Talibã é a designação do regime fundamentalista de raiz islâmica que se impôs no Afeganistão entre 1996 e 2001, emergindo como poder depois de uma guerra civil que pôs fim à ocupação soviética e ao efémero regime pró comunista que tinha o apoio da antiga União Soviética. O regime talibã, durante a sua existência também efémera (apenas 5 anos), revelou-se de uma crueldade de que temos dificuldade em encontrar precedentes, impondo na população um clima de terror através de purgas, limpezas étnicas e perseguição e extermínio daqueles que não comungavam do seu fanatismo. Uma verdadeira teocracia, tudo era feito em nome de Deus, inclusive as execuções públicas no estádio de futebol de Cabul.
Os membros desse regime chamavam-se talibs, que quer dizer em língua pashtu, uma das duas línguas faladas no Afeganistão, estudante. Realmente o poder talibã era um poder de estudantes e universitários. Prefiro chamar-lhes talibãs, em vez de talibs, porque é a forma mais conhecida. Levaram ao extremo o controlo dos costumes, da tradição e da moral. Por exemplo:
- As mulheres tinham que andar completamente vestidas, de cara tapada com a famosa “burka”, e não podiam sair sem acompanhamento masculino da família. Não tinham acesso a serviços de saúde e hospitalares por não poderem ser tratadas por outros homens. Era-lhes proibido exercer qualquer forma de profissão, não lhes era permitido trabalhar fora do lar em que habitavam, mesmo quando ficavam viúvas e com filhos pequenos para sustentar.
- Os homens não podiam usar calções ou bermudas, mesmo que estivesse um calor de rachar, nos jogos de futebol os jogadores apresentavam-se de calças compridas. Tinham também que usar barba, o mais comprida possível.
- Nos intervalos dos jogos de futebol, no estádio de Cabul, eram comuns as execuções de prevaricadores da moral imposta. Essas execuções podiam ser a amputação de membros, a decapitação ou a morte por apedrejamento. Os casos de adultério eram o prato especial dessas ocasiões, em que os condenados, o homem e a mulher, eram colocados em dois buracos até ao nível da cintura e depois o carrasco, normalmente um talibã proeminente, atirava-lhes pedras até os corpos dos dois executados ficarem transformados numa massa sanguinolenta. Tudo isto precedido por uma prelecção sobre o Alcorão e a leitura de algumas das suas passagens, embora a maior parte dos presentes não percebesse essa leitura feita numa língua estranha.
- Durante os encontros de futebol, os espectadores mais animados, que gritassem mais alto o apoio à sua equipa, eram imediatamente chicoteados por guardas talibã que circulavam permanentemente entre as pessoas.
O termo talibã passou a ser sinónimo de fanatismo, de fundamentalismo religioso. Naturalmente que nos interrogamos sobre o aparecimento de tal fanatismo. Interrogamo-nos também porque é que esse fanatismo só aparece, aparentemente, através do islamismo. Podemos chegar à fácil conclusão de que esta é uma religião fanática. Mas será que é assim?
O Alcorão, o livro sagrado islâmico, não é diferente de outros livros sagrados. Se por um lado o Alcorão contém uns vinte e tantos trechos convocando os fiéis à “jihad” (guerra santa), o Antigo Testamento da Bíblia tem uma porção de passagens de moral extremamente cruel. Basta lembrar as instruções do Deus Javé aos que cercavam Jericó. Vejam-se os livros da Bíblia “Números”, “Deuterónimo” e “Josué”.
Muitos teólogos, bispos e pastores, tentando amenizar ou explicar essas passagens mais incómodas do Antigo Testamento, dizem que se trata de metáforas ou alegorias, que essas coisas não aconteceram de facto. Neste caso seria interessante saber quais as passagens verídicas e quem é que decide o que é verdadeiro ou simbólico.
A moral emergente destes livros sagrados, também chamados de “Sagradas Escrituras”, é uma moral sanguinária e racista, convidando às chamadas “limpezas étnicas”.
O Novo Testamento também não está livre de mácula em aspectos morais. O próprio Jesus repudia a família, instituição cara aos postulantes da trilogia Deus, Pátria, Família, lema muito usado por regimes fascistas ou fascizantes.
O que aconteceu no Afeganistão, em que o poder caiu nas mãos de um grupo de fanáticos, não poderia acontecer no Ocidente. Será assim? Desde a guerra da Bósnia que passei a acreditar que tudo é possível. Os americanos bombardearam o Afeganistão, não porque quisessem acabar com o regime talibã, mas porque este recebia apoio financeiro de Bin Laden, o presumível mentor do ataque às torres gémeas de N. York e porque, pela primeira vez na História, o terrorismo estava a apoiar um regime, em vez deste apoiar aquele.
Mas no Ocidente o fanatismo também vai tendo as suas áreas privilegiadas, tem progredido de forma assustadora, na razão directa da disseminação das igrejas evangélicas.
Na Inglaterra, que é quase uma teocracia, encalhada entre os regimes laicos ocidentais, dado que a rainha ou o rei é, ao mesmo tempo, o chefe do Estado e o chefe da Igreja Anglicana, têm se passado coisas que julgávamos abolidas definitivamente.
Numa época em que já ninguém duvida e a ciência o tem demonstrado à exaustão, que a Terra tem uns largos milhões de anos de idade e que o ser humano tem sido sujeito às mesmas regras de evolução que toda a restante natureza, há escolas importantes que tiveram o apoio do Primeiro-Ministro Blair, além da doação de milhões de libras, onde os professores são obrigados a contrariar tudo quanto diga respeito à evolução e a ensinar o criacionismo, tal como está na Bíblia. Assim, os alunos aprendem que a Terra tem cerca de 10 mil anos de idade e que o ser humano foi criado por Deus em pessoa. Gente formada nas melhores universidades é obrigada a ensinar estas coisas, sob pena de perder o emprego.
Nos EUA a situação não é melhor. Tem havido autênticas batalhas jurídicas entre grupos que querem impor o criacionismo nas escolas e aqueles que defendem que o que deve ser ensinado são as leis da evolução. Em algumas regiões, alguém que não seja membro de uma religião qualquer, é considerado um pária, é colocado à margem da sociedade e nem sequer um emprego decente consegue arranjar.
O Sr. Bush telefona todas as segundas-feiras para o pastor Ted Haggard, que é o presidente da Associação Nacional de Igrejas Evangélicas. Não sei que tipo de conselhos dá a Bush, mas o pastor Ted, falando em nome de 30 milhões de adeptos, defende que o Estado americano deve evoluir para uma teocracia, onde os judeus, os homossexuais e outros segmentos da sociedade não conformes com a moral cristã, devem ser simplesmente expulsos ou eliminados (leia-se chacinados). Em escolas as crianças não cristãs sofrem a maior discriminação, sendo por vezes expulsas pelo facto de não serem crianças cristãs. Como diz um conhecido escritor anti-religioso, Richard Dawkins, não há crianças cristãs, muçulmanas ou judias. Há crianças filhas de pais cristãos, muçulmanos e judeus. Só que não é dada a essas crianças a liberdade de decidirem que crença querem seguir, ou se querem seguir alguma crença.
Todas as religiões se dizem moderadas, que não impõem nenhuma forma de fanatismo, que este acontece apenas em grupos mais fundamentalistas das religiões. Puro engano. O fanatismo nasce dentro das religiões, os seus livros sagrados, levados à letra, motivam o crescimento do fanatismo.
Portanto, os talibãs estarão sempre onde o poder religioso superar o poder laico do Estado, seja entre muçulmanos, judeus ou cristãos. Não é por acaso que na altura em que a Igreja Católica tinha toda a preponderância sobre os Estados europeus e suas colónias, que a Inquisição mais floresceu e realizou a sua tarefa macabra.
Termino com uma pequena prece: “Livre-nos Deus de todas as religiões, que nelas reside o verdadeiro mal”.
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