II – O Caminho das Estrelas
Já vimos que o presumível corpo de Tiago descoberto por um certo Pelágio (homem do mar) em princípios do século nono da nossa era, pode muito bem ser o corpo do bispo Prisciliano, a primeira vítima mortal da perseguição da Igreja aos que considerava hereges.
O nome de Compostela pode ter tido várias origens e, certamente, tem diversos significados. Vulgarmente Compostela quer dizer “o campo da estrela”, uma referência à estrela que teria aparecido indicando o local exacto da sepultura de Tiago. Para os alquimistas pode ser o “compost”, a estrela que se forma na superfície do crisol numa das primeiras operações da Grande Obra. Mas existe um outro significado mais secreto, em que “compost” significa “mestre”, o que dará “Mestre da Estrela”.
Este último significado, apesar de aparentemente incompreensível, relaciona-se com Tiago que, na tradição lígure, um povo que ocupou o ocidente europeu antes dos celtas, Tiago é o nome dado ao talhador da pedra, ou mestre construtor. Neste caso estamos a falar de uma época muito anterior ao advento do cristianismo.
A origem do nome “Tiago” é bem estranha pois, apesar de todas as explicações, é difícil compreender como é que Jacó ou Jacob, por muitas corruptelas que possa ter havido, tenha resultado em Tiago, que acaba também por ser uma corruptela de Santiago (Santo Iago). Este nome só existe em português ou castelhano com algumas variantes como Yago ou Iago.
Mestre Tiago, o talhador de pedra, era natural de uma aldeia dos Pirenéus, e aqui começa outra lenda que nos chega das relações que havia entre fenícios e lígures, dois povos que mantêm ainda hoje um certo mistério, pois desconhecemos realmente quem eram uns e outros, e qual a sua origem. No entanto, esta lenda parece-nos mais verosímil do que a lenda de Santiago.
Tiago era um mestre Jars, um mestre iniciado no tratamento da pedra e a lenda diz-nos que talhava a pedra desde a idade de quinze anos. Na época da construção do Templo de Salomão, este pediu ajuda ao rei de Tiro, Hiram, que era fenício, pois entre os israelitas, um povo que recentemente saíra da vida nómada e de viver em tendas, não havia quem soubesse tratar a pedra e a madeira de cedro, abundante no antigo Líbano. Hiram teria convocado Mestre Tiago e alguns companheiros para o virem ajudar na construção do Templo.
Isto acontece por volta do ano 900 antes da nossa era, de acordo com a Bíblia. Sabe-se que os fenícios mantinham relações comerciais com os lígures, que viajaram por todo o Mediterrâneo e pelo Atlântico, transpondo as “Colunas de Hércules” (Estreito de Gibraltar), e portanto, é natural que tenham visitado muitas vezes a costa da Galiza, aportando talvez a antigas cidades marítimas como Noya. Desta forma teriam tido conhecimento da existência desses mestres construtores ou talhadores da pedra. Assim, não é impossível que esses mestres construtores tenham viajado até Jerusalém para aí participarem da construção do Templo de Salomão.
No século XII, no Códice Calixtino, atribuído ao Papa Calixto II, denomina-se pela primeira vez para a cristandade o Caminho de Santiago como o Caminho das Estrelas, ou da Via Láctea, explicando que o caminho terrestre é o desenho da Via Láctea, porque a sua rota se situa exactamente sob ela, indicando a direcção de Santiago e servindo assim, durante a noite, de orientação aos peregrinos.
Antes da era cristã e da presumível descoberta do corpo de Tiago, essa rota já era um caminho de peregrinação que simbolizava a viajem do Sol de oriente para ocidente, afogando-se no oceano para lá do cabo Finisterra e voltando a renascer no dia seguinte a leste. Havia em Finisterra um templo dedicado ao Sol, o templo de Ara Solis. Actualmente, muitos peregrinos chegados a Compostela, continuam a caminhar até Finisterra, porque entendem que a verdadeira peregrinação ali termina em face do oceano, o que põe em causa, de certo modo, a definição do Caminho como exclusivamente católico.
Ainda que possamos considerar que esta simbologia solar possa estar relacionada com a influência romana pelo seu culto do “Sol Invictus”, é provável que a sua origem seja mais antiga. Embora não existem referências do Sol como divindade entre os celtas, estes celebravam os Equinócios e os Solstícios, rituais relacionados com o Sol. Há também uma clara semelhança entre este caminho solar e o culto egípcio do Sol.
Pode também ser que este culto do Sol não tenha origem celta, mas lígure. Os fenícios consideravam este povo representante da civilização ocidental. É provável que os lígures tenham dado origem a outros povos. Para alguns historiadores, os lusitanos seriam de origem lígure, e não celta. É possível também que os etruscos, anteriores aos romanos na Península itálica, tenham tido origem nos lígures.
Não se sabe muito acerca deste povo, nem da religião que eles praticavam, mas é de supor, considerando que era comum aos povos da antiguidade, que entre as suas divindades o culto do Sol tivesse um lugar importante.
Evidentemente que a Via Láctea não é uma observação exclusiva do Caminho de Santiago. Em qualquer outro lugar da Terra, desde que a noite não seja atenuada pelas luzes das cidades, temos sempre sobre as nossas cabeças esse espectáculo grandioso do mar de estrelas que parece terminar na Constelação de Cão Maior, onde sobressai a estrela mais brilhante do nosso firmamento, Sírius. No entanto, algo de estranho acontece no Caminho de Santiago.
Desde os seus primórdios, logo a seguir ao célebre Concílio de Niceia em que se estabeleceram os seus fundamentos dentro do Império Romano, A Igreja adoptou sempre duas atitudes em relação às tradições e religiões locais que ia encontrando: ou as destruía, substituindo-as pela sua própria doutrina; ou adaptava-as, sempre que se verificasse grande dificuldade em eliminá-las. Isto aconteceu por todo o lado durante os séculos em que a Igreja tinha todo o poder e dominava o mundo ocidental. Na costa mediterrânica, por exemplo, substituiu o culto de Ísis, nas suas variadas formas de expressão, pelo culto de Maria Madalena. No Caminho das Estrelas, não podendo eliminar a sua tradição, adaptou-a e transformou-a num caminho de peregrinação para a cristandade. Para isso usou de muitos artifícios que foram acrescentando detalhes à lenda para a tornar mais verosímil. É o caso da presumível “revelação” de Carlos Magno.
Carlos Magno, filho mais velho de Pepino o Breve, foi rei dos Francos, dos Lombardos e o primeiro Imperador do Sacro Império Romano a partir do ano 800, restaurando o antigo Império Romano do Ocidente. Viveu portanto numa época coincidente com a descoberta do túmulo de Tiago.
Como todo o monarca na altura, passou a vida em batalhas e conquistas. Ao fim de dezoito batalhas conseguiu um império considerável. Nessas conquistas procedeu à conversão forçada ao cristianismo dos povos dominados, massacrando os que se recusavam a converter-se. Mas talvez um dos seus objectivos principais, a conquista da Península Ibérica, nunca o conseguiu realizar.
Carlos Magno nunca se aventurou a passar para ocidente dos Pirenéus, nunca pôs os pés na Península Ibérica, mas fez-se constar que teria visitado o túmulo de Tiago e banhado a espada nas águas do Atlântico. No entanto, apesar de nunca ter trilhado o Caminho das Estrelas, no seu túmulo em Aix-la-Chapelle encontram-se esculpidas duas filas de estrelas assinalando a sua “revelação” no Caminho de Compostela.
Por estranho que possa parecer, estas duas filas de estrelas existem no terreno, mais ou menos ao longo do paralelo 42.
Se desenharmos duas linhas rectas entre a costa atlântica e a costa mediterrânica do sul de França, vamos encontrar essas duas filas de estrelas ao longo do paralelo 42. Assim, partindo da costa mediterrânica em direcção a oeste, que é o sentido do Caminho, na latitude 42º 30´ vamos encontrar “Pic Estelle” (Pico da Estrela), depois “Puig de l´ Estelle” (Monte da Estrela) e, mais a oeste encontramos o “Puig de Tres Estelles”. Continuando para oeste encontramos mais algumas povoações cujos nomes estão relacionados com as estrelas. Esta linha termina perto de Pontevedra, na ilha de La Toja.
Um pouco mais a norte, numa latitude de 42º 46´ encontramos outra fila de estrelas. Começando no leste temos “Les Eteilles”, a seguir vem “Estillon”, depois “Lizarra”, Lizarraga, todos nomes que significam uma relação com as estrelas. Esta linha passa um pouco a sul de Compostela, mas passa sobre o Pico Sacro e vai terminar em Noya.
Desconhecemos a antiguidade destas povoações, mas acreditamos que sejam mais antigas que o cristianismo, pois alguns dos nomes, como Lizarra, são em língua basca. Se não eram originalmente povoações, eram pelo menos marcos de um caminho demarcado com toda a precisão por uma ciência antiga da qual nos sobraram alguns testemunhos.
Como veremos em próximos capítulos, existe uma relação entre o Caminho de Compostela e o Antigo Egipto onde, principalmente aqui, se encontra a expressão maior desse conhecimento antigo: a Grande Pirâmide. Para além das especulações e das várias teorias sobre a sua construção, alguns dados são simplesmente fantásticos: está situada num meridiano que atravessa o maior número de terras e menor número de mares, o que pressupõe um excelente conhecimento geográfico; o côvado, que talvez tenha sido a medida usada para a sua construção, é a décima milionésima parte do raio de Terra no pólo; a sua altura corresponde à bilionésima parte da distância média da Terra ao Sol.
A hipótese das linhas do Caminho de Compostela serem obra do acaso não pode ser considerada. Não é possível que essas povoações tenham nascido exactamente ao longo do mesmo paralelo por acaso ou coincidência. Então, essas linhas terão sido traçadas em tempos remotos com determinada finalidade. Qual?
Juan G. Atienza, no seu livro sobre Compostela “La Ruta Sagrada” diz o seguinte:
“O Caminho constitui um itinerário sagrado em direcção a mitos que nos dão conta de um arcaico centro do mundo, onde se encontravam supostamente implantadas chaves fundamentais do conhecimento transcendente.”
Sem comentários:
Enviar um comentário