sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Cosmos, o Homem e a Evolução

5 – O Tempo
“O Tempo não existia, porque dormia no Seio infinito da Duração” (Da Estância I do Livro de Dzyan – Cosmogénese – A Doutrina Secreta de Helena Blavatsky)

O tempo é talvez um dos conceitos mais difíceis de entender, embora, para a mente objectiva, não o seja. Para esta, o tempo é o período durante o qual uma acção ou evento ocorre; é também, uma dimensão representando uma sucessão de tais acções ou eventos. Na nossa civilização, o tempo é um dos elementos fundamentais do mundo físico, tudo é medido e regulado por ele. Existem actualmente três métodos de medição do tempo: os primeiros dois baseiam-se na rotação de Terra sobre o seu eixo, considerando o movimento aparente do Sol através do céu e o movimento aparente das estrelas. O terceiro método baseia-se na revolução da Terra à volta do Sol.
Apesar de ele ser esse elemento fundamental na nossa civilização, o tempo não deixa por isso de ser também uma das coisas mais relativas que existem. Esta relatividade foi teorizada por Einstein e comprovada mais tarde por experiências efectuadas: o tempo encurta ou contrai-se, quando uma pessoa se desloca sobre a Terra no sentido inverso ao do movimento do Sol; deslocando-se no sentido do movimento do Sol, o tempo alonga-se ou dilata-se. As diferenças verificadas são tão ínfimas que só podem ser medidas em microsegundos mas, seja como for, é uma demonstração prática de que o tempo, mesmo visto pelo lado objectivo, não é uma constante.
O tempo nasceu simultaneamente com o início da Criação, pois antes desse primordial alento que colocou tudo em movimento, o tempo não existia. Como diz a tradição antiga, na chamada “Noite do Universo”, o tempo jazia adormecido no seio infinito da Duração, e o Pai Eterno, envolto em suas vestes invisíveis, dormira mais uma vez por sete eternidades. Aqui existem três conceitos que, aparentemente, significam a mesma coisa, mas na verdade são coisas diferentes: o tempo, a duração e a eternidade. Para nós, duração seria o acumular de determinado tempo, e eternidade o tempo infinito, mas parece que não é bem assim.
A duração ou as sete eternidades nesse texto de sabedoria antiga, pertencem ao estado de não-existência, e esse estado não pode ser medido em tempo. O estado de não-existência é a condição em que tudo está vazio, nada existe, é a escuridão absoluta, são as trevas, nada pulsa, tudo está quieto – só que não sabemos o que é este tudo, uma vez que nada existe.
De acordo com essa tradição antiga, o tempo é uma ilusão que se produz pela sucessão dos nossos estados de consciência na nossa viagem através da duração eterna, e só existe onde há consciência, em que esta possa produzir a ilusão. O presente é uma linha matemática que separa a eternidade em duas partes, uma chamamos de passado e outra de futuro, mas trata-se da mesma duração eterna. O futuro e o passado são uma e a mesma realidade, se lhe podemos chamar assim. É o “Eterno Presente” dos místicos. Na nossa consciência, o tempo corre do futuro para o passado porque, à medida que vamos tomando consciência do «vir a ser» (futuro), passamos a ter consciência do «foi» (passado). Isto quer dizer que nem o futuro nem o passado existem, pois são ambos a duração eterna onde tudo permanece imóvel. Eles, o passado e o futuro, assim como o tempo, só existem como uma ilusão que é percebida pelos nossos sentidos.
Já vimos que, objectivamente, a nossa noção de tempo depende do movimento da Terra e das estrelas. Se não houvesse esse movimento teríamos, com certeza, muita dificuldade em contar o tempo. No entanto, como entender que o tempo seja uma ilusão se percebemos a sucessão dos dias e das noites, das horas, das estações do ano, dos anos, dos meses, dos séculos e dos milénios? Não é verdade que estamos já no terceiro milénio? Não é verdade que estamos no ano de 2009 da era cristã? O que fazer de todos os acontecimentos de que temos conhecimento através da História nestes dois mil anos? Como poderemos nós conceber a não existência do tempo se temos consciência de que nascemos, crescemos e morremos, da mesma forma que vemos acontecer em toda a natureza? Na verdade, nada existe que dure eternamente, tudo o que existe está sujeito a mudanças. Aquilo a que chamamos tempo não é mais do que a tomada de consciência dessas mudanças. Toda a existência está em constante e permanente mudança. Nós nunca podemos repetir uma mesma situação por mais perfeita que seja essa repetição porque, quando a repetimos, tudo o que a envolve, incluindo nós mesmos, já mudou.
É bem conhecida aquela velha lei de Lavoisier que diz que, na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Ele dizia que depois de uma combustão ou um processo químico, a quantidade de matéria continuava a ser a mesma, mudava apenas de forma. Isto deixou de ser verdade a partir do desenvolvimento da ciência atómica, em que existe perda de matéria quando da desintegração do átomo. Mas no essencial, a lei continua correcta, pois na desintegração do átomo a matéria que se perde é transformada em energia, e esta, mais tarde, poderá voltar a ser matéria. Isto quer dizer que a matéria que existe é permanente, apenas assistimos e tomamos consciência das suas transformações que formam, na nossa consciência, a ilusão do tempo.
Mas se não há criação de matéria nova e se não há perda de matéria, estamos perante um problema que é o de saber como é, de facto, o processo da Criação. Julgamos que está subentendido que este processo é contínuo, é permanente, isto é, que dura desde o início, desde a primeira vibração do Verbo. Não estamos enganados, só que este processo não inclui a criação de matéria nova. Toda a matéria existente no Universo foi criada, ou activada, de uma vez numa dada altura, depois disso nada mais acontece a não ser a transformação permanente dessa matéria.
Voltamos assim à história do “Big Bang” que talvez não esteja tão longe da verdade como muitos podem pensar. Imaginemos que antes do primeiro alento, antes da vontade do Verbo se ter manifestado, tudo já existia, todos os átomos, todas as partículas, tudo mergulhado num sono letárgico onde não se verificava nenhum movimento, nenhuma troca de energia. Isto eram as trevas. Quando a vontade do Verbo se manifestou em Luz, tudo começou de repente a pulsar, a vibrar. O “Fiat Lux” terá sido a ignição que colocou tudo em marcha e foi nessa altura que começou também a acção do tempo, que não é mais do que o registo consciente das transformações que se operam permanentemente.
O Livro de Dzyan diz que o Universo está contido numa tela imensa onde os átomos se contraem e expandem permanentemente, e nessa contracção e expansão fica o registo das mudanças que se vão operando em toda a coisa criada, sendo que a Tela é a Duração Eterna, onde não existe tempo, nem passado nem futuro, apenas o Eterno Presente com todas as transformações operadas.
Evidentemente que temos muita dificuldade em absorver este conceito de tempo. Costumamos dizer que o tempo é uma coisa muito relativa, mas logo alguém nos diz que uma hora tem sempre sessenta minutos. Pois é, mas se não é assim, se o tempo não é uma coisa relativa, vejamos a questão dos sonhos com que todos estamos familiarizados. Muitas vezes temos sonhos muito longos, acordamos com a impressão de termos passado a noite inteira a sonhar mas, se formos ver, e isto já foi testado e confirmado por inúmeras experiências, esses sonhos não duraram mais do que alguns poucos minutos. No entanto, na nossa consciência, eles duraram a noite inteira. Quando estamos a fazer uma coisa que nos agrada muito ou estamos completamente absorvidos numa actividade que nos dá intenso prazer, o tempo parece que se acelera, não damos pela sua passagem. Ao contrário, quando estamos numa situação desagradável ou que nos contraria, o tempo demora uma “eternidade” a passar.
Martinés de Pasquallys, no seu livro “Tratado da Reintegração dos Seres Criados”, diz logo no princípio o seguinte:
“Antes do tempo, emanou Deus seres espirituais, para sua própria glória, na sua dimensão divina. Esses seres deviam exercer um culto que a Divindade lhes fixara em leis, preceitos e mandamentos eternos. Eles eram pois livres e distintos do Criador; e não se pode recusar-lhes o livre arbítrio com o qual foram emanados sem destruir-lhes a faculdade, a propriedade, a virtude espiritual e pessoal que lhes eram necessárias para operar com precisão nos limites em que deviam exercer o seu domínio. Estes primeiros seres não podem negar ou ignorar as convenções que o Criador produziu com eles ao dar-lhes leis, preceitos, mandamentos, pois era tão somente nessas convenções que assentava a sua emanação”.
Há aqui duas questões importantes: uma a do livre arbítrio que foi concedido a esses seres, mas sob determinadas condições, o que por si só, estabelece uma aparente contradição; a outra questão é a de terem sido criados antes do tempo.
Vejamos primeiro a questão do livre arbítrio e a aparente contradição que parece inferir-se das palavras do autor. Todos nós dispomos de livre arbítrio, isto é, podemos agir pelos ditames exclusivos da nossa consciência e não condicionados por qualquer espécie de factor externo. Esta é a verdadeira essência do livre arbítrio, que se traduz para nós, numa extrema dificuldade em o usarmos correctamente, pois dificilmente nos podemos tornar imunes a influências exteriores à nossa consciência. Então, esses seres criados por Deus antes do tempo dispunham, de facto, de livre arbítrio. As leis, os preceitos, os mandamentos a que estavam sujeitos, faziam parte da sua consciência, pois fora com eles que eles foram emanados, e assim podiam agir com pleno uso do livre arbítrio dentro dos limites estabelecidos pela sua consciência.
Antes do tempo quer dizer, em nosso entender, que não estavam sujeitos a nenhuma transformação, a nenhuma mudança. Esses seres foram criados completos, não nasceram de nenhuma mãe, não cresceram, pois isto significaria mudanças e portanto, o tempo também correria para eles. Para tentar compreender isto, socorro-me da tradição hindu, que divide os tempos de existência do Universo em dias e noites de Brahma, os quais contêm vários Mavantaras e estes vários Kalpas, o que tudo somado dá um número astronómico de anos para cada dia de Brahma e o mesmo número de anos para cada noite. Segundo esta tradição, a Criação conheceu vários ciclos, chamados dias de Brahma, e entre estes ciclos existem as noites onde tudo fica, por um incomensurável número de anos, completamente adormecido. Em cada recomeço, em cada novo dia de Brahma, o tempo recomeça a contar. Não nos custa admitir que esses seres criados antes do tempo, o tenham sido em ciclos anteriores, e assim, em relação ao actual, eles tenham permanecido adormecidos no seio da Divindade.
Evidentemente que esses seres não eram seres corpóreos, não pertenciam ao plano da matéria, e só podemos, de facto, falar em existência temporal, entendendo essa existência no plano puramente material. Pois o tempo, embora não exista como coisa criada, ele existe apenas como um conceito, uma regra ou uma lei, ele é um puro produto da concepção humana. O tempo é de natureza material. Não se pode aplicar a outros mundos ou outros planos, que se regem por regras que estão para além do nosso entendimento. Martinés de Pasquallys diz-nos que eles existiam no seio da Divindade, mas sem distinção de acção, de pensamento e de entendimento particular, não podiam agir nem sentir senão pela vontade do seu superior que os continha e no qual tudo se animava.
Já vimos que, apesar de todas estas aparentes restrições, eles dispunham, na verdade, de livre arbítrio, condicionado apenas pela sua consciência a qual, era a consciência de Deus, ou a consciência com que Deus os tinha inseminado. Eles existiam em Deus, quer dizer, agiam e pensavam segundo o pensamento de Deus, eram como que uma extensão do próprio Deus. O autor diz-nos ainda que, esta existência em Deus é de uma necessidade absoluta, pois que é ela que constitui a imensidão da potência divina. Deus não seria o pai e senhor de todas as coisas se não tivesse inata em si uma fonte inesgotável de seres que emana da sua pura vontade e quando lhe apraz. Serão pois, estes seres criados antes do tempo, puras emanações divinas, extensões do próprio Deus – em nosso entender: os «operários» da Criação.
Em relação ao tempo restam-nos ainda duas questões importantes: a primeira tem a ver com a doutrina da reencarnação; a segunda, com a existência dos chamados “arquivos acásicos”.
De forma explícita ou implícita a todo o ensinamento esotérico e a algumas religiões, a nossa evolução faz-se através de um sem número de reencarnações sucessivas, espaçadas, segundo alguns, por uma centena e pouco de anos, dizem outros, de uma forma aleatória. O objectivo das sucessivas reencarnações é o de nos irmos aperfeiçoando até atingirmos um tal grau de perfeição que já não precisemos de voltar à Terra. A evolução, atingido este estágio de perfeição, continua em outro plano, até que possamos de novo nos reintegrar na fonte de onde partimos, no Pai. Se o tempo não existe, ou não passa de uma ilusão criada pelos nossos estados de consciência, se o passado não existe e é apenas uma das partes da duração eterna (a outra é o futuro), como entender essas vidas anteriores que, segundo parece, todos nós tivemos?
Seguindo a mesma linha de raciocínio, existirão porventura os “arquivos acásicos” onde todas as existências e todos os acontecimentos ficam registados, e aos quais alguns de nós têm o dom de os poder consultar, de os acessar?
Estas parecem ser questões de resposta impossível, mas não são, se nos lembrarmos do que se disse atrás sobre a Tela, que é a duração eterna e é constituída por átomos que se contraem e expandem, registando sobre essa Tela todas as mudanças operadas em todas as coisas criadas. Ou seja, não é diferente o que se passa numa única vida ou em várias vidas – é tudo mudança. Não se trata de vidas paralelas, nem de mundos paralelos, como à primeira vista pode parecer. Trata-se de vidas sucessivas diferenciadas no tempo pelos nossos contínuos e sucessivos estados de consciência. A matriz, que é a Tela, não conhece o tempo – ela é a eternidade, o Eterno Presente, nós é que imprimimos a noção de tempo às nossas vidas através da nossa consciência.

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