sexta-feira, 1 de junho de 2012

Cartas do meu Sanctum - Recomeços

Alguém disse e escreveu que a vida é uma sequência de recomeços, e assim é, de facto. Todos os dias, quando acordamos, recomeçamos a nossa vida, depois de uma noite em que estivemos ausentes, no sono. Quando digo ausentes, quero dizer isso mesmo, pois ninguém sabe, exactamente, por onde andamos quando dormimos e sonhamos – a teoria dos universos paralelos está cada vez mais presente nas nossas conjecturas. Mas quando despertamos o nosso corpo ganha vigor, encaramos as coisas de cabeça um pouco mais fresca, mas não eliminamos nada do que constitui a nossa vida, tudo permanece na nossa memória, os problemas, as preocupações, as alegrias, porque o novio dia é apenas a continuação de tudo. Carregamos sempre connosco o “fardo” que constitui a nossa vida. O termo “fardo” aqui não tem sentido pejorativo, significa apenas o conjunto que constitui a nossa vida, conjunto esse que pode ser mais ou menos pesado, ou até bem leve, dependendo do que fazemos no tempo em que nos é permitido viver. É assim também o renascimento ou reencarnação. Quando nascemos de novo, é um recomeço das vidas que deixámos para trás e, tal como quando acordamos de manhã, carregamos o “fardo” dessas nossas vidas passadas. Pesado ou leve, esse “fardo” irá condicionar os eventos da nossa vida. Mas ao contrário do que acontece quando despertamos de uma noite de sono, a memória parece ter desaparecido, não conseguimos lembrar-nos de nada das nossas vidas passadas. Ou lembramo-nos? Não nos lembramos de forma objectiva, mas algo nos diz que existe uma memória que reside no íntimo do nosso ser, de que não temos consciência, mas que, afinal, acaba por presidir ao nosso destino. Não é por acaso que tomamos uns caminhos em vez de outros; não é por acaso que determinadas acções nos repugnam ou seduzem; não é por acaso que escolhemos o bem e repudiamos o mal, ou o contrário. Porque somos o resultado acumulado de um infindável número de experiências de vida que expressamos na actualidade, contribuindo para a construção de uma humanidade mais fraterna, ou exercendo actividades prejudiciais ao ser humano e ao planeta, ou ainda permanecendo inerte e alienado de tudo o que se passa à volta. Quando recomeçamos a vida de manhã, quando acordamos, podemos lembrar-nos de algo bom que fizemos ontem, ou há dias, ou podemos continuar a alimentar o ódio que trazemos de conflitos absolutamente desnecessários e inapropriados. Podemos decidir-nos a fazer o possível por estabelecer a paz e a concórdia com quem se julga nosso inimigo, ou podemos acrescentar “achas à fogueira”, alimentando o conflito. Tudo isto depende de nós, depende do que o nosso mestre interior nos sugerir. De igual modo, quando nascemos, trazemos connosco o que os orientais nos ensinaram a chamar “carma”. Esse carma irá pontuar a nossa vida, ainda que disso não tenhamos consciência. Podemos dedicar-nos a construir uma vida equilibrada onde resida essencialmente o bem ou o amor, ou podemos divergir para actos menos correctos, para expressões e demonstrações de egoísmo, para pouca caridade e pouco amor. Em muitos casos podemos cair na atracção sedutora das trevas. Há quem se preocupe permanentemente com o carma, como se este fosse uma espécie de “espada de Dâmocles” sobre a cabeça, fazendo o possível por não agravar esse carma, temendo talvez uma espécie de julgamento final. Acho exagerada e desnecessária essa preocupação. A únikca preocupação que deve existir é a das nossas escolhas, se optamos ou não pelo bem. Depois, o carma se ajustará por si mesmo. Ad rosen! (Escrito em Birigui, São Paulo, às 22h17 de 31 de Maio de 2012)

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