ser. As embaixadas não estão autorizadas a passar vistos.
E agora? Os soldados a meu lado mexiam-se nervosos. Comecei a pensar que podia ser preso por tentar entrar em Angola com um visto considerado falso. Comecei a imaginar a minha situação e como é que conseguiria entrar em contacto com a Embaixada portuguesa em Luanda. Pensei que a Ludovina me pudesse ajudar.
A Ludovina era o meu único contacto em Luanda. Descobrira recentemente que era militante do MPLA, onde talvez tivesse uma função importante, pois, como verifiquei mais tarde, movia-se à vontade por todo o lado e em todas as situações. Mas a Ludovina não estava ali, devia estar no exterior do aeroporto à minha espera.
A situação foi salva pelo aparecimento de um graduado, que se acercou da agente e lhe perguntou o que se passava. A agente explicou-lhe, mostrando-lhe o passaporte. A reacção dele foi imediata:
- Sua burra! Não vê que isto é um visto da nossa Embaixada em Portugal?
A mulher ainda tentou dizer alguma coisa, mas ele não a deixou falar, mandou-a despachar-se, que havia uma fila de gente para ser atendida.
Respirei aliviado. Humilhada com a bronca recebida perante mim e perante quem estava presente, carimbou o passaporte e atirou-mo com um ar de desprezo no rosto. Os soldados voltaram para os seus lugares e eu encaminhei-me para a saída, onde Ludovina me esperava.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

O Velho do Restelo

O “Velho do Restelo” é uma figura simbólica usada por Camões no canto IV dos Lusíadas para retratar os pessimistas, os conservadores e os reaccionários que se opõem por inércia a qualquer inovação, neste caso os Descobrimentos Portugueses. Ele aparece na primeira partida das naus de Vasco da Gama para a Índia e lança avisos sobre a temeridade de tal empreendimento, que punha em risco a nação, lançada imprudentemente num salto para o desconhecido. Ao longo dessa magnificente obra que são os Lusíadas, Camões utiliza muitas figuras simbólicas para retratar determinados episódios dessa tremenda aventura marítima em que os portugueses, em boa hora, se lançaram de corpo e alma. De todas essas figuras simbólicas, a do “Velho do Restelo” terá sido aquela que ficou mais conhecida e presente no inconsciente colectivo português. Quando alguém se opõe a qualquer ideia ou experiência nova, logo é muitas vezes apelidado de “Velho do Restelo”, com sentido pejorativo, significando que se trata de alguém reaccionário, agarrado ao passado e à segurança que, ilusoriamente, esse passado lhe transmite.
Mas o “Velho do Restelo” invocado por Camões, ainda que representando a segurança do que era conhecido, do “status” aparentemente seguro, estava duplamente errado. Primeiro porque não reconhecia que qualquer evolução e desenvolvimento, seja do ser humano, seja das nações, não acontece sem se incorrer em alguns riscos, muitas vezes riscos fatais; depois porque o plano dos Descobrimentos não era, propriamente, um salto para o desconhecido. Era um plano consciente que vinha sendo preparado há séculos.
Ninguém sabe quando é que esse plano começou a ser idealizado. No concreto, começou de facto com o rei D. Dinis (1279-1325) quando criou a primeira armada e os primeiros estaleiros construtores de navios, e nacionalizou a Ordem do Templo, transformando-a em Ordem de Cristo e abrigando nela os templários perseguidos no resto da Europa.
Com isto começou a criar as condições que mais tarde puderam impulsionar as viagens marítimas e prosseguir no Plano das Índias. É costume invocar-se o pinhal de Leiria, que ele mandou plantar, como a criação da fonte de madeira necessária para a construção das caravelas. É verdade que muita da sua madeira foi utilizada com esse propósito mas, o objectivo de plantar o pinhal de Leiria foi o de enxugar os pântanos existentes na região e de segurar as areias da erosão marítima e dos ventos. Não foi plantado com o objectivo de obter madeira pois, na época, a madeira era abundante em todo o território, inclusive no Alentejo, região que hoje, para além de algumas matas de sobreiros, pouca floresta possui.
Quando acima falo no Plano das Índias, conceber a existência de um tal plano tão anterior à sua execução, a viagem de Vasco da Gama em 1497, parece algo de absurdo. Mas a História é frequentemente feita de absurdos aparentes. Por exemplo, quando D. Henrique, o Infante, resolve lançar ao mar as suas caravelas, o país estava na bancarrota, acabava de sair de uma crise de sucessão (1383-1385) de uma guerra civil e de uma guerra com Castela. De onde saíram os recursos financeiros para a construção e aparelhagem das caravelas? Da Ordem de Cristo? E onde esta obteve esses recursos? Dos templários? Do famoso tesouro dos templários que ninguém sabe onde foi parar? Quando Filipe o Belo, rei de França, manda os seus esbirros ao porto de La Rochele para apreender o tesouro, que estaria a bordo de barcos templários, estes já tinham partido para o alto mar e se perdido na neblina. O destino desses barcos continua desconhecido até aos dias de hoje, embora haja quem afirme que terão rumado a Portugal e desembarcado a sua preciosa carga na costa portuguesa próxima de Óbidos e depois levada para Tomar.
A prova mais evidente de que o Plano das Índias estava na mente do Infante e de todos os que colaboraram na campanha dos Descobrimentos, encontra-se no mosteiro de Santa Maria da Vitória, mais conhecido como mosteiro da Batalha. Mandado construir pelo rei D. João I em agradecimento e para comemorar a batalha de Aljubarrota em 1385, onde se perderam definitivamente as ambições de Castela ao reino de Portugal, visto de cima tem a configuração de uma chave.
Esta chave é composta por três elementos distintos: a oriente, as Capelas Imperfeitas, a casa do Pai, que se funde no oriente; ligando o oriente a ocidente, o corpo da Igreja, a Europa, a casa do Filho; a ocidente, a Capela do Fundador, a Península Ibérica, o Espírito Santo. Um visitante que queira deslocar-se da Capela do Fundador para as Capelas Imperfeitas, deve rodear o mosteiro pelo lado sul – da mesma forma que a viagem para a Índia teria que ser feita, rodeando o Mundo (a África) pelo sul.
O conjunto do mosteiro está cheio de mensagens herméticas. As Capelas Imperfeitas (inacabadas), são assim chamadas por não terem tecto nem qualquer tipo de cobertura. Trata-se de uma construção octogonal, estilo especialmente importante para os templários. A inexistência de cobertura, apesar de algumas teorias afirmarem que ficou assim porque os arquitectos, os construtores ou os monarcas se desinteressaram pelo seu acabamento, tem um significado simbólico importante: destinadas a serem um panteão funerário dos reis, as Capelas Imperfeitas estabelecem uma ligação directa entre a terra e o céu.
Tudo leva a crer, apesar de um certo cepticismo entre muitos historiadores alheados dos aspectos esotéricos e simbólicos das antigas construções, como as catedrais góticas, que o projecto de demanda das Índias contornando a África pelo sul, era um plano bem antigo, talvez do conhecimento restrito e exclusivo de iniciados, configurado no belo conjunto do mosteiro da Batalha.
O “Velho do Restelo” estava assim muito errado, como estão, normalmente, todos os “Velhos do Restelo”. Não sabemos o custo em vidas humanas da aventura marítima portuguesa, Foi muito alto, certamente. Mas, como disse o poeta, “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Valeu a pena, os portugueses lançaram-se ao mar arrostando com todos os perigos e fizeram aquilo que o grande historiador Jaime Cortesão definiu como “a unificação dos povos da Terra”.
A figura do “Velho do Restelo”, em termos modernos, representa aquilo que alguns psiquiatras definem como “pensamento intruso”. Aquele medo que corrói as entranhas e nos impede, muitas vezes, de descolarmos para voos mais elevados.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Galileu Galilei (revisitado)

“ (…) Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas – parece-me que estou a vê-las –,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que a si mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível de suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre, ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.”
(do Poema para Galileo de António Gedeão)


Todos conhecemos ou já ouvimos falar de Galileu e do drama que passou às mãos da Inquisição. Em pleno século XVI, Galileu tomou conhecimento das teorias de Copérnico, que estabelecia o sistema heliocêntrico do nosso sistema solar, quer dizer, que eram os planetas que giravam à volta do Sol, não este e os planetas à volta da Terra. Nas suas pesquisas de astronomia Galileu aderiu a esta tese, contrariando o postulado pela Igreja, o sistema geocêntrico, delineado por Ptolomeu no primeiro século da nossa era.
A teoria aceite e defendida pela Igreja ao longo dos séculos era a teoria Ptolemaica, geocentrista, onde o Sol e os planetas giravam em torno da Terra, a qual, na sua magnitude divina, era o sagrado repositório dos seres criados pelo próprio Deus, no topo dos quais estavam os seres humanos.
O que espanta e nos dá uma certa avaliação do poder da Igreja sobre a sociedade medieval, um poder absoluto que exerceu durante quase dois milénios, é que a teoria heliocêntrica não constituía propriamente uma novidade, pois já fora defendida por um astrónomo da Grécia antiga, Aristarco de Samos, que viveu entre 310 e 230 a. C. Aristarco defendia que o Sol era um corpo estático no universo, à volta do qual giravam todos os planetas conhecidos, inclusive a Terra. Hoje sabemos que também o Sol se move através da nossa galáxia mas, na época de Galileu, século XVI, a simples ideia de que a Terra não era o centro do universo era intolerável para a Igreja.
Mas então, se já era conhecida esta teoria heliocêntrica, qual a razão da Igreja ter imposto o geocentrismo? Porque os padres eram ignorantes? Não. A cultura e o conhecimento estiveram durante muitos séculos no seio das abadias e dos conventos, a Igreja era a sua detentora quase exclusiva. O problema que se punha era o de que, para a Igreja, a Terra era o local em que Deus se manifestara e criara o homem, portanto, a Terra, como único local escolhido por Deus para o homem habitar, teria que ser o centro do universo. Aceitando o heliocentrismo teria que aceitar também que, afinal, a Terra não era tão importante assim, que não passava de mais um planeta girando em torno do Sol.
Muito inteligentemente, Galileu, ameaçado pela Inquisição de ir parar à fogueira como herético, deu o dito por não dito. Ao fazê-lo salvou a pele, mas terá pensado certamente que a sua teoria não valia o supremo sacrifício. Na verdade, os astros continuariam a mover-se segundo a sua mecânica estabelecida, talvez por Deus, independentemente do que os homens pensassem. Sabia também que a semente das suas ideias já estava lançada, que havia outros, como Copérnico, que partilhavam as mesmas opiniões e que, alguém mais liberto das amarras inquisidoras iria desenvolvê-las. A maioria ou a quase totalidade da população era analfabeta e ignorante, portanto, não valia a pena insistir na sua verdade. Ela acabaria por aparecer, como de facto veio a acontecer.
Há quem ache que Galileu foi covarde, que não foi capaz de se manter fiel àquilo em que acreditava, que se rendeu à imposição da Igreja para salvar a vida. Eu acho que foi inteligente, porque podem enclausurar-se e matar-se pessoas, não se pode prender nem matar ideias.
A história de Galileu Galilei pode levar-nos a pensar que só poderia ter acontecido naquela época, em que a Igreja enfrentava a ameaça da Reforma, que deu origem ao Protestantismo e reunia energias para contra atacar, naquilo que ficou designado como a Contra Reforma. Naturalmente que houve um endurecimento das posições da Igreja, manifestado principalmente pelo seu braço justiceiro, a Inquisição. A Europa saía a custo de um longo período de trevas a que a Igreja a submetera durante séculos e pequenas luzes de liberdade começavam a aparecer um pouco por todo o lado. Hoje, uma situação como a que Galileu viveu seria impossível de acontecer, pelo menos nas sociedades ocidentais, dada a abertura e liberdade de informação que existe. Hoje, já não é tempo de dogmas, as pessoas já deixaram de ser instrumentos às mãos de um poder qualquer. Pois é, já estive mais convencido disto do que estou actualmente.
Os Galileus de hoje já não correm o risco de ir parar a uma fogueira de um qualquer auto de fé. No entanto, os autos de fé continuam a existir, de uma forma mais sofisticada, mas enganosa como sempre, usando meios de comunicação que não existiam no tempo de Galileu, para espalhar ideias erróneas, transformadas quase em dogmas. O mais triste de tudo é que os crentes são milhões, espalhados pelo planeta inteiro.
Vivendo hoje num mundo chamado de informação, em que toda a gente pode estar informada de tudo, somos permanentemente desinformados ou levados a conclusões erradas acerca de uma variedade de assuntos que preocupam actualmente a humanidade.
A Igreja já deixou há tempos de exercer o seu poder temporal e de impor os seus dogmas à generalidade das pessoas, apenas os mais fiéis ou menos avisados continuam apegados à sua doutrina retrógrada. Mas se a Igreja baixou os braços, outros se levantaram para os substituir no controlo mental e intelectual do ser humano. Refiro-me sem qualquer espécie de receio aos numerosos grupos que pululam por todo o lado e que integram o chamado movimento da Nova Era. Se há gente muito honesta e comprometida em preservar os nossos recursos naturais, em defender políticas racionais de poupança da água, da energia e em manter o planeta um lugar saudável para todos os seres que o habitam, há uma quantidade grande de oportunistas e especuladores que, mais não fazem do que tentar criar um clima de medo e ansiedade em relação ao futuro.
O aquecimento global é um facto, não há como desmenti-lo, mas não atinge ainda as proporções dantescas que alguns querem fazer crer. Um aumento de um ou dois graus na temperatura média dos oceanos é grave, pode provocar sérias mudanças climáticas e cataclismos, e pode dar origem a um certo degelo nas calotas polares. Mas a maioria das grandes cidades não vai desaparecer sob as águas em 2010, data anunciada à exaustão na Internet há alguns anos atrás.
A Internet é o meio ideal para esses grupos difundirem as suas paranóias, porque é um meio que não tem, praticamente, qualquer espécie de controlo, e não se exige nenhuma responsabilidade a quem faz circular mensagens que procuram aterrorizar as pessoas. Como os jornais e as revistas sérias não lhes dão guarida, a Internet é usada e abusada pelas teorias mais fantasiosas.
Que se defendam as baleias, os golfinhos, as focas e outros animais em vias de extinção; que se pressione fortemente os governos para adoptarem medidas de protecção às espécies; que se lute contra a emanação de gases tóxicos na atmosfera e contra a destruição das matas e das manchas verdes, tão necessárias ao nosso oxigénio vital. Mas que seja uma atitude séria e consciente e que não se use como pretexto para especulações e desinformação, que não ajuda nada a causa da defesa da Terra como planeta habitável agora e no futuro, mas que espalha o descrédito quando as pessoas se dão conta que foram enganadas. Alguns exemplos ilustram a desonestidade de alguns desses grupos ou indivíduos:

1. Quando no ano passado os rios da Amazónia quase secaram, matando milhões de peixes e outros seres que viviam naquele ambiente, logo se levantou um coro acusando o aquecimento global dessa catástrofe. Só não explicaram porque é que esse fenómeno tem acontecido ciclicamente na região em épocas em que não havia nenhum aquecimento global nem destruição da mata amazónica.
2. Os glaciares estão a derreter e logo imagens são difundidas na Internet mostrando um desses glaciares a desfazer-se e a despenhar-se no mar em grandes blocos de gelo. Tudo isto assistido por mirones que, para ali foram, talvez integrados numa excursão turística. Só não explicaram que esse fenómeno é conhecido há séculos e se passa no sul da Argentina.
3. Por muito que queiram culpar o aquecimento global pela desertificação em África, esta vem acontecendo desde que a África se tornou conhecida do mundo ocidental, portanto, não é um fenómeno recente que se possa atribuir directamente ao aquecimento global.

A comparação que aqui faço com a figura de Galileu pode parecer forçada a muita gente pois, afinal, são também alguns cientistas que dizem que a Terra caminha para uma destruição inevitável. Galileu representa aqui a figura do cientista honesto, aquele que não especula com as situações, cujas afirmações são resultantes de pesquisas sérias e que não dá certezas absolutas. Os “donos da verdade” estão do outro lado, usando e abusando da informação existente, retirando apenas a parte mais dramática para poderem espalhar o pânico e a ansiedade entre as populações. Ah, mas os fins justificam os meios, como alguns costumam dizer, na assunção de que, espalhando o pânico mais depressa podem levar o ser humano a tomar consciência dos malefícios da sua acção. É um ponto de vista que não partilho, pois não me parece que algo de positivo possa ser atingido através da mistificação e adulteração da informação. O que acontece com esta forma de proceder, como afirmei acima, é as pessoas deixarem de acreditar que realmente o planeta está em perigo, e que é preciso tomar medidas sérias para evitar a continuação da deterioração da sua qualidade de vida. Acho que todos temos direito a saber a verdade, mas a verdade que a ciência honesta nos pode facultar. Depois… é tudo uma questão de consciência.

domingo, 17 de junho de 2007

Diário da Fatinha (28)

Olá amigos cá estou eu de novo hoje é sábado e o meu pai saiu de manhã como é costume para jogar a bola com os amigos eu sei que ele não vai jogar nada à bola mas vai divertir-se e beber umas cervejas e depois volta pra casa muito contente e começa a contar as novidades à minha mãe que ela ouve pouco interessada porque o mundo dela diz ela é outro é o mundo da arte pois já pinta muito bem e as pessoas gostam muito do que ela pinta a minha tia guilhermina veio almoçar com a gente a minha mãe fez galinha de fricassé que é uma comida que o meu pai gosta muito ele diz que nunca viu ninguém com tanto jeito prá cozinha a minha mãe não gosta de ouvir isto porque diz que ele ainda pensa que o lugar da mulher é junto do fogão mas que está muito enganado e que é melhor ele aprender também a fazer alguma coisa na cozinha porque qualquer dia é capaz de lhe dar uma coisa e passar um dia sem cozinhar a minha tia guilhermina estava com um vestido novo com a saia um pouco acima do joelho ela não gosta de usar calças diz que não tem figura para usar calças e prefere os vestidos as saias e as blusas diz ela que lhe dá um ar mais feminino que a mulher se devia cuidar melhor mostrar o seu lado feminino em vez de tentar imitar os homens com calças de jeans e sapatos de ténis eu que sou pequena nunca usei calças a minha mãe sempre me compra uns vestidos muito bonitos que eu gosto muito só não gosto de usar os sapatos que ela me compra prefiro os ténis que são muito mais práticos pra brincar então eu prestei muita atenção à conversa da minha tia guilhermina com a minha mãe elas pensam que eu não entendo mas entendo tudo e parece que a minha tia guilhermina tem novo namorado mas que é um grande problema porque o namorado é casado e não quer largar a mulher a minha tia guilhermina diz que não está pra ser a segunda para ele se entreter que ele tem que decidir de uma vez por todas se fica com a mulher ou com ela ainda mais parece que ele tem também dois filhos mais ou menos da minha idade o que torna as coisas muito complicadas para ele decidir mas a minha tia guilhermina diz que não quer saber ele tem que se decidir e pronto não está pra esperar muito tempo e andar outra vez enganada o meu pai veio com a conversa de que a candidata do partido do sócrates à câmara de lisboa diz que vai permitir o casamento entre homossexuais e que até poderão ser realizados pelo santo antónio ele diz que gosta muito do sócrates mas como católico não pode aceitar isso que é uma pouca vergonha ainda pior se misturarem com os casamentos do santo antónio que é uma festa muito bonita que cada vez entende menos as pessoas a minha mãe disse-lhe que importância tem isso se querem casar que casem que ninguém tem nada com isso que as pessoas são livres de escolher o companheiro ou a companheira que quiserem o meu pai não gostou da resposta da minha mãe disse-lhe que desde que começara a pintar estava diferente quase que se pegaram numa grande discussão não fosse a minha tia guilhermina por água na fervura dizendo que não acreditava que fossem prá frente com uma ideia dessas e o meu pai levantou-se da mesa e foi prá cozinha resmungar que não há direito que as pessoas estão doidas se já se viu uma coisa dessas um ultrage a quem é católico uma ofensa pública a minha tia guilhermina ficou muito preocupada ao vê-lo assim a resmungar mas a minha mãe disse-lhe deixa lá que isto passa-lhe na internet li algumas coisas que não gostei nada que as pessoas são muito malcriadas mas outras coisas até achei muita graça como aquela a dizer que as decisões do governo deviam ser feitas por toda a gente na internet que assim é que estava certo pois toda a gente decidia as coisas importantes para o país mas não acho que esteja certo as pessoas sem internet não podem participar e ainda há muita gente que não tem internet seria injusto pra elas e depois pra quê que era preciso o governo não era preciso pra nada as decisões eram todas feitas na internet uma loucura eu acho sem pés nem cabeça como se fosse possível uma coisa dessas depois dizem também que vão fazer queixa ao parlamento europeu como se isso adiantasse alguma coisa até parece que no parlamento europeu as pessoas não têm nada que fazer senão ouvir as queixinhas faz-me lembrar a minha escola onde alguns meninos e meninas passam a vida a fazer queixinhas às professoras mas ninguém gosta deles por serem assim queixinhas e as professoras também não gostam de ouvir as queixinhas não fazem nada mas eu sei que não gostam o que é que essas pessoas esperam que com as queixinhas o parlamento europeu venha castigar o sócrates lhe venha puxar as orelhas um disparate acho que são pessoas que nunca cresceram aprenderam a fazer queixinhas na escola e agora querem continuar da mesma maneira como diz uma senhora na internet deviam ir todos outra vez prá escola e ter aulas de educação cívica que eu sou pequena mas já sei o que isso significa acho que essa senhora tem muita razão no que diz porque é uma vergonha ver gente adulta agir como se fossem crianças queixinhas e isso é muito feio o meu pai também fica muito zangado quando lhe falam em futebol que o benfica só ficou em terceiro lugar no campeonato e não ganhou nada nem a taça de portugal uma vergonha um clube daqueles que diz que é o maior clube do mundo mas não ganha nada só vive de glórias passadas o porto é que vai ganhando tudo soma campeonatos sobre campeonatos que o pinto da costa é uma grande filho da mãe que até está envolvido em coisas muito esquisitas que compra os árbitros para o seu clube ganhar e que houve uma senhora que se zangou com ele e escreveu um livro a contar um montão de coisas que já esteve pra ser preso mas não foi e o porto continua a ganhar uma vergonha e o meu pai não se conforma a minha mãe diz que o futebol é uma porcaria que é só negociatas que é melhor ele pensar em outras coisas mais úteis e agora vou dormir que já são horas de uma menina pequena como eu ir prá cama dormir.
Fatinha do Alentejo

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Diário da Fatinha (27)

Olá amigos podem achar esquisito que eu voltei depois de dizer adeus mas alguns amigos me mandaram mensagens e até telefonaram pedindo para eu continuar a publicar o meu diário que acham muito interessante que é uma pena que eu guarde essas coisas só pra mim que gostam muito do que eu escrevo não sei porquê afinal eu sou uma menina pequena e não sei nada da vida ainda como diz a minha mãe que diz que a vida tem sido ingrata pra ela mas que afinal não se pode queixar que tem muitas coisas boas que há gente em muito pior situação e eu penso logo nas crianças da minha idade e mais pequenas do que eu que não têm nada pra comer e pra beber coitadas isto é uma grande injustiça porque ouvi dizer que no mundo há comida que chegue pra todos e porque é que uns comem tudo e engordam que se farta e outros não têm nada e ficam muito magrinhos e acabam por morrer há muitas imagens dessas que circulam na internet que eu já vi que eu já sei mexer na internet mas parece que ninguém quer saber deixam as pessoas morrer assim uma vergonha não há direito os políticos são tudo a mesma coisa só querem encher o bandulho à conta do zé povinho como diz o meu pai que agora já nem quer saber da política comunista que dizem que dão de comer a toda a gente mas é mentira é tudo a mesma coisa agora o meu pai é todo do sócrates que ele acha que é um grande primeiro ministro e que andam praí com umas calunias dizem que ele não é engenheiro que o diploma dele é falso o meu pai diz que é uma pouca vergonha não há direito porque afinal ele é primeiro ministro e deviam ter mais respeito mas agora parece que ninguém respeita ninguém e depois andam também com umas histórias da ota pra lá ota pra cá e agora descobriram alcochete onde o sporting tem uma academia e onde treinam até a selecção e se o aeroporto vai pra lá o sporting fica sem academia porque não podem treinar com os aviões a passar por cima mas agora veio o dez de junho e toda a gente ficou muito poeta para lembrar o camões coitado que perdeu um olho lá em ceuta que eu não sei bem onde é que fica e não sei o que é que ele lá andava a fazer mas coitado escreveu os lusíadas que a minha professora diz que é uma das grandes obras universais mas não lhe serviu de nada porque morreu muito pobre e cego coitado é uma injustiça ninguém dá valor a quem tem valor e ele escreveu os lusíadas o que é muito importante mas o rei na altura era um completo idiota e deixou o camões morrer na miséria e depois foi pra alcácer-quibir andar à porrada com os mouros um idiota mas não foi sozinho foram muitos outros muitos nobres tão idiotas como ele e depois fizeram toda aquela choradeira do retorno mas ele nunca mais voltou e ninguém sabe se morreu ou não e depois as pessoas dizem que o dez de junho é o dia da raça não percebo de que raça estão a falar se é raça branca preta ou mulada dizem que é a raça lusitana mas os lusitanos eram uns doidos que não se entendiam passavam a vida à porrada uns com os outros até as mulheres sabiam andar a cavalo e iam prá porrada junto com os homens até que o viriato os pôs todos na ordem que era preciso combater os romanos uns malandros que tinham vindo lá da itália para tomarem conta da península ibérica mas o viriato era muito esperto e fez-lhes a vida negra até que o mataram à traição e os lusitanos ficaram outra vez muito doidos sem saberem o que fazer até que decobriram um oficial romano que estava zangado com os romanos e se chamava quinto sertório e foram-lhe pedir pra comandar os lusitanos na luta contra os romanos tudo uma grande confusão afinal lusitanos não é raça nenhuma e não sei porquê que anda muita gente agora a falar em nação e nacionalistas não entendo afinal se somos portugueses somos todos nacionalistas de portugal mas parece que há uns mais nacionalistas que os outros e acham que as coisas só mudam à porrada mas ninguém vai pra porrada que tem medo da polícia que não está pra brincadeiras e esses nacionalistas acham que só eles é que são portugueses faz lembrar os lusitanos que não se entendiam eu agora estou em férias da escola e o meu pai diz que a gente vai pró algarve fazer praia que ele agora já anda mais contente e até pode fazer férias pois foi promovido a chefe de secção e ganha mais do que ganhava a minha tia guilhermina diz que ir pró algarve em agosto é muito mau tem muita gente e é tudo uma confusão e as coisas ficam mais caras ela agora parece que está mais sossegada não tem namorado e diz que está à espera de encontrar o homem certo pra ela a minha mãe não acredita diz que é tudo conversa fiada que ela não consegue manter as pernas fechadas que é uma doidivanas a minha mãe às vezes diz estas coisas e depois arrepende-se de falar essas coisas na minha frente porque eu sou pequena e não devia ouvir certas coisas enfim uma confusão a minha mãe ánda muito contente com a pintura parece que as pessoas gostam muito do que ela pinta e diz que vai fazer uma exposição mas ainda não sabe onde mas eu não percebo porque é que as pessoas gostam do que ela pinta dizem que é tudo abstracto tem uns riscos e umas manchas e as pessoas vêem coisas lá que eu não vejo mas dizem que a arte é assim mesmo eu gosto mais dos quadros em que eu posso ver coisas casas e paisagens e barcos e mar e céu todas essas coisas e não aquelas manchas coloridas que a minha mãe faz não tenho brincado com a ritinha que ela foi pró brasil com o pai e a mãe passar férias mas eu espero que ela volte logo porque tenho muitas coisas pra conversar com ela e com o pai dela que é uma pessoa que sabe muitas coisas e eu aprendo muito com ele coisas que eu leio na internet e não percebo e ele depois explica-me como essa dum tal hugo marçal que agora parece que vai ser juiz mas não devia ser porque dizem que é um pedófilo eu já sei o que quer dizer que o pai da ritinha já me explicou uma vez que eu lhe perguntei mas também me disse que os tribunais existem pra julgar as pessoas e ninguém é culpado até prova em contrário e portanto as pessoas não devem ser condenadas publicamente porque isso seria a reedição do passado em que as pessoas denunciadas eram logo culpadas sem julgamento sem nada mas que é assim que o zé povinho funciona que as fogueiras da inquisição eram uma festa pra ele e toda a gente gostava de ver as pessoas a arder uma vergonha não tinham pena nenhuma das pessoas condenadas o zé povinho é muito cruel e eu fico aflita ao saber estas coisas porque as pessoas podiam ser boas umas prás outras que não custa nada mas gostam de ver os outros sofrer eu agora vou terminar que a minha mãe já me disse que são horas de dormir eu continuo a escrever desta maneira mas já sei escrever como as pessoas crescidas só que desta maneira as pessoas acham mais interessante e eu fico muito contente por as pessoas gostarem do que escrevo beijinhos a todos
Fatinha do Alentejo

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Magia ou Ilusão?

Todos estamos habituados a ver aqueles truques que alguns dizem que são de magia, mas na verdade trata-se de ilusão, por isso as pessoas que os fazem se chamam ilusionistas, e não magos.
Os truques de ilusionismo baseiam-se numa técnica muito simples, embora de muito difícil execução. Com palavras e gestos dirige-se e controla-se a atenção do espectador, de modo a ele não ver o truque que está a ser feito. As luzes e a decoração do cenário ajudam à ilusão. O jogo da vermelhinha é o protótipo: com três cartas ou três copos com uma bola dentro muda-se a posição com gestos precisos e rápidos, ao mesmo tempo que o executante vai dizendo uma ladainha, conversa para desviar a atenção. A partir de determinado momento, o espectador julga que sabe onde está a carta ou o copo com a bola e depois verifica que se enganou.
Ao contrário do que se pensa normalmente, não somos enganados pelos nossos olhos, somos enganados pelo nosso cérebro. Porque vemos com o cérebro e não com os olhos e, como o nosso pensamento é muito subjectivo, acabamos por ver aquilo que queremos ver e não o que deveríamos ver. Isto parece complicado, mas não é assim tão difícil de entender. A nossa atenção é atraída por aquilo que nos é mais agradável ou mais fácil. Quando um ilusionista no palco faz aquelas deambulações e aqueles gestos teatrais, atrai dessa forma a atenção do nosso cérebro, num processo lúdico de divertimento. Certo de ter desviado a nossa atenção, o ilusionista vai criando o seu truque. No final ficamos convencidos que não perdemos um detalhe do que ele fez e ficamos admirados com o resultado.
Naturalmente que há uma porção de detalhes que o espectador não vê. Alçapões, paredes falsas, fundos falsos, luzes coloridas etc., tudo fazendo parte da decoração propositada para iludir. Enquanto as coisas se limitaram aos palcos dos teatros ou aos circos, o trabalho era todo feito à vista e em tempo real. A televisão veio acrescentar novas condições a essa arte. Pela televisão nunca sabemos que truques cinematográficos terão sido aplicados.
No entanto, apesar de sabermos que tudo não passa de truques mais ou menos bem feitos, há casos que nos deixam a pensar. Lembro-me de ter visto um oriental, julgo que japonês, com uma moeda por debaixo de uma garrafa transparente. Cobriu a garrafa com um pano e, quando a descobriu, a moeda estava dentro da garrafa. Acontece porém, que a moeda nem sequer passava pelo gargalo. Como é que a moeda foi parar dentro da garrafa? Truque de cinema, dado que o vi pela televisão? Mas havia assistência à volta do ilusionista. Teria sido aquela assistência hipnotizada, enquanto a garrafa era simplesmente trocada por outra com uma moeda dentro? Tudo é possível.
Mas para além dos ilusionistas, que são não verdade artistas de palco, há outros fenómenos que fogem completamente da racionalidade e que não se enquadram no que conhecemos das leis da natureza nem se encaixam no saber científico dos nossos dias. Falo dos magos, gurus, ou o que se lhes quiserem chamar, que, aparentemente, têm a capacidade de produzir autênticos milagres.
Toda a gente já ouviu falar de “Yogis” hindus que conseguem caminhar sobre um braseiro sem se queimarem, conseguem beber um copo de ácido sulfúrico como se fosse água fresca e conseguem materializar e desmaterializar objectos. O que conhecemos sobre a materialização vem-nos da Bíblia, do Novo Testamento, onde se descrevem alguns milagres de Jesus, como a multiplicação dos pães e dos peixes, ou a da transformação da água em vinho. Isto não nos surpreende à partida, dado que Jesus é considerado filho de Deus e, portanto, com capacidades muito superiores às dos simples mortais que somos todos nós. Mas parece que essa capacidade não era exclusiva de Jesus. Segundo rezam algumas crónicas, havia uns magos na Caldeia que tinham também esse poder. Por outro lado, parece que nem todos os milagres atribuídos a Jesus terão sido realizados por ele, para por uma personagem conhecida do mundo esotérico e místico chamado Apolónio de Tiana.
A primeira reacção que surge em relação a estas coisas é a de não acreditarmos. Que provavelmente não é bem assim, que as crónicas dos magos da Caldeia talvez não sejam verdadeiras, que Apolónio de Tiana não tenha realizado nada do que se lhe atribui, enfim, fazemos uma reserva mental a tudo quanto contribua para desestabilizar a nossa crença de que apenas Jesus, pela sua condição divina, teria sido o único ser a realizar esses prodígios.
Pois é, mas parece que essas coisas continuam a ser feitas nos nossos dias. As habilidades dos “Yogis” hindus já foram testemunhadas por muita gente e, quanto a materialização de objectos, toda a gente já ouviu falar ou conhece o Sai Baba. No seu “ashram” no sul da Índia, onde já estive, ele materializa objectos que depois oferece às pessoas que os solicitaram, como relógios em ouro, pulseiras, etc. Parece que também tem a faculdade de vomitar da sua boca objectos metálicos em formato de ovos, cujo nome não me lembro de momento. Quando assisti a uma cerimónia com o Sai Baba no seu “ashram” não vi nada disto, mas acredito nas descrições que já foram feitas a respeito e até já assisti a um filme onde se vê ele vomitar os tais ovos.
Ainda há bem pouco tempo vivia na ilha de Chipre um indivíduo a que chamavam o Mago de Strovolos. Não fazia aquelas habilidades, não materializava objectos, mas tratava as doenças das pessoas de uma forma muito especial. Usava as mãos para retirar tumores ou para corrigir a estrutura óssea, sem qualquer derramamento de sangue e não deixando a mínima cicatriz. Tinha também a faculdade de tratar as pessoas à distância por meio de projecção astral. Verdade ou não, há um livro que descreve tudo isto e explica que os tratamentos não eram feitos com o seu corpo físico, mas sim com o seu corpo etérico. Ou seja, as mãos que entravam nos corpos para retirar os tumores e acertarem os ossos, não eram as suas mãos físicas, mas as etéricas, o que permitia que pudesse tratar pessoas por projecção astral, uma vez que o seu corpo físico não estava presente.
Há uns anos atrás apareceram nas Filipinas uns curandeiros que tratavam as pessoas da mesma forma. Isto originou um grande afluxo de gente oriunda de todas as partes do mundo, em busca de alívio para os seus males. No entanto, a acção desses curandeiros era uma mascarada, tendo sido demonstrado que não passava de truques de ilusionismo. As pessoas não eram realmente tratadas, mas de qualquer das formas muitas sentiam alívio, o que pode ser explicado pelo chamado efeito placebo, que não cabe aqui falar a respeito, mas que poderá ser objecto de uma futura crónica.
Sou por natureza céptico em relação a estes fenómenos mas, tenho que confessar, que há coisas para as quais não encontro explicação. No início dos anos sessenta estava eu a trabalhar em Luanda quando recebo a visita de um desses magos ou ilusionistas. Não me lembro do nome dele mas, na altura estava a funcionar em Luanda uma feira popular, em tudo semelhante à de Lisboa, com restaurantes, carrosséis e várias barracas de adivinhos, tarólogos, etc. Esse indivíduo também tinha uma barraca lá. Fiz um comentário acerca do meu descrédito dessas coisas e ele disse-me:
- Você não acredita? Então vou lhe dizer uma coisa. Tem no seu bolso três moedas e vou-lhe dizer que modas são e quais os anos de cunhagem.
Para meu espanto disse-me exactamente o valor das moedas e o ano de cunhagem. Fiquei simplesmente pasmado. As moedas estavam o meu bolso havia tempo e nem eu sabia qual o valor delas. Ele disse-me mais ainda, que eu não acreditava que ele fosse capaz de colocar uma pessoa em estado de levitação, como fazia no seu espectáculo todas as noites na feira. Disse-me para aparecer na feira que ele faria uma demonstração especial só para mim.
Nessa noite fui à feira. Entrei na barraca dele, que estava vazia de espectadores no momento e ele disse-me que ia fazer a demonstração que me tinha prometido. Chamou a sua assistente, uma rapariga que devia ser sua filha e, perante os meus olhos, colocou-a no ar, em posição horizontal, sem nada, aparentemente, a sustentá-la. Depois disse-me:
- Já que você não acredita, veja por si mesmo, procure com as suas mãos o que quer que seja que esteja a sustentá-la no ar.
Fui verificar. Passei as minhas mãos por todos os lados, por cima, por baixo, nada, não havia nada a sustentá-la. Saí de lá convencido que tinha de facto assistido a um fenómeno de pura magia, algo que transcendia a minha compreensão.
Nunca mais ouvi falar deste sujeito. Terminada a feira popular de Luanda, parece que se eclipsou. Nunca vi um anúncio seu em jornais nem nunca soube de ninguém que o conhecesse. Lembro-me que era um homem forte, relativamente baixo e de meia-idade.
Anos mais tarde, em Lisboa, alguém me recomendou um livro em francês. Tomei nota do livro e, durante uns meses nunca mais pensei no assunto. Chegado o mês de Junho, com a abertura da Feira do Livro, achei que talvez fosse uma boa altura de o adquirir. Passei pela Feira e fui à banca da editora perguntar pelo livro. A pessoa que me atendeu, um indivíduo em tudo semelhante nas feições e compleição física ao mago de Luanda, disse-me que na Feria não se podiam vender livros em línguas estrangeiras. Mas ao ver o meu desapontamento, perguntou-me qual era o livro que eu queria. Aí surgiu um problema, não me lembrava do título do livro. “Mas temos dezenas de livros em francês deste autor ainda não traduzidos para o português. Se me disser o título, trago-lho amanhã, mas não diga nada a ninguém que lho vendi aqui”. – Disse-me ele. Respondi-lhe que não me lembrava do nome do livro mas, que no dia seguinte, como trabalhava ali perto, lho traria.
No dia seguinte, ao fim da tarde, passei de novo pela banca, já com a informação sobre o título do livro. Logo que me viu chegar, a pessoa que me tinha atendido no dia anterior disse-me: “Já tenho aqui o seu livro”. E mostrou-mo. Fiquei atónito. “Como é que sabia que era esse livro?” – Perguntei. Como resposta, ele apenas sorriu. Limitou-se depois a embrulhá-lo e a desejar-me uma boa leitura. O livro era “La voie du silence” de Omraam Mikhael Aivanhov.
Magia ou Ilusão?

domingo, 6 de maio de 2007

MISTÉRIOS - II - Ísis e o culto das Virgens Negras

No antigo Egipto Ísis tinha um lugar muito especial no panteão dos deuses. Era a deusa das deusas. Um papiro antigo diz-nos que ela era a doadora da vida, a fonte de conhecimento, a serpente Kundalini, que era uma deusa pois era filha das estrelas, que era a natureza em toda a sua pujança. Ísis era a esposa e contraparte feminina de Osíris, mais especialmente, Ísis era a alma apaixonada, representando todos os níveis, estados, formas e experiências do amor que a alma humana é capaz.
No fascínio egípcio pelo mistério da alma da mulher, Ísis era a esposa leal, a amante, a mãe, a sedutora, a bruxa, a prostituta, a guia, a protectora, a enfermeira, a irmã, a companheira e sempre, acima de tudo, o poder leal ao lado do trono.
Ísis representava todas as formas de ligação, de amizade, de amor e de sexo criados entre as pessoas. Ela era a electricidade, a magia, a química desses laços e de todos os seus perigos.
No antigo Egipto havia muitas deusas, cada uma com a sua devoção especial. Na verdade, não eram deusas diferentes, eram manifestações diferentes de uma única deusa, Ísis. Era algo de semelhante com o que se passa no mundo católico, onde as várias virgens e Nossas Senhoras são aspectos diferentes de Maria, mãe de Jesus.
Maria, na tradição cristã, corresponde a uma pessoa que realmente existiu. Quanto a Ísis, há a tendência de se pensar que não era mais do que uma deusa criada pelo imaginário egípcio e, portanto, fazendo parte da mitologia. Mas essa é uma leitura fácil e pouco atenta pois, por detrás dos mitos esconde-se uma verdade que temos alguma dificuldade em aceitar. Essa verdade é a de que em épocas remotas, os deuses viveram na Terra juntamente com os homens. Isto é confirmado pela Bíblia (Génesis, 6.4). Desta forma Ísis não é apenas o fruto da fértil imaginação egípcia, deve ter sido alguém que existiu de facto, e que os homens consideraram tratar-se de uma deusa.
Os gregos identificavam Ísis com as suas próprias deusas, também aqui nas várias expressões da mesma divindade: como fornecedora do grão e protectora das colheitas, ela era Demeter; como deusa do amor, ela era Afrodite; como esposa do rei dos deuses, ela era Hecate, a deusa grega da magia, cujo nome derivava directamente do egípcio, onde “palavras mágicas” era “heka”; como protótipo da mulher humana, ela era Io, amada por Zeus e transformada numa vaca, que é a mesma deusa egípcia, uma das expressões de Ísis, Hathor.
Não sabemos como é que eram os egípcios antigos. Sabemos como são hoje, uma população predominantemente árabe, resultado de grandes migrações e guerras de conquista que ocorreram no Médio Oriente, mas que não tem nada a ver com a população egípcia do tempo dos faraós. Há quem lhes atribua a cor vermelha, algo semelhante aos índios da América do Norte, e há quem afirme que os antigos egípcios eram negros, ainda que as características negróides não sejam evidentes nas imagens que nos deixaram gravadas nos seus monumentos. No entanto, essas características negróides como, por exemplo, os lábios grossos, não são típicas de toda a raça negra. A rainha de Sabá, que terá seduzido Salomão com a sua extraordinária beleza, era, aparentemente, negra. São Bernardo, autor de muitos poemas e sermões, num dos seus poemas dedicados a Salomão e à rainha de Sabá, manifesta a sua grande devoção pela cor negra: “O, filhos de Jerusalém, sou negra, mas sou bela.”
Ísis é muitas vezes representada com a cor negra ou escura. O seu culto foi extremamente importante no Egipto antigo. Nos tempos de Ptolomeu (300 a. C.), a comunidade devotada a Ísis era chamada de Ecclesia, uma estrutura e organização adoptadas pela assembleia-geral grega e, através de Bizâncio e Alexandria, pela Igreja Cristã. No entanto, somente as formas exteriores foram preservadas. Perdeu-se o que de mais íntimo havia no culto da Senhora, como Ísis era chamada. O verdadeiro significado da Senhora foi enterrado debaixo das camadas patriarcais e dos dogmas da interpretação cristã. Isis era mostrada como mulher completa em todos os seus aspectos e estágios da vida. A sua feminilidade era estudada tão ao pormenor que as muitas das suas faces ou expressões eram personificadas em outras tantas divindades numa combinação de diferentes coroas e ornamentos da cabeça. Toda a expressão masculina tem uma contraparte feminina no reconhecimento da dualidade universal da natureza, mas os muitos aspectos de Ísis, identificados pelas coroas e vários atributos, representam as muitas faces do amor experimentado no mundo humano.
A questão de ser irmã e, ao mesmo tempo, esposa de Osíris, choca um pouco a nossa cultura ocidental de origem judaico-cristã, pois trata-se, efectivamente, de uma situação incestuosa. Mas esta questão tem algumas explicações que nos poderão ajudar a compreendê-la.
Os faraós, ainda que pudessem dispor de concubinas ou até de haréns com dezenas de mulheres, só podiam ter como esposa oficial uma sua irmã ou meia-irmã. Como a faraó se assumia como filho dos deuses, sendo ele próprio também um deus, só podia casar-se com quem tivesse a mesma origem divina, portanto uma sua irmã de sangue. A origem mais remota deste costume vamos encontrá-la na mitologia da Suméria, onde os deuses para poderem herdar o poder tinham que estar casados com irmãs ou meias-irmãs. Entre eles o incesto não era um assunto tabu, era antes recomendado.
Não sabemos qual a razão deste comportamento, talvez uma forma de evitar que os deuses e seus filhos se cruzassem com os seres humanos, o que, apesar de tudo e como confirma a Bíblia, não conseguiram evitar.
Os hábitos sexuais dos deuses chocam os nossos conceitos da cultura ocidental. O incesto era normal e recomendado, houve até um deus, o principal do panteão sumério, Anu, que teve relações sexuais com uma sua neta. O adultério era uma situação vulgar, tanto da parte masculina como da feminina. Nos templos dedicados a Ishtar praticava-se a chamada “prostituição sagrada”. Não se tratava propriamente de prostitutas que ali exerciam a sua profissão, eram mulheres mães de família que, para aumentarem os rendimentos da casa se prostituíam, com o conhecimento e apoio do marido. Ou então, raparigas que pretendiam casar e constituir família, prostituíam-se para conseguirem um dote.
Embora não haja referências de que estes costumes tenham sido levados para o Egipto, sabemos no entanto que a vida dos egípcios decorria com grande liberdade. O drama conhecido de Ísis e Osíris, em que este foi morto por Seth, tem origem nesses costumes.
Os deuses egípcios eram os mesmos da Suméria ou, pertenciam à mesma família. Os deuses sumérios eram doze e, de certa forma, dividiram a Terra entre eles. O chefe desses deuses chamava-se Anu, o qual tinha dois filhos, Enki e Enlil. Na divisão da Terra, coube a Enki o governo das terras que viemos a conhecer como Egipto. No Egipto, Enki tomou o nome de Ptah, e governou, segundo a crónica impressa nas tabuinhas de argila sumérias, durante 9.000 anos. Ptah passou o poder a seu filho RA, que na suméria se chamava Marduk. A RA sucedeu seu filho Shu, casado com sua irmã Tefnut. Segundo a tradição egípcia, foram estes deuses que estabeleceram o modelo adoptado pelos faraós: a esposa oficial do rei era a sua própria irmã. Shu e Tefnut cederam o governo a dois dos seus filhos, irmão e irmã, Geb e Nut.
Com os descendentes de Geb e Nut, tudo se complicou. Com os seus dois filhos casados com as próprias irmãs, Geb e Nut não tiveram outra solução senão dividir o reino entre eles: Asar (Osíris) e Ast (Ísis) ficaram com o Baixo Egipto, Seth e Néftis ficaram com o Alto Egipto. Isto foi uma grande complicação. Os deuses, tal como nos é descrito em toda a mitologia grega, sofriam das mesmas paixões que mais tarde os humanos vieram a receber por herança. Eram gananciosos, sedentos de poder, cometiam adultérios, incestos, eram ciumentos, etc. Assim, como nos conta Plutarco, historiador grego do 1º século da nossa era, Osíris era filho de Ra, numa relação que este manteve com sua neta Nut. Ísis era filha de Thot, que também se relacionara com Nut. Desta forma, Osíris, que era filho do grande deus Ra era o herdeiro principal. Mas pelas regras dos deuses, o herdeiro deveria ser Seth, pois ele e sua irmã e esposa Néftis, eram filhos legítimos de Geb.
Sabemos o que se seguiu. Set acabou por assassinar Osíris e tomar o poder sobre todo o Egipto para si. Para que Osíris não pudesse ser ressuscitado, separou o seu corpo em vários pedaços, 14 segundo uns, 42 segundo outros, e atirou-os ao Nilo. Ísis partiu em busca desses pedaços de Osíris e conseguiu reunir quase todos, menos um, o falo. Mas mesmo assim, por artes mágicas, conseguiu ser impregnada por Osíris e dar à luz o filho Hórus. Criado em segredo, Hórus ficou com a incumbência de, quando chegasse à idade adulta, vingar o pai.
Aparentemente, Osíris morrera sem deixar herdeiro. Seth tentou forçar Ísis a dar-lhe esse herdeiro, o que garantiria o poder no Egipto para a sua descendência. Mas Ísis, apesar de feita prisioneira por Seth, recusou-se e conseguiu fugir com a ajuda de Thot. Procurou o filho Hórus onde o deixara escondido e descobriu que ele agonizava devido à picada de um escorpião. Ela não tinha o poder de o curar e pediu a ajuda dos céus. Thot, senhor das artes mágicas e do conhecimento, desceu dos céus e curou o menino.
Quando Hórus se tornou adulto e depois de aprender tudo quanto tinha a aprender com os deuses que se tinham mantido fiéis a Osíris e Ísis, apresentou-se perante o Conselho dos Deuses e reclamou para si o trono do seu pai. Depois de várias peripécias em que tentou desacreditar Hórus, e não conseguindo convencer a assembleia, Seth saiu furioso gritando que somente pelas armas o assunto poderia ser resolvido. E assim foi, depois de várias e sangrentas batalhas aéreas, terrestres e marítimas, Seth foi derrotado. O Conselho dos Deuses deliberou então entregar todo o poder sobre o Egipto a Hórus e Seth recebeu um novo território a leste. Na Bíblia, Caim depois de ter assassinado Abel e ter caído em desgraça perante Deus é também enviado para terras do leste: “Caim saiu da presença de Javé, e habitou na terra de Nod, a leste do Éden”.
Como acontecera na Mesopotâmia, também no Egipto os deuses transmitiram aos homens as formas de adoração religiosa. Inicialmente, acredito que essa foi uma maneira dos deuses tentarem ensinar aos homens os mistérios da vida e do universo, mas também vejo nisso uma forma de dos deuses manterem o controlo sobre os destinos humanos. Através de rituais e sacrifícios, mantinham os humildes e ignorantes seres humanos sob a sua estrita observação e controlo. Tirando os ritos da natureza desenvolvidos um pouco por toda a Europa e os ritos xamânicos, estes também da natureza mas espalhados por todo o planeta, foi no Egipto que o sistema religioso atingiu a sua forma mais expressiva. No Egipto, pode-se dizer, nasceram as grandes religiões que têm controlado o mundo nos últimos milénios. Não sabemos até que ponto as ideias religiosas egípcias terão influenciando de forma decisiva as religiões do Oriente, nomeadamente da Índia e da China, mas acredito que, se procurarmos bem, somos capazes de encontrar pontos de ligação. Entretanto o judaísmo, o cristianismo e, mais tarde, o islamismo, tiveram a sua génese primordial no Egipto.
Inicialmente, no Egipto, a religião tomou a forma de “Mistérios”. Havia os “Mistérios de Osíris” e os “Mistérios de Ísis”, pois foram estes dois seres, pela sua história tornada mítica, que impregnaram a mente egípcia. Por outro lado, havia os “Mistérios Interiores”, só acessíveis a uma elite, e os “Mistérios Exteriores” de acesso público.
Para Timothy Freke e Peter Gandy, no seu livro extremamente bem documentado, “Os Mistérios de Jesus – seria o Jesus Original um Deus Pagão?”, na essência dos “Mistérios Interiores” estavam os mitos relativos a um deus-homem que morria e ressuscitava e que era conhecido por muitos nomes na região do Mediterrâneo oriental: era Osíris no Egipto, Dionísio na Grécia, Átis na Ásia Menor, Adónis na Síria, Baco em Itália, Mitra na Pérsia. O Cristianismo nasce assim destes “Mistérios”. Veja-se a relação entre os “Mistérios de Osíris” e a biografia de Jesus que nos foi transmitida nos Evangelhos:
• Osíris é Deus tornado carne, o salvador e “Filho de Deus”.
• O seu pai é Deus e sua mãe uma virgem mortal.
• Nasce numa gruta ou numa humilde manjedoura a 25 de Dezembro perante três pastores.
• Oferece aos seus seguidores a oportunidade de renascerem através dos ritos do baptismo.
• Transforma milagrosamente água em vinho numa cerimónia de casamento.
• Entra triunfalmente na cidade montado num burro enquanto as pessoas acenam com folhas de palmeira para o exaltar.
• Morre na Páscoa como sacrifício pelos pecados do mundo.
• Depois da sua morte desce ao inferno, depois do terceiro dia ressuscita e sobre ao céu em glória.
• Os seus seguidores aguardam o seu regresso como juiz dos Últimos Dias.
• A sua morte e ressurreição são celebradas numa refeição ritual de pão e vinho que simbolizam o seu corpo e o seu sangue.
Estes “Mistérios Interiores” não correspondem exactamente ao que se passava nas antigas Escolas de Mistérios egípcias. Na realidade chegaram até nós através dos movimentos gnósticos de Alexandria, portanto já complementados e modificados pelas crenças gnósticas. No entanto, sabendo-se que estes movimentos gnósticos já exerciam a sua actividade antes do cristianismo, pois conhecem-se grupos gnósticos que existiram uns bons 100 anos antes da nossa era, é espantosa a semelhança das suas crenças e do que transmitiam através de iniciações, com a história de Jesus que nos é contada nos Evangelhos.
O ponto que poderia tornar-se mais polémico é aquele que se refere à morte na Páscoa, uma vez que a Páscoa era uma festa judaica que celebrava o êxodo do Egipto do povo judeu liderado por Moisés. Embora a história de Moisés seja também polémica, que irá ser tema de uma destas crónicas dedicadas aos mistérios, esses grupos gnósticos eram essencialmente constituídos por judeus que viviam em Alexandria. Nada mais natural, assim, que eles tivesses acrescentado a questão da Páscoa.