4 – A Luz
“As Trevas irradiam a Luz, e a Luz emite um Raio solitário sobre as Águas e dentro das Entranhas da Mãe” (Da Estância III do Livro de Dzyan – Cosmogénese – A Doutrina Secreta de Helena Blavatsky)
Esta frase que transcrevemos de uma das estrofes do Livro de Dzyan incluído no volume que trata da Cosmogénese (geração do Cosmos) da Doutrina Secreta, faz-nos lembrar, com um pouco de imaginação, a gestação de um ser humano. A luz aqui é o princípio masculino que fecunda as águas que estão dentro da mãe, princípio feminino. Portanto, a Criação dá-se pela união destes dois princípios.
A Luz aparece depois do Verbo se manifestar, é assim uma emanação do Verbo, e encontramo-la em todas as descrições sobre o início da Criação:
· Para S. João, a Luz resplandeceu nas trevas, e estas não a compreenderam. Esta não compreensão diz-nos que a luz não foi irradiada pelas trevas, mas sim nas trevas, dando a ideia de que a luz era algo de estranho que surgiu no seu interior.
· No Génesis temos o conhecido “Fiat Lux” que Deus ordenou.
· Enoch diz que Adoil se partiu em dois e uma grande luz saiu dele.
· Na tradição hebraica é Elohim que diz para a luz ser feita.
· O Livro de Dzyan fala num arco luminoso e descreve a luz irradiando das trevas e emitindo um raio solitário nas águas para dentro do Abismo da Mãe.
· Na Cabala, é um raio que desce do En Sof, atravessa as Sefiras até se fixar em Malkhut, e presumimos que este raio é luminoso.
· Mesmo no caso do “Big Bang”, pelo que podemos imaginar, deve ter sido seguido por uma luz fulgurante pois, pelo que nós sabemos, existe sempre uma emissão de luz em qualquer tipo de explosão.
A Luz não é, objectivamente, o que nós percebemos através da nossa visão, como as trevas também o não são. O que nós percebemos com os nossos sentidos objectivos é o que os antigos chamavam de “Maya” (Ilusão), e sob este ponto de vista, a luz só existe como contraponto da sombra, porque sem esta não a podíamos perceber. Na tradição rosacruz a luz e as trevas são uma e a mesma coisa, são idênticas entre si, separadas apenas pela nossa mente. O ocultismo oriental ensina que as trevas são a única realidade verdadeira, a base e a raiz da luz, porque sem as trevas a luz não poderia manifestar-se. Diz ainda esta tradição oriental que as trevas são a luz subjectiva e absoluta.
Embora não partilhando inteiramente destes conceitos, compreendemos que a luz e as trevas podem ser uma e a mesma coisa porque ambas estão contidas na unidade que é Deus, e que uma e outra são manifestações de carácter diferente da Vontade Divina, a luz sendo o gerador positivo de todo o movimento que deu origem à Criação, e as trevas a quietude absoluta, a não existência. A Igreja Católica figura as trevas como a residência e origem do mal, por isso chama Trevas ao Diabo (Lúcifer), o qual, no Livro de Job, é chamado de “Filho de Deus”, a estrela resplandecente da manhã. Ele foi o primeiro Arcanjo que emergiu das profundezas do caos e foi chamado de Lux (Lúcifer), o “Filho Luminoso da Manhã”, significando que era a luz da aurora da Criação. A Igreja sacrificou-o ao novo dogma, transformando-o em Satã, porque era mais antigo e de mais elevada categoria que Jeovah e portanto, para entronizar este como o Deus criador, teve que enviar Lúcifer para as profundezas das trevas (inferno). Claro que isto é muito complicado de resolver, até para os teólogos, pois pressupõe a existência de uma hierarquia na qual Jeovah não ocuparia o lugar mais elevado, como o faz supor toda a doutrina católica.
Nas estâncias do livro de Dzyan, a Luz é representada como a Essência Radiante, o Luminoso Ovo, o Radiante Filho do Dois, o OEAOHOO que brilha como o Sol, o Germe que é Aquele, e Aquele é a Luz, a Chama Fria. São tudo formas herméticas de contar uma coisa que, de outro modo, talvez fosse bem difícil de explicar, embora estas também não sejam nada fáceis. Como todos os livros antigos, este também está escrito em forma de metáforas, para que possa ser lido e compreendido por quem possua as “chaves” para o seu entendimento.
Procurando seguir as ideias transmitidas nestas estrofes herméticas, a Criação forma-se a partir do Verbo, vibração primordial no oceano de trevas, que é o não manifestado, o que não se move, mas onde a vida permanece num estado latente e, como diz S. João, a vida manifesta-se pela Luz. A Luz é o Raio omnipresente e espiritual que fecunda o Ovo Divino e convoca a matéria cósmica (coágulos) para que comece a sua série de diferenciações. Os coágulos são a primeira diferenciação, são a matéria a partir da qual tudo se veio a formar, são a origem da Via Láctea e de todas as galáxias. Isto é o que diz o Livro de Dzyan, e aqui aparece um termo importante: diferenciações.
Para podermos compreender como este termo é importante, basta-nos pensar que a Criação se fez a partir do Um, da Unidade, onde tudo estava contido. Só começa a verdadeira obra criadora no momento em que algo se diferencia dessa unidade. A Criação é assim a multiplicidade das coisas, é a diferenciação exponencial. Esta diferenciação é tão perfeita que nada, rigorosamente nada no Universo é igual, não existem cópias.
A Via Láctea, a nossa galáxia, onde o nosso planeta Terra está inserido, possui ainda vastas regiões preenchidas por aqueles coágulos, aquela matéria primordial fecundada pela Luz e de onde se formam as estrelas, os planetas e todos os outros astros. Isto quer dizer que a Criação só terá sido um acto instantâneo no seu início, quando o Ovo Luminoso foi fecundado pelo Raio emitido pela Luz, e que depois disso é um processo contínuo, isto é, que a Criação se faz permanentemente. Planetas, estrelas, asteróides, estão sempre a ser criados, num movimento incessante. E quando uma estrela atinge o seu ocaso e morre, isto também é um acto criador, pois a sua matéria irá ser usada no nascimento de um outro astro.
O nascimento, o crescimento (desenvolvimento), a plenitude, a decadência e o ocaso (morte), é um padrão universal, tudo o que é criado está sujeito a esta lei imutável. Quer dizer, tudo o que é criado e formado, porque a essência da matéria, os átomos, esses não sofrem qualquer espécie de mudança, limitam-se a mudar de composição. Em todo este processo, a luz está sempre presente, porque só através dela é que o movimento se origina. No caso da Terra, é a luz solar que mantém este planeta como um viveiro exuberante de vida.
Um outro aspecto sempre presente na obra da Criação é a dualidade, a existência dos opostos. O Livro de Dzyan diz que “o Pai e a Mãe geram Oeaohoo, o Radiante Filho dos Dois, que passa a ser o imenso Espaço Luminoso e que brilha como o Sol”. O Espaço Luminoso é o Raio que, à primeira vibração da nova Aurora, incidiu sobre as profundezas cósmicas, de onde surgiu diferenciado como Oeaohoo, “o mais jovem” (a nova vida), para se converter no germe de todas as coisas. É o “Homem incorpóreo que traz em si mesmo a Ideia Divina”, é o gerador da Luz e da Vida; é o Resplandecente Dragão da Sabedoria para os orientais; é o Logos, o Verbo do Pensamento Divino para os filósofos gregos; é o Resplandecente “Filho do Sol” a síntese da Sabedoria Universal, que contém em si mesmo os “Sete Exércitos Criadores (Sefiras), sendo assim a essência da Sabedoria manifestada. Mais adiante veremos o significado destes “Sete Exércitos Criadores” que, em termos de Cabala poderão ser as sete Sefiras logo abaixo do primeiro triângulo da Árvore Sefirótica, mas que pode também ter outro sentido.
A Luz não é o início, mas a consequência da primeira vibração. Imaginemos como se terá dado esse início. Tudo está quieto, não existe o menor movimento, não existe tempo nem espaço, tudo está mergulhado em trevas, nada existe. Deus está recolhido em Si mesmo. Ele é o Um. De repente, um sopro, uma pulsação, sacode a quietude – é o Pensamento Divino, é o Verbo. O resultado deste sopro é uma Luz Radiante que fecunda o Ovo virginal (as profundezas cósmicas), o princípio feminino, a base de toda a existência material. Eles são o Dois, o Pai e a Mãe, que geram o Três, o Filho, ou seja, o início da Criação.
A Luz em si é fria, mas produz o Fogo, o qual produz o Calor. A Tela Universal, que é o material primordial da formação dos mundos, a matéria cósmica, é constituída por átomos os quais contém em si calor interno e calor externo. Assim a vida nasce desse calor, que resulta da existência das duas polaridades pois, como sabemos, os átomos contêm essas duas polaridades, além de uma terceira, que é neutra. Veja-se o caso da electricidade, ela própria tem calor porque é energia originada dos átomos, mas para que se manifeste tem de ter as duas polaridades, a positiva e a negativa. Sem estes dois pólos opostos não poderia haver electricidade.
A Luz é assim o Pai, o princípio masculino, o pólo positivo, o raio que vai fecundar o ovo primordial, que é a Mãe, o princípio feminino, o pólo negativo. Os números, o Um, o Dois, o Três, etc., encontramo-los na Árvore Sefirótica da Cabala, que é constituída por dez Sefiras. Aqui temos também o princípio das duas polaridades, a positiva e a negativa, que são equilibradas pela coluna central, entre as duas outras colunas de sentido oposto.
Para Z’ev ben Shimon Halevi, no seu livro “O Caminho da Kabbalah”, a palavra Sefirotes ou Sefiras significa safiras ou luzes cintilantes. Diz ele que da Infinidade sai a vontade do En Sof – temos aqui a primeira vibração. Esta (a vontade) contrai-se, ou, como dizem alguns, concentra-se ou até mesmo irradia, para permitir que o Mundo Manifesto possa emergir do Não Manifesto. A vontade do En Sof, saindo do ocultamento (trevas), é chamada de En Sof Aur, sendo que a Luz – Aur em hebraico – é o símbolo da Vontade. Temos assim que a Vontade Divina é expressa em Luz, ou seja, o Verbo, o som primordial expressou a sua vontade através da Luz.
A primeira Sefira chama-se Kether ou Coroa, é a expressão do Uno, a Unidade Manifesta Perfeita. A luz passa então ao estágio seguinte de manifestação activa, Hokhmah, que é compensada pelo terceiro estágio como manifestação passiva, Binah. Chegamos assim ao número três. Por muitos séculos, estas duas Sefiras depois da Coroa foram chamadas de “O Grande Pai” e “A Grande Mãe”.
Contudo, nada mais poderia suceder se a luz ou o raio vindo do En Sof e depois de cruzar as três primeiras Sefiras, não fosse capaz de ultrapassar o vão, ou intervalo ocupado pela Não-Sefira chamada Daat. Este vão ou intervalo é conhecido como “O Abismo” e é um ponto crucial, que pode reter a luz e evitar que ela continue a sua descida na construção da Árvore (vida), ou seja, na criação da matéria. Este “Abismo” é um dos pontos mais complexos da Cabala e os cabalistas têm muita dificuldade em o definir. Ele é o ponto de cruzamento ou sobreposição entre os diversos mundos. Por exemplo, na construção do homem usando os símbolos da Árvore Sefirótica, a face superior da Asiyyah (feitura) é ao mesmo tempo a face inferior de Yezirah (formação), ou seja, o Daat de Asiyyah é o Yesod de Yezirah, o primeiro é o conhecimento do corpo, o segundo a fundação da psique. Juntos, representam a imagem que o homem faz do seu corpo. O foco Daat-Yesod assim sobrepostos representa o órgão psicobiológico da percepção do homem.
O raio continua a sua descida, ultrapassa Daat e passa por Hesed e Gevurah, mais uma vez a manifestação positiva e negativa, para se firmar em Tiferet, também conhecida por Beleza e que é “A Coisa Chamada, Criada, Formada e Feita”. Mas ainda não há existência como nós a percebemos, continua apenas no Pensamento Divino já totalmente formada e criada. A existência só se verifica bastante mais abaixo, em Malkhut, o Reino, depois do raio passar por mais dois pólos, Nezah e Hod e ter ultrapassado mais um intervalo, neste caso uma Sefira, que é Yesod, também conhecida como Fundação ou Fundamento.
É em Yesod que a imagem começa a existir e dá forma, vida e vontade à materialidade de Malkhut, que é a Sefira que absorve na sua composição de Força, Forma e Consciência a mais densa e a mais rica de todas as combinações da substância Divina.
1 comentário:
Muito bom o artigo, merece o nosso elogio, precisamos de pessoas nestas condições de ajudar a humanida na sua reintegração Divina.Mostrar que precisamos ter consciencia, na nossa divindade.
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