“A Religião do Deus que se fez homem encontrou-se com a religião — porque é uma religião — do homem que se faz Deus.”
A frase acima faz parte de um dos muitos comentários negativos que tenho lido acerca do Concílio Vaticano II. Salvo algumas excepções, a crítica ao Concílio é cerrada, por parte dos que se sentiram ultrajados pelas reformas propostas, muitas das quais nunca chegaram a ser implementadas. Esta frase faz parte do discurso de encerramento do Concílio proferido por Paulo VI e provocou a ira dos sectores mais conservadores da Igreja.
Uma das acusações que se faz ao Concílio é a de que as “impiedades” erigidas em sistema, como a revolução anarquista, o comunismo, os diversos socialismos e as maçonarias, não foram condenadas, antes pelo contrário aceites como processos de evolução humana. Que outros concílios e Papas anteriores se chocaram e lutaram contra estas várias formas da religião do homem que se faz Deus.
É interessante constatar que, quando falam em “impiedades” se esquecem de falar do nazismo, contra o qual a Igreja não reagiu e manteve uma atitude dúbia, e dos vários fascismos ou regimes fascizantes, com os quais a Igreja colaborou. Por exemplo, uma das grandes contribuições para o fascismo italiano de Benito Mussolini foi a encíclica Rerum Novarum” do Papa Leão XIII, publicada em 1892 e que defendia o corporativismo de Estado como uma solução para a crise do operariado após a Revolução Industrial. São conhecidos os apoios explícitos da Igreja aos regimes de Franco em Espanha e Salazar em Portugal.
É interessante também notar que nenhum dos ferozes críticos das “impiedades” se referiu aos milhões de mortos provocados pela Inquisição, esta sim, uma enorme impiedade para com o ser humano. Nem se referiu também às perseguições movidas contra os heréticos e as numerosas heresias (consideradas pela Igreja) que foram surgindo durante os séculos de obscurantismo em que a Igreja foi senhora absoluta das vidas e haveres das pessoas. As enormes labaredas das fogueiras estão aí para nos lembrar esse passado macabro.
Lembrando de novo Alessandro Cagliostro, a última vítima da Inquisição, que foi praticamente emparedado vivo numa cela reduzida tendo apenas um catre de madeira para dormir, alguém um dia deixou sobre esse catre um ramo de rosas amarrado com três fitas, uma preta, outra branca, outra vermelha, as cores da iniciação martinista e gnóstica, além de terem também um grande significado para os alquimistas, pois simbolizam a matéria densa, a obra ao branco e a obra ao rubro.
Quem acusa o Concílio de se abrir ao mundo, de procurar o ecumenismo considerando todos os seres humanos como filhos de Deus, independentemente da sua religião ou filosofia, deveria encolher-se de vergonha pelo papel que a sua Igreja desempenhou ao longo dos quase dois mil anos. Porque não são apenas os cristãos que são irmãos, somos todos irmãos, não importa a credo, a cor, a pobreza ou a riqueza, ou ainda a opção política. Porque tudo isto é transitório na longa ascensão do homem até Deus, tudo passa, tudo muda, a única coisa imutável é a aspiração humana de um dia se tornar Deus, porque o Cristo já vive no interior de cada um, basta despertá-lo.
Tudo tem sido feito para ofuscar a figura de João XXIII, cujas relações com o mundo espiritual exterior à Igreja constituem um grande embaraço para aqueles que acham que o único caminho espiritual reservado ao homem é através do catolicismo. A sua iniciação rosacruz e as suas relações com metropolitas da Igreja Ortodoxa e com elementos preponderantes da maçonaria são uma “pedra no sapato” da Igreja Católica. Da sua iniciação rosacruz, que terá acontecido quando da sua estadia na Turquia, em 1935, nasceram as Profecias que foram publicadas por Pier Carpi em 1976. Aparentemente não tiveram mais nenhuma publicação posterior, o que leva a crer que a Igreja Católica continua a ter o braço bem comprido.
Nessa campanha de ofuscamento levada a cabo por sectores conservadores da Igreja, foi impresso em Manila, nas Filipinas (?) um diário atribuído a João XXIII, que teria sido encontrado por uma empregada de limpeza do Vaticano, quando limpava umas arrecadações. Nesse diário João XXIII teria anotado experiências que lhe aconteceram, como várias visitas nocturnas da Virgem Maria e de Jesus Cristo, assim como algumas profecias prevendo tempos difíceis para o futuro.
Ora bem, não é credível que algo tão importante como o diário de um Papa encontrado dentro do Vaticano fosse parar às Filipinas para aí ser publicado; não é credível que um diário de João XXIII tivesse sido abandonado numa qualquer arrecadação do Vaticano; não é credível que João XXIII tivesse usado outro diário, além do que o acompanhou toda a vida, para anotar esperiências fantásticas. Quanto às pretensas profecias, que são poucas, apenas uma meia dúzia, trata-se de uma manobra para fazer esquecer as verdadeiras, aquelas que foram escritas em 1935.
Uma das profecias (as verdadeiras) prevê a sua própria eleição para Papa e a abertura do Concílio Vaticano II:
“Depois tornar-se-á Pai o inesperado, filho dos campos e das águas.
Eu não o vejo. Receio por sua causa, por sua época. Pela Mãe.
Caminhará entre pessoas divididas, prontas a pôr e a arrancar a túnica do redentor. Gritará muito no seu coração, falará docemente. Acreditarão nele. A luta será dura.
Entre os papeis do Pai morto encontrará o plano para reunir os pastores e falar ao rebanho. Ousará o que jamais foi ousado. Errará, mas será um bem. Desejará conhecer o mundo e dá-lo a conhecer aos simples através dos seus olhos. Rebentará o escândalo, mas todos compreenderão.
As suas cartas ficarão.
Morrerá longe dos pastores antes de os voltar a chamar. Os seus papeis serão escondidos. Os seus papeis serão roubados. Pouco se falará dele. Mas no dia em que o Pai que vier depois dele, surgindo do nevoeiro, for atingido, também a sua voz será ouvida entre os túmulos. O Pai morto abrirá o sétimo sigilo.
Para ele peço perdão.”
Esta profecia é uma das mais fáceis de interpretar, as outras, quase todas, são extremamente herméticas. O Pai é o Papa, a Mãe é a Igreja. O plano para o Concílio estava entre os papeis de Pio XII. De facto, João XXIII morreu numa altura em que o Concílio tinha sido interrompido. O Papa que o sucedeu veio do nevoeiro, de Milão, cidade conhecida por ter muito nevoeiro. Quanto ao resto… cabe a cada um tentar fazer a sua própria interpretação.
(Continua)
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