domingo, 23 de agosto de 2009

O Cosmos, o Homem e a Evolução

7. O Homem

“Os Anjos aspiram a ser homens; pois o Homem Perfeito, o Homem-Deus, está acima dos próprios Anjos”. (Eliphas Levi)

As fontes que permitiram desenvolver a hipótese da criação do nosso planeta, assim como do nosso sistema planetário, ter tido origem numa nebulosa original chamada Saturno, da qual o actual Saturno seria o seu remanescente, também dizem que os Arcanjos fizeram várias tentativas frustradas de criação do Homem, e que essas experiências resultaram em grande parte nos animais que passaram a habitar a Terra. Esta é uma afirmação algo arriscada pois, a variedade do mundo animal é tão grande que nos é difícil conceber que grande parte do reino animal tenha tido essa origem. Aceitamo-la com reservas na convicção de que os três reinos da natureza terrestre, o mineral, o vegetal e o animal, foram criados com um sentido harmónico e de escalonamento hierárquico, em que cada um tem a sua função a desempenhar no plano evolutivo.
Muitos dos animais que povoam a Terra são, muito provavelmente, o resultado de mutações sucessivas conforme expresso na teoria de Darwin, embora seja difícil explicar as lacunas (os saltos) que aparecem entre uma forma e outra da mesma espécie. Por outro lado, existem dois grupos que se suspeita não serem originários da Terra, que não foram criados aqui, mas que foram trazidos de outro planeta. É o caso das formigas e das abelhas. De facto, tanto um como o outro, têm um comportamento, uma organização social, um sentido gregário, que não tem semelhança com qualquer outro grupo de insectos. Além disso, as formigas e as abelhas têm também um papel fundamental no equilíbrio ecológico da natureza.
A segunda estância do Livro de Dzyan diz que sem ajuda a natureza falha. A isto acrescentaríamos que, mesmo com ajuda, pode haver falhas. Isto quer dizer que a natureza, deixada livre, sem qualquer interferência na sua acção, falha no sentido de não produzir o que foi idealizado que ela produzisse. Falha apenas neste sentido, porque por outro lado ela adapta-se naturalmente às condições ambientais e produz o que essas condições permitirem. Mas se houver interferência exterior, as falhas também podem produzir-se, porque os seres que interferem também podem cometer erros. A nossa história actual está repleta de casos em que a natureza foi severamente agredida pela acção descuidada ou irresponsável do homem.
Não nos podemos surpreender que, na descrição sobre a formação do nosso sistema planetário a que entendemos chamar “A Hipótese de Saturno”, tenha ficado uma certa sensação, um certo sentimento de que as coisas nem sempre terão corrido bem. Ainda que agindo e pensando pela acção e pensamento do próprio Deus, já vimos que os seres que chamamos de Tronos, Querubins, Arqueus, Arcanjos, Anjos, não são tão perfeitos como poderíamos pensar, até porque eles próprios também estão no seu processo evolutivo. Esses seres cometeram erros, tiveram limitações na sua acção e até desencadearam uma espécie de “conflito” que terminou com a “queda” dos Anjos rebeldes.
No que se refere à criação do Homem, parece que houve algumas tentativas que saíram frustradas, das quais terão resultado os primatas que ainda hoje povoam a Terra. Depois destas tentativas, os Arcanjos conseguiram criar finalmente o Homem, mas não o homem como é hoje, criaram o Homem primordial, aquele que seria o progenitor de todos os homens pois, para chegar ao estágio actual foi necessário proceder a várias mutações, fazer algumas “correcções”. E isto não foi obra do acaso, não foi o resultado da associação aleatória de moléculas e átomos como ainda defende certa ciência (já há cientistas que não estão bem certos disto...), mas sim obra de seres criadores, deuses para toda a tradição antiga, e esses deuses nem sempre terão acertado.
Por outro lado, a partir de determinada altura, esses seres criadores não estavam totalmente de acordo uns com os outros, do que resultou a denominada “Guerra dos Céus” e que parece ter tido origem num problema de natureza sexual, pois foi a partir do momento em que Lúcifer idealizou a figura deslumbrante da futura Mulher que tudo se desencadeou. Não terá sido apenas esta a única razão, como veremos mais adiante, mas foi sem dúvida uma das peças fundamentais para a completa transformação do homem no ser que passou a habitar e a dominar a Terra. Os seres angélicos eram astral e espiritualmente andróginos, e a sua irradiação de Amor era sem perturbações e sem desejos egoístas, o que se compreende dada a sua androginia. Ora, a confusão estabeleceu-se quando apareceu a primeira tentativa de separação dos sexos, que é o mesmo que dizer a separação do homem em suas duas polaridades opostas e complementares, o homem macho e o homem fêmea, que passou a chamar-se mulher.
Tudo isto nos faz sentir que, por detrás de todas estas coisas algo se esconde e que, aparentemente escapa à nossa percepção. O surgimento de um conflito a nível espiritual entre a hierarquia dos seres é uma situação estranha e que transcende as nossas concepções acerca do modo como esses seres evoluem e agem. Para tentarmos compreender, na verdade, como se terá dado a Criação e como foi concebido o Homem, temos de tentar descortinar através da névoa com que todas estas coisas nos são transmitidas.
Na ordenação do Universo, existe uma razão para todas as coisas, porque nada foi feito e organizado ao acaso. Por este motivo, deve haver também uma razão para as hostes celestiais estarem organizadas numa hierarquia perfeitamente estabelecida. Elohim parece ser um nome genérico para muitos destes seres, pelo menos para os de mais elevada categoria, como por exemplo os Tronos e os Arqueus. Todos eles são seres criadores, pois todos têm a faculdade de criar, só que cada um pode criar até um limite específico, vimos isto na criação do Sol de Saturno em que os Arqueus não podiam criar a luz que precisavam. Vimos também isto quando os Arqueus criaram os Arcanjos para estes continuarem o processo de criação que eles tinham iniciado. Se quisermos organizar esta hierarquia de Poderes (na tradição cristã chamam-se Poderes), ou as faculdades de Deus em acção para a tradição hebraica, teremos o seguinte:
1ª Tríade – Serafins (Amor), Querubins (Harmonia) e Tronos (Vontade).
Este primeiro grupo está acima de qualquer outro Poder. Age em todo o Universo e faz parte da Esfera Divina. Está acima do espaço e do tempo, mas a sua acção manifesta-se no espaço-tempo.
2ª Tríade – Virtudes (Forma), Dominações (Movimento) e Principados (Sabedoria).
Estes são os Poderes ordenadores e equilibrantes, intermediários entre os Poderes superiores e os inferiores. Eles ordenam e equilibram todo o sistema planetário.
3ª Tríade – Arqueus (Personalidade), Arcanjos (Fogo) e Anjos (Vida).
Estes Poderes são os que estão logo acima do Homem e agem directamente com ele. Como vimos anteriormente, os Arqueus são os iniciadores, os espíritos do começo, os que fizeram saltar a primeira chispa do “Fiat Lux”. Os Arcanjos são a própria Luz, o Fogo criador, os que descem à voragem da matéria e amam o Homem, ao qual deram o sopro e a vida. Os Anjos são os seres que acompanham o Homem na sua vida terrestre, que sofrem e se alegram com ele, que o guiam através das múltiplas encarnações da sua viagem. Os Anjos não são o Eu superior do Homem, são seres independentes deste mas ligados a ele individualmente. Uma das suas missões é, precisamente, tentar despertar em cada homem o seu Eu superior.
Os Poderes destas três Tríades vêem depois a concentrar-se na individualidade que é representada por Lúcifer, ele próprio também um Arcanjo, que concedeu ao Homem e por amor deste, a liberdade.
Podemos comparar esta organização de Poderes com a Árvore Sefirótica da Cabala, onde o raio divino de En Sof percorre todas as esferas (Sefiras) de emanação até se concentrar em Malkhut, que é o mundo da matéria criada. Os cabalistas afirmam que existem quatro reinos presentes numa Árvore Sefirótica. Assim, comparando com as Tríades acima, teremos o seguinte:
· 1º Reino – AZILUT – englobando Kether, Hokhmah e Binah. Este é o reino da emanação e é correspondente à 1ª Tríade de Serafins, Querubins e Tronos.
· 2º Reino – BERIAH – contendo as Sefiras de Hesed, Gevurah e Tiferet. É o reino da criação, correspondente à 2ª Tríade de Principados, Dominações e Virtudes.
· 3º Reino – YEZIRAH – incluindo Nezah, Hod e Yesod. É o reino da formação, correspondente à 3ª Tríade e onde agem os Arqueus, Arcanjos e Anjos.
· 4º Reino – ASIYYAH – é o reino da feitura, da coisa feita. É a matéria em todo o esplendor de Malkhut. É o Homem criado, feito espírito e matéria.
Temos aqui, visto de uma maneira ou de outra, o número 10, que contém em si todos os atributos da Divindade que é o 1, pois o número 10 é igual a 1 (1+0=1). O Homem é o 10, o resultado de todo o processo da Criação, mas também é o 1, porque todos os atributos da Divindade estão nele – ele é o reflexo da face de Deus, de onde proveio e para onde volta, na sua interminável ronda ao encontro da sua natureza superior.
Voltando à chamada “Guerra dos Céus” e à impressão de que os Poderes angélicos nem sempre terão feito um trabalho perfeito, o que não nos custa aceitar, uma vez que sendo eles uma emanação da vontade Divina, tal como o Homem também o é, e estando eles também no seu plano evolutivo, é natural que haja algo de imperfeição na sua acção. Afinal a perfeição está em Deus, é Deus, e eles não são Deus, mas sim forças que agem por vontade Dele. Isto é importante porque há uma certa tendência para confundir Deus com as suas manifestações e por isso, os numerosos cultos que se formam em relação a determinadas divindades como se fossem o próprio Deus. Embora Deus seja omnipresente, uma vez que está em tudo, Ele não age directamente, Ele manifesta-se sempre através de terceiros, que são os instrumentos da sua manifestação.
No combate ou guerra dos céus que terminou com a derrota de Lúcifer e dos seus seguidores, e sua consequente queda no mundo da matéria, as coisas, provavelmente, não poderiam ter-se passado de outra forma, pois este acontecimento terá estado, desde o início, no pensamento Divino. A matéria só existe como resultado de duas energias, a positiva e a negativa, os átomos que a constituem possuem estas duas polaridades, e tudo o que existe é feito por associação de átomos. Ainda que não consigamos nem chegar perto dos chamados desígnios de Deus, é muito difícil que a matéria, como resultado último da Criação, pudesse ser formada de outro modo.
É caso para pensarmos: será que Lúcifer, na verdade, foi derrotado? Ou terá competido à sua hoste descer ao mundo espesso da matéria para aí poder prosseguir na sua obra de criação do Homem como ser independente e livre? Helena Blavatsky, a respeito do Génesis, diz o seguinte na sua “Doutrina Secreta”: “Por outra parte, a Serpente não é Satã, mas o Anjo Radioso, um dos Elohim revestido de glória e esplendor, que, havendo dito à mulher: «Se comerdes do fruto proibido, não morrereis certamente», cumpriu a promessa e tornou o homem imortal em sua natureza incorruptível. É o Iao dos Mistérios, o chefe dos Criadores Andróginos dos homens.”
Mais adiante, afirma ainda: “O Capítulo III (Génesis) contém (esotericamente) o descerramento do véu de ignorância que limitava as percepções do Homem Angélico, feito à imagem dos deuses, “sem ossos”, e o despertar nele da consciência da sua natureza real; mostra-nos deste modo o Anjo Radioso (Lúcifer) como um ser que dá imortalidade, um ser que ilumina.”
Eliphas Levi, a propósito de Lúcifer (Satã para os católicos), diz o seguinte no seu livro “As Origens da Cabala”: “Teólogos do demónio, supondes que Satã é livre? Se ele é, ainda pode voltar ao bem; se não for, não será responsável pelos seus actos, mas apenas instrumento de alguém mais forte do que ele, um escriba da justiça divina; fará tudo o que Deus quiser. Deus, para prová-lo, faz que ele tente e torture suas débeis criaturas. Então Satã não é o monarca das trevas: é o agente da luz velada. Logo, é útil a Deus; executa as obras de Deus; Deus não o arrojou longe, posto que o mantém sob a sua mão. Assim, aquele que é reprovado por Deus, por ele é rechaçado para sempre. O agente de Deus é o representante de Deus e, segundo as leis da boa política, o representante de Deus é o próprio Deus.”
Fica-nos a ideia de que, nesta altura dos acontecimentos, se tinha chegado a uma espécie de impasse, a uma solução de continuidade no processo da criação do Homem e da sua evolução: o Homem, para poder cumprir a sua missão de construção da sua própria evolução e, por extensão, da evolução planetária, teria que participar de forma integral do mundo da matéria, para daí poder renascer purificado e elevar-se ao mais alto da hierarquia na forma perfeita do Homem-Deus. Para isso era também necessária a separação dos sexos, que correspondia à imersão do homem no mundo da matéria. O homem teria que conhecer o seu lado sombra, a sua parte obscura e poder assim optar, para poder emergir em luz ou afundar-se nas trevas da animalidade.
De acordo com o Génesis da Bíblia o Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. E Deus o fez homem e mulher e lhe ordenou para ser fecundo, para se multiplicar e dominar sobre a Terra. Na verdade, é bem isto o que o homem tem feito, tem sido fecundo, tem-se multiplicado e tem dominado sobre a Terra. Ele domina sobre a Terra, mas não domina a Terra nem a natureza. No seu processo de aprendizagem, o homem tem sido, a seu modo, um criador, mas tem sido mais um elemento predador do que um companheiro de viagem. Para deter completo domínio da Terra e da natureza, o homem tem de aprender a respeitá-las, mas para que isso suceda, um longo caminho tem ainda de percorrer.
Como diz a Bíblia, se o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, isto significa que ele é o espelho da Divindade, não no sentido da imagem que se reflecte num espelho, mas no de que o homem contém em si todos os predicados dessa Divindade. Dito de outra forma, ele é o objecto último da Criação, a mais perfeita criatura criada, reflecte em si todas as características da própria Divindade e do que ela concebeu quando “pensou” a Criação. Por outro lado, possui algo que mais nenhuma criatura possui, o livre arbítrio, a capacidade de pecar, a capacidade de ofender a Deus, que não é mais do que a capacidade de ir contra a sua própria natureza ou contra os desígnios com que foi criado.
A liberdade concedida ao homem (o livre arbítrio) é para ele a suprema dádiva de Deus, a oportunidade de se poder elevar por seu exclusivo mérito, pelos ditames da sua consciência sempre soberana. Ao contrário, pode constituir também a sua maior maldição, dependendo dos seus pensamentos e acções. Isto é demonstrado de forma exemplar na “Odisseia” de Homero, na viagem que Ulisses faz no seu regresso a casa, nas tentações a que tem de resistir, nos obstáculos que tem de ultrapassar. Esta é, verdadeiramente, uma viagem iniciática, uma perfeita alegoria do destino do homem sobre a Terra, do percurso que tem de fazer e das dificuldades que tem de ultrapassar, na sua volta à casa matriz, no retorno à sua origem, e neste regresso volta enriquecido com toda a experiência acumulada numa evolução feita num ambiente em que tem de conquistar, palmo a palmo, o mérito da sua ascensão, tornando-se um ser superior entre a mais alta hierarquia do círculo Divino. É a isto que também se refere a parábola de Jesus sobre o filho pródigo.
O homem, na tradição oculta, é o microcosmo que reflecte o macrocosmo. É a confirmação da lei que nos foi ensinada por Hermes Trismegistus, que para alguns seria a mesma entidade que Thoth, para outros um dos primeiros homens celestes, um dos Manus instrutores dos homens, lei essa que diz que o que está em baixo é como o que está em cima.
Z’ev ben Shimon Halevi dá-nos uma maravilhosa imagem da criação do Homem no seu livro “O Caminho da Kabbalah”. Diz ele o seguinte: “Depois que o Senhor (Adonai, o nome de Deus correspondente a Malkhut) já havia descansado em equilíbrio no sétimo dia de Malkhut, Ele observou que não havia nenhum homem para arar o solo. Isto significa que enquanto a Face superior de Yezirah era inerente à Face inferior de Beriah não havia nada abaixo para formar a Face superior de Asiyyah, simbolizada na palavra «adamah», ou “solo”. Portanto, Deus “plasmou o homem, pó da terra”: isto é, Deus seguiu pela Árvore Yezirática abaixo para “fazer” o mundo de elementos e acção, e “insuflou em suas narinas (neshamet hyim) um sopro de vida”. Aqui está o Homem no Éden, o Jardim daquele Mundo Yezirático que se estende para cima até ao Céu de Beriah e para baixo até à Terra de Asiyyah. Abaixo, a Face inferior de Asiyyah, tornou-se a parte da Terra que estava além da porta do Éden. Quando Adão e Eva caíram e foram forçados a deixar o Éden, foram baixados para essa Face inferior de Asiyyah a fim de vestirem peles de animais, que nós, humanos encarnados, portamos até hoje na forma do corpo físico. Contudo, ainda temos na Face superior de Asiyyah, uma conexão directa com o jardim inferior do Éden, e de vez em quando, em certos momentos de lucidez, entramos nela, mesmo que seja para vislumbrar a sua beleza estranhamente familiar.”
É uma bela descrição feita em termos cabalísticos. Os quatro reinos tocam-se e envolvem-se reciprocamente, nenhum deles é independente dos outros. Assim, o mundo superior, Azilut, que é emanação pura, abrange na sua circunferência o En Sof, Kether, Binah e Hokhmah; o mundo seguinte, Beriah, que é criação, inclui 3 Sefiras de cima, Kether, Binah e Hokhmah mais Gevurah, Hesed e Tiferet; O terceiro mundo, Yezirah, que é formação, envolve as três últimas Sefiras do mundo anterior mais Nezah, Hod e Yesod; por último temos o mundo de Asiyyah, a feitura, que abrange na sua circunferência Tiferet, Nezah, Hod, Yesod e Malkhut. É através de Tiferet, a Beleza, que o autor diz que pudemos por vezes estabelecer uma conexão directa com o jardim do Éden, em certos momentos de lucidez.
O primeiro Homem criado chamou-se Adão, mas este não é o nome de um indivíduo mas sim, o nome do ser criado chamado Homem. Martinés de Pasquallys diz que Adão, no seu primeiro estado de glória, era um verdadeiro émulo do Criador. Sendo um puro espírito, lia como num livro aberto os pensamentos e operações divinas. Diz ainda que Adão viu que era grande o seu poder e conhecia com exactidão todos os seres activos e passivos que habitavam desde a superfície terrestre e o seu centro até ao centro celeste chamado misteriosamente “céu de Saturno”. Diz também que Deus lhe concedeu os mais vastos poderes, ao ponto dele ser o Homem-Deus governando sobre a Terra, até ao dia da prevaricação de Adão, que fez com que fosse condenado a viver no mundo escuro da matéria: “É por isso que o anjo do Senhor diz, conforme rezam as Escrituras: «Expulsemos daqui o homem que teve conhecimento do bem e do mal, que ele poderia alterar-nos nas nossas funções espirituais, e evitemos que ele toque a árvore da vida, e que por este meio viva para todo o sempre.”
A árvore da vida aqui representa o espírito Criador, e viver por este meio para todo o sempre significa viver em função da dualidade, entre o bem e o mal, a que esta expulsão o condenou.
É interessante verificar que o Homem foi criado com todos os atributos divinos, mas que a sua condição posterior é consequência de dois episódios designados como “quedas”: primeiro a queda dos anjos, de Lúcifer, por ter idealizado Eva e, por acréscimo, a separação dos sexos, mas também por ter concedido ao homem o livre arbítrio a partir do qual, ele se sentia livre para agir segundo a sua própria vontade e consciência; a segunda queda é a do próprio Homem, de Adão, a sua expulsão do Éden por ter tido conhecimento do bem e do mal.
Podemos imaginar estas duas “quedas” como autênticas revoluções no processo da Criação, autênticos cataclismos siderais que estavam, como já dissemos, desde o início no pensamento de Deus, pois ambas eram necessárias para que o Homem pudesse cumprir a missão para que fora criado. Fica-nos, no entanto, uma estranha sensação: de que ambas as quedas são uma e a mesma coisa, ou que a última, a do Homem, está intimamente ligada à primeira, porque uma não faz sentido sem a outra. Explicando melhor, o homem não poderia aceder ao conhecimento do bem e do mal, que provocou a sua queda, sem o livre arbítrio, o qual lhe fora concedido em resultado da revolta dos Anjos. A “Doutrina Secreta” de Helena Blavatsky, abre talvez uma pequena porta para que possamos entender melhor, quando diz: “A Filosofia Esotérica não admite nem o bem nem o mal per si, existindo independentes na natureza. Percebe-se a razão de ser de ambos, no que respeita ao Cosmos, na necessidade dos opostos, dos contrastes, e, relativamente ao homem, em sua natureza humana, em sua ignorância, em suas paixões. Não há demónios ou seres absolutamente pervertidos, como não há anjos absolutamente perfeitos, embora possa haver Espíritos de Luz e Espíritos de Trevas; assim, Lúcifer (O Espírito da Iluminação Intelectual e da Liberdade de Pensamento) é, metaforicamente, o farol que orienta, que ajuda o homem a encontrar o seu caminho por entre os escolhos e os bancos de areia da Vida, pois Lúcifer, no seu aspecto mais elevado, é o Logos, e, no aspecto inferior, é o “Adversário” – aspectos ambos que se reflectem no nosso ego.”
Desde o primeiro alento, o sopro de Deus, a vibração primordial, todo o processo da Criação desaguou nesse ser esplendoroso que contém em si todas as virtudes e potencialidades divinas – o Homem. Por detrás de todas as convulsões físicas da matéria, conseguimos ver a acção dos Poderes espirituais: foram os Arqueus que deram o primeiro impulso, os espíritos do começo; depois vieram os Arcanjos, espíritos do Sol, génios da Luz; em Lúcifer, uma Luz adentrando as Trevas do Abismo, a compaixão pelo Homem; o Homem, o sofrimento e o desejo, a “via-sacra” do seu caminho, os espinhos do crescimento interior; com Cristo, a redenção e a ressurreição, a promessa de um novo Éden, um novo jardim do Paraíso.

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