“ (…) Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas – parece-me que estou a vê-las –,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que a si mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível de suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre, ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.”
(do Poema para Galileo de António Gedeão)
Todos conhecemos ou já ouvimos falar de Galileu e do drama que passou às mãos da Inquisição. Em pleno século XVI, Galileu tomou conhecimento das teorias de Copérnico, que estabelecia o sistema heliocêntrico do nosso sistema solar, quer dizer, que eram os planetas que giravam à volta do Sol, não este e os planetas à volta da Terra. Nas suas pesquisas de astronomia Galileu aderiu a esta tese, contrariando o postulado pela Igreja, o sistema geocêntrico, delineado por Ptolomeu no primeiro século da nossa era.
A teoria aceite e defendida pela Igreja ao longo dos séculos era a teoria Ptolemaica, geocentrista, onde o Sol e os planetas giravam em torno da Terra, a qual, na sua magnitude divina, era o sagrado repositório dos seres criados pelo próprio Deus, no topo dos quais estavam os seres humanos.
O que espanta e nos dá uma certa avaliação do poder da Igreja sobre a sociedade medieval, um poder absoluto que exerceu durante quase dois milénios, é que a teoria heliocêntrica não constituía propriamente uma novidade, pois já fora defendida por um astrónomo da Grécia antiga, Aristarco de Samos, que viveu entre 310 e 230 a. C. Aristarco defendia que o Sol era um corpo estático no universo, à volta do qual giravam todos os planetas conhecidos, inclusive a Terra. Hoje sabemos que também o Sol se move através da nossa galáxia mas, na época de Galileu, século XVI, a simples ideia de que a Terra não era o centro do universo era intolerável para a Igreja.
Mas então, se já era conhecida esta teoria heliocêntrica, qual a razão da Igreja ter imposto o geocentrismo? Porque os padres eram ignorantes? Não. A cultura e o conhecimento estiveram durante muitos séculos no seio das abadias e dos conventos, a Igreja era a sua detentora quase exclusiva. O problema que se punha era o de que, para a Igreja, a Terra era o local em que Deus se manifestara e criara o homem, portanto, a Terra, como único local escolhido por Deus para o homem habitar, teria que ser o centro do universo. Aceitando o heliocentrismo teria que aceitar também que, afinal, a Terra não era tão importante assim, que não passava de mais um planeta girando em torno do Sol.
Muito inteligentemente, Galileu, ameaçado pela Inquisição de ir parar à fogueira como herético, deu o dito por não dito. Ao fazê-lo salvou a pele, mas terá pensado certamente que a sua teoria não valia o supremo sacrifício. Na verdade, os astros continuariam a mover-se segundo a sua mecânica estabelecida, talvez por Deus, independentemente do que os homens pensassem. Sabia também que a semente das suas ideias já estava lançada, que havia outros, como Copérnico, que partilhavam as mesmas opiniões e que, alguém mais liberto das amarras inquisidoras iria desenvolvê-las. A maioria ou a quase totalidade da população era analfabeta e ignorante, portanto, não valia a pena insistir na sua verdade. Ela acabaria por aparecer, como de facto veio a acontecer.
Há quem ache que Galileu foi covarde, que não foi capaz de se manter fiel àquilo em que acreditava, que se rendeu à imposição da Igreja para salvar a vida. Eu acho que foi inteligente, porque podem enclausurar-se e matar-se pessoas, não se pode prender nem matar ideias.
A história de Galileu Galilei pode levar-nos a pensar que só poderia ter acontecido naquela época, em que a Igreja enfrentava a ameaça da Reforma, que deu origem ao Protestantismo e reunia energias para contra atacar, naquilo que ficou designado como a Contra Reforma. Naturalmente que houve um endurecimento das posições da Igreja, manifestado principalmente pelo seu braço justiceiro, a Inquisição. A Europa saía a custo de um longo período de trevas a que a Igreja a submetera durante séculos e pequenas luzes de liberdade começavam a aparecer um pouco por todo o lado. Hoje, uma situação como a que Galileu viveu seria impossível de acontecer, pelo menos nas sociedades ocidentais, dada a abertura e liberdade de informação que existe. Hoje, já não é tempo de dogmas, as pessoas já deixaram de ser instrumentos às mãos de um poder qualquer. Pois é, já estive mais convencido disto do que estou actualmente.
Os Galileus de hoje já não correm o risco de ir parar a uma fogueira de um qualquer auto de fé. No entanto, os autos de fé continuam a existir, de uma forma mais sofisticada, mas enganosa como sempre, usando meios de comunicação que não existiam no tempo de Galileu, para espalhar ideias erróneas, transformadas quase em dogmas. O mais triste de tudo é que os crentes são milhões, espalhados pelo planeta inteiro.
Vivendo hoje num mundo chamado de informação, em que toda a gente pode estar informada de tudo, somos permanentemente desinformados ou levados a conclusões erradas acerca de uma variedade de assuntos que preocupam actualmente a humanidade.
A Igreja já deixou há tempos de exercer o seu poder temporal e de impor os seus dogmas à generalidade das pessoas, apenas os mais fiéis ou menos avisados continuam apegados à sua doutrina retrógrada. Mas se a Igreja baixou os braços, outros se levantaram para os substituir no controlo mental e intelectual do ser humano. Refiro-me sem qualquer espécie de receio aos numerosos grupos que pululam por todo o lado e que integram o chamado movimento da Nova Era. Se há gente muito honesta e comprometida em preservar os nossos recursos naturais, em defender políticas racionais de poupança da água, da energia e em manter o planeta um lugar saudável para todos os seres que o habitam, há uma quantidade grande de oportunistas e especuladores que, mais não fazem do que tentar criar um clima de medo e ansiedade em relação ao futuro.
O aquecimento global é um facto, não há como desmenti-lo, mas não atinge ainda as proporções dantescas que alguns querem fazer crer. Um aumento de um ou dois graus na temperatura média dos oceanos é grave, pode provocar sérias mudanças climáticas e cataclismos, e pode dar origem a um certo degelo nas calotas polares. Mas a maioria das grandes cidades não vai desaparecer sob as águas em 2010, data anunciada à exaustão na Internet há alguns anos atrás.
A Internet é o meio ideal para esses grupos difundirem as suas paranóias, porque é um meio que não tem, praticamente, qualquer espécie de controlo, e não se exige nenhuma responsabilidade a quem faz circular mensagens que procuram aterrorizar as pessoas. Como os jornais e as revistas sérias não lhes dão guarida, a Internet é usada e abusada pelas teorias mais fantasiosas.
Que se defendam as baleias, os golfinhos, as focas e outros animais em vias de extinção; que se pressione fortemente os governos para adoptarem medidas de protecção às espécies; que se lute contra a emanação de gases tóxicos na atmosfera e contra a destruição das matas e das manchas verdes, tão necessárias ao nosso oxigénio vital. Mas que seja uma atitude séria e consciente e que não se use como pretexto para especulações e desinformação, que não ajuda nada a causa da defesa da Terra como planeta habitável agora e no futuro, mas que espalha o descrédito quando as pessoas se dão conta que foram enganadas. Alguns exemplos ilustram a desonestidade de alguns desses grupos ou indivíduos:
1. Quando no ano passado os rios da Amazónia quase secaram, matando milhões de peixes e outros seres que viviam naquele ambiente, logo se levantou um coro acusando o aquecimento global dessa catástrofe. Só não explicaram porque é que esse fenómeno tem acontecido ciclicamente na região em épocas em que não havia nenhum aquecimento global nem destruição da mata amazónica.
2. Os glaciares estão a derreter e logo imagens são difundidas na Internet mostrando um desses glaciares a desfazer-se e a despenhar-se no mar em grandes blocos de gelo. Tudo isto assistido por mirones que, para ali foram, talvez integrados numa excursão turística. Só não explicaram que esse fenómeno é conhecido há séculos e se passa no sul da Argentina.
3. Por muito que queiram culpar o aquecimento global pela desertificação em África, esta vem acontecendo desde que a África se tornou conhecida do mundo ocidental, portanto, não é um fenómeno recente que se possa atribuir directamente ao aquecimento global.
A comparação que aqui faço com a figura de Galileu pode parecer forçada a muita gente pois, afinal, são também alguns cientistas que dizem que a Terra caminha para uma destruição inevitável. Galileu representa aqui a figura do cientista honesto, aquele que não especula com as situações, cujas afirmações são resultantes de pesquisas sérias e que não dá certezas absolutas. Os “donos da verdade” estão do outro lado, usando e abusando da informação existente, retirando apenas a parte mais dramática para poderem espalhar o pânico e a ansiedade entre as populações. Ah, mas os fins justificam os meios, como alguns costumam dizer, na assunção de que, espalhando o pânico mais depressa podem levar o ser humano a tomar consciência dos malefícios da sua acção. É um ponto de vista que não partilho, pois não me parece que algo de positivo possa ser atingido através da mistificação e adulteração da informação. O que acontece com esta forma de proceder, como afirmei acima, é as pessoas deixarem de acreditar que realmente o planeta está em perigo, e que é preciso tomar medidas sérias para evitar a continuação da deterioração da sua qualidade de vida. Acho que todos temos direito a saber a verdade, mas a verdade que a ciência honesta nos pode facultar. Depois… é tudo uma questão de consciência.
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