quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A Guerra dos Imbecis

Acreditar que o mundo, o universo e o homem foram criados há cerca de seis mil anos, número deduzido do Génesis da Bíblia somando a idade dos patriarcas, é pura ignorância. Mas se a pessoa não é ignorante, de presumível cultura e conhecimentos, então passa à condição de imbecil. Pior ainda, se tenta convencer outros destas suas ideias criacionistas, será um imbecil de má fé.
É um facto que a ciência tem tido sérias dificuldades para chegar a um consenso sobre a origem e evolução do homem. Mas também é um facto incontroverso que todos os dias surgem mais pistas, mais fósseis são achados, o que não vem esclarecer nada, mas aumentar apenas a confusão E depois há essa coisa do elo perdido, quer dizer, não se percebe muito bem como é que o homem passou de um estágio a outro mais evoluído sem haver uma ligação visível com o estágio anterior. Mas se a confusão existe, é porque há muito material a ser investigado e muitas teorias a serem desenvolvidas de forma coerente, o que não justifica que nos voltemos para o criacionismo literal da Bíblia para resovermos a questão.
Apesar de tudo já se sabe muito sobre a ancestralidade do homem, ou do homo sapiens, como somos actualmente classificados. Apesar de ter havido vários homos, nenhum deles sobreviveu de modo a que pudéssemos achar um elo entre esses homos e o actual.
Durante muito tempo acreditou-se que o homo sapiens tivesse evoluído a partir do homem de Neanderthal, mas as análises recentes de DNA vieram demonstrar que não há nenhuma ligação genética entre os dois, embora tivessem sido mais ou menos contemporâneos há cerca de 200.000 anos. Em tempos mais remotos vamos encontrar vários espécimes de homo, como por exemplo o homo habilis, o ergaster ou o homo erectus, todos vivendo entre cerca de 2,4 e 1,25 milhões de anos atrás. Depois vem o homo heidelbergensis com uma antiguidade entre 800 e 300 mil anos. Há 160 mil anos terá vivido o homo sapiens idaltu, muito parecido anatomicamente com o homem actual. Em 2004 descobriu-se o homo floresiensis, que terá vivido há cerca de 12 mil anos e era praticamente um anão, de tamanho muito pequeno. O homo sapiens, os nossos verdadeiros ancestrais, surgiram há 200 mil anos.
Como é que este homo sapiens apareceu ninguém sabe verdadeiramente, daí o chamado elo perdido. Podemos até pensar numa intervenção alienígena, alterando geneticamente algum dos homos existente, a qual teria passado a intervenção divina em termos religiosos, mas se houve intervenção, foi há muito mais tempo dos que os 6 mil anos bíblicos. Seja como for, parece que os nossos antepassados eram africanos e, provavelmente, negros, para desespero dos ainda racistas, apesar de demonstrado que pode haver mais diferenças genéticas entre dois homens da mesma raça do que de raças diferentes.
Para comprovar a nossa origem africana, a Universidade da Califórnia realizou em 1986 uma pesquisa através do DNA mitocondrial, a parte do DNA que só se transmite pela via feminina, com o fim de tentar saber qual a nossa origem mais remota, a Eva primordial. Seleccionaram várias mulheres de várias raças e etnias e chegaram à conclusão de que todos temos origem numa Eva africana que terá vivido no sudeste daquele continente há 150 mil anos.
Nos últimos anos, grupos pertencentes principalmente a igrejas evangélicas e protestantes, têm levado a cabo nos EUA e Inglaterra uma verdadeira guerra jurídica exigindo que as escolas passem a ensinar o criacionismo bíblico em vez da teoria da evolução das espécies. Ou seja, pretendem apagar das mentes das crianças todo o conhecimento actual sobre a evolução da vida, substituindo-o pela crença de que o mundo e tudo o resto foi criado por Deus há seis mil anos. Para além da militância destes grupos protestantes, há também entre os católicos e os anglicanos quem acredite que o mundo não tem mais de seis mil anos.
Em recente discurso na Inglaterra, o reverendo anglicano Michael Reiss sugeriu que as escolas deveriam incluir o criacionismo no currículo escolar. O mais grave de tudo foi esta sugestão vir de alguém que tinha o cargo de director de educação da Royal Society, a mais famosa e prestigiada sociedade científica da Inglaterra. Estas declarações provocaram uma tempestade de reacções, a começar pela sua imediata demissão do cargo que ocupava na Royal Society. A Igreja Anglicana pediu desculpas públicas dizendo que a posição de alguns clérigos não é a posição oficial da Igreja, que nunca condenou Darwin pelas suas ideias. O Vaticano reagiu também dizendo que não há contradição entre as teorias evolucionistas e a fé católica.
Ponho-me a imaginar se algum desses clérigos atingisse o poder em alguns dos países onde se candidatam a cargos, incluindo o de presidente da república, como é que ficaria a educação. Voltaríamos aos tempos pré-Galileu?

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