Naturalmente que nem as profecias, nem a iniciação de João XXIII podem ser provadas com documentos ou fotografias. Logo vêm a correr dizer: isso é tudo uma invenção desse escritor italiano, pode lá ser um Papa iniciado na tradição rosacruz! As profecias foram entregues a Pier Carpi num volume com vários documentos manuscritos, numa visita nocturna por um desconhecido. Esses documentos continham as profecias e a história da iniciação de Roncalli. Pier Carpi fotocopiou os documentos e devolveu os originais ao portador desconhecido.
Não é de estranhar que um sacerdote católico tenha sido iniciado numa das tradições mais antigas, condenada em todos os tempos pela doutrina da Igreja. Roncalli não foi, nem é caso único dentro da Igreja Católica. Ao longo dos tempos, muitos sacerdotes se dedicaram ao oculto, à sabedoria secreta, à alquimia, apesar da política exotérica da Igreja ser absolutamente contrária a essas actividades. O exemplo talvez mais conhecido é o de Eliphas Levi, que depois de ser ordenado diácono, acabou por ser expulso da Igreja, não por ter interesse no ocultismo, mas por se ter apaixonado por uma bela jovem chamada Adelle Allenbach.
Isto não quer dizer que dentro da Igreja exista algum grupo dedicado ao esoterismo, enquanto que para o público se manifesta o culto exotérico. Poderá haver alguns elementos que, à revelia da hierarquia, se dedicam a essas actividades. Porque existem muitos segredos não revelados, muitas “chaves” do antigo conhecimento repousam ignoradas ou permanentemente escondidas dentro de duas grandes religiões: o cristianismo e o islamismo.
Um dia, numa das muitas visitas que fiz a Santiago de Compostela, encontrei alguém com quem acabei por ter uma conversa interessante. Uma das coisas que me disse, quando comentei que o Caminho de Santiago era bem mais antigo que a própria Igreja, foi que esta também tinha várias faces ou estágios; que não me deixasse enganar pelas aparências e pelo exoterismo, porque dentro da Igreja havia várias Igrejas. Assim, tínhamos a Igreja inicial, a Igreja de Paulo, o instrutor, o construtor; depois veio a Igreja de Pedro, aquela que se estabeleceu em poder, representando a pedra bruta que precisa de ser trabalhada, a obra ao negro, o culto exotérico; tínhamos ainda a Igreja de João, a interiorização, a transformação, a apreensão dos símbolos no seu verdadeiro significado, a obra ao branco; finalmente a Igreja de Tiago, o caminhante das estrelas, a transubstanciação, a obra ao vermelho, o culto esotérico.
É óbvio que os documentos entregues pelo desconhecido (que não era desconhecido) ao autor do livro suscitam dúvidas sobre a sua autenticidade. Um leigo não será capaz de estabelecer a sua veracidade, porque não tem o conhecimento necessário para o fazer. Os crentes de uma qualquer religião também serão incapazes de ver se os documentos são genuínos, uma vez que se encontram envolvidos emocionalmente num culto exotérico, sem acesso à compreensão dos símbolos – não conseguem ver, por exemplo, que a custódia ou o ostensório é um símbolo solar, um círculo dourado rodeado de raios dourados.
Somente os gnósticos conhecedores da antiga tradição, talvez também os verdadeiros martinistas que permanecem incógnitos, os S.I.I., conseguem decifrar se o que se passou com Roncalli é verdadeiro ou falso. Certamente os rosacruzes, os que leram os livros de T. e M.
O encontro em sonhos com o seu mestre, que não são sonhos, mas contactos no astral, a leitura dos livros T. e M. numa língua estranha, mas que, estranhamente, se tornam inteligíveis a quem foi dado o privilégio de os ler, são sintomas que conhecemos de outras situações e que nos dão a garantia de estarmos a trilhar um caminho verdadeiro.
Numa crónica anterior transcrevi o documento denominado “A Mesa dos Três Mestres”, resultante de um encontro em Paris desses três grandes iniciados: Cagliostro, Saint Germain e Saint-Martin. Esse encontro destinou-se a deixar uma mensagem para aqueles que pretendessem seguir um caminho iniciático.
Cagliostro, o mestre desconhecido, o fundador do ritual egípcio da maçonaria, perseguido pela Inquisição, acabou os seus dias emparedado numa pequena cela. Saint Germain, o viajante que sempre se manteve longe das sociedades iniciáticas, íntimo de poderosos, espalhou as suas ideias por toda a parte e depois desapareceu (desapareceu?). Saint-Martin, que recebeu de Martinez de Pasqually os fundamentos para o martinismo que impulsionou, pois nas verdade ele não fundou nenhuma Ordem Martinista. Todos eles se encontraram com o Mestre, em sonhos que não eram sonhos; todos eles se reconhecem nas três cores sagradas.
Roncalli recebeu a visita do Mestre várias vezes e, quando estava preparado, soube encontrar o caminho que o levou ao templo em que foi iniciado.
A tradição rosacruz em que Roncalli foi iniciado é a mesma que Christian Rosencreutz foi beber no Islão, na viagem que fez ao Oriente no início do século XV. Nessa viagem terá conseguido entrar em contacto com os cenáculos esotéricos islâmicos onde conheceu antigos segredos e ganhou a confiança dos Antigos que lhe mostraram e lhe deram a ler os livros de T. e M. De volta à Europa, organizou a Ordem Rosacruz que, a partir daí, passou a ter influência determinante nos movimentos esotéricos iniciáticos, desde o martinismo à maçonaria e às várias sociedades rosacruzes que se estabeleceram desde então. O rosacrucianismo passou a ser o fundamento de todo o conhecimento esotérico e alquímico. No entanto, algumas dessas sociedades ditas rosacruzes tentaram inovar, estabelecer princípios baseados em crenças religiosas e não na verdadeira tradição, desvirtuando completamente a sabedoria que nos foi legada pelos Antigos.
Introduzido no templo, Roncalli deparou-se com tudo quanto lhe tinha sido transmitido pelo seu Mestre, aquele cujo rosto é sempre igual, como semelhantes ficam os rostos dos que são iniciados. Sobre a mesa central em formato pentagonal, a Bíblia aberta mostrando o evangelho de João; uma espada de punho de prata; dois candelabros de bronze, de três braços cada um e três velas vermelhas; entre os candelabros o símbolo da Ordem em que Roncalli ia ser iniciado. Debaixo desse símbolo, que não posso descrever, três rosas em tecido – uma branca, uma vermelha e uma preta.
O ambiente estava fracamente iluminado. Junto a três paredes Roncalli viu três cadeiras, sobre as quais repousavam três túnicas de linho branco. Sentiu passos leves atrás de si – era o Mestre, que agora lhe sorria e lhe começou a explicar os símbolos presentes. Usava ao pescoço o símbolo da Ordem em prata, preso a um cordão feito de nós templários.
Chegou a uma altura da cerimónia em que foi pedido a Roncalli para escolher um nome. Johannes, disse ele sem hesitar. Depois da imposição da espada, seguiu-se o juramento de fidelidade à Ordem, de nunca revelar os seus segredos, de seguir a tradição, de praticar sempre o bem, etc.
Mais pormenores encontram-se no livro de Pier Carpi, mas nada é revelado com respeito ao símbolo da Ordem. Nada é verdadeiramente revelado, senão aquelas coisas que um profano pode saber. No entanto, aquilo que está descrito é o bastante para todos aqueles que já passaram por uma iniciação semelhante e conhecem o que falta aqui nesta crónica e no livro.
Que melhor maneira de terminar esta série de crónicas sobre João XXIII senão o poema de Fernando Pessoa “No Túmulo de Christian Rosencreutz”:
I
Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,
Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclue.
Deus é o Homem de outro Deus maior.
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,
Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.
II
Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.
Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.
Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;
Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue atual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.
III
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.
Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.
Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rósea-cruz conhece e cala.
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