sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Segredos do Cristianismo - V - A Jihad Cristã

“Jihad” é um termo que se aplica quase exclusivamente ao Islamismo, em cujo livro sagrado, o “Alcorão”, que terá sido transmitido ao profeta Muhammad (Maomé) pelo anjo Gabriel, aparece umas vinte e três ou vinte e quatro vezes referido. O seu significado em termos literais quer dizer luta, combate. Na verdade, parece que o “Alcorão” não terá sido escrito por Muhammad, mas sim pelos seus seguidores após a sua morte e ascensão aos céus no local de Jerusalém hoje chamado de “Cúpula Dourada”, pois encima uma das principais mesquitas do Islão e foi também o local onde Abraão foi convidado por Deus a sacrificar o seu filho Isaac. O “Alcorão” terá assim sido compilado segundo relatos orais de Muhammad.
Segundo a interpretação de muçulmanos mais eruditos, este combate realiza-se a dois níveis: o interno e o externo. Internamente, trata-se da luta que o homem trava consigo mesmo, tentando controlar os seus desejos e emoções mais primárias para que se torne num homem justo de acordo com os mandamentos de Allah. Externamente é a luta pela defesa da Nação Islâmica, quando esta se encontra ameaçada.
Como em todas as religiões, existem os grupos e elementos mais radicais que interpretam as coisas à sua maneira e de modo a coincidirem com os seus objectivos. Estes elementos, de que os talibãs são o exemplo vivo, interpretam a “Jihad” como a guerra contra o infiel, sendo infiel todo aquele que não segue as regras do Islão. Portanto, trata-se, neste caso, da chamada “Guerra Santa” que o mundo muçulmano trava contra o Ocidente. Infelizmente temos hoje numerosos exemplos desta “Guerra Santa”, traduzidos em atentados contra alvos ocidentais ou, contra Israel, que representa esse mundo ocidental e é uma faca espetada no meio da nação árabe. A escalada de violência a que temos assistido nos últimos tempos reflecte a luta entre o islamismo radical e as forças “satânicas” do poder ocidental, mas este será assunto para uma outra crónica de características diferentes.
Não se sabe quando é que a designação de “Guerra Santa” começou a ser usada. Talvez tenha começado a ser usada quando da invasão árabe da Península Ibérica, em 711, embora não se possa chamar propriamente de invasão árabe, dado que se tratava mais de povos berberes do norte de África, conhecidos como mouros. Mas esta invasão foi mais para atender um pedido de ajuda dos povos submetidos pelo império Visigodo do que por iniciativa dos muçulmanos. Pela primeira vez na Europa se defrontavam duas religiões: de um lado os muçulmanos, do outro os cristãos, tratando-se uns aos outros por infiéis.
Claro que já tinha havido confrontos, mas não na Europa. Depois da morte de Muhammad (632), os muçulmanos lançam-se contra o Império Bizantino (cristão ortodoxo) e conseguem conquistar a Síria, a Palestina e o Egipto. Os bizantinos conseguem manter a sua capital, Constantinopla. Lançam-se depois contra a Europa do sul e as ilhas mediterrânicas. E assim, conquistam um extenso império mas, devido à sua natureza tolerante e uma brilhante cultura, muito acima da existente na Europa na época, não conseguem manter a unidade desse império que, a pouco e pouco começa a desagregar-se. Por um lado começam a ter de enfrentar a reacção dos países cristãos no seu esforço de reconquista, por outro lado começam a aparecer novos califas e potentados que tentam a separação e independência nos territórios mais distantes.
No início do 2º milénio a Europa era o que ficou expresso nos romances da demanda do Santo Graal como “uma terra devastada”. Este tema prende-se com a situação que se vivia na Europa naquele tempo. Ultrapassada a data “fatídica” do 1º milénio, carregada com as sombras negras das profecias de fim do mundo, a Europa vivia num autêntico caos, dominada pelo poder absoluto de Roma. Terra devastada refere-se à dissolução de costumes, ausência de valores morais e à injustiça de uma sociedade compartimentada entre nobres ociosos, padres viciosos e uma população miserável e escravizada. Esta população era constituída maioritariamente por camponeses que trabalhavam a terra para os seus senhores. Não possuíam a terra, não eram escravos, pois não podiam ser vendidos, mas viviam numa servidão absoluta ligada à terra de onde não poderiam nunca sair. Se a terra fosse vendida, esses servos acompanhavam a terra para os novos senhores. A sua situação miserável e de servidão era imutável. Apesar da quase totalidade da população estar agregada à terra, a agricultura era incipiente na maioria dos Estados. Os nobres e senhores das terras passavam o tempo quase exclusivamente a guerrearem-se mutuamente, a combater uns com os outros, conquistando terras e castelos e fazendo variar as fronteiras indefinidamente. A fome e a doença grassavam por todo o lado. A moral era baixa ou, em muitos casos não havia sequer regras morais, excepto aquelas impostas pela Igreja Católica que, no meio de toda aquela confusão estava mais interessada em firmar o seu poder temporal em vez de se preocupar com a moral reinante. Salvo raras excepções, os membros do clero não primavam também por um comportamento moral que fosse um reflexo de bons costumes para a sociedade.
O sistema social em vigor na Idade Média contribuía fortemente para esta situação. Os camponeses, chamados em algumas regiões “moços da gleba”, não tinham nenhuns direitos, a própria vida dependia da vontade e, muitas vezes, do humor dos seus senhores. Não tinham direito a qualquer propriedade e o que conseguiam produzir da terra lhes era retirado quase na totalidade pelo dono da terra. Não tinham direito a manter a sua família dentro de padrões morais, as suas filhas serviam muitas vezes de concubinas satisfazendo os apetites sexuais dos nobres e dos filhos dos nobres desocupados, que as largavam depois para casarem com um camponês qualquer e continuar a sua vida de miséria. Não havia a menor possibilidade de um camponês ascender na escala social, atingir um estatuto de nobreza ou ser um religioso. Estas situações estavam reservadas à classe nobre. Quer dizer, havia apenas três classes sociais: a Nobreza, o Clero e o Povo. O povo nunca poderia deixar de ser povo, nascia povo, vivia povo e morria povo, muitas vezes morria a defender as terras do seu senhor ou a ajudar o seu senhor a atacar as terras de outros.
Na Nobreza as coisas também não eram fáceis. O único que tinha direito a herdar o título, a fortuna e as propriedades era o filho varão mais velho que estivesse vivo na hora da morte do seu progenitor. Todos os outros filhos e filhas não tinham direito a nada. Os filhos varões tinham três opções de vida: ou ficavam a viver à conta do irmão mais velho, que seria o conde, o duque ou o marquês; ou colocavam-se ao serviço como cavaleiros de um senhor qualquer e passavam a vida a pelejar; ou entravam para um seminário ou um mosteiro e tornavam-se religiosos. Muitos tornavam-se cavaleiros andarilhos oferecendo os seus serviços aqui e ali, até um dia serem mortos numa refrega qualquer. Esta situação está magistralmente relatada na obra “D. Quixote de la Mancha” de Cervantes. O tolo do D. Quixote procura desesperadamente um motivo que justifique a sua existência e a sua condição de cavaleiro andarilho. Dulcineia, a dama por quem se mete em todas as aventuras é a sua anima, o seu lado feminino que procura compensar a brutalidade da sua profissão de cavaleiro. Em outras palavras é o seu Graal pessoal, que procura alcançar, sujeitando-se às cenas e atitudes mais ridículas.
As filhas da Nobreza tinham um destino complicado: ou a família as conseguia casar com algum senhor de bens, normalmente um casamento negociado, ou seguiam o caminho religioso entrando para um convento, onde seguiriam o percurso normal de noviça a freira.
A situação era praticamente incontrolável e havia que encontrar uma saída para ela. No sul da Europa, no norte de África e pressionando o Império Bizantino estava o inimigo principal, o império dos infiéis que, além de tudo o mais, ocupavam a Terra Santa. O Papa Urbano II clamou pela defesa dos peregrinos na Terra Santa e mandou organizar aquela que foi classificada como 1ª Cruzada. Foi assim que começou a “Guerra Santa”, a “Jihad” cristã, que não mais parou durante os próximos séculos.
Esta 1ª Cruzada foi chamada de Cruzada dos Cavaleiros, porque os elementos que a compunham eram em grande parte constituídos por nobres, gente que pertencia à nobreza europeia. Mas reuniu também muita da escumalha que abundava na Europa e que não se tinha juntado à outra Cruzada, essa chamada de Cruzada Popular ou dos Mendigos. O Papa prometeu as maiores indulgências a quem permanecesse na Cruzada, todos os pecados seriam perdoados e um lugar no céu estaria à sua espera. Quantos mais infiéis matasse, mais fácil seria a sua entrada no Paraíso.
Esta 1ª Cruzada conseguiu reconquistar Jerusalém para a cristandade, à custa de um autêntico banho de sangue em que ninguém foi poupado, homens, mulheres, crianças, velhos, judeus, cristãos ortodoxos, todos foram chacinados. Para além deste feito odioso, a 1ª Cruzada conseguiu destruir a sociedade mais culta e evoluída da época.
Segundo alguns autores, a 1ª Cruzada teria à partida cerca de 600.000 homens entre combatentes e pessoal de apoio. Outros afirmam que não teria mais do que 60.000. Acredito mais neste último número, que deve estar mais próximo da realidade, pois muitos cronistas antigos gostavam de exagerar os números. Como no caso de Maara, cidade tomada pelos cruzados no seu caminho para Jerusalém em que o cronista árabe Ibn al-Athir afirma: “Durante três dias, eles passaram as pessoas a fio de espada, matando mais de cem mil criaturas e fazendo muitos prisioneiros” . Isto é um perfeito exagero pois Maara, na altura, não deveria ter mais do que dez mil habitantes. Mas não é exagerada a descrição do cronista Raul de Caen quando se refere aos acontecimentos de Maara: “Em Maara, os nossos coziam pagãos adultos nos caldeiros, enfiavam as crianças em espetos e devoravam-nas assadas” . Necessidade de sobrevivência ou fanatismo? Provavelmente ambas as coisas, pois se por um lado parece que a fome grassava nas fileiras cruzadas, por outro lado os “franji”, como eram chamados pelos árabes, não deviam considerar aquela gente como seres humanos. Como o facto se tornou demasiadamente conhecido, os chefes da Cruzada viram-se obrigados a enviar uma carta ao Papa em que afirmavam: Uma terrível fome atormentou o exército em Maara e pô-lo na cruel necessidade de se alimentar dos cadáveres dos sarracenos” .
Dos 60.000 que havia à partida da 1ª Cruzada, apenas uns 15.000 chegaram á vista de Jerusalém, seu objectivo final. Pelo caminho, as doenças, a fome, a sede, os naufrágios, as batalhas que tiveram que travar contra os seus opositores, foram dizimando o exército cruzado. Antecedendo o banho de sangue em que se transformaria a tomada da Cidade Santa, os cruzados organizaram uma procissão em volta das muralhas da cidade, agradecendo e pedindo a ajuda divina para o assalto final.
As Cruzadas oficiais duraram até 1291, ano em que a 9ª Cruzada perdeu a fortaleza do Acre, o último bastião cristão na Palestina. Mas além destas 9 oficiais houve outras. Já falámos da Cruzada Popular ou dos Mendigos, que se adiantou à 1ª Cruzada. Organizada por um monge, Pedro o Eremita, que conseguiu convencer uma multidão de deserdados da sorte, incluindo mulheres, velhos e crianças, a deslocar-se até à Palestina para resgatar os lugares santos, e dirigida por um cavaleiro tipo D. Quixote, Guautério Sem-Haveres, foi uma Cruzada tumultuosa, criando desacatos pelos lugares por onde ia passando, matando quantos judeus encontravam pelo caminho. Quando chegou às portas de Constantinopla não passava de uma multidão de maltrapilhos esfomeados e mal equipados. Expulsos de Constantinopla por terem começado também a saquear a cidade, foram completamente dizimados pelos turcos quando tentaram tomar Niceia.
Uma cruzada fora do contexto de combate e reconquista das terras tomadas pelos infiéis, foi a Cruzada Albigense, convocada pelo Papa Inocêncio III para combater o catarismo que grassava no sul de França, numa região conhecida pelo nome de Languedoc. Nessa altura já a Inquisição estava perfeitamente actuante e foi ela que conduziu a Cruzada às mais nefastas consequências, culminando com uma imensa fogueira em frente do castelo de Montségur em que os últimos 256 cátaros, que tinham resistido até ao fim, foram queimados vivos.
Sobre os cátaros, assim como sobre praticamente toda a actividade da Inquisição durante séculos, sabemos apenas a versão dos "vencedores”, quer dizer, a versão oficial que a Igreja permitiu que fosse conhecida. Toda a restante documentação, se é que houve alguma outra documentação, foi destruída e queimada. Mesmo assim, o quadro que nos chega é suficientemente tenebroso e perfeito reflexo do que se designou como Idade das Trevas. No caso cátaro, toda a região próxima de Toulouse e Carcassone foi pilhada e suas vilas e aldeias arrasadas. Centenas e centenas de pessoas foram queimadas vivas, numa selvajaria digna de um filme de terror. A “Santa Cruzada”, como também foi chamada, é responsável pelo extermínio de mais de 15 mil homens, mulheres e crianças na cidade de Beziers. Quando perguntaram a Arnaud Amaury, arcebispo de Narbonne e representante oficial do Papa como é que distinguia os hereges dos crentes verdadeiros, ele respondeu:”Mate-os todos. Deus reconhecerá os seus”. O Papa Inocêncio III por sua vez havia prometido a todos os que permanecessem na Cruzada durante pelo menos 40 dias, a completa absolvição de todos os pecados.
A Cruzada Albigense dá-nos um retrato do que era o domínio da Igreja romana sobre toda a Europa. Ao domínio temporal juntava o domínio espiritual. Ninguém se podia afastar dos seus dogmas e da sua doutrina, sob pena de cair na alçada da Sagrada Inquisição. O catarismo foi um movimento de retorno aos princípios cristãos primordiais e que rapidamente conquistou numerosos adeptos, não só no sul de França, mas também no reino de Aragão, na antiga Germânia, na antiga Bulgária, um pouco por toda a parte, onde tomou nomes diferentes. Pagaram todos muito caro pela tentativa de se libertarem dos aguilhões da Igreja romana.
Para completar o quadro tenebroso em que se vivia e que estava presente no espírito das Cruzadas, houve também uma Cruzada das Crianças, realizada a partir da França e da Alemanha e baseada na crença de que somente almas puras (crianças) poderiam libertar Jerusalém. Foi um desastre completo, a maioria das crianças morreu de fome e de frio e as que sobreviveram acabaram por ser vendidas como escravos no norte de África.
A Jihad cristã iria durar mais de cinco séculos, conduzida magistralmente pela Inquisição, que soube levar o terror a todos os cantos do mundo conhecido.

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