Mal saberia Shakespeare, que esta frase de Hamlet, na peça teatral do mesmo nome, seria tantas vezes usada e tantas vezes corresponderia a uma situação real no futuro.
Na semana passada tivemos uma “novela” que ocupou os canais de televisão quase a cem por cento e continua a ocupar, pelo menos nos programas diurnos, que depois das 6 da tarde há que dar lugar às novelas de ficção e aos programas de grande audiência tipo “Big Brother” e semelhantes, que a “novela” real é dada nas horas das donas de casa, das empregadas domésticas (aqui chamadas secretárias domésticas), dos reformados (aqui chamam-se aposentados) e no intervalo dos programas infantis e infantilizadores.
A história, que no Brasil já toda a gente conhece, conta-se em poucas palavras: na segunda-feira da semana passada um sujeito que julgo ter cerca de 22 anos invadiu o apartamento da sua ex-namorada de 15 anos de idade, de nome Eloá, e sequestrou-a com a ameaça de uma arma de fogo, juntamente com uma amiga desta. Motivo: Eloá tinha acabado o namoro e o rapaz não aceitou.
O sequestro durou, dizem, cerca de 100 horas, o que corresponde a 4 dias e mais algumas horas. A polícia cercou imediatamente o local e, durante esses 4 dias e algumas horas, tentaram negociar com o sequestrador, sem quaisquer resultados. O sequestrador acabou por soltar a amiga da Eloá, mas ela voltou a entrar no apartamento, sabe-se lá porquê. Durante esse tempo todo as duas raparigas assomaram várias vezes a uma janela, vendo-se também por várias vezes a cara do sequestrador.
No final desses 4 dias e algumas horas acabou a peça dramática: Eloá levou dois tiros, um na virilha e outro na cabeça, e a amiga levou um tiro que lhe atravessou a boca de lado a lado. Eloá acabou por morrer no hospital, mas a amiga está fora de perigo.
Após este desfecho sangrento, as televisões afadigam-se em encontrar os “verdadeiros” motivos do drama, com entrevistas a “técnicos especializados”, a advogados, ao comandante da polícia, etc. mais uma chusma de gente tentando justificar o acto tresloucado como devido a forte “stress” emocional, e que se tratou mais de um acto impensado, passional, do que de um assassínio frio e premeditado. O rapaz, a “vítima” infeliz dos acontecimentos, foi levado para uma prisão preventiva (só faltava não ser preso) e colocado numa cela individual porque os outros presos não se sentiam bem na sua companhia. A advogada do rapaz diz que ele só disparou porque a polícia arrombou o apartamento.
Este é um caso paradigmático do estado a que a sociedade chegou e que merece alguma reflexão:
- A polícia tinha atiradores especiais colocados estrategicamente e teve várias oportunidades de abater o criminoso. Não o fez, não aproveitou as oportunidades, porque o rapaz era um jovem, provavelmente com um futuro promissor – de certeza um verdadeiro vencedor na vida à custa de um revólver –, e porque se a polícia tivesse atirado e o tivesse abatido, aí sim, todos os meios de comunicação lhe cairiam em cima, devido à sua crueldade e falta de respeito pelos direitos humanos (do rapaz, que das verdadeiras vítimas, não interessa).
- Durante 4 dias e algumas horas, o criminoso teve que se alimentar, teve que ir ao banheiro, teve que dormir ou dormitar, que ninguém aguenta tanto tempo sem cair no sono. Durante esse tempo todo as raparigas assomaram várias vezes à janela. Apesar disto tudo, não houve coragem de arrombar o apartamento e acabar de vez com a história.
- Somente depois de ouvir os disparos dos tiros é que a polícia arrombou e entrou no apartamento, ao contrário do que diz a advogada do rapaz. Este levou 4 dias para pensar no que iria fazer e, ao fim desse tempo todo não consegui uma saída melhor do que assassinar a ex-namorada e ferir a amiga.
- Durante toda a tragédia, a polícia só estava autorizada a usar balas de borracha.
Uma amiga minha, gente do povo, expressou assim o que pensava: não existe mais senso nenhum do que é certo e do que errado.
Ela tem toda a razão. Existe realmente uma autêntica corrupção de valores da sociedade que nos está a levar para um abismo, onde ninguém mais saiba o que é certo e o que é errado. Graças a essa corrupção de valores o número de vítimas reais é cada vez maior, porque estas não têm ninguém a defendê-las nos seus direitos humanos, pois estes hoje em dia, parece que pertencem exclusivamente aos criminosos.
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