quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Política - Reflexo da Evolução Social

Política
Reflexo da Evolução Social

Pode parecer estranho a quem tem lido as minhas crónicas o tema aqui proposto. Política e evolução social não são propriamente áreas sobre as quais me tenho debruçado, no entanto, não deixo de estar atento ao que se passa à minha volta e entendo, quer queiramos quer não, que todos somos afectados por uma e por outra. Não adianta imitar a avestruz e meter a cabeça na areia. É necessária porém, para quem como eu não está comprometido politicamente, tentar analisar as coisas com uma certa lucidez e isenção, não se deixando afectar por correntes de opinião ou por modismos passageiros. Resolvi dividir esta crónica em várias partes, cada uma delas com o seu subtítulo, para que no fim possamos ter uma ideia geral do que pretendo dizer.

Um novo Caudilho
Parece um pouco aquela história do “dejá vu”, lembrando as frases bombásticas dos Caudilhos que, muito à sua maneira peculiar, fizeram História. Enquanto que os Caudilhos históricos foram, regra geral, de tendências de direita ou mesmo fascistas, este agora, aparecido como por encanto em pleno século XXI, fazendo lembrar o “remaking” de um filme antigo, vem gritar: “Socialismo ou morte!”. Hugo Chavez, da Venezuela, assim gritou para a populaça reunida à sua volta, por duas vezes, pelo menos.
No actual estado do mundo em termos económicos e políticos, o aparecimento de um Caudilho é como a invasão de um corpo estranho que vem complicar a regeneração e a relativa saúde por que tem vindo a passar, de há uns trinta anos a esta parte, o universo político e económico do mundo actual. Um país rico à partida pelas suas enormes reservas de petróleo, vai empobrecendo a passadas rápidas pela visão doentia de alguém que se quer transformar num novo ditador.
A via do desenvolvimento de um povo não passa pelo retorno a esquemas do passado, nem pela relação dirigista que alguns políticos da América Latina pretendem prosseguir. A via de desenvolvimento não passa, de uma vez por todas e já comprovado à exaustão, pelo socialismo retrógrado e pré-histórico. Como alguns países orientais o têm demonstrado, a via do desenvolvimento passa pela educação, pelo trabalho e pela honestidade dos políticos que formam os governos. O caso da Coreia do Sul é paradigmático: de um país com economia de terceiro mundo, no espaço de pouco menos de 30 anos passou a país desenvolvido, ao nível já de alguns países europeus. Como é que a Coreia do Sul conseguiu isto e outros não conseguem? É simples, um estudante na Coreia do Sul gasta 10 a 12 horas por dia em aulas e estudo, seis dias por semana. Na maioria dos países da América Latina, um estudante gasta de 4 a 6 horas por dia em estudo e durante apenas 5 dias da semana. Se contarmos as férias e os feriados, chegamos à conclusão de que um estudante na Coreia do Sul gasta o triplo do tempo de um estudante de um país da América Latina. Os resultados de tal política estão à vista.
Quanto ao trabalho, não vale a pena fazer comparações. Em muitos países do ocidente confunde-se trabalho com emprego. Os orientais trabalham, por aqui vai se tendo um emprego para ter um salário ao fim do mês. Não é raro vermos em campanhas eleitorais, candidatos a prometerem empregos em vez de trabalho. Da forma como as coisas estão a evoluir não nos surpreenderá que alguns países do Extremo Oriente tomem rapidamente a dianteira dos países desenvolvidos.

Os ventos da História
Li um destes dias a estranheza de alguém que observava que em Portugal, desde o 25 de Abril de 1974, os governos se têm alternado entre o PS e o PSD, parecendo não haver coragem no povo português para tentar mudar este estado de coisas, fornecendo ao país outras alternativas. Para podermos compreender o fenómeno, temos que olhar para a História dos últimos cem anos.
Durante a primeira metade do século XX o mundo ocidental, mais precisamente a Europa, foi abalado por enormes e nefastas crises económicas e sociais. Foi nessa altura que se verificaram grandes fluxos migratórios para outros continentes em busca de melhores condições de vida. As crises sociais foram o reflexo das crises económicas e, como consequência, foram a causa primeira para o surgimento de vários “salvadores” da pátria. A miséria era tão grande que, na Alemanha da República de Weimar, as mulheres casadas chegaram a prostituir-se para conseguirem algum sustento para a família. Alguém chamou a Hamburgo, uma das maiores cidades da Alemanha, o maior prostíbulo do mundo.
Quando Hitler apareceu, ganhando umas eleições por maioria relativa, logo se transformou no salvador do povo alemão. Foi assim também em Itália, na Espanha e em Portugal, países que tinham atingido um grau de decadência intolerável. À excepção de Benito Mussolini, que tomou o poder a partir de 1922, todos os outros ascenderam ao poder absoluto dos seus países a partir da 1929, data em que teve início o período denominado como “A Grande Depressão”. Hitler em 1930, Salazar em 1932 e Franco em 1938.king", fazendo lembrar a reprise de um filme antigocido como por encanto em pleno s
A “Grande Depressão” tornou-se mais conhecida pela queda da bolsa de N. York, com profundas e graves consequências para o povo americano, mas teve efeitos em todo o mundo, principalmente na Europa. Para além dos países já citados, atingiu também a França, onde originou a formação de um governo de Frente Popular, liderado por um socialista, Léon Blum, que ganhou as eleições em 1936. No Reino Unido, tanto o Partido Comunista como o Partido Fascista receberam um forte apoio popular. Por todo o lado foram aparecendo partidos políticos, de natureza nacionalista, e outros de ideologia comunista. Fora da Europa, A Austrália, o Japão e o Canadá, acusaram também os efeitos devastadores da depressão. Curiosamente, o Brasil e a Argentina beneficiaram da situação, pois foi nessa altura que, com as exportações agrícolas em queda vertiginosa, partiram para a industrialização.
Há várias teses sobre as causas da “Grande Depressão”, sobre as quais os especialistas na matéria não estão de acordo. O que é certo é que a grave crise social que acompanhou o colapso das economias dos diferentes países, levou as pessoas a aderirem a partidos extremistas, que lhes prometiam resolver todos os seus problemas.
O cenário começou a mudar drasticamente a partir da eclosão da 2ª Grande Guerra. Se a miséria ainda mais se instalou na Europa, deu no entanto ensejo ao desenvolvimento acelerado da indústria bélica, tanto na Alemanha como nos Estados Unidos, assim como no Japão.
Com o fim do grande conflito que foi a 2ª Grande Guerra, a Europa começou a reconstruir-se com incrível rapidez graças, em grande parte, ao auxílio do “Plano Marshall”. A produção industrial conheceu crescimentos da ordem dos 35% e a produção agrícola superou os níveis de antes da guerra. A popularidade dos partidos comunistas caiu bastante quando os dirigentes europeus passaram a considerá-los como uma ameaça menor. Politicamente, com excepção de dois países, Portugal e Espanha, a Europa Ocidental partiu definitivamente para formas democráticas, com algumas variantes conforme as características de cada um dos povos, em que o poder passou a assentar exclusivamente no povo, que passou a manifestá-lo através de eleições livres. Isto permitiu um rápido desenvolvimento económico, acompanhado por ganhos de natureza social. Do outro lado da barreira, da “Cortina de Ferro”, os povos tiveram que esperar mais umas décadas até se verem integrados em regimes democráticos, aguentando até lá o peso e as atrocidades de ditaduras de raiz comunista, lideradas pela hoje extinta União Soviética. A “Guerra Fria” que se estabeleceu então entre o Ocidente e o Bloco de Leste, veio trazer também um grande incremento à indústria do armamento.
Entretanto, nos países ocidentais o povo foi escolhendo governos modernos, repudiando sistematicamente em eleições sucessivas as tentações extremistas, fossem elas de direita ou de esquerda. Os partidos extremistas, tanto de esquerda como de direita, foram ficando pelas franjas de um espectro central que vai da democracia cristã à social-democracia e ao socialismo humanista. Com a melhoria gradual das suas condições de vida, ninguém mais se interessou em aventuras de natureza autocrática.

O caso de Portugal
À semelhança de outros países europeus, Portugal também conheceu o desregramento económico e social durante a 1ª República, que veio a desembocar na revolução de 28 de Maio de 1926, dando origem, uns anos mais tarde, à ditadura do Estado Novo. Curiosamente, devido talvez ao estado precário da economia portuguesa, a “Grande Depressão” mal se fez sentir em Portugal.
A política de não alinhamento estabelecida por Salazar durante a 2ª Grande Guerra trouxe alguns benefícios imediatos ao país, e teria sido uma tremenda alavanca de progresso e desenvolvimento se, após o fim da guerra, Portugal não se tivesse fechado aos “ventos da História”. Manteve-se a ditadura, embora Salazar tenha prometido, em Outubro de 1945, a realização de eleições tão livres como na livre Inglaterra, repudiou-se qualquer forma de sistema democrático e não se participou no “Plano Marshall”. Os custos desta política de “concha” foram tremendos, o país viu-se cada vez mais atrasado em relação aos seus parceiros europeus, até atingir o plano mais baixo, a “cauda da Europa”, com um nível de desenvolvimento terceiro mundista e acompanhando de perto os países submetidos por ditaduras de esquerda do Bloco de Leste. Não adianta nada tentar “dourar a pílula” com argumentos fantasiosos porque, qualquer análise isenta de evolução política e social do país aponta sempre para as mesmas conclusões: Portugal foi travado no tempo por um regime autista, enquanto outros nos foram deixando para trás. Se houve algum mérito nesse regime até ao eclodir da 2ª Grande Guerra, esse mérito é esvaziado por tudo quanto se passou a seguir.
A guerra colonial veio aprofundar ainda mais o fosso que nos separava dos outros países. Não vale a pena sequer tentar expor a legitimidade desta guerra, ou o que teria acontecido se ela não tivesse ocorrido, se havia ou não razões políticas e estratégicas que a justificassem pois, no cômputo final foram 13 anos perdidos à custa do sacrifício do povo e da ceifa de muitas vidas jovens, mortos ou incapacitados para sempre.
Quando se deu o 25 de Abril, que não foi mais do que uma revindicação de oficiais milicianos, aproveitada pelo Partido Comunista para tentar apoderar-se do poder, a desagregação da sociedade portuguesa e o descontentamento da generalidade das pessoas tinha atingido os seus níveis mais altos. Por isso, a para surpresa dos próprios revoltosos, a população invadiu as ruas em festa saudando os novos heróis.
Mas uma coisa era o que se passava nas ruas, onde nunca se viu tanta gente reunida em festa como no 1º de Maio de 1974, outra coisa era o que se passava nos bastidores. Aqui era o reino do assalto ao poder, acabando por se gerar enorme confusão e não se saber quem é que, realmente, liderava o país. Esta situação foi muito bem aproveitada pela estrema esquerda e pelas facções mais esquerdistas do Partido Socialista, tudo sob a batuta do Partido Comunista que, desde a primeira hora, tinha dois objectivos principais: a tomada do Poder em Portugal, quase conseguida com o governo de Vasco Gonçalves; a independência das colónias dentro da esfera do comunismo internacional, que conseguiu em pleno. Os custos desta operação comunista foram altíssimos para o país e para as colónias, neste último caso para as populações europeias que ali viviam que, salvo raras excepções, tiveram que as abandonar deixando tudo para trás, todo o património ganho ao longo de muitos anos.
Mas o povo português é muito sábio. Quando tudo parecia perdido, quanto aparentemente eram os comunistas que ditavam as leis, começou a reagir lentamente e a repudiar o regime que os comunistas queriam implantar em Portugal. Por pressão através dos partidos mais moderados, obrigou a eleições livres. Logo nas primeiras eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975, o PS ganhou e o PSD ficou em segundo lugar, deixando o Partido Comunista contentar-se com um modesto terceiro lugar, a grande distância dos dois primeiros. Nas eleições seguintes, em 25 de Abril de 1976, eleições legislativas, o resultado foi semelhante, só que o Partido Comunista passou para quarto lugar, cedendo o seu terceiro lugar ao CDS.
Da mesma forma como se passava nos restantes países europeus há décadas, o povo português manifestou, de maneira insofismável, o seu repúdio por aventuras demagógicas e extremistas. Se tinha ido para as ruas comemorando o fim da ditadura do Estado Novo, dizia agora que também não queria uma ditadura de esquerda.

O Poder do Estado
Evidentemente que tem havido muita incompetência nos governos que se têm sucedido em Portugal desde a revolução de Abril. Um bom político pode não ser um bom governante e o contrário também é verdadeiro. Mas também não podemos esquecer que os governos são a emanação da sociedade que representam. Se há incompetência nos governos, também há nessa mesma sociedade, porque aqueles são resultantes desta. A Incompetência da sociedade portuguesa atinge todos os níveis e todos os quadrantes, veja-se por exemplo, o que está a acontecer com a CCP, cujos conselheiros foram ali colocados para, supostamente, defenderem os interesses dos emigrantes.
Li há pouco tempo uma crónica em que alguém focava a questão do peso da administração pública como uma das razões para a inoperância dos governos. Aquela enorme máquina de funcionários administrativos cuja inércia, comodismo e resistência à mudança, faz gorar, muitas vezes, as melhores intenções de um qualquer ministro. Esta situação foi perfeitamente caricaturada na série inglesa da B.B.C. “Yes Minister” (Sim Sr. Ministro). Essa série mostrava o poder dos funcionários administrativos, pois são estes que conhecem todos os meandros da administração pública. Mostrava até que ponto funcionários superiores da administração podiam bloquear uma qualquer decisão ministerial. Em princípio, concordavam com tudo quanto o ministro pretendia, mas depois faziam o que eles queriam, levando muitas vezes o ministro para autênticas armadilhas.
Armínio Fraga, que foi presidente do Banco Central do Brasil e responsável pelo actual equilíbrio cambial, diz em recente entrevista à revista Veja, que um dos principais problemas do Brasil é a dependência que os cidadãos têm em relação ao Estado, e que isso é uma herança ibérica. Diz ainda que já Eça de Queiroz escreveu: “a mãe governo é pobre; paga pouco, e essa pobreza vai se perpetuando”.
É possível que Armínio Fraga tenha razão, pois em Portugal existe, por parte dos cidadãos, uma grande dependência do Estado, como se fosse o pai ou a mãe, que está ali para resolver os problemas de todos e de cada um. Se Eça de Queiroz escreveu aquilo, é porque o problema é bem antigo. O Estado Novo reforçou essa dependência e, depois do 25 de Abril, as coisas não mudaram muito. Qualquer coisa que aconteça, qualquer problema que seja preciso resolver, o português vira-se, invariavelmente, para o Estado, o qual, pela sua própria inércia e acomodação dos seus funcionários, raramente responde a tempo e horas.
Portanto, o que há a mudar para o país dar um salto definitivo para a frente, não é o sistema político, não é a Constituição, não é, à maneira castelhana, o aparecimento de um qualquer caudilho de direita ou de esquerda, mas sim a mentalidade das pessoas, tanto ao nível da administração, que precisam de entender que estão ali para servir o povo, como entre a população em geral, que precisa aprender a deixar de depender tanto do Estado. Os políticos precisam de entender que estão ali ao serviço do povo que os elegeu, e não para se servirem ou servirem o próprio ego.
A crise dos Consulados é uma clara demonstração da incompetência que grassa a todos os níveis, desde o governo aos representantes da CCP. Ainda ninguém explicou o porquê da reestruturação que se pretende, quais as vantagens que dela advêm para os emigrantes, afinal qual o seu verdadeiro objectivo. Quando se propõe reestruturar alguma coisa é para mudar para melhor, e não para pior. Não acredito que a razão seja puramente económica, para poupar meia dúzia de milhões de euros, porque essa razão é demasiadamente ridícula para poder ser levada a sério.

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