O “Velho do Restelo” é uma figura simbólica usada por Camões no canto IV dos Lusíadas para retratar os pessimistas, os conservadores e os reaccionários que se opõem por inércia a qualquer inovação, neste caso os Descobrimentos Portugueses. Ele aparece na primeira partida das naus de Vasco da Gama para a Índia e lança avisos sobre a temeridade de tal empreendimento, que punha em risco a nação, lançada imprudentemente num salto para o desconhecido. Ao longo dessa magnificente obra que são os Lusíadas, Camões utiliza muitas figuras simbólicas para retratar determinados episódios dessa tremenda aventura marítima em que os portugueses, em boa hora, se lançaram de corpo e alma. De todas essas figuras simbólicas, a do “Velho do Restelo” terá sido aquela que ficou mais conhecida e presente no inconsciente colectivo português. Quando alguém se opõe a qualquer ideia ou experiência nova, logo é muitas vezes apelidado de “Velho do Restelo”, com sentido pejorativo, significando que se trata de alguém reaccionário, agarrado ao passado e à segurança que, ilusoriamente, esse passado lhe transmite.
Mas o “Velho do Restelo” invocado por Camões, ainda que representando a segurança do que era conhecido, do “status” aparentemente seguro, estava duplamente errado. Primeiro porque não reconhecia que qualquer evolução e desenvolvimento, seja do ser humano, seja das nações, não acontece sem se incorrer em alguns riscos, muitas vezes riscos fatais; depois porque o plano dos Descobrimentos não era, propriamente, um salto para o desconhecido. Era um plano consciente que vinha sendo preparado há séculos.
Ninguém sabe quando é que esse plano começou a ser idealizado. No concreto, começou de facto com o rei D. Dinis (1279-1325) quando criou a primeira armada e os primeiros estaleiros construtores de navios, e nacionalizou a Ordem do Templo, transformando-a em Ordem de Cristo e abrigando nela os templários perseguidos no resto da Europa.
Com isto começou a criar as condições que mais tarde puderam impulsionar as viagens marítimas e prosseguir no Plano das Índias. É costume invocar-se o pinhal de Leiria, que ele mandou plantar, como a criação da fonte de madeira necessária para a construção das caravelas. É verdade que muita da sua madeira foi utilizada com esse propósito mas, o objectivo de plantar o pinhal de Leiria foi o de enxugar os pântanos existentes na região e de segurar as areias da erosão marítima e dos ventos. Não foi plantado com o objectivo de obter madeira pois, na época, a madeira era abundante em todo o território, inclusive no Alentejo, região que hoje, para além de algumas matas de sobreiros, pouca floresta possui.
Quando acima falo no Plano das Índias, conceber a existência de um tal plano tão anterior à sua execução, a viagem de Vasco da Gama em 1497, parece algo de absurdo. Mas a História é frequentemente feita de absurdos aparentes. Por exemplo, quando D. Henrique, o Infante, resolve lançar ao mar as suas caravelas, o país estava na bancarrota, acabava de sair de uma crise de sucessão (1383-1385) de uma guerra civil e de uma guerra com Castela. De onde saíram os recursos financeiros para a construção e aparelhagem das caravelas? Da Ordem de Cristo? E onde esta obteve esses recursos? Dos templários? Do famoso tesouro dos templários que ninguém sabe onde foi parar? Quando Filipe o Belo, rei de França, manda os seus esbirros ao porto de La Rochele para apreender o tesouro, que estaria a bordo de barcos templários, estes já tinham partido para o alto mar e se perdido na neblina. O destino desses barcos continua desconhecido até aos dias de hoje, embora haja quem afirme que terão rumado a Portugal e desembarcado a sua preciosa carga na costa portuguesa próxima de Óbidos e depois levada para Tomar.
A prova mais evidente de que o Plano das Índias estava na mente do Infante e de todos os que colaboraram na campanha dos Descobrimentos, encontra-se no mosteiro de Santa Maria da Vitória, mais conhecido como mosteiro da Batalha. Mandado construir pelo rei D. João I em agradecimento e para comemorar a batalha de Aljubarrota em 1385, onde se perderam definitivamente as ambições de Castela ao reino de Portugal, visto de cima tem a configuração de uma chave.
Esta chave é composta por três elementos distintos: a oriente, as Capelas Imperfeitas, a casa do Pai, que se funde no oriente; ligando o oriente a ocidente, o corpo da Igreja, a Europa, a casa do Filho; a ocidente, a Capela do Fundador, a Península Ibérica, o Espírito Santo. Um visitante que queira deslocar-se da Capela do Fundador para as Capelas Imperfeitas, deve rodear o mosteiro pelo lado sul – da mesma forma que a viagem para a Índia teria que ser feita, rodeando o Mundo (a África) pelo sul.
O conjunto do mosteiro está cheio de mensagens herméticas. As Capelas Imperfeitas (inacabadas), são assim chamadas por não terem tecto nem qualquer tipo de cobertura. Trata-se de uma construção octogonal, estilo especialmente importante para os templários. A inexistência de cobertura, apesar de algumas teorias afirmarem que ficou assim porque os arquitectos, os construtores ou os monarcas se desinteressaram pelo seu acabamento, tem um significado simbólico importante: destinadas a serem um panteão funerário dos reis, as Capelas Imperfeitas estabelecem uma ligação directa entre a terra e o céu.
Tudo leva a crer, apesar de um certo cepticismo entre muitos historiadores alheados dos aspectos esotéricos e simbólicos das antigas construções, como as catedrais góticas, que o projecto de demanda das Índias contornando a África pelo sul, era um plano bem antigo, talvez do conhecimento restrito e exclusivo de iniciados, configurado no belo conjunto do mosteiro da Batalha.
O “Velho do Restelo” estava assim muito errado, como estão, normalmente, todos os “Velhos do Restelo”. Não sabemos o custo em vidas humanas da aventura marítima portuguesa, Foi muito alto, certamente. Mas, como disse o poeta, “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Valeu a pena, os portugueses lançaram-se ao mar arrostando com todos os perigos e fizeram aquilo que o grande historiador Jaime Cortesão definiu como “a unificação dos povos da Terra”.
A figura do “Velho do Restelo”, em termos modernos, representa aquilo que alguns psiquiatras definem como “pensamento intruso”. Aquele medo que corrói as entranhas e nos impede, muitas vezes, de descolarmos para voos mais elevados.
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