domingo, 7 de outubro de 2007

Che Guevara: mito ou lenda?

Eu não sei verdadeiramente qual a diferença entre mito e lenda, mas também não estou muito interessado em descobrir, porque afinal, uma coisa e outra pertencem ao campo da imaginação ou, se quisermos, à chamada consciência colectiva, que pode ser de um grupo, de uma região, de um país ou de toda a humanidade.
Habituámo-nos a estudar a mitologia grega, a egípcia, a suméria, a mitologia de grande parte das civilizações antigas. Nesse estudo nunca acreditámos que, realmente, os mitos possam corresponder a algo que tenha de facto existido ou acontecido. Sempre assumimos que se tratava de pura imaginação popular trazida até aos nossos dias através das gerações, apesar desses mitos estarem registados em antigos papiros, em barrinhas de argila ou em documentos que cruzaram a Idade Média, se submeteram à imaginação dos monges escribas e chegaram até aos nossos dias. No entanto, os gregos legaram-nos coisas que ainda hoje dão a volta à cabeça dos que usam a massa cinzenta para pensar, como por exemplo a história de Édipo, que tem feito correr rios de tinta aos analistas, os psico e os outros.
Na questão das lendas a coisa já muda de figura, pois acreditamos que os acontecimentos narrados tenham de facto acontecido, ainda que toldados pela imaginação popular e dos escritores que lhes deram corpo. Como no caso da lenda arturiana, dos cavaleiros da Távola Redonda, de Avalon, o reino mítico. Já quando se fala no mago Merlin, na Dama do Lago, na espada mágica Excalibur, já achamos que se trata de pura fantasia. No entanto cremos que, realmente, o rei Artur existiu, assim como os seus cavaleiros.
Outros mitos e lendas há, mas esses entram no campo da religião, onde passam a ser verdades absolutas e indiscutíveis. Foi criada a noção de que religião não se discute, é assunto de fé e do foro íntimo de cada um. De acordo que seja do foro íntimo de cada um, mas outros assuntos há que também são do foro íntimo e são abertamente discutidos. Criou-se o conceito de que é preciso respeitar os que crêem e portanto, qualquer questionamento é mal vindo, a não ser que parta de alguém alçado em seu diploma de teosofia e, mesmo assim, aceita-se com reservas, além do facto do próprio estudo da teosofia já condicionar a pessoa. A consequência desta inibição é a proliferação de igrejas e o enriquecimento abusivo dos seus dirigentes à custa dos fiéis, como já foi documentado por diversas vezes e é do conhecimento público.
Depois vêm os mitos ou as lendas modernas sobre coisas que aconteceram e pessoas que viveram do século XX para cá. Um dos mais notáveis é o mito de Elvis Presley, a quem até já ergueram uma estátua em Jerusalém. Com milhões de adoradores fanáticos, o seu túmulo em Graceland, na cidade de Memphis, no Tennessee, é permanentemente visitado por autênticas romarias, como se tratasse da visita ao túmulo de um santo. O mais interessante é que não se trata apenas de apreciar um cantor de características muito peculiares, famoso na sua época, embora nunca tenha saído dos Estados Unidos da América, que revolucionou o rock. Trata-se de pura idolatria irracional, pois ninguém quer saber da vida desregrada que levava, do abuso de drogas e medicamentos, que o conduziram à morte prematura. Não contentes com o facto dele ter morrido, ainda puseram a circular a ideia de que ele afinal não morreu, que está vivo e retirado algures, pois a sua saúde não permitiria continuar a vida intensa que levava.
Mas o mito mais famoso dos últimos tempos, transformado em ícone da juventude em todo o mundo, é sem dúvida o de Che Guevara. A partir de uma foto de Alberto Korda, transformada por um artista plástico irlandês radicado nos Estados Unidos, a sua imagem de guerrilheiro romântico espalhou-se por todo o mundo, transformando-se no guia “espiritual” de toda uma juventude de esquerda e, inclusive de direita. Agora que se completam quarenta anos sobre a sua morte na Bolívia, no dia 9 de Outubro de 1967, alguma imprensa internacional resolveu trazer ao conhecimento dos leitores quem era, realmente, Che Guevara.
Argentino de nascimento e formado em medicina, que nunca praticou, depois de muitas venturas e desventuras, acabou por se juntar aos guerrilheiros de Fidel de Castro na Serra Maestra e participar na luta pela tomada de poder em Cuba. Após o êxito da revolução, tornou-se o braço direito de Fidel de Castro, chegando a ser ministro no governo de Cuba. Em 1965 resolveu deixar Cuba e partir para a luta revolucionária em outras partes do mundo. Esteve no Congo, em África, onde a sua actividade foi um completo fracasso, depois foi para a Bolívia, onde fracassou novamente, acabando por ser morto. Na localidade onde foi assassinado em 1967, a população local ergueu-lhe uma estátua e passou a ser conhecido na região como San Ernesto de La Higuera. Como a própria designação indica, passou a ser cultuado como santo.
Mas Che Guevara era tudo menos o revolucionário romântico que a foto de Korda difundiu por todo o mundo. Marxista da linha mais dura, era um homem cruel e sanguinário, para quem a vida dos outros não tinha a menor importância. À sua ordem foram assassinados milhares de prisioneiros, muitos dos quais foram executados por ele pessoalmente. Nunca demonstrou a menor compaixão pelas vítimas que dizia defender. Entre os seus colegas era conhecido como “el chancho”, que quer dizer porco, pois parece que não era muito amigo de tomar banho e cheirava, segundo se dizia, a rim frito.
Mas esta face de Che Guevara, a sua verdadeira face de homem cruel, de assassino sem remorso, ninguém quer conhecer. As pessoas preferem continuar a viver no mito do guerrilheiro romântico, ou seja, criaram uma imagem que não corresponde minimamente à verdade, mas é com essa imagem que acalentam os seus sonhos de um mundo melhor.

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