- O que procuras, peregrino?
- Não sei, Mestre. Talvez a minha alma, que sinto perdida.
- Não procures fora o que não podes encontrar. Procura dentro de ti.
A peregrinação é uma prática, normalmente de natureza religiosa, que remonta aos primórdios da humanidade. Consiste essencialmente numa viagem a um local considerado sagrado. Essa viagem pode ser feita de vários modos, usando diferentes meios de transporte ou simplesmente a pé.
A verdadeira essência da peregrinação a um lugar sagrado implica um sacrifício, por isso as longas caminhadas a pé, exigindo do caminhante grande força de vontade para prosseguir através das dores do corpo e, quantas vezes, as da alma.
Existem no mundo numerosos locais de peregrinação, incluindo os centros marianos, sobre os quais falaremos em outra altura, quando abordarmos o culto de Ísis e das suas ramificações dentro do paganismo, até ao desembocar no culto mariano cristão.
No cristianismo os lugares de peregrinação mais conhecidos são Jerusalém, Roma e Santiago de Compostela. Neste último caso a tradição é anterior ao cristianismo, pois a região do cabo Finisterra foi sempre considerada um local sagrado desde a mais remota antiguidade. Jerusalém é simultaneamente um lugar sagrado para as três religiões do “Livro”, o cristianismo, o islamismo e o judaísmo.
O local mais sagrado do islamismo é Meca, cidade procurada por milhões de muçulmanos na sua peregrinação anual. Outros locais, Jerusalém como já foi dito acima e Medina.
Outros lugares há no mundo que atraem essa vontade de os procurar, lugares sagrados por algum motivo, por uma lenda, pela força de uma aparição, por ser um lugar de suplício, por se acreditar que ali existe uma energia diferente, por se achar que ali existe uma porta para uma outra dimensão, enfim, os motivos são inúmeros e muitos desses lugares ganham de repente grande projecção por algum factor externo que os faz sair da obscuridade e serem procurados por autênticas multidões. A peregrinação a Santiago de Compostela ganhou um incremento extraordinário após a publicação do livro de Paulo Coelho, “O Diário de um Mago”. Neste caso, já não é apenas uma peregrinação religiosa, mas também mágica, onde acontecem coisas extraordinárias ao caminhante.
Mas essas coisas extraordinárias não acontecem somente ali, acontecem em todo o lado na nossa vida quotidiana, das quais mal nos apercebemos ou sequer lhes prestamos atenção. No entanto, se estivermos atentos, descobrimos que afinal a magia existe, que faz parte da nossa vida.
A verdadeira peregrinação, como diria o Mestre, é a peregrinação ao nosso interior. Para isso precisamos de nos centrar no nosso ser, sem influências externas que nos desviem o foco. O sacrifício que se exige ao caminhante de Santiago faz com que ele se centre em si mesmo, as dores do corpo e as feridas dos pés, mais o silêncio das longas estradas e das serranias, fazem com que ele se centre na sua pessoa, no verdadeiro ser que é.
Mas para a peregrinação ao nosso interior não precisamos das dores das grandes caminhadas. Pode ser conseguida, tranquilamente, através da meditação, no recolhimento num local tranquilo em algum lugar da nossa casa. Não deve ser uma meditação conduzida por outrem, mas uma meditação solitária, onde se possa, no segredo do coração, entrar em contacto com o nosso mestre interior, nosso verdadeiro guia ao longo da vida.
É difícil chegar lá. Às vezes são necessários anos de prática e muita coragem para ultrapassarmos os obstáculos que nos impedem de olharmos para o nosso verdadeiro “eu”, o principal dos quais é a nossa sombra, o lado mais obscuro do nosso ser, que temos de enfrentar e aprender a lidar com ele, porque ele faz parte intrínseca da nossa vida, é necessário à nossa vida assente na dualidade – não seria possível viver se fossemos só luz ou só sombra. Se não houvesse sombras os nossos olhos não conseguiriam distinguir nenhum objecto.
O verdadeiro peregrino é aquele que não precisa de locais externos mais ou menos sagrados. O verdadeiro peregrino é aquele que mergulha para dentro de si mesmo, em busca do anjo, do guia, do guardião, que eu prefiro chamar de mestre interior, com quem pode estabelecer um diálogo silencioso, aprendendo o que não pode aprender em nenhum manual, nem com nenhum auto-denominado mestre.
A vida é a grande peregrinação que nos foi sugerida no momento em que nascemos, queiramos nós aprender com os ensinamentos que ela nos oferece de graça.
Ad rosen!
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