Introdução
Falar da Ordem do Templo, mais conhecida vulgarmente como Ordem dos Templários ou, simplesmente, Templários, em ligação com os Descobrimentos Portugueses pode parecer à primeira vista estranho pois, aparentemente, nada tem a ver uma coisa com a outra: a Ordem do Templo aparece no início do século XII, fundada oficialmente em 1118, e os Descobrimentos Portugueses começam quase três séculos mais tarde, no final do século XIV, e prolongam-se pelo século XV e início do século XVI. Quando se iniciam as primeiras viagens marítimas dos portugueses, já a Ordem do Templo fora extinta por decreto papal (bula), os seus membros perseguidos, torturados e mortos, principalmente em França, país de onde terão saído os cavaleiros que a haviam criado.
Existem centenas, talvez milhares de livros sobre a Ordem do Templo. No entanto, quanto mais se escreve, quanto mais se pesquisa parece que os mistérios que a rodeiam se adensam, tornando-nos incapazes de perceber como é que uma organização inicialmente criada sob um voto de pobreza (ela chamava-se “Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo”, com a finalidade de defesa dos peregrinos em viagem à Terra Santa e Jerusalém, se torna num curto espaço de tempo na organização mais poderosa e mais rica da Europa, ao ponto de não só o papa, como reis e imperadores preferirem manter as melhores relações com ela a enfrentar o seu poder de alguma forma. Durante o tempo em que existiu, a Ordem do Templo era quem mandava, efectivamente na Europa.
Nessa altura, a Europa era o mundo. Nada mais existia a não ser mitos e fantasias. O mundo reduzia-se ao Oriente próximo, norte de África e, especialmente, a Europa. Mandando na Europa, os Templários eram na verdade os senhores do mundo.
O conhecimento que eles demonstraram ter na época ainda hoje nos espanta. Vivendo em pleno final da Idade Média, uns dois séculos antes do movimento renascentista, eles dominavam a matemática e a arquitectura com conhecimentos que ultrapassavam em muito o que se sabia na época. Como exemplo deste conhecimento deixaram-nos aquelas jóias maravilhosas chamadas de catedrais góticas cujos segredos de construção há muito perdidos continuam a fascinar os arquitectos de hoje. Eles fizeram com que o comércio se desenvolvesse de maneira espantosa ao criarem a “carta de crédito”, uma inovação que dinamizou os negócios a distância e fez desaparecer os perigos do transporte de grandes somas em dinheiro (ouro), sempre sujeito a roubos e assaltos nas estradas europeias. Assim, por exemplo, alguém em França que tivesse negócios com Espanha e precisasse de efectuar o pagamento entregava o valor aos templários em França, que emitiam a “carta de crédito”. Em Espanha os Templários devolviam o dinheiro mediante a “carta de crédito” apresentada, deduzindo naturalmente os juros da transacção. Podemos dizer que foram eles os fundadores das modernas instituições bancárias.
Por outro lado, no plano esotérico ou espiritual, eles apoderaram-se e ocuparam todos os pontos onde, desde a mais remota antiguidade se sabia serem pontos de energias telúricas especiais. O paganismo havia aí construído os seus locais de culto. Os templários substituíram-nos por capelas devotas à Senhora do Ó, a São Miguel, a Maria Madalena.
Os Templários foram, no seu tempo, o que podemos chamar de uma “grande multinacional”, uma vez que operavam em quase todos os países existentes na época com uma organização uniforme. Eles foram o que a Igreja Católica veio a ser mais tarde, por meios menos lícitos, principalmente a partir da Inquisição. Os Templários tinham uma hierarquia perfeitamente definida, uma regra única e espalhavam-se pelos diversos países na forma de Priorados, cada um dos quais com a sua própria hierarquia encabeçada pelo Grão-Mestre. As autoridades locais, os reis, os imperadores, não tinham nenhum poder sobre eles – eram como um Estado dentro de outro Estado.
Tendo sido inovadores na sua organização como protótipos das grandes multinacionais dos dias de hoje, foram também inovadores nos aspectos de publicidade e “marketing”, a grande arma das empresas dos nossos dias. Eles lançaram talvez a primeira grande campanha de “marketing” de que há registo na História, que foi a saga dos Cavaleiros da Távola Redonda, do Rei Artur e a demanda do Santo Graal. Não se sabe bem se o rei Artur existiu de facto ou se foi a transformação em mito de uma divindade celta. Não se sabe bem onde ficava Avalon, A maioria apontam-na em Inglaterra mas a saga do rei Artur fala da Bretanha, e a Bretanha, região de grande implantação celta, fica situada no noroeste da França. Por outro lado a historia do rei Artur e dos seus cavaleiros da Távola Redonda é escrita mais de 500 anos depois da sua provável existência.
A demanda do Santo Graal é também escrita no século XII, época de grande expansão templária na Europa. Os seus principais escritores, Chrétien de Troyes e Wolfram von Eschenbach viveram nesse século.
As virtudes atribuídas aos Cavaleiros da Távola Redonda são as virtudes atribuídas aos Cavaleiros Templários. Os Cavaleiros Templários são também considerados como os “Guardiães do Santo Graal”. Foi esta a grande primeira campanha de “marketing” que se conhece da História e catapultou os Templários, tornando-os conhecidos, respeitados e temidos em toda a Europa, e adensando os mistérios que os rodeavam.
António José Saraiva, ilustre historiador da cultura portuguesa, afirma que os “os templários são ainda hoje (e sobretudo hoje) uma instituição difícil de entender”. Para Paulo Alexandre Loução, autor de alguns livros sobre os templários, diz que “não poderia estar mais de acordo. Estando a Ordem do Templo tão ligada ao gnosticismo primitivo e à tradição esotérica universal, tal não é para admirar. A seu ver, só podemos compreender esta Cavalaria dó Graal, penetrando, na medida do possível, na sua missão esotérica”.
Como verdadeira Escola de Mistérios, a Ordem do Templo encerra em si, ainda hoje, muitos mistérios. Ninguém sabe qual a razão da sua formação e quais eram os seus reais objectivos. Sabe-se apenas que 9 Cavaleiros demandaram a Palestina integrados na 1ª Cruzada e aí fundaram a Ordem, inicialmente como Milícia dos Pobres Cavaleiros de Cristo, com a missão de defenderem os peregrinos à Terra Santa. Destes 9 Cavaleiros, alguns estão perfeitamente identificados, como Hughes de Payens, que foi seu primeiro Grão-Mestre entre 1118 e 1136. Seriam todos oriundos do centro da Europa, França, mas sobre alguns existem sérias dúvidas sobre a sua verdadeira identidade.
O que motivou estes 9 Cavaleiros a formarem a Ordem do Templo? Victor Mendanha diz no seu livro “História Misteriosa de Portugal” que, “por detrás de uma Ordem Secreta existe sempre outra Ordem Secreta”. Raymond Bernard, no seu livro “As Mansões Secretas da Rosacruz” informa-nos de que Cavaleiros e Mestres Espirituais de várias regiões da Europa se terão reunido na famosa “Gruta Ferrata”, próximo de Roma, e aí, numa cerimónia muito especial, terão decidido a criação da Ordem do Templo. Para alguns, esta reunião teria sido realizada por uma sociedade secreta, hoje tão controversa, denominada “Priorado do Sião”. O que é facto é que a tradição fala de uma colaboração estreita entre a Ordem do Templo e o Priorado do Sião, sendo aquela o braço armado desta. Esta colaboração terá cessado por motivos que ainda hoje desconhecemos e teria sido consumada numa cerimónia denominada “O Corte do Olmo”.
Os reais objectivos da Ordem do Templo permanecem na obscuridade. Aqueles 9 Cavaleiros mantiveram-se em Jerusalém durante 9 anos. Durante este tempo não há notícia de terem admitido mais ninguém nas suas fileiras. Não vemos como é que uma força de 9 Cavaleiros poderia oferecer alguma protecção eficaz aos peregrinos da Terra Santa. Conta-se que tomaram como residência inicial os antigos estábulos do Templo de Salomão e aí terem descoberto segredos que lhes permitiram desenvolver rapidamente a sua organização e atingirem um poder tal que os colocava acima dos soberanos da época. Para mim, como mais tarde se veio a demonstrar na génese de Portugal, os seus objectivos eram dois:
· Entrar em contacto com o gnosticismo das primitivas igrejas cristãs.
· Entrar em contacto com o mundo esotérico islâmico.
Desta forma pretendia-se unir a tradição ocidental com a tradição oriental.
O que é facto é que alguma coisa aconteceu durante a permanência desses 9 Cavaleiros em Jerusalém. Não é possível atingir-se o poder que a Ordem do Templo atingiu se não se possui um grande segredo que atemorize os senhores mais poderosos da Terra, reis, imperadores e a Igreja de Roma. Que segredo era esse? Talvez documentos sobre a verdadeira história de Jesus e as primitivas igrejas cristãs.
Como se sabe, foi S. Jerónimo que compilou os Evangelhos e os organizou na vulgata, para nós designada como Bíblia. Numa carta aos bispos Chromatius e Heliodorus fala de um Evangelho secreto de S. Mateus, escrito em hebraico pelo próprio punho de S. Mateus. Segundo S. Jerónimo “continha matérias que são mais para destruir (a igreja de Roma) do que para edificar.
A Ordem do Templo, apesar da vastíssima e variada documentação publicada a seu respeito, muita da qual não corresponde minimamente à verdade, continua, depois de toda a pesquisa que tem sido efectuada, a guardar um segredo, aparentemente inviolável. Segundo Fernando Pessoa, ela foi implantada para tentar encontrar o segredo que foi perdido. Diz mais Fernando Pessoa:
“Cristo foi morto pela incompreensão dos judeus, pelo fanatismo da Ordem Sacerdotal e pelo poder da Ordem Materialista de Roma.
A Ordem do Templo foi morta pela incompreensão de alguns dos seus membros, que a denunciaram, pelo fanatismo de Roma e pela Ordem Temporal na pessoa do rei de França.
Morta deste modo, só a sua morte sobreviveu, e a demanda consiste em descobrir o que se esconde sob ela”.
Os Templários em Portugal
Alguém já afirmou que Portugal foi fundado como uma nação templária. Esta não é uma afirmação gratuita pois há numerosos indícios que nos podem levar a essa conclusão.
A fundação de Portugal e da Ordem do Templo acontecem ao mesmo tempo: a Ordem do Templo foi fundada em 1118 e, ainda que a independência definitiva de Portugal só tenha ocorrido em 1143, podemos considerar que a batalha de S. Mamede, de D. Afonso Henriques contra sua mãe D. Teresa em 1128, no dia de S. João Baptista, estabelece a independência de facto. S. João Baptista é o santo mais venerado pelos Templários. Coincidência? Vejamos.
Dentro da Igreja Católica o grande defensor e promotor da Ordem do Templo junto ao Papa, e que lhe confere as regras à semelhança das da Ordem Monástica de Cister, é o abade Bernardo de Claraval, hoje S. Bernardo. É através dele que a Ordem do Templo é reconhecida pela Igreja de Roma. Bernardo de Claraval é primo do Conde D. Henrique, que é natural da Borgonha e que veio para a Península Ibérica onde lhe foi dado a governar o Condado Portucalense. D. Henrique esteve na Terra Santa pouco antes da fundação da Ordem do Templo.
O Conde D. Henrique, esposo de D. Teresa e pai do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, é oriundo da Borgonha, região de onde partiram alguns dos Cavaleiros que fundaram a Ordem do Templo. Desta forma, D. Afonso Henriques também era primo de Bernardo de Claraval.
Bernardo do Claraval é também o grande advogado e defensor da independência de Portugal, e foi graças à sua influência junto da Santa Sé que a independência de Portugal foi reconhecida pelo Papa.
Os 9 Cavaleiros fundadores da Ordem do Templo permanecem em Jerusalém até, pelo menos, ao ano de 1127. No entanto. Há registos de que os Templários já estavam instalados em Portugal em 1126, pertencendo-lhes já nessa altura as terras de Font’Arcada e o castelo de Soure, doações feitas por D. Teresa, na altura já viúva do Conde D. Henrique.
Na batalha de S. Mamede, o então infante D. Afonso Henriques vence as forças de sua mãe, D. Teresa, e toma as rédeas do poder. D. Afonso Henriques, já aclamado rei, concede à Ordem de Cister, a Ordem de S. Bernardo, vastas regalias e privilégios, doação de terras e construção do Mosteiro de Alcobaça.
O território português abrange quase a totalidade da antiga Lusitânia, nome que etimologicamente significa “expansão da luz”. Luz, como todos sabemos significa “conhecimento”. Não quer dizer que o conhecimento tivesse origem na Lusitânia, mas que lhe competia expandi-lo recolhendo-o de onde ele estivesse. E foi isto mesmo que aconteceu mais tarde. Portugal levou e trouxe; levou o que de melhor havia na Europa em matéria de conhecimento científico e trouxe para a Europa o conhecimento de outros povos. Esta missão, prevista ou não pelos Templários, mas queremos acreditar que sim, no dizer de Jaime Cortesão, na sua “História dos Descobrimentos Portugueses” “(…) a obra da unificação humana.”
Mas para que esta obra de unificação humana pudesse ser realizada, era necessário reunir os meios e as condições. A fundação de Portugal, no extremo ocidental da Europa, virado para o grande mar Atlântico, cumpria uma das primeiras condições. A outra seria a de expandir o seu território e garantir a independência e estabilidade de fronteiras. A Ordem do Templo teve participação muito activa na conquista e consolidação do território português, alargando as suas fronteiras até às que hoje ainda conserva, tornando Portugal o país com as fronteiras mais antigas da Europa.
Já vimos que um dos objectivos da Ordem do Templo na Palestina era o de entrar em contacto com o gnosticismo primitivo das primeiras igrejas cristãs. Ora ninguém sabe como é que o Cristianismo chegou à Península Ibérica. Talvez tivesse chegado pelo norte de África, uma vez que se mantinham contactos e relações entre a península e os estados mouros africanos. No século IV surgiu um movimento gnóstico cristão que marcou de forma indelével a religiosidade dos povos da Galiza e da Lusitânia. A este movimento chamou-se “Priscilianismo. Este movimento está na base do cristianismo português que mais tarde os Templários, a Ordem de Cister, a rainha Stª Isabel, os frades franciscanos e a Ordem de Cristo modelaram.
Aquele que deu o nome ao movimento, Prisciliano, era um galego rico, instruído e de estirpe nobre. Aparentemente viajou pelo Egipto e pela Síria onde se terá iniciado nas doutrinas gnósticas. Ao chegar ao território que mais tarde veio a ser Portugal, encontrou já um grupo de gnósticos liderado por um Mestre Marcos. O priscilianismo, logo catalogado de heresia pela Igreja de Roma, teve forte implantação no território e durou até à fundação de Portugal.
O priscialianismo era uma Confraria formada por uma elite muito culta e que, paradoxalmente, teve também forte adesão popular. Praticavam o ideal da fraternidade humana, tinham reuniões nocturnas e secretas e o seu ensinamento era iniciático, razão pela qual o voto de silêncio era total. A Confraria era formada por homens e mulheres, estando estas em total igualdade com aqueles, tendo muitas um papel activo nas liturgias, como era norma entre os movimentos gnósticos. Defendiam o livre exame e a investigação individual das escrituras e adoptaram muitos dos Evangelhos apócrifos.
Este movimento foi considerado herético pela Igreja de Roma, que não podia permitir que a sua doutrina prosperasse, pois já suscitara a atenção de gente tão importante como Sto. Agostinho. Prisciliano acabou por ser assassinado legalmente pela Igreja de Roma, em nome de Deus e do Cristianismo.
Os Templários encontraram assim terreno fértil para a sua implantação.
A Ordem do Templo tinha duas faces, a invisível e a visível. A invisível era secreta e constituía o seu núcleo duro. A face visível era a manifestação da vontade ditada pela face invisível. Não é de estranhar assim que, D. Afonso Henriques tenha pertencido a essa face invisível, tal foi a colaboração que ele recebeu da Ordem nas suas campanhas de conquista do território. Não se sabe qual a função que ele desempenhava na Ordem, mas tratando-se do monarca, essa função teria que ser importante.
Com o alargamento territorial impunha-se estabelecer as bases da sua administração e defesa. As Ordens Monásticas, principalmente as que tinham uma componente guerreira, foram as grandes beneficiadas na distribuição de terras e doações. A Ordem do Templo recebeu uma parte importante dessas doações. Muitos dos castelos localizados em pontos estratégicos foram construídos pela Ordem do Templo.
Os Templários tinham particular estima por S. João Baptista e São Miguel Arcanjo. Já vimos que a batalha de S. Mamede foi travada no dia de S. João Baptista. O Patrono de Portugal até ao século XVII era São Miguel Arcanjo transformado em S. Jorge.
Os reis que sucederam a D. Afonso Henriques, sempre ajudados pelos Templários, continuaram o trabalho de consolidação territorial, estabelecendo as fronteiras mais antigas da Europa. Mas foi com D. Dinis que os meios ganharam um forte impulso. Quando falo em meios, quero dizer que não é possível um país, grande ou pequeno, lançar-se numa aventura marítima, como o fez Portugal, se não tiver os navios e os materiais para os construir.
D. Dinis foi rei entre 1279 e 1325. Os Descobrimentos Portugueses começaram com a redescoberta da Ilha da Madeira em 1420 e dos Açores em 1427 no reinado de D. João I, cerca de 100 anos depois de D. Dinis. Casado com Isabel, princesa de Aragão, mais tarde rainha Sta. Isabel, D. Dinis foi autor de uma obra extraordinária:
· Desenvolveu a agricultura tornando o país autónomo neste capítulo
· Fundou a Universidade de Coimbra, uma das mais antigas do mundo.
· Como pessoa de grande cultura para a época, apoiou as artes e as letras, ele próprio poeta e autor de numerosos poemas e “cantigas de amigo” e “cantigas de maldizer”.
· Desenvolveu a construção naval, criando uma armada.
· Conduziu as negociações e firmou o primeiro tratado de aliança com a Inglaterra, um tratado que ainda se encontra em vigor e foi útil a Portugal em diversas ocasiões.
· Mandou florestar o território e plantar pinhais, como o de Leiria, que viriam a dar, 100 anos mais tarde a matéria-prima para a construção das caravelas que viriam a navegar por todo o planeta.
· Foi um diplomata de enorme talento, como ficou provado na questão dos Templários.
A forma como D. Dinis tratou a questão dos Templários foi talvez a realização mais notável do seu reinado.
Felipe IV de França, conhecido como Felipe o Belo, temeroso do poder da Ordem do Templo, que constituía um Estado dentro do Estado, e ambicionando as riquezas que esta parecia possuir, com o apoio do Papa Clemente V mandou prender todos os Cavaleiros do Templo, numa sexta-feira dia 13 de Outubro de 1307. O Papa aprovou a extinção da Ordem do Templo no Concílio de Viena em 1312. A maioria dos Templários foi executada na fogueira, incluindo o seu Grão-Mestre Jacques de Molay, em 1314. O rei Filipe tentou tomar posse dos tesouros dos templários, no entanto quando seus homens chegaram ao porto, a frota templária já havia partido misteriosamente com todos os tesouros, e jamais foi encontrada. Os possíveis destinos dessa frota seriam Portugal, onde os templários seriam protegidos; Inglaterra, onde se poderiam refugiar por algum tempo, e Escócia onde também se poderiam refugiar com bastante segurança.
É de supor que essa frota ou parte dessa frota tenha demandado portos portugueses.
Quando D. Dinis recebeu instruções de Roma para extinguir a Ordem do Templo e prender os seus Cavaleiros, não fez nada disso. Rodeou a questão com rara mestria: protegeu os Templários portugueses e os que haviam fugido de França e procurado refúgio em Portugal; criou uma nova Ordem, a que chamou “Ordem de Cristo” e transferiu para ela todos os bens dos Templários e os próprios Cavaleiros; e o mais extraordinário de tudo, conseguiu a aprovação do Papa para esta mudança e para a nova “Ordem de Cristo”.
Que motivos tinha D. Dinis para assim proceder? Quando em toda a Europa os Templários foram perseguidos, presos, torturados e queimados na fogueira, D. Dinis protege-os e acolhe-os na “Ordem de Cristo” cujo emblema irá emoldurar as velas das caravelas portuguesas.
E o que é que teria motivado D. Dinis quando resolveu nacionalizar outras Ordens, como a de Santiago, libertando-a da dependência da Ordem do mesmo nome de Castela e Leão, como a Ordem de Avis, libertando-a dos laços que a ligavam à sua irmã castelhana “Ordem de Calatrava”.
A protecção da Ordem do Templo por D. Dinis começa logo no início do seu reinado. No livro do mestrado de Cristo da Chancelaria de D. Manuel I, podemos ler o seguinte:
“D.Dinis diz que o Mestre da Cavalaria do Templo lhe mandou dizer que ricos-homens, cavaleiros, alcaides e outros homens pousam nos casais e lugares da Ordem do Templo, e fazem muito mal e muita força, e filham ende pão e vinho, carne e cevada e outras cousas, contra a vontade sua e dos que hi moram.
Isso, diz El-Rei, só ele o pode fazer: quem o fizer ficará por seu inimigo”
Logo que a ordem do Papa foi recebida, D. Dinis determinou de imediato que ninguém tocasse nem nos bens nem nos próprios Cavaleiros, gorando assim a expectativa de muitos membros do clero que logo começaram a tentar apropriar-se de propriedades templárias. O próprio Papa, na altura João XXII, viu neutralizada pelo rei português a sua oferta do castelo de Tomar ao seu amigo Cardeal Bertrand.
D. Isabel, a esposa de D. Dinis, que viria a tornar-se santa pelos muitos milagres que lhe são atribuídos, foi a principal promotora do culto do Espírito Santo em Portugal. Este culto era muito caro aos templários que o haviam levado para Portugal e que também constituía uma heresia aos olhos de Roma. O aio de D. Isabel era Cavaleiro Templário. Quando o clero, apoiado por Roma, quis abolir o culto do Espírito Santo, nada pôde fazer, pois este culto tinha o apoio explícito do rei, da rainha, da Ordem do Templo e mais tarde da Ordem de Cristo.
terça-feira, 23 de janeiro de 2007
domingo, 21 de janeiro de 2007
Diário da Fatinha (26)
20 Janeiro de 2007
Olá amigos cá estou de volta com o meu diário que continuei a escrever todos os dias porque um diário é para ser escrito todos os dias por isso se chama diário senão seria semanário ou outra coisa qualquer não enviei para a internet porque o meu pai descobriu não sei como e viu o que eu escrevi acerca dele não gostou nada disse-me que me ia dar uma tareia e eu fugi para trás de minha mãe que procurava acalmá-lo vê lá se te acalmas a miúda escreveu aquilo que viu e ouviu era melhor que tivesses mais cuidado com o que dizes e essas coisas todas e eu estava toda a tremer que nunca levei uma tareia do meu pai ele não é nada dessas coisas mas naquele dia ele estava com muita raiva e durante mais de uma semana não falou comigo mas aos poucos foi-se acalmando e ontem chamou-me para me ensinar a mexer no computador dele e disse-me até que eu poderia ter um imeil para mim sei que não se escreve assim mas não sei como é que ainda não sei muitas coisas da Internet mas como sou uma menina esperta vou aprender assim já não preciso do computador do pai da ritinha mas continuo muito amiga dela que ela é muito minha amiga e a gente brinca as duas muitas vezes o meu pai já não se importa com o que eu digo até acha graça eu não sei o que se passou com ele se calhar conversou muito com a minha mãe que quer saber sempre o que escrevo na Internet depois do ano novo voltei pra escola que eu gosto muito e dois meninos disseram que queriam namorar comigo mas eu disse que não que não estou interessada que é como a minha mãe diz que ainda sou muito pequena para essas coisas que tenho ainda muito tempo pelo frente antes de começar a namorar o meu pai já não está tão comunista como antes já não fala tão mal do sócrates estou desconfiada que ele quer passar-se para o partido do sócrates diz que tem que olhar pela vida e tem uma família para sustentar que não está mais para aventuras até diz que o sócrates faz muito bem em visitar a china que é um grande país e um grande mercado só não sabe o que é que vamos vender pra lá mas isso é com os empresários eles que arranjem coisas pra gente vender que é obrigação deles e que o cavaco vai à índia eu não sei se já foi ou se ainda vai que eu não sigo muito estas notícias só ouço o meu pai falar e agora parece que vai haver um referendo sobre o aborto que é uma coisa que eu já sei o que é as mães quando não querem ter filhos tiram-nos o que eu acho uma grande maldade que é feita aos bebés se as mães não querem ter bebés então não os façam e eu já descobri como é que se fazem bebés que o pai da ritinha um dia me explicou que as pessoas gostam muito uma da outra e fazem amor e depois a barriga da mãe começa a crescer com um bebé lá dentro depois falei com a minha mãe que não me queria explicar nada que essas coisas não eram para uma menina pequena como eu mas eu insisti e disse que o pai da ritinha já me tinha explicado e a ritinha sabia muito bem como era e ela acabou por me explicar tudo direitinho e agora já sei o meu pai explicou-me como é que se vêem coisas na Internet eu fiquei muito contente que já não preciso que a ritinha me conte pois eu leio tudo e li todas aquelas coisas sobre os consulados que eu não sei bem o que é acho que é assim uma espécie de escritórios que as pessoas que vivem longe do país usam para tratar dos seus papeis e se calhar de outras coisas porque parece que os consulados são muito importantes e coitados dos emigrantes se fecham os consulados eles ficam sem escritórios para tratar dos papeis acho que se deviam abrir mais escritórios desses em vez de fechar é uma vergonha o meu pai tinha razão quando falava mal do sócrates se calhar o sócrates não sabe da missa a metade mas quando souber se calhar não fecha nada e isso é muito bom para os emigrantes não gosto de ver algumas coisas que leio na internet há pessoas muito malcriadas que passam a vida a insultar os outros e a desfazer nos outros acho isso uma grande maldade ainda se fossem crianças como alguns meninos lá na escola ainda eu entendia mas assim pessoas adultas não entendo deviam ter mais cuidado com o que dizem porque magoar os outros não é bom e não percebo como é que as pessoas podem gostar de magoar os outros mas se calhar é por isso que há tanta violência não sei a minha mãe resolveu que não podia continuar sempre em casa que eu já estou bastante crescida e já não preciso tanto dela eu não sei para umas coisas eu sou muito pequena para outras já estou crescida acho que a minha mãe diz as coisas conforme lhe convém mas eu não me importo o meu pai perguntou-lhe o que é que vais fazer se não queres estar em casa é melhor arranjares um emprego mas os empregos estão pela hora da morte não há empregos pra ninguém a minha mãe disse-lhe que queria tirar um curso mas que curso perguntou o meu pai e ela respondeu que ia aprender a pintar que é uma coisa que ela gosta e nunca teve oportunidade para o fazer o meu pai disse-lhe tu é que sabes e a minha mãe parece que encontrou um atelier de um pintor que dá cursos para gente crescida e ela vai três vezes por semana e está muito contente só que ela nesses dias vai às sete horas da noite e fica lá até às nove horas e eu e o meu pai temos que nos arranjar com o jantar que não é muito difícil que a minha mãe é muito cuidadosa e deixa-nos o jantar pronto é só aquecer por hoje fico-me por aqui vou ver se aprendo a arranjar um imeil meu para depois dizer aos meus amigos beijinhos a todos
Fatinha do Alentejo
Olá amigos cá estou de volta com o meu diário que continuei a escrever todos os dias porque um diário é para ser escrito todos os dias por isso se chama diário senão seria semanário ou outra coisa qualquer não enviei para a internet porque o meu pai descobriu não sei como e viu o que eu escrevi acerca dele não gostou nada disse-me que me ia dar uma tareia e eu fugi para trás de minha mãe que procurava acalmá-lo vê lá se te acalmas a miúda escreveu aquilo que viu e ouviu era melhor que tivesses mais cuidado com o que dizes e essas coisas todas e eu estava toda a tremer que nunca levei uma tareia do meu pai ele não é nada dessas coisas mas naquele dia ele estava com muita raiva e durante mais de uma semana não falou comigo mas aos poucos foi-se acalmando e ontem chamou-me para me ensinar a mexer no computador dele e disse-me até que eu poderia ter um imeil para mim sei que não se escreve assim mas não sei como é que ainda não sei muitas coisas da Internet mas como sou uma menina esperta vou aprender assim já não preciso do computador do pai da ritinha mas continuo muito amiga dela que ela é muito minha amiga e a gente brinca as duas muitas vezes o meu pai já não se importa com o que eu digo até acha graça eu não sei o que se passou com ele se calhar conversou muito com a minha mãe que quer saber sempre o que escrevo na Internet depois do ano novo voltei pra escola que eu gosto muito e dois meninos disseram que queriam namorar comigo mas eu disse que não que não estou interessada que é como a minha mãe diz que ainda sou muito pequena para essas coisas que tenho ainda muito tempo pelo frente antes de começar a namorar o meu pai já não está tão comunista como antes já não fala tão mal do sócrates estou desconfiada que ele quer passar-se para o partido do sócrates diz que tem que olhar pela vida e tem uma família para sustentar que não está mais para aventuras até diz que o sócrates faz muito bem em visitar a china que é um grande país e um grande mercado só não sabe o que é que vamos vender pra lá mas isso é com os empresários eles que arranjem coisas pra gente vender que é obrigação deles e que o cavaco vai à índia eu não sei se já foi ou se ainda vai que eu não sigo muito estas notícias só ouço o meu pai falar e agora parece que vai haver um referendo sobre o aborto que é uma coisa que eu já sei o que é as mães quando não querem ter filhos tiram-nos o que eu acho uma grande maldade que é feita aos bebés se as mães não querem ter bebés então não os façam e eu já descobri como é que se fazem bebés que o pai da ritinha um dia me explicou que as pessoas gostam muito uma da outra e fazem amor e depois a barriga da mãe começa a crescer com um bebé lá dentro depois falei com a minha mãe que não me queria explicar nada que essas coisas não eram para uma menina pequena como eu mas eu insisti e disse que o pai da ritinha já me tinha explicado e a ritinha sabia muito bem como era e ela acabou por me explicar tudo direitinho e agora já sei o meu pai explicou-me como é que se vêem coisas na Internet eu fiquei muito contente que já não preciso que a ritinha me conte pois eu leio tudo e li todas aquelas coisas sobre os consulados que eu não sei bem o que é acho que é assim uma espécie de escritórios que as pessoas que vivem longe do país usam para tratar dos seus papeis e se calhar de outras coisas porque parece que os consulados são muito importantes e coitados dos emigrantes se fecham os consulados eles ficam sem escritórios para tratar dos papeis acho que se deviam abrir mais escritórios desses em vez de fechar é uma vergonha o meu pai tinha razão quando falava mal do sócrates se calhar o sócrates não sabe da missa a metade mas quando souber se calhar não fecha nada e isso é muito bom para os emigrantes não gosto de ver algumas coisas que leio na internet há pessoas muito malcriadas que passam a vida a insultar os outros e a desfazer nos outros acho isso uma grande maldade ainda se fossem crianças como alguns meninos lá na escola ainda eu entendia mas assim pessoas adultas não entendo deviam ter mais cuidado com o que dizem porque magoar os outros não é bom e não percebo como é que as pessoas podem gostar de magoar os outros mas se calhar é por isso que há tanta violência não sei a minha mãe resolveu que não podia continuar sempre em casa que eu já estou bastante crescida e já não preciso tanto dela eu não sei para umas coisas eu sou muito pequena para outras já estou crescida acho que a minha mãe diz as coisas conforme lhe convém mas eu não me importo o meu pai perguntou-lhe o que é que vais fazer se não queres estar em casa é melhor arranjares um emprego mas os empregos estão pela hora da morte não há empregos pra ninguém a minha mãe disse-lhe que queria tirar um curso mas que curso perguntou o meu pai e ela respondeu que ia aprender a pintar que é uma coisa que ela gosta e nunca teve oportunidade para o fazer o meu pai disse-lhe tu é que sabes e a minha mãe parece que encontrou um atelier de um pintor que dá 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Fatinha do Alentejo
quinta-feira, 18 de janeiro de 2007
Política - Reflexo da Evolução Social
Política
Reflexo da Evolução Social
Pode parecer estranho a quem tem lido as minhas crónicas o tema aqui proposto. Política e evolução social não são propriamente áreas sobre as quais me tenho debruçado, no entanto, não deixo de estar atento ao que se passa à minha volta e entendo, quer queiramos quer não, que todos somos afectados por uma e por outra. Não adianta imitar a avestruz e meter a cabeça na areia. É necessária porém, para quem como eu não está comprometido politicamente, tentar analisar as coisas com uma certa lucidez e isenção, não se deixando afectar por correntes de opinião ou por modismos passageiros. Resolvi dividir esta crónica em várias partes, cada uma delas com o seu subtítulo, para que no fim possamos ter uma ideia geral do que pretendo dizer.
Um novo Caudilho
Parece um pouco aquela história do “dejá vu”, lembrando as frases bombásticas dos Caudilhos que, muito à sua maneira peculiar, fizeram História. Enquanto que os Caudilhos históricos foram, regra geral, de tendências de direita ou mesmo fascistas, este agora, aparecido como por encanto em pleno século XXI, fazendo lembrar o “remaking” de um filme antigo, vem gritar: “Socialismo ou morte!”. Hugo Chavez, da Venezuela, assim gritou para a populaça reunida à sua volta, por duas vezes, pelo menos.
No actual estado do mundo em termos económicos e políticos, o aparecimento de um Caudilho é como a invasão de um corpo estranho que vem complicar a regeneração e a relativa saúde por que tem vindo a passar, de há uns trinta anos a esta parte, o universo político e económico do mundo actual. Um país rico à partida pelas suas enormes reservas de petróleo, vai empobrecendo a passadas rápidas pela visão doentia de alguém que se quer transformar num novo ditador.
A via do desenvolvimento de um povo não passa pelo retorno a esquemas do passado, nem pela relação dirigista que alguns políticos da América Latina pretendem prosseguir. A via de desenvolvimento não passa, de uma vez por todas e já comprovado à exaustão, pelo socialismo retrógrado e pré-histórico. Como alguns países orientais o têm demonstrado, a via do desenvolvimento passa pela educação, pelo trabalho e pela honestidade dos políticos que formam os governos. O caso da Coreia do Sul é paradigmático: de um país com economia de terceiro mundo, no espaço de pouco menos de 30 anos passou a país desenvolvido, ao nível já de alguns países europeus. Como é que a Coreia do Sul conseguiu isto e outros não conseguem? É simples, um estudante na Coreia do Sul gasta 10 a 12 horas por dia em aulas e estudo, seis dias por semana. Na maioria dos países da América Latina, um estudante gasta de 4 a 6 horas por dia em estudo e durante apenas 5 dias da semana. Se contarmos as férias e os feriados, chegamos à conclusão de que um estudante na Coreia do Sul gasta o triplo do tempo de um estudante de um país da América Latina. Os resultados de tal política estão à vista.
Quanto ao trabalho, não vale a pena fazer comparações. Em muitos países do ocidente confunde-se trabalho com emprego. Os orientais trabalham, por aqui vai se tendo um emprego para ter um salário ao fim do mês. Não é raro vermos em campanhas eleitorais, candidatos a prometerem empregos em vez de trabalho. Da forma como as coisas estão a evoluir não nos surpreenderá que alguns países do Extremo Oriente tomem rapidamente a dianteira dos países desenvolvidos.
Os ventos da História
Li um destes dias a estranheza de alguém que observava que em Portugal, desde o 25 de Abril de 1974, os governos se têm alternado entre o PS e o PSD, parecendo não haver coragem no povo português para tentar mudar este estado de coisas, fornecendo ao país outras alternativas. Para podermos compreender o fenómeno, temos que olhar para a História dos últimos cem anos.
Durante a primeira metade do século XX o mundo ocidental, mais precisamente a Europa, foi abalado por enormes e nefastas crises económicas e sociais. Foi nessa altura que se verificaram grandes fluxos migratórios para outros continentes em busca de melhores condições de vida. As crises sociais foram o reflexo das crises económicas e, como consequência, foram a causa primeira para o surgimento de vários “salvadores” da pátria. A miséria era tão grande que, na Alemanha da República de Weimar, as mulheres casadas chegaram a prostituir-se para conseguirem algum sustento para a família. Alguém chamou a Hamburgo, uma das maiores cidades da Alemanha, o maior prostíbulo do mundo.
Quando Hitler apareceu, ganhando umas eleições por maioria relativa, logo se transformou no salvador do povo alemão. Foi assim também em Itália, na Espanha e em Portugal, países que tinham atingido um grau de decadência intolerável. À excepção de Benito Mussolini, que tomou o poder a partir de 1922, todos os outros ascenderam ao poder absoluto dos seus países a partir da 1929, data em que teve início o período denominado como “A Grande Depressão”. Hitler em 1930, Salazar em 1932 e Franco em 1938.king", fazendo lembrar a reprise de um filme antigocido como por encanto em pleno s
A “Grande Depressão” tornou-se mais conhecida pela queda da bolsa de N. York, com profundas e graves consequências para o povo americano, mas teve efeitos em todo o mundo, principalmente na Europa. Para além dos países já citados, atingiu também a França, onde originou a formação de um governo de Frente Popular, liderado por um socialista, Léon Blum, que ganhou as eleições em 1936. No Reino Unido, tanto o Partido Comunista como o Partido Fascista receberam um forte apoio popular. Por todo o lado foram aparecendo partidos políticos, de natureza nacionalista, e outros de ideologia comunista. Fora da Europa, A Austrália, o Japão e o Canadá, acusaram também os efeitos devastadores da depressão. Curiosamente, o Brasil e a Argentina beneficiaram da situação, pois foi nessa altura que, com as exportações agrícolas em queda vertiginosa, partiram para a industrialização.
Há várias teses sobre as causas da “Grande Depressão”, sobre as quais os especialistas na matéria não estão de acordo. O que é certo é que a grave crise social que acompanhou o colapso das economias dos diferentes países, levou as pessoas a aderirem a partidos extremistas, que lhes prometiam resolver todos os seus problemas.
O cenário começou a mudar drasticamente a partir da eclosão da 2ª Grande Guerra. Se a miséria ainda mais se instalou na Europa, deu no entanto ensejo ao desenvolvimento acelerado da indústria bélica, tanto na Alemanha como nos Estados Unidos, assim como no Japão.
Com o fim do grande conflito que foi a 2ª Grande Guerra, a Europa começou a reconstruir-se com incrível rapidez graças, em grande parte, ao auxílio do “Plano Marshall”. A produção industrial conheceu crescimentos da ordem dos 35% e a produção agrícola superou os níveis de antes da guerra. A popularidade dos partidos comunistas caiu bastante quando os dirigentes europeus passaram a considerá-los como uma ameaça menor. Politicamente, com excepção de dois países, Portugal e Espanha, a Europa Ocidental partiu definitivamente para formas democráticas, com algumas variantes conforme as características de cada um dos povos, em que o poder passou a assentar exclusivamente no povo, que passou a manifestá-lo através de eleições livres. Isto permitiu um rápido desenvolvimento económico, acompanhado por ganhos de natureza social. Do outro lado da barreira, da “Cortina de Ferro”, os povos tiveram que esperar mais umas décadas até se verem integrados em regimes democráticos, aguentando até lá o peso e as atrocidades de ditaduras de raiz comunista, lideradas pela hoje extinta União Soviética. A “Guerra Fria” que se estabeleceu então entre o Ocidente e o Bloco de Leste, veio trazer também um grande incremento à indústria do armamento.
Entretanto, nos países ocidentais o povo foi escolhendo governos modernos, repudiando sistematicamente em eleições sucessivas as tentações extremistas, fossem elas de direita ou de esquerda. Os partidos extremistas, tanto de esquerda como de direita, foram ficando pelas franjas de um espectro central que vai da democracia cristã à social-democracia e ao socialismo humanista. Com a melhoria gradual das suas condições de vida, ninguém mais se interessou em aventuras de natureza autocrática.
O caso de Portugal
À semelhança de outros países europeus, Portugal também conheceu o desregramento económico e social durante a 1ª República, que veio a desembocar na revolução de 28 de Maio de 1926, dando origem, uns anos mais tarde, à ditadura do Estado Novo. Curiosamente, devido talvez ao estado precário da economia portuguesa, a “Grande Depressão” mal se fez sentir em Portugal.
A política de não alinhamento estabelecida por Salazar durante a 2ª Grande Guerra trouxe alguns benefícios imediatos ao país, e teria sido uma tremenda alavanca de progresso e desenvolvimento se, após o fim da guerra, Portugal não se tivesse fechado aos “ventos da História”. Manteve-se a ditadura, embora Salazar tenha prometido, em Outubro de 1945, a realização de eleições tão livres como na livre Inglaterra, repudiou-se qualquer forma de sistema democrático e não se participou no “Plano Marshall”. Os custos desta política de “concha” foram tremendos, o país viu-se cada vez mais atrasado em relação aos seus parceiros europeus, até atingir o plano mais baixo, a “cauda da Europa”, com um nível de desenvolvimento terceiro mundista e acompanhando de perto os países submetidos por ditaduras de esquerda do Bloco de Leste. Não adianta nada tentar “dourar a pílula” com argumentos fantasiosos porque, qualquer análise isenta de evolução política e social do país aponta sempre para as mesmas conclusões: Portugal foi travado no tempo por um regime autista, enquanto outros nos foram deixando para trás. Se houve algum mérito nesse regime até ao eclodir da 2ª Grande Guerra, esse mérito é esvaziado por tudo quanto se passou a seguir.
A guerra colonial veio aprofundar ainda mais o fosso que nos separava dos outros países. Não vale a pena sequer tentar expor a legitimidade desta guerra, ou o que teria acontecido se ela não tivesse ocorrido, se havia ou não razões políticas e estratégicas que a justificassem pois, no cômputo final foram 13 anos perdidos à custa do sacrifício do povo e da ceifa de muitas vidas jovens, mortos ou incapacitados para sempre.
Quando se deu o 25 de Abril, que não foi mais do que uma revindicação de oficiais milicianos, aproveitada pelo Partido Comunista para tentar apoderar-se do poder, a desagregação da sociedade portuguesa e o descontentamento da generalidade das pessoas tinha atingido os seus níveis mais altos. Por isso, a para surpresa dos próprios revoltosos, a população invadiu as ruas em festa saudando os novos heróis.
Mas uma coisa era o que se passava nas ruas, onde nunca se viu tanta gente reunida em festa como no 1º de Maio de 1974, outra coisa era o que se passava nos bastidores. Aqui era o reino do assalto ao poder, acabando por se gerar enorme confusão e não se saber quem é que, realmente, liderava o país. Esta situação foi muito bem aproveitada pela estrema esquerda e pelas facções mais esquerdistas do Partido Socialista, tudo sob a batuta do Partido Comunista que, desde a primeira hora, tinha dois objectivos principais: a tomada do Poder em Portugal, quase conseguida com o governo de Vasco Gonçalves; a independência das colónias dentro da esfera do comunismo internacional, que conseguiu em pleno. Os custos desta operação comunista foram altíssimos para o país e para as colónias, neste último caso para as populações europeias que ali viviam que, salvo raras excepções, tiveram que as abandonar deixando tudo para trás, todo o património ganho ao longo de muitos anos.
Mas o povo português é muito sábio. Quando tudo parecia perdido, quanto aparentemente eram os comunistas que ditavam as leis, começou a reagir lentamente e a repudiar o regime que os comunistas queriam implantar em Portugal. Por pressão através dos partidos mais moderados, obrigou a eleições livres. Logo nas primeiras eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975, o PS ganhou e o PSD ficou em segundo lugar, deixando o Partido Comunista contentar-se com um modesto terceiro lugar, a grande distância dos dois primeiros. Nas eleições seguintes, em 25 de Abril de 1976, eleições legislativas, o resultado foi semelhante, só que o Partido Comunista passou para quarto lugar, cedendo o seu terceiro lugar ao CDS.
Da mesma forma como se passava nos restantes países europeus há décadas, o povo português manifestou, de maneira insofismável, o seu repúdio por aventuras demagógicas e extremistas. Se tinha ido para as ruas comemorando o fim da ditadura do Estado Novo, dizia agora que também não queria uma ditadura de esquerda.
O Poder do Estado
Evidentemente que tem havido muita incompetência nos governos que se têm sucedido em Portugal desde a revolução de Abril. Um bom político pode não ser um bom governante e o contrário também é verdadeiro. Mas também não podemos esquecer que os governos são a emanação da sociedade que representam. Se há incompetência nos governos, também há nessa mesma sociedade, porque aqueles são resultantes desta. A Incompetência da sociedade portuguesa atinge todos os níveis e todos os quadrantes, veja-se por exemplo, o que está a acontecer com a CCP, cujos conselheiros foram ali colocados para, supostamente, defenderem os interesses dos emigrantes.
Li há pouco tempo uma crónica em que alguém focava a questão do peso da administração pública como uma das razões para a inoperância dos governos. Aquela enorme máquina de funcionários administrativos cuja inércia, comodismo e resistência à mudança, faz gorar, muitas vezes, as melhores intenções de um qualquer ministro. Esta situação foi perfeitamente caricaturada na série inglesa da B.B.C. “Yes Minister” (Sim Sr. Ministro). Essa série mostrava o poder dos funcionários administrativos, pois são estes que conhecem todos os meandros da administração pública. Mostrava até que ponto funcionários superiores da administração podiam bloquear uma qualquer decisão ministerial. Em princípio, concordavam com tudo quanto o ministro pretendia, mas depois faziam o que eles queriam, levando muitas vezes o ministro para autênticas armadilhas.
Armínio Fraga, que foi presidente do Banco Central do Brasil e responsável pelo actual equilíbrio cambial, diz em recente entrevista à revista Veja, que um dos principais problemas do Brasil é a dependência que os cidadãos têm em relação ao Estado, e que isso é uma herança ibérica. Diz ainda que já Eça de Queiroz escreveu: “a mãe governo é pobre; paga pouco, e essa pobreza vai se perpetuando”.
É possível que Armínio Fraga tenha razão, pois em Portugal existe, por parte dos cidadãos, uma grande dependência do Estado, como se fosse o pai ou a mãe, que está ali para resolver os problemas de todos e de cada um. Se Eça de Queiroz escreveu aquilo, é porque o problema é bem antigo. O Estado Novo reforçou essa dependência e, depois do 25 de Abril, as coisas não mudaram muito. Qualquer coisa que aconteça, qualquer problema que seja preciso resolver, o português vira-se, invariavelmente, para o Estado, o qual, pela sua própria inércia e acomodação dos seus funcionários, raramente responde a tempo e horas.
Portanto, o que há a mudar para o país dar um salto definitivo para a frente, não é o sistema político, não é a Constituição, não é, à maneira castelhana, o aparecimento de um qualquer caudilho de direita ou de esquerda, mas sim a mentalidade das pessoas, tanto ao nível da administração, que precisam de entender que estão ali para servir o povo, como entre a população em geral, que precisa aprender a deixar de depender tanto do Estado. Os políticos precisam de entender que estão ali ao serviço do povo que os elegeu, e não para se servirem ou servirem o próprio ego.
A crise dos Consulados é uma clara demonstração da incompetência que grassa a todos os níveis, desde o governo aos representantes da CCP. Ainda ninguém explicou o porquê da reestruturação que se pretende, quais as vantagens que dela advêm para os emigrantes, afinal qual o seu verdadeiro objectivo. Quando se propõe reestruturar alguma coisa é para mudar para melhor, e não para pior. Não acredito que a razão seja puramente económica, para poupar meia dúzia de milhões de euros, porque essa razão é demasiadamente ridícula para poder ser levada a sério.
Reflexo da Evolução Social
Pode parecer estranho a quem tem lido as minhas crónicas o tema aqui proposto. Política e evolução social não são propriamente áreas sobre as quais me tenho debruçado, no entanto, não deixo de estar atento ao que se passa à minha volta e entendo, quer queiramos quer não, que todos somos afectados por uma e por outra. Não adianta imitar a avestruz e meter a cabeça na areia. É necessária porém, para quem como eu não está comprometido politicamente, tentar analisar as coisas com uma certa lucidez e isenção, não se deixando afectar por correntes de opinião ou por modismos passageiros. Resolvi dividir esta crónica em várias partes, cada uma delas com o seu subtítulo, para que no fim possamos ter uma ideia geral do que pretendo dizer.
Um novo Caudilho
Parece um pouco aquela história do “dejá vu”, lembrando as frases bombásticas dos Caudilhos que, muito à sua maneira peculiar, fizeram História. Enquanto que os Caudilhos históricos foram, regra geral, de tendências de direita ou mesmo fascistas, este agora, aparecido como por encanto em pleno século XXI, fazendo lembrar o “remaking” de um filme antigo, vem gritar: “Socialismo ou morte!”. Hugo Chavez, da Venezuela, assim gritou para a populaça reunida à sua volta, por duas vezes, pelo menos.
No actual estado do mundo em termos económicos e políticos, o aparecimento de um Caudilho é como a invasão de um corpo estranho que vem complicar a regeneração e a relativa saúde por que tem vindo a passar, de há uns trinta anos a esta parte, o universo político e económico do mundo actual. Um país rico à partida pelas suas enormes reservas de petróleo, vai empobrecendo a passadas rápidas pela visão doentia de alguém que se quer transformar num novo ditador.
A via do desenvolvimento de um povo não passa pelo retorno a esquemas do passado, nem pela relação dirigista que alguns políticos da América Latina pretendem prosseguir. A via de desenvolvimento não passa, de uma vez por todas e já comprovado à exaustão, pelo socialismo retrógrado e pré-histórico. Como alguns países orientais o têm demonstrado, a via do desenvolvimento passa pela educação, pelo trabalho e pela honestidade dos políticos que formam os governos. O caso da Coreia do Sul é paradigmático: de um país com economia de terceiro mundo, no espaço de pouco menos de 30 anos passou a país desenvolvido, ao nível já de alguns países europeus. Como é que a Coreia do Sul conseguiu isto e outros não conseguem? É simples, um estudante na Coreia do Sul gasta 10 a 12 horas por dia em aulas e estudo, seis dias por semana. Na maioria dos países da América Latina, um estudante gasta de 4 a 6 horas por dia em estudo e durante apenas 5 dias da semana. Se contarmos as férias e os feriados, chegamos à conclusão de que um estudante na Coreia do Sul gasta o triplo do tempo de um estudante de um país da América Latina. Os resultados de tal política estão à vista.
Quanto ao trabalho, não vale a pena fazer comparações. Em muitos países do ocidente confunde-se trabalho com emprego. Os orientais trabalham, por aqui vai se tendo um emprego para ter um salário ao fim do mês. Não é raro vermos em campanhas eleitorais, candidatos a prometerem empregos em vez de trabalho. Da forma como as coisas estão a evoluir não nos surpreenderá que alguns países do Extremo Oriente tomem rapidamente a dianteira dos países desenvolvidos.
Os ventos da História
Li um destes dias a estranheza de alguém que observava que em Portugal, desde o 25 de Abril de 1974, os governos se têm alternado entre o PS e o PSD, parecendo não haver coragem no povo português para tentar mudar este estado de coisas, fornecendo ao país outras alternativas. Para podermos compreender o fenómeno, temos que olhar para a História dos últimos cem anos.
Durante a primeira metade do século XX o mundo ocidental, mais precisamente a Europa, foi abalado por enormes e nefastas crises económicas e sociais. Foi nessa altura que se verificaram grandes fluxos migratórios para outros continentes em busca de melhores condições de vida. As crises sociais foram o reflexo das crises económicas e, como consequência, foram a causa primeira para o surgimento de vários “salvadores” da pátria. A miséria era tão grande que, na Alemanha da República de Weimar, as mulheres casadas chegaram a prostituir-se para conseguirem algum sustento para a família. Alguém chamou a Hamburgo, uma das maiores cidades da Alemanha, o maior prostíbulo do mundo.
Quando Hitler apareceu, ganhando umas eleições por maioria relativa, logo se transformou no salvador do povo alemão. Foi assim também em Itália, na Espanha e em Portugal, países que tinham atingido um grau de decadência intolerável. À excepção de Benito Mussolini, que tomou o poder a partir de 1922, todos os outros ascenderam ao poder absoluto dos seus países a partir da 1929, data em que teve início o período denominado como “A Grande Depressão”. Hitler em 1930, Salazar em 1932 e Franco em 1938.king", fazendo lembrar a reprise de um filme antigocido como por encanto em pleno s
A “Grande Depressão” tornou-se mais conhecida pela queda da bolsa de N. York, com profundas e graves consequências para o povo americano, mas teve efeitos em todo o mundo, principalmente na Europa. Para além dos países já citados, atingiu também a França, onde originou a formação de um governo de Frente Popular, liderado por um socialista, Léon Blum, que ganhou as eleições em 1936. No Reino Unido, tanto o Partido Comunista como o Partido Fascista receberam um forte apoio popular. Por todo o lado foram aparecendo partidos políticos, de natureza nacionalista, e outros de ideologia comunista. Fora da Europa, A Austrália, o Japão e o Canadá, acusaram também os efeitos devastadores da depressão. Curiosamente, o Brasil e a Argentina beneficiaram da situação, pois foi nessa altura que, com as exportações agrícolas em queda vertiginosa, partiram para a industrialização.
Há várias teses sobre as causas da “Grande Depressão”, sobre as quais os especialistas na matéria não estão de acordo. O que é certo é que a grave crise social que acompanhou o colapso das economias dos diferentes países, levou as pessoas a aderirem a partidos extremistas, que lhes prometiam resolver todos os seus problemas.
O cenário começou a mudar drasticamente a partir da eclosão da 2ª Grande Guerra. Se a miséria ainda mais se instalou na Europa, deu no entanto ensejo ao desenvolvimento acelerado da indústria bélica, tanto na Alemanha como nos Estados Unidos, assim como no Japão.
Com o fim do grande conflito que foi a 2ª Grande Guerra, a Europa começou a reconstruir-se com incrível rapidez graças, em grande parte, ao auxílio do “Plano Marshall”. A produção industrial conheceu crescimentos da ordem dos 35% e a produção agrícola superou os níveis de antes da guerra. A popularidade dos partidos comunistas caiu bastante quando os dirigentes europeus passaram a considerá-los como uma ameaça menor. Politicamente, com excepção de dois países, Portugal e Espanha, a Europa Ocidental partiu definitivamente para formas democráticas, com algumas variantes conforme as características de cada um dos povos, em que o poder passou a assentar exclusivamente no povo, que passou a manifestá-lo através de eleições livres. Isto permitiu um rápido desenvolvimento económico, acompanhado por ganhos de natureza social. Do outro lado da barreira, da “Cortina de Ferro”, os povos tiveram que esperar mais umas décadas até se verem integrados em regimes democráticos, aguentando até lá o peso e as atrocidades de ditaduras de raiz comunista, lideradas pela hoje extinta União Soviética. A “Guerra Fria” que se estabeleceu então entre o Ocidente e o Bloco de Leste, veio trazer também um grande incremento à indústria do armamento.
Entretanto, nos países ocidentais o povo foi escolhendo governos modernos, repudiando sistematicamente em eleições sucessivas as tentações extremistas, fossem elas de direita ou de esquerda. Os partidos extremistas, tanto de esquerda como de direita, foram ficando pelas franjas de um espectro central que vai da democracia cristã à social-democracia e ao socialismo humanista. Com a melhoria gradual das suas condições de vida, ninguém mais se interessou em aventuras de natureza autocrática.
O caso de Portugal
À semelhança de outros países europeus, Portugal também conheceu o desregramento económico e social durante a 1ª República, que veio a desembocar na revolução de 28 de Maio de 1926, dando origem, uns anos mais tarde, à ditadura do Estado Novo. Curiosamente, devido talvez ao estado precário da economia portuguesa, a “Grande Depressão” mal se fez sentir em Portugal.
A política de não alinhamento estabelecida por Salazar durante a 2ª Grande Guerra trouxe alguns benefícios imediatos ao país, e teria sido uma tremenda alavanca de progresso e desenvolvimento se, após o fim da guerra, Portugal não se tivesse fechado aos “ventos da História”. Manteve-se a ditadura, embora Salazar tenha prometido, em Outubro de 1945, a realização de eleições tão livres como na livre Inglaterra, repudiou-se qualquer forma de sistema democrático e não se participou no “Plano Marshall”. Os custos desta política de “concha” foram tremendos, o país viu-se cada vez mais atrasado em relação aos seus parceiros europeus, até atingir o plano mais baixo, a “cauda da Europa”, com um nível de desenvolvimento terceiro mundista e acompanhando de perto os países submetidos por ditaduras de esquerda do Bloco de Leste. Não adianta nada tentar “dourar a pílula” com argumentos fantasiosos porque, qualquer análise isenta de evolução política e social do país aponta sempre para as mesmas conclusões: Portugal foi travado no tempo por um regime autista, enquanto outros nos foram deixando para trás. Se houve algum mérito nesse regime até ao eclodir da 2ª Grande Guerra, esse mérito é esvaziado por tudo quanto se passou a seguir.
A guerra colonial veio aprofundar ainda mais o fosso que nos separava dos outros países. Não vale a pena sequer tentar expor a legitimidade desta guerra, ou o que teria acontecido se ela não tivesse ocorrido, se havia ou não razões políticas e estratégicas que a justificassem pois, no cômputo final foram 13 anos perdidos à custa do sacrifício do povo e da ceifa de muitas vidas jovens, mortos ou incapacitados para sempre.
Quando se deu o 25 de Abril, que não foi mais do que uma revindicação de oficiais milicianos, aproveitada pelo Partido Comunista para tentar apoderar-se do poder, a desagregação da sociedade portuguesa e o descontentamento da generalidade das pessoas tinha atingido os seus níveis mais altos. Por isso, a para surpresa dos próprios revoltosos, a população invadiu as ruas em festa saudando os novos heróis.
Mas uma coisa era o que se passava nas ruas, onde nunca se viu tanta gente reunida em festa como no 1º de Maio de 1974, outra coisa era o que se passava nos bastidores. Aqui era o reino do assalto ao poder, acabando por se gerar enorme confusão e não se saber quem é que, realmente, liderava o país. Esta situação foi muito bem aproveitada pela estrema esquerda e pelas facções mais esquerdistas do Partido Socialista, tudo sob a batuta do Partido Comunista que, desde a primeira hora, tinha dois objectivos principais: a tomada do Poder em Portugal, quase conseguida com o governo de Vasco Gonçalves; a independência das colónias dentro da esfera do comunismo internacional, que conseguiu em pleno. Os custos desta operação comunista foram altíssimos para o país e para as colónias, neste último caso para as populações europeias que ali viviam que, salvo raras excepções, tiveram que as abandonar deixando tudo para trás, todo o património ganho ao longo de muitos anos.
Mas o povo português é muito sábio. Quando tudo parecia perdido, quanto aparentemente eram os comunistas que ditavam as leis, começou a reagir lentamente e a repudiar o regime que os comunistas queriam implantar em Portugal. Por pressão através dos partidos mais moderados, obrigou a eleições livres. Logo nas primeiras eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975, o PS ganhou e o PSD ficou em segundo lugar, deixando o Partido Comunista contentar-se com um modesto terceiro lugar, a grande distância dos dois primeiros. Nas eleições seguintes, em 25 de Abril de 1976, eleições legislativas, o resultado foi semelhante, só que o Partido Comunista passou para quarto lugar, cedendo o seu terceiro lugar ao CDS.
Da mesma forma como se passava nos restantes países europeus há décadas, o povo português manifestou, de maneira insofismável, o seu repúdio por aventuras demagógicas e extremistas. Se tinha ido para as ruas comemorando o fim da ditadura do Estado Novo, dizia agora que também não queria uma ditadura de esquerda.
O Poder do Estado
Evidentemente que tem havido muita incompetência nos governos que se têm sucedido em Portugal desde a revolução de Abril. Um bom político pode não ser um bom governante e o contrário também é verdadeiro. Mas também não podemos esquecer que os governos são a emanação da sociedade que representam. Se há incompetência nos governos, também há nessa mesma sociedade, porque aqueles são resultantes desta. A Incompetência da sociedade portuguesa atinge todos os níveis e todos os quadrantes, veja-se por exemplo, o que está a acontecer com a CCP, cujos conselheiros foram ali colocados para, supostamente, defenderem os interesses dos emigrantes.
Li há pouco tempo uma crónica em que alguém focava a questão do peso da administração pública como uma das razões para a inoperância dos governos. Aquela enorme máquina de funcionários administrativos cuja inércia, comodismo e resistência à mudança, faz gorar, muitas vezes, as melhores intenções de um qualquer ministro. Esta situação foi perfeitamente caricaturada na série inglesa da B.B.C. “Yes Minister” (Sim Sr. Ministro). Essa série mostrava o poder dos funcionários administrativos, pois são estes que conhecem todos os meandros da administração pública. Mostrava até que ponto funcionários superiores da administração podiam bloquear uma qualquer decisão ministerial. Em princípio, concordavam com tudo quanto o ministro pretendia, mas depois faziam o que eles queriam, levando muitas vezes o ministro para autênticas armadilhas.
Armínio Fraga, que foi presidente do Banco Central do Brasil e responsável pelo actual equilíbrio cambial, diz em recente entrevista à revista Veja, que um dos principais problemas do Brasil é a dependência que os cidadãos têm em relação ao Estado, e que isso é uma herança ibérica. Diz ainda que já Eça de Queiroz escreveu: “a mãe governo é pobre; paga pouco, e essa pobreza vai se perpetuando”.
É possível que Armínio Fraga tenha razão, pois em Portugal existe, por parte dos cidadãos, uma grande dependência do Estado, como se fosse o pai ou a mãe, que está ali para resolver os problemas de todos e de cada um. Se Eça de Queiroz escreveu aquilo, é porque o problema é bem antigo. O Estado Novo reforçou essa dependência e, depois do 25 de Abril, as coisas não mudaram muito. Qualquer coisa que aconteça, qualquer problema que seja preciso resolver, o português vira-se, invariavelmente, para o Estado, o qual, pela sua própria inércia e acomodação dos seus funcionários, raramente responde a tempo e horas.
Portanto, o que há a mudar para o país dar um salto definitivo para a frente, não é o sistema político, não é a Constituição, não é, à maneira castelhana, o aparecimento de um qualquer caudilho de direita ou de esquerda, mas sim a mentalidade das pessoas, tanto ao nível da administração, que precisam de entender que estão ali para servir o povo, como entre a população em geral, que precisa aprender a deixar de depender tanto do Estado. Os políticos precisam de entender que estão ali ao serviço do povo que os elegeu, e não para se servirem ou servirem o próprio ego.
A crise dos Consulados é uma clara demonstração da incompetência que grassa a todos os níveis, desde o governo aos representantes da CCP. Ainda ninguém explicou o porquê da reestruturação que se pretende, quais as vantagens que dela advêm para os emigrantes, afinal qual o seu verdadeiro objectivo. Quando se propõe reestruturar alguma coisa é para mudar para melhor, e não para pior. Não acredito que a razão seja puramente económica, para poupar meia dúzia de milhões de euros, porque essa razão é demasiadamente ridícula para poder ser levada a sério.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2007
O Beijo de Judas
Quando a Igreja cristã compilou os quatro Evangelhos que hoje fazem parte da Bíblia, escolheu esses quatro talvez, entre centenas de outros. Porque é que escolheu aqueles e não escolheu outros, quais os critérios que presidiram à escolha, e porque é que só aqueles quatro são considerados canónicos?
O tema desta crónica não é fácil, e é possível que choque algumas pessoas menos habituadas a falar sobre coisas ainda hoje consideradas tabus. Falar-se sobre as origens do cristianismo, sobre Jesus, sobre a história da Igreja até aos dias de hoje, de um ponto de vista diferente daquele a que a religião nos habituou, pode tornar-se penoso para algumas pessoas. Mas isto faz parte do crescimento de cada um, ou nos assumimos como seres livres criados à imagem e semelhança de Deus, ou não. Neste último caso continuaremos a vegetar numa submissão servil a dogmas instituídos para nos dominar, a seguir apáticos os ditames dos pastores e dos sacerdotes, fazendo parte do tal rebanho que se quer dentro do redil, inertes perante os apelos da nossa consciência. Deus nunca nos impôs nenhum tratado nem obrigação, criou-nos para sermos livres e felizes e, como única obrigação, o exercício dos dons que nos foram concedidos.
Não se sabe exactamente qual o fim que levaram todos aqueles textos, ditos Evangelhos apócrifos, que foram recusados. Provavelmente foram destruídos pela Igreja que dava os primeiros passos na sua política para atingir o poder temporal. Eu digo que muito provavelmente foram destruídos porque houve necessidade de esconder uns quantos, muitos deles têm aparecido ultimamente, escondidos nas areias dos desertos egípcios. Alguns desses textos tornaram-se conhecidos, como os casos do Evangelho de Tomé, do Evangelho de Maria (Madalena) e agora, mais recentemente, nos anos setenta, apareceu um papiro de 13 páginas escritas na frente e no verso, a que se deu o nome de Evangelho de Judas.
Transaccionado entre comerciantes de antiguidades, esse papiro andou de mão em mão até acabar por ir parar à posse da National Geographic Society, no início deste milénio, que nomeou uma comissão de especialistas para o traduzir e interpretar. O resultado desse estudo foi divulgado no início deste ano de 2006. Estimam os especialistas que tenha sido escrito no 2º século da nossa era, o que não é de estranhar pois, todos esses textos, inclusive os Evangelhos canónicos, foram escritos muito depois da presumível vida de Jesus. A grande novidade que este Evangelho de Judas nos trás é a de que ele terá sido o discípulo mais fiel de Jesus, que a sua traição, ao identificar Jesus perante os romanos, foi o cumprimento de uma instrução recebida do próprio Jesus. "Tu vais ultrapassar todos. Tu sacrificarás o homem que me revestiu", são as palavras textuais que constam do Evangelho. Para os gnósticos esta frase significava que a delação de Judas contribuía para que Jesus pudesse libertar o seu espírito, livrando-se do seu invólucro carnal, o corpo.
A Igreja sempre soube da existência deste Evangelho, que porventura terá tido algumas cópias que foram convenientemente perdidas. Tanto o primeiro bispo de Lyon, Santo Irineu, como Epifânio, bispo de Salamina, se referem à sua existência em pleno século II. Para Irineu, nos tempos dos apóstolos tinham acontecido diversas tentativas de espalhar o erro e perturbar a união dos cristãos, e que alguns se faziam passar por convertidos, somente para disseminar doutrinas contrárias à da Fé Apostólica. Epifânio teve contacto com algumas comunidades gnósticas, grupos que defendiam uma interpretação esotérica das Escrituras e se afirmavam os verdadeiros cristãos. Defendiam que a pessoa de Jesus Cristo representava o conhecimento da salvação libertador para iniciados. Tanto Epifânio como outros padres da Igreja rejeitaram estas ideias, que ameaçavam desfigurar a pureza da doutrina de Cristo e a unidade da Igreja nascente.
Mas quem eram os gnósticos? Gnósticos quer dizer que aplicavam ou seguiam a gnose, que significa um ecletismo teosófico que pretende conciliar todas as religiões e explicar o seu sentido profundo por meio do conhecimento esotérico e perfeito das coisas divinas, comunicável por tradição e por iniciação. Embora se atribua a sua existência aos séculos II, III e IV da nossa era, os gnósticos são na verdade mais antigos, tão antigos que se sabe da sua existência um século antes do nascimento de Jesus. Os gnósticos beberam as suas crenças e a sua doutrina dos Antigos Mistérios Egípcios, onde já se afirmava que Cristo estava no interior de cada um e onde se ensinava o mito do Salvador, de alguém que viria ensinar as bases do conhecimento divino e que seria sacrificado e morto, ressuscitando ao terceiro dia e elevando-se ao céu em glória. Que me perdoem os crentes, mas a história de Jesus foi construída sobre este mito.
Não é assim de estranhar que todos os Evangelhos tenham uma génese gnóstica e que os primeiros grupos de cristãos fossem constituídos por gnósticos. A existência de tantos textos tem a ver com o facto dos gnósticos serem pessoas instruídas e que cultivavam a filosofia. Enquanto os Evangelhos canónicos pretendem contar a vida do homem Jesus, o Cristo, os outros, inclusive o de Judas, afirmam que o Cristo está no interior de cada um. Mesmo o Evangelho de João, aquele que é considerado o mais esotérico dos quatro e que se distingue dos outros três, o de Marcos, de Mateus e de Lucas, refere-se a Jesus como o Messias, e fala dos milagres como Sinais, referindo apenas 7 milagres atribuídos a Jesus. Para quem duvide da criação da história de Jesus, recomendo a leitura do Salmo 22 do Antigo Testamento, onde está perfeitamente descrita a cena da crucificação.
Os únicos textos que terão sido escritos por alguém do tempo de Jesus são as Cartas de Paulo, que era gnóstico e foi contemporâneo de Jesus. Já não existem dúvidas entre os próprios teólogos, que a maior parte das Cartas de Paulo são falsificações feitas pelos padres da Igreja, salvando-se talvez as três ou quatro primeiras. Nestas Cartas Paulo nunca se refere a Jesus como pessoa com existência física, mas sim como o Salvador, o Cristo, o Messias. Paulo nunca se encontrou com Jesus nem teve conhecimento da sua presença na Palestina, o que não é nada natural pois, sendo contemporâneo teria que ter ouvido falar do Mestre e de tê-lo encontrado ocasionalmente, mesmo que nessa altura ainda não se tivesse convertido à nova religião. Afinal, a população da Palestina nessa altura não era assim tão grande e, alguém com a projecção que se atribui a Jesus teria que ser notado.
Estou a dizer que Jesus não existiu? É provável que tenha existido, não com a dimensão e o drama que os Evangelhos canónicos lhe atribuem, mas talvez como um Mestre que apareceu a revolucionar toda a sociedade judaica da época. Sobre a sua condenação por Pôncio Pilatos e o martírio a que foi submetido até à crucificação, talvez não tenha acontecido nada disto. Não existem quaisquer registos romanos acerca da condenação e paixão de Cristo. Esse é um dado importante porque os romanos eram muito ciosos e tomavam nota de todos os acontecimentos, por menores que fossem. Nenhum historiador da época, e havia vários que deixaram extensas obras, se lhe referiu. O único documento que existe referindo-se a Jesus e à sua história é da autoria de Flávio Josefo, um judeu romanizado, mas cujas crónicas não merecem nenhum crédito, nem dos teólogos. Além disso. Josefo nasceu trinta e tal anos depois de Jesus e a sua referência a Jesus data do ano 90.
Então os Evangelhos, tanto os canónicos como os apócrifos, contam uma história verdadeira? No caso dos canónicos há uma preocupação em torná-los como se fossem biografias de Jesus, contando os seus passos na Terra desde o seu nascimento em Belém. Nos outros parece que se pretende contar a relação de cada um dos discípulos com Jesus. Mas será que contêm alguma verdade?
Para já, Jesus nem sequer nasceu em Belém, quando muito terá nascido em Nazaré, a sua terra de origem. O nascimento em Belém justifica-se porque se atribui a Jesus a descendência de David e, como Belém era a cidade de David, Jesus teria que nascer lá.
A estrela de Belém e a visita dos Reis Magos é outra invenção dos evangelistas. Não houve nenhuma estrela a guiar esses reis e nem sequer houve a sua visita. A menção aos Reis Magos pretende enaltecer o carácter real de Jesus, que teria vindo para governar sobre todos os homens e todos os reis.
Muitas outras incongruências e contradições existem no Novo Testamento, que não vou aqui mencionar, até porque esta crónica não é a propósito delas.
No caso particular de Judas, considerado o traidor, o herético, esse sentimento passado de geração em geração justificou o anti-semitismo e as perseguições a que os judeus têm sido sujeitos desde essa altura. Justificou também a acção nefasta e negra da Inquisição, da qual a Igreja, ainda hoje, não lavou as suas mãos.
O beijo de Judas a Jesus, identificando-o com este acto perante os soldados romanos, parece uma coisa sem sentido. A atitude de Judas era absolutamente desnecessária. Se os romanos perguntassem quem era Jesus, este se apresentaria logo, não precisava que nenhum dos discípulos o denunciasse. Entramos aqui no campo minado dos arquétipos.
Livros espíritas, supostamente escritos por entidades desencarnadas, confirmam, em termos gerais, a história de Jesus, o que não quer dizer que seja verdade. Essa história está registada no Cósmico e tem vindo a ser alimentada pelos milhões e milhões de pessoas que, ao longo dos séculos, acreditaram nela. Trata-se de um arquétipo tão poderoso que inibe as pessoas de pensarem de outra maneira e de tentarem ver onde está a verdade.
Grande parte da doutrina cristã tem quase dois mil anos de existência. Alguns dos seus dogmas precisariam de ser revistos e actualizados, como por exemplo a concepção imaculada de Maria. Desde a mais remota antiguidade que as religiões pagãs nos contam histórias de deuses que geram filhos de mulheres mortais. Segundo o dogma, Jesus não nasceu de nenhum acto sexual, pois Maria era virgem e continuou virgem para todo o sempre. Apesar de já não haver dúvidas de que Jesus tinha irmãos e irmãs, que a família era relativamente numerosa, a Igreja persiste no dogma. Esta, aos olhos da actualidade, não deixa de ser uma visão estranha do papel da mulher e da sexualidade.
A visão gnóstica do nascimento imaculado era apenas simbólica, significava somente que o Cristo que vive no interior de cada um não nasce de uma mulher ou de um acto sexual, mas da pureza que conseguirmos criar no nosso interior – só quando nos purificarmos das tentações terrenas, dos vícios, dos apegos materiais, conseguiremos fazer nascer o Cristo em nós. A Igreja transpôs esta noção para o campo literal, o que é uma ideia absurda e tem muito a ver com o que sempre pensou do papel da mulher.
Nascida numa sociedade patriarcal em que a mulher tinha um papel secundaríssimo, que ainda hoje se reflecte no mundo árabe, a Igreja nunca permitiu que a mulher viesse a ter um papel relevante, tanto na sociedade como no culto. Contrariando os costumes da época, entre os gnósticos a mulher tinha um papel de absoluta igualdade com o homem.
É paradigmática a história de Maria Madalena. Embaraçada com o facto de Madalena ter sido talvez uma das discípulas dilectas de Jesus, provavelmente a sua companheira, a Igreja não viu outra solução senão transformá-la em prostituta e depois, elevá-la à santidade como prostituta arrependida. Fazendo uma leitura muito equívoca de um trecho dos Evangelhos onde uma determinada Maria lava os pés de Jesus e os enxuga com os cabelos, e onde nada se diz que se trata de Maria Madalena, a Igreja logo a identificou e estigmatizou, transformando também esta história num arquétipo muito poderoso, do qual é muito difícil as pessoas libertarem-se. A verdade porém é que, em nenhuma parte dos Evangelhos canónicos ou dos outros, se diz que Maria Madalena era prostituta. O arquétipo é tão poderoso que até há quem a confunda com a mulher do episódio da mulher adúltera, em que Jesus diz que quem não tiver pecado que lance a primeira pedra.
Os dogmas têm impedido a Igreja de evoluir para formas mais saudáveis e actuais de estar no mundo. Mau grado os esforços dos últimos Papas, a Igreja tem vindo cada vez mais a perder membros. O problema é que as pessoas não abandonam a Igreja por terem conseguido erguer-se acima dos dogmas e da doutrina desactualizada. Abandonam-na por se sentirem inseguras, por sentirem a falta de algo que seja eterno e lhes dê uma certeza de fé. Saem da Igreja Católica e vão ingressar nos rebanhos fundamentalistas das religiões evangelizantes.
O beijo de Judas não passa de um paradigma criado para, por um lado culpar os judeus da morte de Jesus, por outro lado tentar justificar a sua presença terrena e física. Nisto o próprio Evangelho de Judas entra em contradição pois, se diz que Cristo se encontra no interior de cada um, apresenta depois a história do beijo como se de uma ordem de Jesus se tratasse. É apenas uma contradição aparente se considerarmos que a cena do beijo e da identificação de Jesus é simbólica.
Um dos especialistas que traduziram o Evangelho de Judas, Marvin Meyer, catedrático de estudos cristãos na Universidade de Chapman, da Califórnia, define muito bem como é que uma Igreja ou uma religião se estabelece com todo o poder temporal que nos habituámos a ver na Igreja Católica. Diz ele que, “seja qual for a figura central de uma fé – se Jesus, Muhammad ou Buda – ela começa com um movimento profético e carismático. Mas, para perdurar tem de se estruturar. É preciso decidir de onde virá o dinheiro, quem será o líder, como se nomeará o líder seguinte. Aí se iniciam os jogos de poder. Numa religião, isso significa decidir também qual é a verdade, e quem a controla. A Igreja cristã é a mais bem sucedida organização social de toda a história da humanidade.”
Os gnósticos eram grupos dispersos que funcionavam independentes uns dos outros, cada grupo com o seu líder escolhido entre os seus membros, homem ou mulher. Como não tinham nenhum sentido de organização nem apetência pelo poder temporal, estavam condenados, naturalmente, ao desaparecimento. Apesar disso foram perseguidos pelo fundamentalismo dos primeiros padres da Igreja. Desapareceram mas os seus ensinamentos não se perderam, pois ainda há gente que sabe que o verdadeiro Cristo está no interior de cada ser humano, e não num altar de uma qualquer Igreja.
Pergunta-se: o que sucederia se Jesus aparecesse hoje na porta de uma Igreja? Dado o seu carácter revolucionário, patente mesmo nos Evangelhos canónicos, muito provavelmente seria expulso e não seria aceite em parte nenhuma. A sua doutrina não encaixaria em nenhuma das religiões cristãs da actualidade.
Se pensarmos que Deus não é algo exterior a nós mesmos, que todos temos essa centelha divina dentro de nós, que podemos se quisermos, com toda a nossa força de vontade, despertar ou ressuscitar o Cristo que está em nós, a existência ou não do homem chamado Jesus, se a sua história é ou não verdadeira, não tem a menor importância. Tem apenas importância para as religiões, que não sobreviriam sem uma figura central que justifique a sua existência e a sua doutrina.
Ao olharmos para trás, para esses dois mil anos que já transcorreram desde o início da formidável aventura que a religião cristã protagonizou, vemos com desânimo que o homem não se tornou melhor, continua a manifestar o mesmo egoísmo, a mesma violência, a fome continua a matar milhões de pessoas e a maior parte da humanidade continua sem o mínimo para sobreviver com dignidade. Portanto, a resposta ao anseio do homem por se elevar a um estado superior, não pode estar na religião. Está sim, como diziam os gnósticos, no coração de cada um.
O tema desta crónica não é fácil, e é possível que choque algumas pessoas menos habituadas a falar sobre coisas ainda hoje consideradas tabus. Falar-se sobre as origens do cristianismo, sobre Jesus, sobre a história da Igreja até aos dias de hoje, de um ponto de vista diferente daquele a que a religião nos habituou, pode tornar-se penoso para algumas pessoas. Mas isto faz parte do crescimento de cada um, ou nos assumimos como seres livres criados à imagem e semelhança de Deus, ou não. Neste último caso continuaremos a vegetar numa submissão servil a dogmas instituídos para nos dominar, a seguir apáticos os ditames dos pastores e dos sacerdotes, fazendo parte do tal rebanho que se quer dentro do redil, inertes perante os apelos da nossa consciência. Deus nunca nos impôs nenhum tratado nem obrigação, criou-nos para sermos livres e felizes e, como única obrigação, o exercício dos dons que nos foram concedidos.
Não se sabe exactamente qual o fim que levaram todos aqueles textos, ditos Evangelhos apócrifos, que foram recusados. Provavelmente foram destruídos pela Igreja que dava os primeiros passos na sua política para atingir o poder temporal. Eu digo que muito provavelmente foram destruídos porque houve necessidade de esconder uns quantos, muitos deles têm aparecido ultimamente, escondidos nas areias dos desertos egípcios. Alguns desses textos tornaram-se conhecidos, como os casos do Evangelho de Tomé, do Evangelho de Maria (Madalena) e agora, mais recentemente, nos anos setenta, apareceu um papiro de 13 páginas escritas na frente e no verso, a que se deu o nome de Evangelho de Judas.
Transaccionado entre comerciantes de antiguidades, esse papiro andou de mão em mão até acabar por ir parar à posse da National Geographic Society, no início deste milénio, que nomeou uma comissão de especialistas para o traduzir e interpretar. O resultado desse estudo foi divulgado no início deste ano de 2006. Estimam os especialistas que tenha sido escrito no 2º século da nossa era, o que não é de estranhar pois, todos esses textos, inclusive os Evangelhos canónicos, foram escritos muito depois da presumível vida de Jesus. A grande novidade que este Evangelho de Judas nos trás é a de que ele terá sido o discípulo mais fiel de Jesus, que a sua traição, ao identificar Jesus perante os romanos, foi o cumprimento de uma instrução recebida do próprio Jesus. "Tu vais ultrapassar todos. Tu sacrificarás o homem que me revestiu", são as palavras textuais que constam do Evangelho. Para os gnósticos esta frase significava que a delação de Judas contribuía para que Jesus pudesse libertar o seu espírito, livrando-se do seu invólucro carnal, o corpo.
A Igreja sempre soube da existência deste Evangelho, que porventura terá tido algumas cópias que foram convenientemente perdidas. Tanto o primeiro bispo de Lyon, Santo Irineu, como Epifânio, bispo de Salamina, se referem à sua existência em pleno século II. Para Irineu, nos tempos dos apóstolos tinham acontecido diversas tentativas de espalhar o erro e perturbar a união dos cristãos, e que alguns se faziam passar por convertidos, somente para disseminar doutrinas contrárias à da Fé Apostólica. Epifânio teve contacto com algumas comunidades gnósticas, grupos que defendiam uma interpretação esotérica das Escrituras e se afirmavam os verdadeiros cristãos. Defendiam que a pessoa de Jesus Cristo representava o conhecimento da salvação libertador para iniciados. Tanto Epifânio como outros padres da Igreja rejeitaram estas ideias, que ameaçavam desfigurar a pureza da doutrina de Cristo e a unidade da Igreja nascente.
Mas quem eram os gnósticos? Gnósticos quer dizer que aplicavam ou seguiam a gnose, que significa um ecletismo teosófico que pretende conciliar todas as religiões e explicar o seu sentido profundo por meio do conhecimento esotérico e perfeito das coisas divinas, comunicável por tradição e por iniciação. Embora se atribua a sua existência aos séculos II, III e IV da nossa era, os gnósticos são na verdade mais antigos, tão antigos que se sabe da sua existência um século antes do nascimento de Jesus. Os gnósticos beberam as suas crenças e a sua doutrina dos Antigos Mistérios Egípcios, onde já se afirmava que Cristo estava no interior de cada um e onde se ensinava o mito do Salvador, de alguém que viria ensinar as bases do conhecimento divino e que seria sacrificado e morto, ressuscitando ao terceiro dia e elevando-se ao céu em glória. Que me perdoem os crentes, mas a história de Jesus foi construída sobre este mito.
Não é assim de estranhar que todos os Evangelhos tenham uma génese gnóstica e que os primeiros grupos de cristãos fossem constituídos por gnósticos. A existência de tantos textos tem a ver com o facto dos gnósticos serem pessoas instruídas e que cultivavam a filosofia. Enquanto os Evangelhos canónicos pretendem contar a vida do homem Jesus, o Cristo, os outros, inclusive o de Judas, afirmam que o Cristo está no interior de cada um. Mesmo o Evangelho de João, aquele que é considerado o mais esotérico dos quatro e que se distingue dos outros três, o de Marcos, de Mateus e de Lucas, refere-se a Jesus como o Messias, e fala dos milagres como Sinais, referindo apenas 7 milagres atribuídos a Jesus. Para quem duvide da criação da história de Jesus, recomendo a leitura do Salmo 22 do Antigo Testamento, onde está perfeitamente descrita a cena da crucificação.
Os únicos textos que terão sido escritos por alguém do tempo de Jesus são as Cartas de Paulo, que era gnóstico e foi contemporâneo de Jesus. Já não existem dúvidas entre os próprios teólogos, que a maior parte das Cartas de Paulo são falsificações feitas pelos padres da Igreja, salvando-se talvez as três ou quatro primeiras. Nestas Cartas Paulo nunca se refere a Jesus como pessoa com existência física, mas sim como o Salvador, o Cristo, o Messias. Paulo nunca se encontrou com Jesus nem teve conhecimento da sua presença na Palestina, o que não é nada natural pois, sendo contemporâneo teria que ter ouvido falar do Mestre e de tê-lo encontrado ocasionalmente, mesmo que nessa altura ainda não se tivesse convertido à nova religião. Afinal, a população da Palestina nessa altura não era assim tão grande e, alguém com a projecção que se atribui a Jesus teria que ser notado.
Estou a dizer que Jesus não existiu? É provável que tenha existido, não com a dimensão e o drama que os Evangelhos canónicos lhe atribuem, mas talvez como um Mestre que apareceu a revolucionar toda a sociedade judaica da época. Sobre a sua condenação por Pôncio Pilatos e o martírio a que foi submetido até à crucificação, talvez não tenha acontecido nada disto. Não existem quaisquer registos romanos acerca da condenação e paixão de Cristo. Esse é um dado importante porque os romanos eram muito ciosos e tomavam nota de todos os acontecimentos, por menores que fossem. Nenhum historiador da época, e havia vários que deixaram extensas obras, se lhe referiu. O único documento que existe referindo-se a Jesus e à sua história é da autoria de Flávio Josefo, um judeu romanizado, mas cujas crónicas não merecem nenhum crédito, nem dos teólogos. Além disso. Josefo nasceu trinta e tal anos depois de Jesus e a sua referência a Jesus data do ano 90.
Então os Evangelhos, tanto os canónicos como os apócrifos, contam uma história verdadeira? No caso dos canónicos há uma preocupação em torná-los como se fossem biografias de Jesus, contando os seus passos na Terra desde o seu nascimento em Belém. Nos outros parece que se pretende contar a relação de cada um dos discípulos com Jesus. Mas será que contêm alguma verdade?
Para já, Jesus nem sequer nasceu em Belém, quando muito terá nascido em Nazaré, a sua terra de origem. O nascimento em Belém justifica-se porque se atribui a Jesus a descendência de David e, como Belém era a cidade de David, Jesus teria que nascer lá.
A estrela de Belém e a visita dos Reis Magos é outra invenção dos evangelistas. Não houve nenhuma estrela a guiar esses reis e nem sequer houve a sua visita. A menção aos Reis Magos pretende enaltecer o carácter real de Jesus, que teria vindo para governar sobre todos os homens e todos os reis.
Muitas outras incongruências e contradições existem no Novo Testamento, que não vou aqui mencionar, até porque esta crónica não é a propósito delas.
No caso particular de Judas, considerado o traidor, o herético, esse sentimento passado de geração em geração justificou o anti-semitismo e as perseguições a que os judeus têm sido sujeitos desde essa altura. Justificou também a acção nefasta e negra da Inquisição, da qual a Igreja, ainda hoje, não lavou as suas mãos.
O beijo de Judas a Jesus, identificando-o com este acto perante os soldados romanos, parece uma coisa sem sentido. A atitude de Judas era absolutamente desnecessária. Se os romanos perguntassem quem era Jesus, este se apresentaria logo, não precisava que nenhum dos discípulos o denunciasse. Entramos aqui no campo minado dos arquétipos.
Livros espíritas, supostamente escritos por entidades desencarnadas, confirmam, em termos gerais, a história de Jesus, o que não quer dizer que seja verdade. Essa história está registada no Cósmico e tem vindo a ser alimentada pelos milhões e milhões de pessoas que, ao longo dos séculos, acreditaram nela. Trata-se de um arquétipo tão poderoso que inibe as pessoas de pensarem de outra maneira e de tentarem ver onde está a verdade.
Grande parte da doutrina cristã tem quase dois mil anos de existência. Alguns dos seus dogmas precisariam de ser revistos e actualizados, como por exemplo a concepção imaculada de Maria. Desde a mais remota antiguidade que as religiões pagãs nos contam histórias de deuses que geram filhos de mulheres mortais. Segundo o dogma, Jesus não nasceu de nenhum acto sexual, pois Maria era virgem e continuou virgem para todo o sempre. Apesar de já não haver dúvidas de que Jesus tinha irmãos e irmãs, que a família era relativamente numerosa, a Igreja persiste no dogma. Esta, aos olhos da actualidade, não deixa de ser uma visão estranha do papel da mulher e da sexualidade.
A visão gnóstica do nascimento imaculado era apenas simbólica, significava somente que o Cristo que vive no interior de cada um não nasce de uma mulher ou de um acto sexual, mas da pureza que conseguirmos criar no nosso interior – só quando nos purificarmos das tentações terrenas, dos vícios, dos apegos materiais, conseguiremos fazer nascer o Cristo em nós. A Igreja transpôs esta noção para o campo literal, o que é uma ideia absurda e tem muito a ver com o que sempre pensou do papel da mulher.
Nascida numa sociedade patriarcal em que a mulher tinha um papel secundaríssimo, que ainda hoje se reflecte no mundo árabe, a Igreja nunca permitiu que a mulher viesse a ter um papel relevante, tanto na sociedade como no culto. Contrariando os costumes da época, entre os gnósticos a mulher tinha um papel de absoluta igualdade com o homem.
É paradigmática a história de Maria Madalena. Embaraçada com o facto de Madalena ter sido talvez uma das discípulas dilectas de Jesus, provavelmente a sua companheira, a Igreja não viu outra solução senão transformá-la em prostituta e depois, elevá-la à santidade como prostituta arrependida. Fazendo uma leitura muito equívoca de um trecho dos Evangelhos onde uma determinada Maria lava os pés de Jesus e os enxuga com os cabelos, e onde nada se diz que se trata de Maria Madalena, a Igreja logo a identificou e estigmatizou, transformando também esta história num arquétipo muito poderoso, do qual é muito difícil as pessoas libertarem-se. A verdade porém é que, em nenhuma parte dos Evangelhos canónicos ou dos outros, se diz que Maria Madalena era prostituta. O arquétipo é tão poderoso que até há quem a confunda com a mulher do episódio da mulher adúltera, em que Jesus diz que quem não tiver pecado que lance a primeira pedra.
Os dogmas têm impedido a Igreja de evoluir para formas mais saudáveis e actuais de estar no mundo. Mau grado os esforços dos últimos Papas, a Igreja tem vindo cada vez mais a perder membros. O problema é que as pessoas não abandonam a Igreja por terem conseguido erguer-se acima dos dogmas e da doutrina desactualizada. Abandonam-na por se sentirem inseguras, por sentirem a falta de algo que seja eterno e lhes dê uma certeza de fé. Saem da Igreja Católica e vão ingressar nos rebanhos fundamentalistas das religiões evangelizantes.
O beijo de Judas não passa de um paradigma criado para, por um lado culpar os judeus da morte de Jesus, por outro lado tentar justificar a sua presença terrena e física. Nisto o próprio Evangelho de Judas entra em contradição pois, se diz que Cristo se encontra no interior de cada um, apresenta depois a história do beijo como se de uma ordem de Jesus se tratasse. É apenas uma contradição aparente se considerarmos que a cena do beijo e da identificação de Jesus é simbólica.
Um dos especialistas que traduziram o Evangelho de Judas, Marvin Meyer, catedrático de estudos cristãos na Universidade de Chapman, da Califórnia, define muito bem como é que uma Igreja ou uma religião se estabelece com todo o poder temporal que nos habituámos a ver na Igreja Católica. Diz ele que, “seja qual for a figura central de uma fé – se Jesus, Muhammad ou Buda – ela começa com um movimento profético e carismático. Mas, para perdurar tem de se estruturar. É preciso decidir de onde virá o dinheiro, quem será o líder, como se nomeará o líder seguinte. Aí se iniciam os jogos de poder. Numa religião, isso significa decidir também qual é a verdade, e quem a controla. A Igreja cristã é a mais bem sucedida organização social de toda a história da humanidade.”
Os gnósticos eram grupos dispersos que funcionavam independentes uns dos outros, cada grupo com o seu líder escolhido entre os seus membros, homem ou mulher. Como não tinham nenhum sentido de organização nem apetência pelo poder temporal, estavam condenados, naturalmente, ao desaparecimento. Apesar disso foram perseguidos pelo fundamentalismo dos primeiros padres da Igreja. Desapareceram mas os seus ensinamentos não se perderam, pois ainda há gente que sabe que o verdadeiro Cristo está no interior de cada ser humano, e não num altar de uma qualquer Igreja.
Pergunta-se: o que sucederia se Jesus aparecesse hoje na porta de uma Igreja? Dado o seu carácter revolucionário, patente mesmo nos Evangelhos canónicos, muito provavelmente seria expulso e não seria aceite em parte nenhuma. A sua doutrina não encaixaria em nenhuma das religiões cristãs da actualidade.
Se pensarmos que Deus não é algo exterior a nós mesmos, que todos temos essa centelha divina dentro de nós, que podemos se quisermos, com toda a nossa força de vontade, despertar ou ressuscitar o Cristo que está em nós, a existência ou não do homem chamado Jesus, se a sua história é ou não verdadeira, não tem a menor importância. Tem apenas importância para as religiões, que não sobreviriam sem uma figura central que justifique a sua existência e a sua doutrina.
Ao olharmos para trás, para esses dois mil anos que já transcorreram desde o início da formidável aventura que a religião cristã protagonizou, vemos com desânimo que o homem não se tornou melhor, continua a manifestar o mesmo egoísmo, a mesma violência, a fome continua a matar milhões de pessoas e a maior parte da humanidade continua sem o mínimo para sobreviver com dignidade. Portanto, a resposta ao anseio do homem por se elevar a um estado superior, não pode estar na religião. Está sim, como diziam os gnósticos, no coração de cada um.
Crónicas Avulsas
A Cura e a Oração
A oração tem o poder de curar? Habituámo-nos a ouvir falar de curas milagrosas, normalmente acontecidas durante cerimónias em santuários, como no caso de Fátima e de Lourdes. Aparentemente, parece que por ali vão acontecendo autênticos milagres, em que pessoas sofrendo de doenças graves se vêem de repente curadas de todo o mal. A tradição desses locais conta-nos o que as pessoas sentem quando abençoadas por um desses milagres, que sentem um grande calor por todo o corpo, dores lancinantes na região enferma do corpo, ou mesmo uma grande sensação de paz e plenitude. No entanto, esses pretensos milagres colocam problemas sérios, mesmo à própria Igreja.
Para a ciência o termo milagre não faz qualquer sentido, uma vez que transcende todas as leis universais e portanto, é algo de aberrante. Dizer-se que é Deus que os faz ou que são entidades divinas que provocam essas ocorrências não melhora as coisas pois, se Deus criou tudo quanto existe, também criou as leis que regem todo o universo e portanto, um milagre é um atentado contra o próprio Deus. Contrariando esta argumentação há quem afirme que se Deus criou tudo, inclusive as leis que nos regem, então, apenas Deus poderá não as cumprir, ou abrir excepções. Claro que esta discussão não leva a lado nenhum, parte de pressupostos antagónicos quando hoje, na verdade, as coisas estão mais complicadas para o entendimento de cada um.
A Igreja, à medida que os séculos têm vindo a decorrer desde a época em que foi fundada, tem tomado posições dúbias em relação ao fenómeno dos milagres. Por um lado apoia-os, porque politicamente a situação lhe é favorável, na medida em que, através deles um maior número de fiéis adere à sua doutrina. Por outro lado teme-os, mais precisamente a sua proliferação, receando ser acusada de charlatanice. Nos últimos tempos parece que até para a própria Igreja, os milagres deixaram de existir.
No caso de Lourdes, onde diariamente há uma procissão de enfermos buscando a cura, a Igreja reconheceu até hoje 66 milagres. Muito pouco, tendo em atenção que as presumíveis aparições da Virgem à pequena Bernardete ocorreram em 1858 e, daí para cá, Lourdes terá recebido mais de 200 milhões de doentes e peregrinos, procurando remédio para os seus males. Os últimos três milagres terão acontecido em 1976, 1978 e 1999. Para ilustrar os embaraços da Igreja perante os milagres de Lourdes, em 1862, quatro anos após as aparições, proclamou 7 milagres. Depois disto remeteu-se ao silêncio até 1907. Nesta altura o Papa Pio X exortou os bispos franceses a reconhecerem os milagres, de preferência com grande aparato cerimonial, e assim, entre 1907 e 1913 houve 33 proclamações, justamente metade de todas as havidas desde as aparições até aos dias de hoje. Com a morte do Papa Pio X os bispos desinteressaram-se do assunto, e nada aconteceu até à Segunda Grande Guerra. A partir de 1946 os reconhecimentos eclesiásticos foram retomados, mas de forma contida, a conta-gotas. Cessaram de novo em 1965, ano do encerramento do Concílio Vaticano II.
Em Lourdes ocorre actualmente um problema ainda mais complicado, o das curas carismáticas. Neste caso, não se trata de milagres, até porque os carismáticos não gostam dessa palavra nem a usam, mas de curas realizadas através da imposição de mãos em determinadas cerimónias que, supostamente, resultariam na descida do fogo do Espírito Santo sobre aquele que está a ser tratado. Há um centro carismático que se proclama de ter uma percentagem de curas da ordem dos 98%, número que deixaria os médicos sem nada para fazer. A hierarquia da Igreja não reconheceu até hoje uma única dessas curas carismáticas.
No caso de Fátima posso estar muito enganado, mas não conheço um único relato sobre uma cura ali verificada, depois das aparições ocorridas em 1917. Os únicos milagres atribuídos a Fátima são aqueles ocorridos naquele ano em que a Virgem terá aparecido aos três pequenos pastores. Esses milagres são: a previsão do término da 1ª Grande Guerra, que ocorreu em 11 de Novembro de 1918; uma noite iluminada por uma luz desconhecida, a aurora boreal acontecida em 25 de Janeiro de 1938; a profecia de que uma outra grande guerra começaria no papado de Pio XI, que foi a 2ª Grande Guerra; o início do comunismo na Rússia, que começou justamente em 1917; o martírio da comunidade judaica às nãos dos nazis; a vitória do Imaculado Coração sobre os povos da Terra, em 25 de Março de 1984, João Paulo II consagrou a Rússia ao Imaculado Coração de Maria. O atentado ao Papa João Paulo II ocorrido num dia 13 de Maio, dia da primeira aparição, consta também dos presumíveis milagres, neste caso estaria contido dentro do denominado 3º segredo, mas o assunto é controverso, até para muitos dos componentes da hierarquia católica.
Uma das coisas curiosas e que não podem deixar de fazer pensar, é a de que todos os videntes, à excepção da irmã Lúcia, tanto de Lourdes como de Fátima, morreram muito jovens. Bernardete, a vidente de Lourdes, morreu aos 21 anos de idade; Jacinta e Francisco, as duas crianças que acompanhavam Lúcia em Fátima, morreram com 9 e 10 anos de idade respectivamente. Lúcia, a quem se devem todas as descrições sobre Fátima, teve uma vida inteira de clausura e morreu aos 98 anos de idade. Todos eles eram crianças analfabetas e pastores de ovelhas.
Ainda sobre os milagres de Fátima, há relatos que afirmam que, quando se deu o milagre do Sol, no dia 13 de Outubro de 1917, todos os que estavam presentes e sofriam de alguma maleita, se viram de repente curados. Não sei qual a veracidade destes relatos, mas não me lembro de ter lido nada sobre alguma cura fantástica que tenha acontecido naquela altura. Nem naquela altura nem depois.
Não duvido que, pontualmente e muito raramente, tenham ocorrido algumas curas extraordinárias em Lourdes e em Fátima. Não ocorrem com mais frequência porque os peregrinos que demandam aqueles santuários vão em busca de uma solução para os seus problemas individuais. Estive várias vezes em Fátima, no 13 de Maio e uma vez em Lourdes, e assisti ao que se passava com toda aquela gente reunida. Em Lourdes vi uma procissão de doentes com as mais diversas enfermidades pedindo a ajuda dos céus e a cura para os seus padecimentos; em Fátima, o 13 de Maio é quase uma romaria, parecida com muitas que há por todo o Portugal. Com muitos farnéis e grandes almoços e jantares, as pessoas esperam a bênção da Senhora ou dos céus para os seus problemas. Quero dizer, cada um “puxa a brasa à sua sardinha”. Se em vez disso, as pessoas direccionassem as suas preces num determinado objectivo, ou seja, que as suas preces fossem a favor de um único indivíduo, certamente que os resultados seriam bem maiores.
Explicando melhor, é tudo uma questão de concentração da energia. É como naquela experiência da lente que concentra os raios do Sol num único ponto e que, dessa forma, se consegue atear o fogo num molho de gravetos. Os raios do Sol, por si só, não queimam os gravetos, mas reunidos num feixe provocado pela lente, produzem grande calor. Para que as energias do universo, que são sempre construtivas, possam actuar num processo de cura, precisariam de ser reunidas num objectivo comum. Ora isto não acontece nas peregrinações desses santuários, cada um puxa para o seu lado, dispersando completamente a capacidade regeneradora das energias cósmicas.
A Mecânica Quântica veio trazer uma nova compreensão sobre o funcionamento do universo, da natureza e dos corpos que a compõem. Ao radicalismo de Newton e Einstein, em que tudo funcionava segundo leis matemáticas bem definidas, sucedeu a ideia das hipóteses ou probabilidades e, mais importante do que isso, a verificação de que o observador, pela sua simples observação, pode influir num acontecimento e modificar o seu resultado. Esta constatação veio abrir um vasto campo de especulações sobre o que realmente se passa, mas veio também abrir a mente científica para a exploração de hipóteses e fenómenos até há pouco tempo rodeados de grande mistério. Uma nova concepção do universo começou a nascer, levando os especialistas a verificarem cada vez mais que, o que se presumia ser um vazio no mundo da matéria ao nível atómico, não o é de facto, que poderosas energias repousam nesse mundo onde, depois de muitas experiências se descobriu que, afinal, o vazio não existe. Por outro lado, confirmou-se a presença de energias que poderiam explicar determinados fenómenos, antes tidos como inexplicáveis. Por causa disto os cientistas hoje preferem expressões como “ainda não sabemos”, “é provável” ou “pode ser”, em vez de darem certezas absolutas como se nada mais houvesse de misterioso a pesquisar.
Evidentemente que logo que todas estas verificações se tornaram conhecidas, apareceu um mundo de charlatães a tentar explorar esse filão de ouro inestimável que prometia revolucionar o conhecimento humano. A natureza humana é assim mesmo, há sempre gente que se aproveita das circunstâncias do momento para poder tirar vantagem, mesmo que à custa da ignorância que grassa entre a maioria da população do planeta. Essa gente descobriu, por exemplo, que a manipulação da energia se podia tornar num bom negócio, e assistimos então ao tremendo incremento que o “Reiki” conheceu nas sociedades ocidentais, quando já estava praticamente em desuso no Oriente, de onde é originado. Há até um guru muito conhecido, com muitos livros publicados, que não sabendo o que fazer a tanto dinheiro ganho, resolveu começar a coleccionar carros “Rolls-Royce”. Acho que a última contagem dava mais de trezentos carros desses.
Mas voltando ao assunto desta crónica, há cada vez mais gente ligada à ciência que aceita que a energia pode ser manipulada e dirigida para fins benéficos, não só através da imposição das mãos, técnica que os essénios e outros povos antigos já usavam, mas também através da prece ou oração, não importando o modo como é feita, nem o local onde é realizada. Tendo chegado à conclusão, através da Física Quântica, que uma partícula pode estar interligada com outra, não importando a distância que as separa, que pode ser de alguns centímetros ou uma e outra estarem em cada extremo dos universo, entenderam que o efeito de uma oração é o mesmo, independentemente do local em que ela seja feita. Os rosacruzes sabem disto há muito tempo, mas foi preciso que a Física Quântica lhes viesse dar razão para o assunto ganhar foros de grande novidade.
Cientes desta nova realidade, os médicos de um hospital de New York resolveram fazer algumas experiências. Contactaram vários grupos e pessoas que praticam a oração com frequência, independentemente da sua confissão religiosa e do local de habitação, e estabeleceram um programa de auxílio aos doentes graves através da oração. Estes grupos e pessoas que fazem parte do programa residem em diversas partes do mundo, desde os Estados Unidos à Índia, à Austrália, à África do Sul, etc. Assim, sempre que aparece um caso muito grave e necessita de uma cirurgia de alto risco, os grupos e as pessoas são avisadas para, a partir de determinada hora, que é o início da intervenção cirúrgica, se colocarem em oração. Os resultados têm-se mostrado assombrosos, de uma percentagem de 35 a 40 por cento de mortes ocorridas durante a operação cirúrgica, passou-se a uma percentagem mínima que não chega aos 5 por cento. Mais ainda, as complicações pós operatórias são praticamente inexistentes e os doentes melhoram muito rapidamente.
Este tipo de experiência vai ser implementado no Brasil por um hospital de São Paulo, com o auxílio de pessoas ligadas às várias confissões e práticas de natureza religiosa, desde a Umbanda ao Espiritismo, ao Catolicismo, etc.
Estas experiências vêm demonstrar o que afirmo acima, que a oração tem o poder de atrair as forças cósmicas para nosso benefício, neste caso para ajudar os doentes submetidos a operações perigosas. As orações são dirigidas para um objectivo específico: a cura do doente que está a ser submetido à intervenção cirúrgica. Ao contrário do que se passa nos santuários que referi, onde as orações ficam dispersas pelos interesses individuais de cada um, neste caso são concentradas num único objectivo. Mas não haja ilusões, a oração, só por si, não cura. O doente continua a precisar da intervenção médica, a qual recebe um precioso auxilia da energia cósmica regeneradora.
O programa que aqui referi levado a cabo por um hospital de New York e que um hospital de São Paulo está em vias de implementar algo semelhante, é um programa sério. Não tem nada a ver com o que algumas Igrejas Evangélicas fazem, ao convencerem os seus fiéis a cessarem os tratamentos porque Jesus ou Deus, invocado pelos pastores, os irá curar. O que tem acontecido, e parece que ninguém tem a coragem de exigir responsabilidades a esses pastores, as pessoas pioram e; às vezes, morrem.
14 de Janeiro de 2007
A oração tem o poder de curar? Habituámo-nos a ouvir falar de curas milagrosas, normalmente acontecidas durante cerimónias em santuários, como no caso de Fátima e de Lourdes. Aparentemente, parece que por ali vão acontecendo autênticos milagres, em que pessoas sofrendo de doenças graves se vêem de repente curadas de todo o mal. A tradição desses locais conta-nos o que as pessoas sentem quando abençoadas por um desses milagres, que sentem um grande calor por todo o corpo, dores lancinantes na região enferma do corpo, ou mesmo uma grande sensação de paz e plenitude. No entanto, esses pretensos milagres colocam problemas sérios, mesmo à própria Igreja.
Para a ciência o termo milagre não faz qualquer sentido, uma vez que transcende todas as leis universais e portanto, é algo de aberrante. Dizer-se que é Deus que os faz ou que são entidades divinas que provocam essas ocorrências não melhora as coisas pois, se Deus criou tudo quanto existe, também criou as leis que regem todo o universo e portanto, um milagre é um atentado contra o próprio Deus. Contrariando esta argumentação há quem afirme que se Deus criou tudo, inclusive as leis que nos regem, então, apenas Deus poderá não as cumprir, ou abrir excepções. Claro que esta discussão não leva a lado nenhum, parte de pressupostos antagónicos quando hoje, na verdade, as coisas estão mais complicadas para o entendimento de cada um.
A Igreja, à medida que os séculos têm vindo a decorrer desde a época em que foi fundada, tem tomado posições dúbias em relação ao fenómeno dos milagres. Por um lado apoia-os, porque politicamente a situação lhe é favorável, na medida em que, através deles um maior número de fiéis adere à sua doutrina. Por outro lado teme-os, mais precisamente a sua proliferação, receando ser acusada de charlatanice. Nos últimos tempos parece que até para a própria Igreja, os milagres deixaram de existir.
No caso de Lourdes, onde diariamente há uma procissão de enfermos buscando a cura, a Igreja reconheceu até hoje 66 milagres. Muito pouco, tendo em atenção que as presumíveis aparições da Virgem à pequena Bernardete ocorreram em 1858 e, daí para cá, Lourdes terá recebido mais de 200 milhões de doentes e peregrinos, procurando remédio para os seus males. Os últimos três milagres terão acontecido em 1976, 1978 e 1999. Para ilustrar os embaraços da Igreja perante os milagres de Lourdes, em 1862, quatro anos após as aparições, proclamou 7 milagres. Depois disto remeteu-se ao silêncio até 1907. Nesta altura o Papa Pio X exortou os bispos franceses a reconhecerem os milagres, de preferência com grande aparato cerimonial, e assim, entre 1907 e 1913 houve 33 proclamações, justamente metade de todas as havidas desde as aparições até aos dias de hoje. Com a morte do Papa Pio X os bispos desinteressaram-se do assunto, e nada aconteceu até à Segunda Grande Guerra. A partir de 1946 os reconhecimentos eclesiásticos foram retomados, mas de forma contida, a conta-gotas. Cessaram de novo em 1965, ano do encerramento do Concílio Vaticano II.
Em Lourdes ocorre actualmente um problema ainda mais complicado, o das curas carismáticas. Neste caso, não se trata de milagres, até porque os carismáticos não gostam dessa palavra nem a usam, mas de curas realizadas através da imposição de mãos em determinadas cerimónias que, supostamente, resultariam na descida do fogo do Espírito Santo sobre aquele que está a ser tratado. Há um centro carismático que se proclama de ter uma percentagem de curas da ordem dos 98%, número que deixaria os médicos sem nada para fazer. A hierarquia da Igreja não reconheceu até hoje uma única dessas curas carismáticas.
No caso de Fátima posso estar muito enganado, mas não conheço um único relato sobre uma cura ali verificada, depois das aparições ocorridas em 1917. Os únicos milagres atribuídos a Fátima são aqueles ocorridos naquele ano em que a Virgem terá aparecido aos três pequenos pastores. Esses milagres são: a previsão do término da 1ª Grande Guerra, que ocorreu em 11 de Novembro de 1918; uma noite iluminada por uma luz desconhecida, a aurora boreal acontecida em 25 de Janeiro de 1938; a profecia de que uma outra grande guerra começaria no papado de Pio XI, que foi a 2ª Grande Guerra; o início do comunismo na Rússia, que começou justamente em 1917; o martírio da comunidade judaica às nãos dos nazis; a vitória do Imaculado Coração sobre os povos da Terra, em 25 de Março de 1984, João Paulo II consagrou a Rússia ao Imaculado Coração de Maria. O atentado ao Papa João Paulo II ocorrido num dia 13 de Maio, dia da primeira aparição, consta também dos presumíveis milagres, neste caso estaria contido dentro do denominado 3º segredo, mas o assunto é controverso, até para muitos dos componentes da hierarquia católica.
Uma das coisas curiosas e que não podem deixar de fazer pensar, é a de que todos os videntes, à excepção da irmã Lúcia, tanto de Lourdes como de Fátima, morreram muito jovens. Bernardete, a vidente de Lourdes, morreu aos 21 anos de idade; Jacinta e Francisco, as duas crianças que acompanhavam Lúcia em Fátima, morreram com 9 e 10 anos de idade respectivamente. Lúcia, a quem se devem todas as descrições sobre Fátima, teve uma vida inteira de clausura e morreu aos 98 anos de idade. Todos eles eram crianças analfabetas e pastores de ovelhas.
Ainda sobre os milagres de Fátima, há relatos que afirmam que, quando se deu o milagre do Sol, no dia 13 de Outubro de 1917, todos os que estavam presentes e sofriam de alguma maleita, se viram de repente curados. Não sei qual a veracidade destes relatos, mas não me lembro de ter lido nada sobre alguma cura fantástica que tenha acontecido naquela altura. Nem naquela altura nem depois.
Não duvido que, pontualmente e muito raramente, tenham ocorrido algumas curas extraordinárias em Lourdes e em Fátima. Não ocorrem com mais frequência porque os peregrinos que demandam aqueles santuários vão em busca de uma solução para os seus problemas individuais. Estive várias vezes em Fátima, no 13 de Maio e uma vez em Lourdes, e assisti ao que se passava com toda aquela gente reunida. Em Lourdes vi uma procissão de doentes com as mais diversas enfermidades pedindo a ajuda dos céus e a cura para os seus padecimentos; em Fátima, o 13 de Maio é quase uma romaria, parecida com muitas que há por todo o Portugal. Com muitos farnéis e grandes almoços e jantares, as pessoas esperam a bênção da Senhora ou dos céus para os seus problemas. Quero dizer, cada um “puxa a brasa à sua sardinha”. Se em vez disso, as pessoas direccionassem as suas preces num determinado objectivo, ou seja, que as suas preces fossem a favor de um único indivíduo, certamente que os resultados seriam bem maiores.
Explicando melhor, é tudo uma questão de concentração da energia. É como naquela experiência da lente que concentra os raios do Sol num único ponto e que, dessa forma, se consegue atear o fogo num molho de gravetos. Os raios do Sol, por si só, não queimam os gravetos, mas reunidos num feixe provocado pela lente, produzem grande calor. Para que as energias do universo, que são sempre construtivas, possam actuar num processo de cura, precisariam de ser reunidas num objectivo comum. Ora isto não acontece nas peregrinações desses santuários, cada um puxa para o seu lado, dispersando completamente a capacidade regeneradora das energias cósmicas.
A Mecânica Quântica veio trazer uma nova compreensão sobre o funcionamento do universo, da natureza e dos corpos que a compõem. Ao radicalismo de Newton e Einstein, em que tudo funcionava segundo leis matemáticas bem definidas, sucedeu a ideia das hipóteses ou probabilidades e, mais importante do que isso, a verificação de que o observador, pela sua simples observação, pode influir num acontecimento e modificar o seu resultado. Esta constatação veio abrir um vasto campo de especulações sobre o que realmente se passa, mas veio também abrir a mente científica para a exploração de hipóteses e fenómenos até há pouco tempo rodeados de grande mistério. Uma nova concepção do universo começou a nascer, levando os especialistas a verificarem cada vez mais que, o que se presumia ser um vazio no mundo da matéria ao nível atómico, não o é de facto, que poderosas energias repousam nesse mundo onde, depois de muitas experiências se descobriu que, afinal, o vazio não existe. Por outro lado, confirmou-se a presença de energias que poderiam explicar determinados fenómenos, antes tidos como inexplicáveis. Por causa disto os cientistas hoje preferem expressões como “ainda não sabemos”, “é provável” ou “pode ser”, em vez de darem certezas absolutas como se nada mais houvesse de misterioso a pesquisar.
Evidentemente que logo que todas estas verificações se tornaram conhecidas, apareceu um mundo de charlatães a tentar explorar esse filão de ouro inestimável que prometia revolucionar o conhecimento humano. A natureza humana é assim mesmo, há sempre gente que se aproveita das circunstâncias do momento para poder tirar vantagem, mesmo que à custa da ignorância que grassa entre a maioria da população do planeta. Essa gente descobriu, por exemplo, que a manipulação da energia se podia tornar num bom negócio, e assistimos então ao tremendo incremento que o “Reiki” conheceu nas sociedades ocidentais, quando já estava praticamente em desuso no Oriente, de onde é originado. Há até um guru muito conhecido, com muitos livros publicados, que não sabendo o que fazer a tanto dinheiro ganho, resolveu começar a coleccionar carros “Rolls-Royce”. Acho que a última contagem dava mais de trezentos carros desses.
Mas voltando ao assunto desta crónica, há cada vez mais gente ligada à ciência que aceita que a energia pode ser manipulada e dirigida para fins benéficos, não só através da imposição das mãos, técnica que os essénios e outros povos antigos já usavam, mas também através da prece ou oração, não importando o modo como é feita, nem o local onde é realizada. Tendo chegado à conclusão, através da Física Quântica, que uma partícula pode estar interligada com outra, não importando a distância que as separa, que pode ser de alguns centímetros ou uma e outra estarem em cada extremo dos universo, entenderam que o efeito de uma oração é o mesmo, independentemente do local em que ela seja feita. Os rosacruzes sabem disto há muito tempo, mas foi preciso que a Física Quântica lhes viesse dar razão para o assunto ganhar foros de grande novidade.
Cientes desta nova realidade, os médicos de um hospital de New York resolveram fazer algumas experiências. Contactaram vários grupos e pessoas que praticam a oração com frequência, independentemente da sua confissão religiosa e do local de habitação, e estabeleceram um programa de auxílio aos doentes graves através da oração. Estes grupos e pessoas que fazem parte do programa residem em diversas partes do mundo, desde os Estados Unidos à Índia, à Austrália, à África do Sul, etc. Assim, sempre que aparece um caso muito grave e necessita de uma cirurgia de alto risco, os grupos e as pessoas são avisadas para, a partir de determinada hora, que é o início da intervenção cirúrgica, se colocarem em oração. Os resultados têm-se mostrado assombrosos, de uma percentagem de 35 a 40 por cento de mortes ocorridas durante a operação cirúrgica, passou-se a uma percentagem mínima que não chega aos 5 por cento. Mais ainda, as complicações pós operatórias são praticamente inexistentes e os doentes melhoram muito rapidamente.
Este tipo de experiência vai ser implementado no Brasil por um hospital de São Paulo, com o auxílio de pessoas ligadas às várias confissões e práticas de natureza religiosa, desde a Umbanda ao Espiritismo, ao Catolicismo, etc.
Estas experiências vêm demonstrar o que afirmo acima, que a oração tem o poder de atrair as forças cósmicas para nosso benefício, neste caso para ajudar os doentes submetidos a operações perigosas. As orações são dirigidas para um objectivo específico: a cura do doente que está a ser submetido à intervenção cirúrgica. Ao contrário do que se passa nos santuários que referi, onde as orações ficam dispersas pelos interesses individuais de cada um, neste caso são concentradas num único objectivo. Mas não haja ilusões, a oração, só por si, não cura. O doente continua a precisar da intervenção médica, a qual recebe um precioso auxilia da energia cósmica regeneradora.
O programa que aqui referi levado a cabo por um hospital de New York e que um hospital de São Paulo está em vias de implementar algo semelhante, é um programa sério. Não tem nada a ver com o que algumas Igrejas Evangélicas fazem, ao convencerem os seus fiéis a cessarem os tratamentos porque Jesus ou Deus, invocado pelos pastores, os irá curar. O que tem acontecido, e parece que ninguém tem a coragem de exigir responsabilidades a esses pastores, as pessoas pioram e; às vezes, morrem.
14 de Janeiro de 2007
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