quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O Espírito de Dom Elder Câmara

Não tenho nada contra o Espiritismo enquanto religião, nas suas mais diversas formas, sejam as sistematizadas por Allan Kardec ou outras, ou ainda as que resultaram de fusão com ritos africanos, como é o caso da Umbanda. Também não tenho nada contra os espíritas, pois cada um acredita no que quer, segue a religião com que melhor se identifica, e ninguém tem nada com isso, pois daqui vem o ditado de que “religião não se discute”.
Pois bem, isto é verdade, mas a coisa muda de figura quando um livro atinge os escaparates das livrarias e da Internet, com o estranho título de “Novas Utopias”, supostamente ditado a um médium pelo espírito do antigo arcebispo de Olinda e Recife. E digo estranho título porque “utopia” tem um significado que tem mais a ver com o imaginário, com o irreal, do que com algum plano concreto, basta consultar qualquer dicionário de língua portuguesa. Portanto, não se percebe bem o que quererá dizer esse título, “Novas Utopias”. Será que as velhas são irealizáveis e agora se inventam novas para que se possam vir a realizar? Ou o livro, é ele próprio imaginário?
A publicação de um livro, seja qual for a sua origem, implica o sentido crítico dos seus leitores, independentemente de vir a ser ou não um “best seller”, pois há livros bons que nunca foram isso, e livros menos bons que bateram recordes de vendas, como é o caso do “Código Da Vinci”. Mas em todos os casos existe a crítica, favorável ou não, sem relação directa com as vendas efectuadas. Depois, a crítica é sempre subjectiva, pois pode-se não gostar de um livro que a maioria gosta, ou gostar daquele que essa mesma maioria repudia. Por exemplo, um dos grandes sucessos dos últimos tempos é o livro “O Caçador de Pipas”, de um autor afegão, livro que considero apenas entre o razoável e o medíocre, mas que deve o seu sucesso à oportunidade da publicação retratando a realidade do Afeganistão dos talibãs.
Há certamente centenas de milhares de obras, supostamente psicografadas, o que quer dizer escritas por espíritos através de méduns, não só nas livrarias espíritas, mas também nas outras. Mas, por estranho que pareça, nunca encontrei a menor crítica a qualquer dessas obras, o que mais tenho encontrado são textos prosélitos e divulgadores dessas obras. O que é que acontece? Não acredito que não haja bastante gente com dúvidas sobre a autenticidade de muitas dessas obras. Têm medo de expressar o seu pensamento, não vá “o diabo tecê-las” e esses espíritos voltarem-se contra si?
Julgo que o cerne do problema está no facto dessas obras, de alguma forma, tomarem o carácter religioso e, como disse acima, “religião não se discute”. Por outro lado, parece-me que muitos não têm coragem de abordar a questão da autenticidade de determinada obra por não poderem provar que seja falsa, da mesma maneira que não se pode provar que seja verdadeira. Então ficamos nessa zona cinzenta em que a crença toma para si a veracidade de determinada comunicação.
Ao escrever este texto não estou a colocar-me numa posição de total criticismo a essas manifestações, pois presenciei muitas em vários lugares e situações diferentes, o que me levou a concluir que algo se passa a outro nível além do físico, para o que ainda não encontrei respostas adequadas. Mas esta posição não me obriga a aceitar “gato por lebre”, que é o que acontece inúmeras vezes.
Ao procurar informação sobre esse livro “Novas Utopias”, em que, aparentemente, o espírito de Helder Câmara se terá manifestado através de um médium, encontrei algo de curioso num dos blogs consultados:
“- O médium afirmou nas primeiras páginas do livro que era a sua primeira psicografia...
- O livro foi prefaciado por três pessoas que conheceram profundamente D.Helder Camara enquanto encarnado. Elogios à obra... nenhum questionamento quanto a autenticidade do autor;
- Não conheço o médium ou saiba algo a respeito de seus trabalhos; Paulo”
Estas questões são colocadas por um tal Paulo, que parece ser espírita ou conhece o meio. No entanto, essas questões podem lançar algumas dúvidas sobre a autenticidade da comunicação: como primeira obra psicografada, foi logo a do espírito de Hélder Câmara, e não sob a forma de textos avulsos, como costuma ser corrente, mas logo um livro; é óbvio que as pessoas escolhidas para prefaciar o livro só poderiam dizer bem dele, ninguém iria escolher pessoas que não estivessem de acordo com o livro ou que lhe fizessem alguma crítica.
A esperança que ressalta do texto divulgado de que a Igreja Católica venha a reconhecer o erro em que tem incorrido ao longo dos séculos em repudiar a reencarnação ou a existência da vida após a morte, é uma esperança infundada. O facto do livro se referir ao espírito de um sacerdote católico, não vai certamente mudar uma vírgula na doutrina católica, assente há séculos em dogmas de céu, inferno e purgatório, e ressurreição dos mortos.
Mas o mais interessante do texto divulgado via Internet e que resume a manifestação de Hélder Câmara, é que não contém novidade nenhuma – reflecte o pensamento conhecido do antigo arcebispo, as suas preocupações sociais, o seu posicionamento político e o seu devotado amor à Igreja e por isso, do lado de lá, continua padre. Ou seja, do lado de lá, segundo ele ou o seu espírito, é tudo igual ao lado de cá, os mesmos problemas, as mesas incompreensões, as pessoas reproduzem lá o que foram e as mesmas situações que produziram cá. Sem querer fazer piada, gostaria de saber se do lado de lá as pessoas comem, se unem sexualmente e fazem outras coisas, como no texto se diz: “A minha rotina de trabalho é, mais ou menos, a mesma. Levanto-me, porque aqui também se descansa um pouco, e vamos desenvolver actividades para as quais nos colocamos à disposição”. Então, parece que mesmo sob a forma de espírito, também se dorme e descansa… Diz também que se coloca à disposição para desenvolver actividades. À disposição de quem? Isto pressupõe uma organização e uma hierarquia.
Para finalizar esta curta crónica e não querendo tirar conclusões sobre a veracidade da obra, conhecendo-se a postura política de Dom Hélder Câmara, que foi inclusive perseguido pela ditadura militar, é estranho que uma obra desta natureza apareça justamente num ano eleitoral. Cada um que tire as suas conclusões e, se estiver interessado, por favor faça os seus comentários.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Conversas com Samuel Dalatando

I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 6ª Parte

- O que é um homem religioso? – Perguntou Samuel, como se estivesse a pensar alto.
Voávamos já em território brasileiro, devíamos estar por alturas de Recife, mais ou menos a duas horas e meia da chegada ao Rio de Janeiro. A comissária acabara de nos servir o pequeno-almoço, uma notável refeição onde não faltavam as frutas, os ovos mexidos com bacon e, naturalmente, o café e o leite. Estremunhados depois de algumas horas de sono, espreitando pela janela o esplendoroso espectáculo do nascer do Sol, raiando o céu de azuis, lilases, vermelhos e amarelos, aquela refeição parecia o nosso pecado original, tal a gula com que nos dedicámos a ingerir aquelas iguarias.
- Um homem religioso? – Respondi. – É aquele que segue uma religião.
- Não. Esse é um crente. Um homem religioso é mais do que isso, é aquele que adopta a religiosidade como base da sua vida e procura transmitir aos outros a sua experiência espiritual.
- Porquê essa pergunta?
- Porque acho que Saint-Martin, acima de tudo, era um homem religioso.
- Finalmente estamos a falar de Saint-Martin. Porque é que acha que ele era um homem religioso? Não era ele que defendia a ideia do Homem-Deus?
- Sim. Mesmo por essa ideia se vê a sua religiosidade.
- Não entendo.
- Veja bem. Saint-Martin trilhou de início o mesmo caminho que Willermoz, ele foi também um dos “Elus-Cohen” de Pasqualy. Seguiu o caminho indicado por Pasqualy para atingir a iluminação através da magia cerimonial, na qual, para além dos ensinamentos da Cabala, se invocavam os poderes angélicos, presumivelmente superiores.
- Certo. E então?
- Foi nessa altura que ele escreveu a sua obra mais famosa, “Dos Erros e da Verdade”.
- Sim. Mas essa obra é ainda baseada na doutrina de Pasqualy, na magia dos números, uma noção que o acompanhou durante toda a vida. Trata-se ainda da magia cerimonial ou, como alguns afirmam, da mística dos números. Embora o livro seja algo confuso, ele achava que tudo na Natureza correspondia a um número, numa espécie de analogia com a Cabala, no que se refere às potências das letras hebraicas. Não vejo aqui nenhuma religiosidade, excepto no facto dele achar que a Matemática era uma cópia ilusória da verdadeira ciência, entendendo-se naturalmente que a verdadeira ciência estava acima da compreensão dos homens, e acima sobretudo do intelecto.
- Sim. Mas ele também achava que a iluminação não vinha dos sentidos nem dos processos cerebrais, que era uma dádiva sobrenatural, tal como a religião, que era um meio de transmitir sabedoria a quem pudesse percebê-la. Ele era um excelente matemático, mas tinha da Matemática a noção de que era incompleta, pois a verdadeira Causa de Tudo não podia ser explicada racionalmente. A verdadeira Causa de Tudo seria, no seu entender, um Ser inteligente e superior, incompreensível para a razão humana. Por isso disse que ele era um homem religioso.
- Compreendo onde quer chegar. Enquanto Willermoz se afastou da religião como meio de atingir a iluminação, levando para o “seu” Rito Escocês rectificado toda a magia de Pasqualy, Saint-Martin afastou-se desse caminho estabelecendo a sua própria doutrina que veio a resultar nas várias formas de martinismo.
- Não sei se Saint-Martin aprovaria muito do que se passa hoje nessas ordens martinistas. Tenho a impressão de que muitas são um pálido reflexo da sua doutrina.
- Tudo evolui, não é? Mas falando ainda dos “Erros e da Verdade”, tentei ler o livro mas acabei por não compreender grande coisa. Ao fim e ao cabo trata-se quase de um tratado matemático ou sobre questões matemáticas.
- Concordo em que não é fácil entender esse livro. Já o li há bastante tempo e não me lembro bem do seu conteúdo. Mas lembro-me de ter ficado com a impressão de que Saint-Martin procurou justificar a sua doutrina de regeneração ou de retorno à situação primordial do homem antes da “Queda”, através dos números e de fórmulas matemáticas, dizendo que estas eram incompletas pois não concebia a existência da Causa de Tudo.
Seria fácil neste momento em que escrevo estas linhas, pegar no livro e fazer algumas transcrições que elucidassem melhor sobre o diálogo que estávamos a ter, mas não o faço por fidelidade a essa conversa, mesmo que nela se vejam algumas incorrecções ditadas pela interpretação do livro, que continuo a considerar bem confuso.
- Penso o seguinte – continuou Samuel –, que Saint-Martin viveu num período muito conturbado politicamente com a revolução americana e a revolução francesa, e que na altura, se saía de um período grande da História em que as acções do homem se justificavam quando procurava executar as obras de Deus na Terra, mesmo através de processos científicos, e se entrava num período em que a ciência, nomeadamente a Matemática, pretendia afastar-se de Deus e explicar tudo de forma racional.
- Então Saint-Martin procurou lutar contra essa nova corrente…
- De certo modo. Ele preconizou a existência do Homem-Deus, algo rejeitado pela ortodoxia cristã mas que, para nossa surpresa, foi um tema introduzido no Concílio Vaticano II, embora esse tema, como outros, tenha sido ignorado ou repudiado pela hierarquia católica dos papas que se seguiram a João XXIII. Saint-Martin achava que esse estatuto de Homem-Deus era o estatuto primordial do ser humano, criado à imagem e semelhança do seu Criador. Que a “Queda” provocara o estilhaçar das faculdades concedidas ao ser humano, mas essas faculdades poderiam ser recuperadas através da regeneração. No entanto, o homem não tinha capacidade para se regenerar sozinho, precisava do “Reparador”, do acto de sacrifício do Cristo, para que o homem pudesse encetar o seu verdadeiro caminho de retorno. Neste aspecto, a doutrina de Saint-Martin é como que uma continuação das ideias expressas nos primeiros manifestos rosacruzes, o Fama e o Confessio.
- Mas essas ideias não estão patentes nos rituais martinistas actuais…
- Não. De facto não estão ou, como alguns dizem, estão implícitas nos rituais, o que não é a mesma coisa. O Cristo dos rituais martinistas é o Cristo gnóstico, o do coração, ou melhor dizendo, o Cristo interior de cada um.
- E onde é que aparece Jacob Boheme?
- Sei que a partir de determinada altura Saint-Martin começou a corresponder-se com Jacob Boheme e a adoptar muitas das suas ideias. Eu nunca li nada de Jacob Boheme, portanto, a impressão que tenho é a de muitos comentários que tenho ouvido. Parece que não era um homem culto como Saint-Martin, que era um simples sapateiro alemão e que terá escrito os seus livros através daquilo que hoje está muito em voga, a escrita automática, ou psicografada. Quero dizer que ele deveria ser um médium e escrevia os livros como hoje se escrevem muitos dos livros espíritas.
- Jacob Boheme seria então um espírita…
- Provavelmente. O espiritismo ainda não tinha sido sistematizado por Kardec, mas a prática era a mesma.
- Mas pelo que entendo, Saint-Martin renunciou às práticas teúrgicas dos rituais de Pasqualy e de Willermoz, afirmando não serem necessárias para que o homem se sintonizasse com a divindade.
- É verdade. Por isso não se compreende muito bem a sua associação com Boheme. Por outro lado, ele parece ter recuperado ideias do cristianismo primitivo, como a ideia preconizada por Joaquim de Fiore, o caminho da humanidade para uma era do Espírito Santo ou “Paracleto”. Ele via a Revolução Francesa como uma etapa importante desse caminho. Ele via a violência que se seguiu como uma punição pela indiferença à Causa Verdadeira, mas que ao mesmo tempo era o prenúncio de uma libertação maior da humanidade. Ao fim e ao cabo, a revolução e a violência era um acto doloroso de profundo sacrifício pela redenção da humanidade.
- Sei que estamos quase a chegar ao Rio de Janeiro, mas não queria deixar passar uma questão importante, o “Homem de Desejo”, uma ideia defendida por Saint-Martin.
- Sim. “Homem de Desejo…” O que é que ele entendia por isso? Para ele os homens de desejo eram aqueles que pretendiam arrancar de si a servidão à condição de pecador. Procuravam imitar Cristo encarnado, e desse modo, receberem a inspiração e sabedoria divinas, expiando os pecados através do sofrimento e sacrifício.
- Realmente, dessa forma ele era um homem religioso… – completei.
- Mas Saint-Martin é um assunto muito maior do que esta simples conversa. Talvez um dia venhamos a falar dele mais completamente. É importante notar que ele se intitulava “O Filósofo Desconhecido”, o que quer dizer muita coisa e que o coloca na linha directa dos primeiros manifestos rosacruzes, escritos anonimamente.
- E o que me diz da herança que ele deixou, quero dizer, do martinismo actual.
- Quando olho para alguém com um emblema martinista na lapela do casaco, naturalmente que essa pessoa não se identifica com o “Filósofo Desconhecido”.
- Entendo…
O avião já se aproximava da pista do aeroporto do Galeão, hoje aeroporto Tom Jobim, e já tinham pedido para apertar os cintos. Samuel iria tomar um voo de ligação para Brasília e eu ficaria no Rio durante essa semana. Combinámos encontrar-nos, se possível, no final dessa semana, quando ele voltasse de Brasília.
À saída do aeroporto, enquanto procurava um táxi que me levasse ao hotel, o tradicional cheiro de querosene encheu-me as narinas – estava no Rio de Janeiro.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Conversas com Samuel Dalatando

I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 5ª Parte

Estava muito frio em Nova York naquele mês de Janeiro. Lembro-me de ter visto na torre de um edifico a leitura de 17 graus Fahrenheit, o que em centígrados dá menos de 5 graus negativos. Durante três dias em que estive naquela cidade tentei contactar o Samuel, mas não consegui encontrá-lo, nem em casa, nem no escritório. Uma das suas secretárias disse-me que ele estava fora, mas não disse onde. Naquela altura os telefones celulares ainda não existiam, ou estavam ainda no início do seu desenvolvimento.
No último dia da minha estadia fui convidado para tomar o pequeno-almoço no apartamento de uma querida amiga, a Lydia, que morava na rua 52, a mesma rua em que morava o Samuel. Lydia, que também era amiga de Samuel, disse-me que o tinha encontrado duas semanas antes na apresentação de uma colectânea de obras musicais das principais peças encenas nos últimos anos na “Broadway”. Ofereceu-me o “cd”, que ainda guardo, com músicas que ficaram na história dos musicais da “Broadway”, o local de encontro de N. York com o teatro.
Voltei para o hotel, o mesmo que sempre utilizei nas minhas estadias em Nova York, o hotel Roosevelt, localizado na rua 45 e próximo da Av. do Parque, e preparei-me para viajar nessa noite para o Rio de Janeiro, onde a temperatura devia, nessa altura, ser bastante mais acolhedora.
Na primeira classe daquele B-747 havia poucos passageiros, talvez uns três. Sentado na grande poltrona, que se podia transformar praticamente numa cama, bebericando um cálice de champanhe e observando o embarque dos passageiros retardatários, vi com surpresa o Samuel entrar na cabina, procurar o seu lugar, duas filas à frente da minha, e sentar-se. Há coincidências estranhas. Depois de o procurar durante três dias em Nova York, eis que ele aparece a viajar no mesmo voo que eu.
Levantei-me para o cumprimentar e ele levantou-se também, para guardar uma pequena mala na bagageira. Olhou para mim e o espanto e alegria estamparam-se no seu rosto. Depois do vigoroso abraço que sempre trocamos quando nos encontramos, pediu à comissária de bordo de podia mudar de lugar e sentar-se a meu lado.
Disse-lhe que estava em Nova York há três dias e que não tinha conseguido encontrá-lo. Respondeu-me que acabava de chegar de Washington, onde estivera durante uma semana e que agora ia para Brasília, onde o aguardavam encontros importantes. Faria a conexão no Rio de Janeiro.
Eu ficaria no Rio de Janeiro, onde tinha marcada uma reunião da empresa para que trabalhava e depois talvez fosse até Curitiba visitar alguns amigos na Grande Loja da Ordem Rosacruz. Uma viagem longa como esta seria o ideal para tentarmos colocar as nossas conversas em dia. Era uma excelente oportunidade para voltarmos a falar de duas figuras que considero muito importantes do percurso iniciático ocidental, Willermoz e Saint-Martin.
Depois de conversarmos sobre generalidades, foi durante o jantar que o assunto foi abordado e foi Samuel quem começou.
- Então, como é que vão os seus estudos sobre a fraternidade Rosa+Cruz?
- Acho que cheguei a uma espécie de impasse. Por um lado, é para mim evidente que essa fraternidade não existiu no plano concreto. Atribuiu-se a condição de Rosa+Cruz a algumas personalidades, pelas suas obras ou pensamento, mas que essa condição não corresponde a algum tipo de organização. Por outro lado tenho que reconhecer que os ensinamentos de algumas escolas filosóficas ou iniciáticas, como por exemplo alguns ritos da Maçonaria e algumas manifestações Rosacruzes, são demasiadamente valiosos e não foram criados agora, vêm de muito longe.
- Já vimos isso. Já chegámos à conclusão de que nada foi inventado agora ou pelos supostos promotores dessas organizações.
- Pois é. Mas como é que isso tudo chegou até nós? Que corrente de transmissão foi mantida ao longo dos séculos? O Cristianismo? Os alquimistas?
- Também já vimos que o movimento Rosacruz, ou melhor, as ideias rosacruzes, nasceram dentro do Cristianismo, aproveitando a liberdade provisória concedida pela Reforma iniciada por Martinho Lutero.
- De acordo. Mas nasceram dentro do Cristianismo ou foram divulgadas, beneficiando da liberdade provisória concedida?
- Sei o que quer dizer. – Concordou Samuel. – Para entender isso temos que pensar na mentalidade da época, séculos 16 e 17. Naquele tempo, a única missão concedida ao homem, mesmo através da ciência ainda despontando, era realizar as obras de Deus na Terra. Quero dizer, tudo estava criado, competia ao homem descobrir os mistérios dessa criação e manifestar sobre a Terra as obras divinas. Dentro deste princípio, nada podia ser feito fora de religião, mesmo os manifestos rosacruzes preconizavam uma sociedade nova, mas cristã.
- Quando é que as coisas começaram a divergir?
- Para mim, o grande promotor da nova era liberta das amarras religiosas, ainda que subordinando a sua filosofia a noções religiosas arcaicas, como o “Queda” do homem, foi Martines de Pasqually, que veio revolucionar todas as ideias com a sua doutrina da Reintegração. Ao contrário da religião, que não permitia nenhuma esperança além da vida eterna depois da morte, Pasqually preconizava a reintegração do homem na sua condição primordial de antes da “queda”, como ser divino criado à imagem e semelhança de Deus.
- Aqui vamos dar com Willermoz e Saint-Martin, seus “Elus Cohen” mais distintos, que desenvolveram as suas ideias, embora por caminhos diferentes.
- Sem dúvida. Mas nestas coisas não podemos ignorar também a condição humana, que apesar da busca espiritual encetada por vezes com vontade e perseverança, não se livra de alguns defeitos, como a vaidade e o orgulho.
- Sim, sei que Willermoz era bastante orgulhoso, gostava de ostentar títulos e honrarias.
- É verdade. Mas também teve a notável contribuição de Pasqually, que lhe conferiu os títulos mais elevados.
- Por mérito? Talvez. De professor primário na região de Lyon, em França, tornou-se provavelmente na figura mais marcante da Maçonaria. Mas para que pudesse realizar o trabalho que realizou, era absolutamente necessária uma boa condição económica, pois houve outros que entraram pelo mesmo caminho e acabaram na miséria, lutando pela sobrevivência. Willermoz era um rico e poderoso fazendeiro, portanto, a questão económica estava garantida, embora não saibamos em que condições explorava as suas terras.
- Na época, sem dúvida através dos “moços da gleba” .
- Provavelmente, mas temos que considerar a sociedade da época, não podemos ajuizar pelos padrões actuais.
- Mas depois de atingir os mais altos graus na Maçonaria e nos “Sacerdotes Eleitos” de Pasqually, – continuou Samuel – Willermoz não estava contente com o conteúdo das Ordens Maçónicas, principalmente com a “Estrita Observância” que, segundo ele, tinha perdido o seu legado original templário. Dizia ele que se tratava de um sistema infundado e não provado, faltava-lhe a qualidade eterna que encontrara na doutrina da reintegração de Pasqually.
- Foi nessa altura que ele resolveu fundar o seu próprio rito, o “Rito Escocês Rectificado”.
- Exacto. Por isso é também conhecido como o “Rito de Willermoz”. Ele achava que a Estrita Observância mostrava uma profunda ignorância das coisas essenciais, uma situação que não encontrara nos “Elus Cohen”, cuja doutrina mostrava tratar-se de uma Maçonaria para além da Maçonaria.
- Interessante. Sempre entendi que a doutrina da reintegração de Pasqually era a reintegração da semelhança do homem com Deus. Ou seja, para Pasqually o homem tinha sido criado à imagem e semelhança de Deus mas, depois da “Queda”, retera a imagem mas não a semelhança. Esta seria retomada através da iniciação e do conhecimento, que se acreditava ser um legado de uma doutrina muito antiga. Foi isto que Willermoz levou para o “Rito Escocês Rectificado”?
- Foi. Inclusive levou para lá muito dos rituais dos “Elus Cohen”, como a cabala, a teurgia e a alquimia.
- Isso foi uma revolução dentro da Maçonaria.
- Sem dúvida. Mas os tempos em que tudo isto se passou cheiravam mais a pólvora do que a incenso. Ele lançou o seu “Rito” em 1778, época em que a França apoiava a luta nos EUA pela independência. Repare que a declaração de independência americana é feita no dia 4 de Julho de 1776, mas a guerra continuará por mais uns 5 ou 6 anos. Em 1789 eclodiu a Revolução Francesa, com o seu lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, atribuído por alguns a Saint-Martin, mas que parece ter sido criado por Jean-Jacques Rousseau.
- Foi uma época de completa transformação da sociedade e das referências dessa sociedade. Mas com a sua Maçonaria Willermoz afastou-se das ideias rosacruzes e do seu objectivo essencial de criação de uma sociedade melhor dentro do Cristianismo.
- Sim. Seguiu um caminho diferente de Saint-Martin, mas o seu “Rito Escocês Rectificado” continuou bem vivo até aos dias de hoje. Sem ele não haveria a complicada história do Priorado do Sião.
- Espere aí. Priorado do Sião? Corresponde a alguma realidade ou foi uma mera invenção do Sr. Pantard?
- Foi invenção e não foi. Mas poderemos falar disto em outra altura, pois acho que você está mais interessado agora em falar de outra figura carismática chamada Louis-Claude de Saint-Martin.
- Sim. Mas essa referência ao Priorado abriu-me a curiosidade. Falaremos disso certamente. Falando em Saint-Martin, ao contrário de Willermoz, não se afastou das ideias rosacruzes, antes as desenvolveu, que o caminho para Cristo era o único caminho.
- Por algum motivo ele ficou conhecido como “O Filósofo Desconhecido”, que pode significar algumas coisas, mas a designação tem muito a ver com uma fraternidade invisível.
O excelente jantar, regado com um óptimo vinho da Borgonha, tinha chegado ao fim. O ronronar dos motores do avião ajudava a tornar as pestanas um pouco mais pesadas e as ideias pareciam não surgir com clareza. As comissárias tinham apagado as luzes, depois de servirem café, conhaque, fruta e uma tábua de queijos. Embrulhados em mantas de pura lã, combinámos continuar a conversa pela manhã, após passarmos por algumas horas de sono. Ou então, quando do regresso de Samuel da sua viagem a Brasília, em que ficaria no Rio durante uns dois ou três dias.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Conversas com Samuel Dalatando

I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 4ª Parte

Enquanto aguardava novo contacto de Samuel para continuarmos a nossa conversa iniciada em Alfama, onde tínhamos falado pouco acerca de Saint-Martin e Willermoz, nomes que eu considerava dos mais importantes para tentar compreender o destino das ideias rosacruzes surgidas no início do século dezassete, continuei as minhas pesquisas sobre um assunto que, para mim, era fascinante. No entanto, tinha a sensação de que esse tempo mágico dos manifestos estava perdido para sempre.
Encontrámo-nos novamente, naquele final de Junho que se mostrava mais quente do que o normal, em casa de um amigo comum, Daniel Escobar (ver nota de rodapé), um padre erudito com vários mestrados e doutoramentos, responsável por algumas obras caritativas da Igreja.
Daniel Escobar vivia literalmente no meio de livros, a sua biblioteca e local habitual de trabalho era um autêntico caos, com livros amontoados por todo o lado e a sua mesa era um mar de papel, entre livros, revistas, cadernos e folhas soltas. No meio de toda aquela confusão sabia, exactamente, o local de cada publicação que precisasse de consultar. A empregada doméstica que tratava da casa tinha ordens para não entrar ali.
A casa ficava situada no bairro da Lapa, uma daquelas casas em que a frente para a rua não deixava adivinhar o seu tamanho, que para além de vários quartos e salas, se estendia por um jardim bem cuidado, e um subsolo onde Daniel construíra uma capela dedicada à Senhora da Conceição, onde por vezes celebrava missas. Baptizados e casamentos celebrava-os na Igreja dos Navegantes, também na Lapa.
Daniel Escobar recebeu-nos calorosamente. Vestia trajos civis, colarinho aberto, nada fazendo suspeitar da sua condição de sacerdote. Conduziu-nos para o aposento onde gostava de receber os amigos, a sua caótica biblioteca.
Conhecera Daniel Escobar na época, uns anos antes, em que me encontrava envolvido na Igreja Católica. Tínhamos feito juntos uma viagem e estadia em Fátima, num 13 de Maio e, como eu não reservara hotel ou pensão para passar a noite de 12 para 13, fiquei acomodado nos aposentos de um bispo que cancelara a sua presença à última hora. As refeições, usando as senhas destinadas ao mesmo bispo, tomei-as no Centro Paulo VI. Tudo isto arranjado pelo padre Daniel Escobar.
Era o fim da tarde desse dia de Junho e o Sol, ainda alto àquela hora, entrava por uma janela virada para poente, de onde também se podia ver um pouco do Tejo. Daniel serviu-nos um malte da melhor qualidade, quase fazendo esquecer o gosto do whisky, tal a pureza em que fora destilado.
- Como está N. York? - Perguntou Daniel dirigindo-se a Samuel.
- A confusão do costume. – Respondeu Samuel.
- Confusão? Sempre achei que se tratava de uma cidade bem ordenada, apesar do seu gigantismo. – Disse Daniel.
- É uma cidade bem ordenada, sem dúvida. Mas ao mesmo tempo parece o mundo em miniatura. Ali encontra-se de tudo, seja o que for que consiga imaginar.
Enquanto os ouvia os meus olhos pousaram-se sobre um livro não volumoso, mas de grandes dimensões, intitulado “Símbolos da Rosa+Cruz”.
- Livro interessante. – Disse eu.
- Como o Manel sabe, interesso-me por muitas coisas, sou um estudioso compulsivo de tudo o que faz mover a espécie humana. Sou um homem da Igreja, não tenho dúvidas, mas ao mesmo tempo sou um buscador. Tento analisar as coisas sob o ponto de vista cristão, pois queiramos ou não, pelo menos nos últimos dois milénios, tudo se tem movido dentro do Cristianismo. Falo do mundo ocidental, evidentemente, mas mesmo no Oriente o Cristianismo tem tido a sua influência.
- Sim, de acordo. – Disse Samuel. – A ideia ou as ideias rosacruzes surgiram dentro do Cristianismo, beneficiando da liberdade provisória proporcionada pela Reforma.
- Provisória? – Estranhou Daniel.
- Sim, porque logo os potentados das regiões abrangidas se apossaram do movimento religioso e começaram a estabelecer as suas regras, limitando a liberdade de pensamento e expressão.
- Ainda bem que não foi só a Igreja a responsável. – Disse Daniel, rindo.
- Nesse aspecto a Igreja foi sempre imbatível. – Respondeu Samuel, também rindo. – Mas acha que a Maçonaria também surgiu de dentro do Cristianismo?
- Sem dúvida. – Respondeu Daniel. – Foi beber na mesma fonte.
- E a Maçonaria ateia?
- Refere-se aos chamados “Grande Oriente”?
- Sim. Como o GOL português e o GOF francês.
Daniel parou uns instantes, reflectindo, depois disse:
- Do meu ponto de vista não existe Maçonaria ateia. Essa corrente, como sabem, nasceu em França, um pouco antes da Revolução Francesa, recebendo desta muita influência. Como é que alguém pode considerar-se ateu e referir-se ao Grande Arquitecto como responsável por toda a Criação? Chamar-lhe Grande Arquitecto ou Deus não é a mesma coisa?
- Julgo que a ideia do ateísmo vem do facto de não seguirem uma religião. – Atalhei eu. – Mas isso não passa de um sofisma, pois não seguir uma religião não faz de ninguém ateu.
- Mas não é difícil conceber a ideia de Deus fora de uma religião? – Perguntou Daniel.
- Sem dúvida. – Respondi. – É um caminho difícil e por vezes pode tornar-se perigoso, pois pode conduzir-nos a extremos e desequilíbrios não muito recomendáveis para a nossa saúde mental.
- Convido-vos para jantar comigo – Interrompeu Daniel. – Não aceito uma recusa. Mandei preparar um borrego à moda da minha terra e o vinho é especial da minha quinta.
Samuel esboçou uma tentativa de recusa, dizendo que já tinha um compromisso, mas não adiantou, ficámos os dois para jantar.
- Bem, onde é que nós estávamos? – Perguntou Daniel.
- Na Maçonaria ateia. – Respondi.
- Ah, isso mesmo. Nada acontece fora do Cristianismo.
- Mesmo essa forma de Maçonaria e algumas expressões rosacruzes? – Perguntei.
- Onde nasceu a Maçonaria? Não foi no século dezassete, ligada ao movimento jacobita inglês?
- Sim, – concordei, – e a Rosa+Cruz?
- No mesmo século, ligada a um grupo de teólogos alemães, nomeadamente Valentin Andreae e Tobias Hess.
- Tobias Hess? – Estranhou Samuel. – É a primeira vez que ouço esse nome.
- Tobias Hess era um grande amigo de Andreae. Provavelmente a “Fama” e outros manifestos, saíram da sua cabeça ou da cabeça dos dois.
- Mas os escritos são do Andreae. – Disse eu.
- Sim, Tobias tinha uma vida muito complicada, uma casa com mais de uma dúzia de filhos, um caos doméstico que ele tinha que sustentar e que não o deixava concentrar-se verdadeiramente nas suas ideias de modo a escrevê-las. Quem o fez foi Andreae, não tenho dúvidas de que os manifestos foram criados pelos dois.
- Portanto, – continuou Daniel, – essa ideia de uma fraternidade invisível de seres superiores chamada Rosa+Cruz nasceu dentro do Cristianismo, no movimento da Reforma a que os dois pertenciam. Havia um outro, chamado Besold, que talvez tenha dado algum contributo para os manifestos, não sei. Mas Besold arrependeu-se da Reforma ao ver o caminho que as coisas levavam, desgostoso que o cristianismo reformador tivesse caído em mãos profanas de duques, arquiduques, etc., e voltou para o catolicismo.
- Penso que os manifestos tiveram a virtude de sacudir as consciências da época, mostrando que era possível construir uma sociedade melhor. – Disse Samuel. – Mas o que é que o Daniel pensa dos manifestos e da história de Christian Rosenkreutz?
- Bem, a exposição da “Fama” nas paredes de Paris, de forma anónima, foi um puro acto de terrorismo.
- Terrorismo? – Estranhei.
- Sim, terrorismo. Terrorismo ideológico. Deixou toda a gente insegura com medo dessa fraternidade invisível.
- Quer dizer os católicos. – Disse eu.
- Não só os católicos, também os protestantes, pois o texto não privilegiava nenhuns.
- Compreendo. – Disse eu. – Mas a “Fama” colocava em perigo a Igreja. Afinal tratava-se de um texto profético de uma nova sociedade cristã, ou seja, atingia os próprios alicerces da Igreja.
- Meu caro Manel… Vamos esquecer a minha condição de sacerdote. Com vós os dois sinto-me à vontade para dizer o que vou dizer. Todos sabemos que Lutero iniciou um movimento de purga de vícios da Igreja. Mas essa ideia perdeu-se depois nos meandros do poder secular, com os vários “delfins”, duques e afins, a tentarem dominar o movimento na sua região e a ditarem ordens. Isto veio beneficiar em parte a Contra-Reforma. Mas reconheço os vícios apontados por Lutero e de que a Igreja precisava realmente de uma reforma. Acham estranho eu dizer isto?
- Não. – Respondeu Samuel. – Pelo que conheço de si, acho que é uma pessoa que não teme questões como essa.
- Que me têm causado alguns dissabores. Por isso não chegarei nunca a bispo ou cardeal. Para isso teria que abdicar da minha consciência e aceitar coisas que me parecem inaceitáveis.
- O Daniel disse-me um dia que a consciência de cada um é inviolável. – Disse eu.
- Mantenho essa afirmação.
- E porque é que então continua sacerdote? – Perguntou Samuel.
- Por duas razões. Em primeiro lugar, porque o sacerdócio é para toda a vida, mesmo que renunciasse aos meus votos e optasse pela vida civil, como muitos têm feito, nunca deixaria de ser sacerdote. Em segundo lugar, porque acho que as mudanças, se possíveis, devem ser feitas no interior da Igreja, e não fora dela.
- Mas o que é facto, – contrapus, – é que não tem havido mudanças. A Igreja continua igual ao que sempre foi. Os dogmas e a censura continuam os mesmos ao fim de uma porção de séculos.
- Reconheço que tem sido um caminho muito difícil. – Respondeu Daniel. – Mas, apesar de tudo, a Igreja tem hoje uma postura diferente perante o mundo. Sei que vai dizer que a Inquisição não exerce hoje o seu poder porque esse poder lhe foi retirado pela sociedade civil. Mas vamos parar de falar da Igreja, afinal, como alguém já disse, ela é o grande repositório espiritual da humanidade.
- Será? – Perguntou Samuel. – Não acha que existe uma tradição espiritual exterior à Igreja?
- Não, não acho. – Respondeu Daniel.
- Bem, – continuou Samuel, – existe o Budismo, o Hinduísmo e toda uma tradição oriental que nada tem a ver com a Igreja.
- Aparentemente é assim. – Respondeu Daniel. – Mas iríamos muito longe para sabermos a origem de toda essa tradição. O que é, afinal, a tradição espiritual da humanidade?
- A tradição espiritual da humanidade é algo primordial, que vem da origem dos tempos. – Disse eu. Por isso a Maçonaria, a Rosa+Cruz, mesmo a Teosofia, reportam a sua origem a tempos muito antigos, em certos casos assumem uma origem atlante.
- Exactamente. – Disse Samuel. – Parece que tudo nos veio via Egipto, o Egipto Antigo. Não sabemos até que ponto a tradição egípcia terá influenciado a tradição oriental, mas sabemos que foi do Egipto que surgiram as três grandes religiões manifestadas. Não é assim?
- Não vai falar de Akhenaton, como o grande mentor dessa tradição. – Disse Daniel.
- Não. – Respondeu Samuel. – Embora em alguns círculos se considere Akhenaton como o faraó que primeiro quis instituir a noção de um Deus único, não concordo com isso porque essa noção sempre existiu no Antigo Egipto. Há um livro muito interessante, cujo autor não me recordo agora, chamado “O Egípcio”, que retrata Akhenaton de forma muito pouco favorável. Segundo esse livro, Akhenaton era um ser fraco, louco, esquizofrénico, que conduziu o Egipto a uma verdadeira guerra civil com milhares de mortos, que enfraqueceu as fronteiras tornando-as vulneráveis aos exércitos inimigos, que levou o Egipto praticamente à bancarrota ao mandar construir a sua cidade de Akhetaton, próximo da actual Amarna, tudo isto para impor o culto de Aton em substituição do de Amon.
- Por isso, disse Daniel, – todas as referências ao seu reinado foram apagadas e não se sabe onde a sua múmia foi depositada, ou mesmo se chegou a ser mumificado, tal o ódio que despertou, não só na classe sacerdotal, mas também na maior parte da população.
- Então concorda com esse retrato de Akhenaton? – Perguntei.
- Concordo. Embora essa história possa não passar de um mito, assim como a outra. Por um lado, Akhenaton foi um déspota paranóico que tentou impor o culto de Aton ao povo egípcio. Por outro lado foi um místico, um Cristo antecipado e sacrificado mas… ninguém governa um país poderoso como o Antigo Egipto através do misticismo. Pura loucura.
- Voltado a uma questão anterior, – disse eu, – em que o Daniel disse que tudo aconteceu dentro do Cristianismo, onde é que coloca essa tradição primordial?
- No Cristianismo. – Respondeu Daniel.
- Bem, – disse Samuel, – julgo entender o que o padre Daniel quer dizer. Sabemos que o Antigo Egipto terá sido o herdeiro e depositário dessa tradição primordial, uma chama viva mantida ao longo de séculos pelas Escolas de Mistérios, como os Mistérios e Osíris e de Ísis. Isto terá dado origem ao Gnosticismo, ou Escolas Gnósticas, com uma filosofia muito semelhante à Maçonaria tradicional. O Gnosticismo, por sua vez, deu origem ao Cristianismo na sua filosofia original, que pouco tem a ver com a actual, pois esta é literal, na assumpção de um Cristo vivente, enquanto a herança gnóstica fala de um Cristo interior. Deste modo o Cristianismo pode ser considerado o herdeiro de toda a tradição primordial. O Cristo literal foi mantido pela religião, mais interessada no poder secular do que no espiritual. O Cristo interior da tradição gnóstica e egípcia foi mantido e revivido, sempre que foi possível, pela ideia Rosa+Cruz, pela Maçonaria e pela Teosofia. Concordam?
Ficámos em silêncio durante uns momentos, apreendendo o significado das palavras de Samuel. De facto, os primeiros grupos cristãos eram gnósticos, o seu Cristo era o Cristo interior, e não Aquele, supostamente crucificado. Mas nenhuma religião se poderia manter com base apenas nesse Cristo interior.
- Muito bem. – Disse por fim Daniel. – Acho que chegou a hora de irmos jantar.
Olhei para Samuel, cuja expressão reflectia a compreensão da evasiva de Daniel, que não poderia concordar, dada a sua condição de sacerdote católico, mas que no fundo do seu íntimo talvez estivesse de acordo.
Fomos Jantar. O borrego assado estava excelente e o vinho, ainda que caseiro, era óptimo. A conversa desenvolveu-se por outros temas mais laicos.
Esta dói a última vez que conversei e me encontrei com o padre Daniel. Os nossos caminhos seguiram rumos diferentes. Só agora, no dia 12 de Maio deste ano, me lembrei dele e da conversa que tivemos, juntamente com Samuel. Neste mesmo dia 12 de Maio, Daniel faleceu. Confesso que a coincidência me deixou perturbado. Terei sido avisado, de algum modo, da sua partida?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Conversas com Samuel Dalatando

I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 3ª Parte

Depois da nossa estadia em Edimburgo, durante cerca de um ano pouco soube de Samuel Dalatando. Sabia que ele vivia em N. York, num apartamento da rua 52, e que era um “globetrotter”, um cidadão do mundo. Viajava constantemente e não raro via notícias a seu respeito na imprensa e na televisão. Sabia, no entanto, que mais dia, menos dia, o nosso contacto se restabeleceria e continuaríamos as nossas conversas. Entretanto fui fazendo alguma pesquisa, li alguns livros, consultei outros, cruzei informações, afim de poder obter uma imagem mais abrangente de todo o processo rosacruz.
Se o século dezassete se tinha notabilizado pela explosão das ideias rosacruzes, envolvendo alguns nomes importantes, beneficiando e um certo clima de aparente liberdade resultante da crise que grassava na Igreja provocada pela Reforma iniciada por Lutero, o século seguinte assistiu a uma certa concretização daquelas ideias, pois foi o século do aparecimento de muitas organizações maçónicas ou paramaçónicas.
Três nomes, entre muitos, marcaram indelevelmente esse século dezoito, cujas ideias e rituais foram adoptados por uma infinidade de organizações até aos dias de hoje. Esses nomes são: Martines de Pasqually, Jean-Baptiste Villermoz e Louis-Claude de Saint-Martin.
Enquanto aguardava o contacto de Samuel, fui pesquisando sobre essas três figuras marcantes do século XVIII, que influenciaram todo o movimento maçónico e deram origem ao chamado “cristianismo esotérico”, conhecido como martinismo, além de terem estabelecido toda uma ritualística ainda hoje seguida por várias escolas iniciáticas. Como gostaria de conversar com Samuel sobre este assunto…
Entretanto, os ecos da conversa tida com Sir F. em Edimburgo mantinham-se na minha cabeça, levando-me a concluir, talvez precipitadamente, que tudo não passava de uma grande ilusão criada por mentes geniais, mas uma ilusão que acabou, de certa maneira, por influenciar a sociedade, não só daquela época, mas de todo o tempo posterior.
Numa certa tarde de Junho, um ano após o nosso encontro em Edimburgo, recebi um telefonema de Samuel. Estava em Lisboa, onde ficaria por alguns dias. Combinámos encontrarmo-nos nessa noite em Alfama, num daqueles restaurantes com mesas e cadeiras ao ar livre, típicos da época dos Santos Populares naquele bairro antigo de Lisboa.
Os nossos encontros foram sempre em terreno neutro, nunca na residência de cada um ou em algum local mais pessoal, ou ligado a alguma escola iniciática. Sabia que Samuel tinha atingido os mais altos graus iniciáticos em algumas dessas escolas, assim como eu procurava trilhar por esse caminho, mas nunca nos referimos às nossas experiências nesse campo. Era uma espécie de território reservado.
Alfama cheirava a sardinha assada por todo o lado, e Samuel, apesar do calor de verão, vestia impecavelmente, fato completo, como de costume. Sentámo-nos a uma mesa de um restaurante ao ar livre, numa rua que descia em largos degraus e, como não podia deixar de ser, pedimos uma boa dose de sardinha assada e vinho tinto do Dão, meu preferido e também do Samuel.
- Chegou a alguma conclusão depois da nossa entrevista com Sir F. em Edimburgo? – Perguntou a certa altura Samuel.
- Não a uma conclusão, mas talvez a várias. – Respondi. – É difícil tirar conclusões em assuntos que parecem esgueirar-se entre os dedos A uma certeza aparente corresponde uma dúvida, e esta dá origem a outras.
- É verdade. Nestas coisas é muito difícil encontrar o “fio de Ariadne” que nos conduza a porto seguro. Ou você acredita, e neste caso as suas dúvidas são dissipadas pela crença, pois é assim que funcionam as igrejas, ou não acredita, e parte em busca de respostas difíceis de encontrar.
- Julgo que a segunda hipótese é a mais saudável. – Disse eu.
- Sem dúvida. Mas um caminho muito penoso. Por exemplo, como já vimos, os irmãos da Rosa+Cruz eram invisíveis, portanto, não existiam, ou, existiam se alguém acreditasse na sua existência. Isto moldava todo o pensamento e estrutura da sociedade. Ainda hoje é assim. Dá para entender?
- Entendo. Se acreditarmos seriamente em algo que não exista concretamente, esse algo passa a existir na nossa mente, mesmo que nunca se venha a concretizar.
- É isso. Esse é o mistério das religiões. Não se baseiam elas todas em mitos ou lendas?
- De facto. Mas as ideias rosacruzes acabaram por se concretizar, não é?
- O que é que quer dizer com isso?
- Quero dizer que as ideias rosacruzes acabaram por se concretizar em associações fundadas a partir do século dezoito. O que me diz de Martines de Pasqually, Willermoz e Saint-Martin? Para não falar em Cagliostro, Jacob Boehme e outros?
- Vejo que andou a pesquisar bastante. O que é que eu acho? Gostaria de saber o que Andreae pensaria. Seria certamente interessante.
- Mas não acha que eles colocaram no “terreno” as ideias rosacruzes?
- Em parte, sim. Não podemos afirmar que Pasqually fosse rosacruz ou partidário das ideias rosacruzes. Coloco-o mais próximo do ideal maçónico. No entanto, o seu pensamento seria inconcebível se não tivesse havido essa mitologia rosacruz.
- Inconcebível porquê? – Perguntei.
- A mitologia rosacruz, chamemos-lhe assim, produziu algo de prodigioso, abriu um vasto espaço para a manifestação de actividades e fenómenos antes proibidos pela censura católica.
- Compreendo. – Respondi. - Pasqually era uma figura estranha. Dizia que o conhecimento que tinha recebera-o por herança do seu pai. Ora, como ninguém sabe quem ele era, também ninguém sabe quem era o pai.
- Certo. Não se sabe realmente qual a sua origem. Uns dizem que era português, cujo nome verdadeiro seria Martins de Pascoais, outros afirmam o seu nascimento em Espanha, outros dão-no como francês ou suíço. Mas de uma coisa há certeza, que ele era um judeu convertido.
- Porquê? – Perguntei.
- Porque a doutrina que propunha e que está patente no livro “Tratado de Reintegração dos Seres” é típica do cristianismo judeu, algo que se considerava extinto há muito tempo.
- Ele fundou várias ordens, principalmente a que ficou mais famosa, a ordem dos “Elus Cohens” [Sacerdotes Eleitos]. Acha que essas ordens estavam mais próximas da Maçonaria?
- Sem dúvida. Embora se tratasse de uma maçonaria operativa, ou seja, com rituais em que havia invocações mágicas ou espirituais, em que se activavam energias consideradas divinas. Esses rituais continham uma teurgia em que se invocavam seres espirituais inteligentes, como os anjos.
- Uma espécie de espiritismo? Como é que essas práticas podem ser consideradas maçónicas?
- Bem, Pasqually dizia que o seu ritual era uma tradução de uma “Constituição e Patente” que fora concedida a seu pai por Charles Stuart, rei da Escócia, Irlanda e Inglaterra, Grão-Mestre de todas as Lojas maçónicas sobre a Terra. Mas para compreender isto precisamos de saber o que era a Maçonaria nos séculos dezoito e dezanove, pois hoje, ainda que haja semelhanças, evoluiu para algo um pouco diferente. A Maçonaria do século dezoito estava ligada intimamente à Casa Real dos Situat. Não há hoje dúvidas de que as primeiras Lojas foram fundadas em Inglaterra ou na Escócia, havendo implícita uma herança escocesa, pois até as Lojas francesas se intitulavam de “Maçonaria Escocesa”. Na época, o grau de cavaleiro maçónico era importante quando concedido por um rei. Combinar a Escócia com as lendas dos templários ali exilados, criava uma nova mitologia à qual, não era estranha a mitologia rosacruz. Podemos dizer, sem errar muito, que a Maçonaria de Pasqually era uma Maçonaria Teosófica, à qual aderiram sem reservas iniciais, Willermoz e Saint-Martin.
- Parece-me, - disse eu, - que essa Maçonaria de Pasqually pouco tinha a ver com a Maçonaria que se estendeu desde o Reino Unido até à França e Alemanha. Parece-me mais uma resposta católica ao rosacrucianismo protestante. Mas isto pode ser um grande disparate.
- Não. Não é disparate nenhum se pensarmos que desde o início houve grandes clivagens entre a Maçonaria jacobita e a Maçonaria pró Stuart. Os maçons jacobitas defendiam que a Maçonaria renascera na Europa durante o período das Cruzadas, e depois, juntamente com os mistérios trazidos do Oriente pelos rosacruzes, estabelecera-se definitivamente na sociedade. Deste modo a Maçonaria propunha-se restaurar a unidade primitiva do homem, a restauração da perfeição adâmica preconizada por Pasqually.
- Isso é um pouco confuso. – Disse eu.
- Para confundir ainda mais, - disse Samuel, rindo, - um tal de Von Hund criou o Rito da “Estrita Observância”, a presumida continuação de uma ordem secreta templária que tinha sobrevivido à perseguição do Papa e de Filipe de França. Dizia-se então que os verdadeiros segredos residiam aqui, na “Estrita Observância”, e não entre as Lojas jacobitas.
- Complicado. – Disse eu. – Mas o que é que isso tem a ver com o rosacrucianismo?
- A ideia rosacruz foi a base a partir da qual tudo se desenvolveu. Nada teria sido possível sem essa abertura proporcionada pela ideia rosacruz. Essa ideia era a da construção de uma sociedade renascida em Cristo, uma sociedade ideal e fraterna, sem os defeitos que permeavam a sociedade do século dezassete. Para mim, a Maçonaria lançou-se à conquista dessa ideia de duas formas: através do catolicismo jacobita, e é aqui que entra Pasqually; ou pela via templária, reformista, anti-católica e escocesa.
O jantar tinha chegado ao fim. Sem dar por isso, eu tinha comido uma dúzia de sardinhas e Samuel outro tanto. Descemos a rua até às imediações de Santa Apolónia, passando pela Casa dos Bicos, uma construção de que eu não gostava, por achá-la absurda e porque a beleza de Lisboa antiga não precisava daquilo. Continuámos a conversa caminhando em direcção ao Terreiro do Paço.
- Pelo que entendi até agora, - disse eu, - a Maçonaria é a herdeira natural da ideia rosacruz transposta para o concreto sob a forma de Lojas, Ritos e rituais. Certo?
- É provável que seja assim. – Respondeu Samuel
- Onde é que entram Willermoz e Saint-Martin?
- Saint-Martin, referindo-se a Pasqually, terá declarado um dia que se tratava de um homem extraordinário, mas que era o único que não conseguia entender.
- Isso pressupõe uma certa divergência entre os dois.
- Sim. Saint-Martin nunca aceitou muito bem a necessidade da teurgia no ritual. Dizia que para encontrar Cristo ou a essência divina, não eram necessárias essas invocações.
- Mas Saint-Martin era um místico.
- Sim, sem dúvida. Ele sistematizou as ideias de Pasqually num sistema que veio a chamar-se Martinismo, o que não quer dizer que ele aprovaria algumas correntes martinistas actuais, que se desviaram da verdadeira essência preconizada por ele.
- É correcto dizer-se que o Martinismo é o esoterismo cristão?
- Julgo que sim, pelo menos o Martinismo idealizado por Saint-Martin. Ele achava que a “Queda” podia ser superada através da regeneração e reintegração na verdadeira luz. Isto era possível através do que ele chamava de “acto do Reparador, ou seja, Cristo.
- E qual a ligação que pode ser estabelecida entre Saint-Martin e a Fraternidade Rosa+Cruz?
- Ele era denominado “O Filósofo Desconhecido”, o que pode ter vários significados. Mas um filósofo desconhecido tem muito a ver com uma fraternidade invisível, não é?
Chegámos nesta altura ao Terreiro do Paço. Tomámos um táxi, deixei Samuel no hotel Ritz, onde estava hospedado, e segui para casa. Prometemos encontrarmo-nos brevemente para continuarmos esta conversa, logo que a agenda de Samuel, sobrecarregada com reuniões, inclusive com o Primeiro-ministro, o permitisse

domingo, 2 de maio de 2010

Conversas com Samuel Dalatando

I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 2ª Parte

Quando o primeiro manifesto, o “Fama Fraternitatis”, foi exposto nas paredes de Paris, causando o maior alvoroço e temor entre todos os que sabiam ler e entre os que viam o seu mundo ficar à mercê dos tais invisíveis, que ninguém sabia quem eram, mas que parecia terem grande poder, o seu conteúdo já era conhecido em certos círculos alemães, pois alguns manuscritos tinham chegado à posse e conhecimento de pessoas ligadas ao ocultismo e alquimia, de que Paracelso continuava a ser o seu grande mentor, graças à liberdade concedida nas terras sob o domínio protestante.
O efeito dos manifestos foi devastador para os católicos. Quem eram os invisíveis? Estariam eles associados às ideias demoníacas dos judeus e dos árabes? Seriam eles discípulos de Paracelso? Como encontrá-los, persegui-los, se eles eram invisíveis?
Mesmo assim, não podendo ser identificada e provada a sua filiação em algum grupo de rosacruzes, pessoas foram presas e torturadas. Na Holanda as autoridades católicas montaram um tribunal para julgar os textos rosacruzes. Esse tribunal concluiu que a existência dos Irmãos da Rosa-Cruz não passava de ficção. Mas se era ficção, porque é que gerara tanto medo?
O próximo encontro com Samuel não foi em Paris, como eu esperava depois da nossa conversa em Frankfurt. Telefonou-me perguntando-me se poderia estar em Edimburgo, na Escócia, por volta do dia 10 de Junho, pois gostaria de me apresentar a alguém ligado à Maçonaria e aos Cavaleiros Templários e, provavelmente, ligado a algum movimento ou organização rosacruz ou martinista. Evidentemente que lhe respondi que tinha todo o interesse em conhecer tal pessoa e que faria tudo para poder estar lá nesse dia 10 de Junho.
Mas porquê o 10 de Junho, dia de Portugal, perguntei-lhe. Porque ele fora convidado a estar presente na comemoração da “White Cockade”, que se realizava nessa altura. Disse-me também para levar um trajo de cerimónia, pois eu também era convidado.
“White Cockade”? O que era isso? Nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Na época ainda não havia a Internet para facilitar a pesquisa. O único meio era as bibliotecas. Foi na biblioteca da Universidade Católica que encontrei a resposta: havia inúmeras “white cockade” por todo o mundo; no caso escocês era o símbolo usado pelos seguidores de Charles Edward Stuart, pretendente jacobita ao trono inglês; esse símbolo era constituído por uma rosa branca usada na frente da boina ou na lapela do casaco. O termo “jacobita” derivava de James, ou Jacob, pai de Charles Edward, e era o termo usado para designar os católicos no Reino Unido.
Enquanto viajava para Edimburgo, via Londres, naquele 9 de Junho, pensei se não estaria a deixar-me envolver em algum movimento monárquico de restauração da Casa de Stuart, situação na qual não me sentia muito confortável em virtude das reservas que tinha, e que sempre tive em relação às monarquias reinantes.
Samuel esperava-me no aeroporto de Edimburgo e, enquanto nos dirigíamos para o hotel num carro alugado com motorista, informou-me que tínhamos encontro marcado à noite com Sir F., a pessoa de que me falara ao telefone. Perguntei-lhe quem de facto era essa pessoa, como era, ao que me respondeu que logo veria por mim próprio.
O motorista foi-nos buscar ao hotel um pouco antes das 19 horas. Ainda era dia e podiam ver-se distintamente as muralhas do velho castelo dominando a cidade. Ao percorrer as antigas ruas de Edimburgo, esperava ser conduzido a uma vetusta mansão e participar de um faustoso jantar. Em vez da mansão, esperava-me um terceiro andar sem elevador de um velho edifício do centro da cidade. Em vez do jantar, apenas um chá acompanhado de bolachas e bolinhos.
Sir F. recebeu-nos à porta do seu apartamento e introduziu-nos num salão modestamente decorado, onde se podiam ver velhas gravuras penduradas nas paredes. Era um homem corpulento que devia andar pelos 70 anos de idade, barba branca crescida e uns olhos azuis brilhantes e inquisitivos. Vestia o tradicional “kilt” escocês e estava acompanhado por um jovem que apresentou como príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica caso a actual Casa de Gales não tivesse descendência. Para sobreviver, como vim a saber mais tarde, este príncipe trabalhava numa livraria.
Depois de sentados em sofás já com bastante uso, e de servido o chá numa mesa baixa, por uma mulher também idosa que calculei ser a pessoa que tomava conta da casa e de Sir F., este, depois de um olhar caloroso em direcção a Samuel, olhou para mim e disse:
- Samuel falou-me do seu interesse pelas coisas templárias e rosacruzes. Samuel é meu grande amigo desde longa data e falou-me muito de si. Espero que nos tornemos também amigos.
- Sim, – respondi – tenho vindo a pesquisar há algum tempo acerca dos templários e dos rosacruzes, assim como dos maçons.
- Então veio ao lugar certo. - disse ele com um largo sorriso – Sei alguma coisa acerca disso tudo.
- Alguma coisa? – Perguntou Samuel.
- Sim, alguma coisa. Ninguém sabe tudo acerca desses assuntos e há muita informação confusa.
- Por informação confusa – disse eu, - o que me pode dizer acerca dos templários na Escócia? Sempre é verdade que fugiram em barcos de La Rochelle, durante a perseguição ordenada por Filipe o Belo, de França, e se refugiaram aqui, dando origem ao que nós conhecemos hoje como Maçonaria?
Sir F. olhou para mim com curiosidade, como que a avaliar se eu queria realmente ser esclarecido, ou se esperava confirmação do que dissera. Depois pegou num livro que tinha sobre uma estante e disse
- Este é um livro muito interessante sobre a história dos templários na Escócia. Foi escrito pelo meu querido amigo Andrew Sinclair, descendente da antiga família Saint Clair ou St. Clair. Como já o li, tenho o maior prazer em oferecê-lo a si, se não se importa de o receber apesar de já lido.
Recebi o livro com satisfação e pedi a Sir. F. que fizesse uma dedicatória, que ele escreveu de imediato. Olhei a capa e o título era “The Sword and the Grail” [A Espada e o Graal]. Em subtítulo, “A História do Graal, os Templários e a verdadeira descoberta da América”.
- A verdadeira descoberta da América? – Perguntei.
- Sim. Os templários que vieram para a Escócia navegaram também para ocidente e acabaram por descobrir a América, muito antes de Colombo. Aí nesse livro tem fotos de gravações em pedra na Nova Inglaterra feitas por esses descobridores.
- Interessante. – Comentei.
- Quer dizer que os templários fugidos das perseguições em França vieram acolher-se aqui na Escócia. – Acrescentei.
- Não todos. Vieram apenas alguns. Como também encontrará nesse livro, a maior parte rumou para Portugal, onde foram bem recebidos e acolhidos. Desembarcaram próximo de Nazaré e depois transportaram a carga que levavam para Tomar.
- O tesouro templário?
- É provável que fosse um tesouro, talvez dinheiro, talvez mapas. Não foram eles que depois, através da vossa Ordem de Cristo desenvolveram os descobrimentos? Onde é que Portugal foi achar o dinheiro e os mapas para esse notável empreendimento?
De facto, quando os portugueses se lançaram na campanha dos Descobrimentos estavam praticamente na bancarrota, tinham acabado de ter uma guerra com Castela e não havia dinheiro para nada.
- Os templários permaneceram na Escócia até aos dias de hoje? – Perguntei. – Pelo que sei existe ainda uma Ordem Templária Escocesa.
- Sim, existe. Mas hoje essa Ordem não é mais do que uma organização de carácter caritativo, recebemos doações que depois distribuímos pelos mais necessitados. Reunimo-nos duas ou três vezes por ano em Capítulo, na catedral de St. Mary. Uma das ocasiões é precisamente na altura da festa da “White Cokade”, que se realiza amanhã.
- A família St. Clair foi uma das famílias que acolheu os templários. – Disse Samuel. – Essa família não está ligada à capela de Rosslyn, que parece conter segredos templários e maçónicos?
- É verdade. – Concordou Sir F. – Nessa altura Rosslyn era um castelo da família St. Clair. A capela é uma reminiscência. Foram também os St. Clair que se lançaram á descoberta da América.
- Mas que mistérios estão guardados em Rosslyn? – Perguntou Samuel.
- Rosslyn, a capela, foi criada pelo mestre maçon William St. Clair. Está cheia de símbolos templários e cabalísticos, muitos dos quais ainda não foram compreendidos. Foi durante séculos, e julgo que ainda é, a grande referência dos maçons de todo o mundo. Rosslyn, em escocês antigo, quer dizer “corrente de sangue”, Ross [corrente] e Lyn [vermelho ou sangue], e tem a ver, naturalmente, com Cristo.
Ficámos em silêncio durante algum tempo.
- Quer dizer que a Maçonaria foi criada a partir dos templários? – Perguntei.
- Não. São vias diferentes. Os templários eram uma cavalaria ao serviço da Igreja. A Maçonaria nasceu dos antigos mestres pedreiros. Ninguém sabe quando nasceu a Maçonaria ou a ideia maçónica. Porque isto é que é importante – a ideia. É sobre uma ideia que se organizam associações, agremiações. Portanto, a ideia maçónica já existia há muito tempo e foi trazida desde a mais remota antiguidade até nós por esses mestres pedreiros. Não foram estes mestres pedreiros que construíram o Templo de Salomão? Não foram eles que construíram as catedrais góticas?
- Sim, – Concordei. – Evidentemente que a ideia maçónica do cristianismo é diferente da dos templários. No entanto, há um ponto comum, a ideia de uma sociedade regenerada, como a ideia rosacruz do século XVII.
- Se estou a compreender, - disse Samuel, - a questão toda se resume à ideia. Uma organização é uma mera forma de tornar a ideia acessível a outros. Quero dizer, uma forma de difundir a ideia o mais possível, como no caso da ideia rosacruz do século XVII, difundida através dos manifestos e de outras obras da altura. Dizem até que Francis Bacon foi o autor dos manifestos, e não o Valentin Andreae.
- Já li algures que Francis Bacon foi, não só o autor dos manifestos, como também quem escreveu as peças atribuídas a Shakespeare. – Disse eu.
- Não, não… - respondeu Sir F. – Muita coisa tem sido atribuída a Francis Bacon, que foi uma mente iluminada, sem dúvida. Mas não é verdade. Shakespeare foi uma pessoa muito inteligente e foi ele mesmo quem escreveu as suas peças. Pode ter tido alguma ajuda mas, o autor é ele mesmo, hoje não há dúvidas, a não ser entre alguns especuladores que pretendem desvirtuar as suas qualidades. Quanto aos manifestos, também não, embora encontremos alguns elementos comuns, por exemplo, entre a “Fama” e a “Nova Atlântida”, esta sim, da autoria dele.
- Também já vi escrito por recentes associações rosacruzes, que Francis Bacon foi Imperator da Ordem Rosacruz, ou seja, o seu máximo dirigente. – Contrapus.
Sir F. sorriu ao ouvir esta minha última frase.
- Veja bem, - disse ele, - como é que alguém poderia ser responsável por algo que não existia?
- Não existia uma Ordem ou alguma espécie de organização chamada Rosacruz?
- Claro que não. O que existia era a ideia, que foi expressa magistralmente nos manifestos por esse génio chamado Valentin Andreae. A ideia era de uma sociedade cristã renovada, ideia também expressa na “Nova Atlântida” do Francis Bacon. Houve muitos, na altura, que se consideraram rosacruzes por aderirem a essa ideia de uma nova sociedade, mas não havia nenhuma organização. Aliás, enquanto uma ideia se mantém por si mesma e se expande, ela frutifica nas mentes dos que a ela aderem e pode, de facto, mudar algo na sociedade. Quando a ideia se cristaliza numa organização, ela transforma-se em algo hierárquico, dando origem a lutas pelo poder e a vaidades de quem está no poder. Fica reduzida a uma doutrina fechada, como acontece com as igrejas. Enquanto ideia, ela circula livre e pode iluminar as mentes preparadas ou receptivas. Fiz-me entender?
- Perfeitamente, - respondi. Mas de onde surgiu essa ideia, ou essas ideias, como a da Maçonaria e da Rosa+Cruz. Porque é que Andreae teve a iniciativa de escrever os manifestos, mantendo-se contudo incógnito?
- Bem, antes de mais é necessário entendermos que ninguém inventou nada até hoje, limitamo-nos a descobrir aquilo que já existia. Evidentemente que as ideias de Valentin Andreae e de Francis Bacon não surgiram naquela altura, eles limitaram-se a compreendê-las e a transpô-las para o papel, um sob a forma de manifestos anónimos, outro em obras sobre uma nova cidade, que é o mesmo que dizer, uma nova sociedade. A ideia rosacruz inspirou uma obra tremenda e por todos conhecida. Refiro-me ao “Dom Quixote” de Cervantes. Não é por acaso que esse livro apareceu escrito na mesma altura que os manifestos. Tido como uma caricatura ridícula dos romances de cavalaria, na verdade encerra grandes ensinamentos. Sancho Pança é a realidade da sociedade da altura. Se os romances do século XIII falavam de uma terra devastada, o “Dom Quixote” faz exactamente a mesma coisa quatro séculos mais tarde, pois é conhecida a imensa corrupção que grassava numa Europa liderada pela Igreja de Roma. Simbolicamente, a dama, Dulcineia, representa a rosa, e o combate empreendido é um combate contra a corrupta sociedade, é a cruz, o arquétipo daquele que assume uma missão, mesmo que essa missão não tenha possibilidades de êxito. No entanto, apesar dos desaires sofridos, a sua mensagem ficou para toda a eternidade.
- Muito interessante essa associação da obra de Cervantes com a ideia rosacruz, - disse Samuel.
- Mas voltando à pergunta inicial, - continuou Sir F. – qual a origem das ideias. Provavelmente têm o mesmo tronco original, tanto a Rosa+Cruz, como a Maçonaria, ou mesmo os Templários. Essas ideias foram sendo mantidas ao longo do tempo, muitas vezes à revelia dos poderes vigentes, por aqueles que aprendemos a chamar de alquimistas. Quem eram de facto os alquimistas? Gente que buscava, simplesmente. Gente que pensava que as coisas podiam ser diferentes, que a sociedade podia tornar-se mais justa e fraterna. Usavam os seus conhecimentos científicos nessa busca espiritual. Os seus modestos laboratórios eram apenas um meio através do qual poderiam chegar à Pedra Filosofal.
- Paracelso foi importante na difusão dessas ideias? – Perguntou Samuel.
- Sim. Paracelso e outros. Pitágoras, por exemplo, é tido como um dos mestres antigos dessas ideias.
- Analisando os manifestos e outras obras da altura, - disse eu, - vejo que a sabedoria contida neles veio do Oriente. Na obra de Andreae, a sabedoria é a Sofia, uma dama com asas, como se fosse um anjo. Toda a história de C. R., que se presume serem as iniciais de Christian Rosenkreutz, começa realmente no Oriente, na antiga Síria, onde ele é iniciado pelos sábios da cidade de Damcar. Mas parece que este nome resultou de um erro ortográfico e que o verdadeiro nome seria Damar. Mas não importa, o que parece acontecer é que essas ideias vieram ou nasceram no Oriente. Foi lá, em Jerusalém, que os templários foram buscar aquilo que é chamado de seu segredo, e que lhes permitiu atingir um poder muito grande na Europa.
- De facto assim parece ser. – Disse Sir F. – Numa Europa amordaçada pelo poder da Igreja de Roma, os árabes, na sua diversidade de nações beneficiavam de uma certa liberdade que lhes permitia desenvolver determinados conhecimentos que talvez não tenham sido criados por eles, mas eles souberam retê-los e transmiti-los a quem merecia. Não só os árabes, mas também os judeus criaram ou receberam toda uma sistemática da tradição que reflectiram na Cabala e em outras obras. A Maçonaria reporta as suas origens ao antigo Templo de Salomão. Portanto, Andreae, muito inteligentemente, faz o seu herói peregrinar pelo Oriente e dali voltar com toda a sabedoria.
- Mas o herói de Andreae, o R. C., não é uma ficção? – Perguntou Samuel.
- Claro que é uma ficção. – Respondeu Sir F. – Esse herói nunca existiu a não ser na cabeça de Andreae e daqueles que assumiram a sua existência real. Mas serviu magistralmente os propósitos de criar uma lenda sobre a qual se construiu todo um castelo de crenças e tradições. O túmulo de Christian Rosenkreutz nunca existiu na verdade, assim como o próprio ocupante. Existiu apenas a ideia, uma ideia de génio, sem dúvida, que desencadeou uma onda de prosélitos que se auto intitularam rosacruzes, quando na verdade não havia rosacruzes.
- Qual a influência dessa ideia aqui no Reino Unido? – Perguntei.
- Já falámos de Francis Bacon. Poderia falar de outros supostamente considerados rosacruzes. O termo rosacruz passou a ser considerado pejorativo depois do envolvimento de alguns que se diziam rosacruzes na revolução e curta república de Cromwel. Restabelecida a monarquia, a palavra rosacruz foi banida, e ainda hoje há um sentimento de repúdio por essa palavra.
- Quer dizer que no Reino Unido não existe nenhuma organização ou confraria desse nome ou que procure reviver o rosacrucianismo. – Disse eu.
- Meu querido amigo, - respondeu Sir F. – reviver algo que nunca existiu? Evidentemente que existem e existiram algumas organizações que se intitularam de rosacruzes, mas não têm nada a ver com esse passado mágico dos manifestos e da “Nova Atlântida” de Bacon.
A noite já ia adiantada e preparámo-nos, eu e Samuel, para nos despedirmos e voltarmos para o hotel. Da minha parte, o diálogo com Sir F. tinha-me trazido muitos elementos novos sobre os quais teria que meditar. Havia algo implícito no seu discurso sobre o qual não vou falar, mas que deixo ao critério do leitor tirar as suas conclusões.
No dia seguinte iria estar presente nas cerimónias templárias realizadas na catedral de St. Mary, e depois na festa da “White Cokade”, onde teria a honra de entrar no enorme salão acompanhando a Primeira Dama da Escócia, seguido de uma banda de tambores e gaitas escocesas.

sábado, 10 de abril de 2010

Conversas com Samuel Dalatando

I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 1ª Parte


Não vou dizer quem é Samuel Dalatando, pois este não é o seu verdadeiro nome e também porque sei que ele não gostaria de ser identificado. Assim talvez se fique a conhecer um pouco através das conversas que vou relatar, baseado apenas na minha memória, que acho que ainda é de confiar apesar de toda a subjectividade que um relato de conversas baseado apenas em lembranças pode implicar.
Encontrámo-nos diversas vezes, em diferentes cidades, como Lisboa, Madrid, Luanda, N. York, São Paulo e outras. Nessas alturas tivemos oportunidade de conversar sobre algumas coisas que nos fascinam, tanto a mim quanto a ele, além de, naturalmente, conversarmos sobre coisas corriqueiras. Parte desta conversa ocorreu em Frankfurt, na Alemanha. Não foi por acaso que falámos sobre a Fraternidade Rosa-Cruz, pois esta, como veremos, está intimamente ligada ao país germânico.
- A Alemanha – dizia eu enquanto almoçávamos num restaurante búlgaro numa rua próxima da Estação Central, um dos poucos edifícios poupado pelos bombardeamentos aliados durante a Segunda Grande Guerra – foi o berço onde nasceu a ideia de uma sociedade rosacruz, que depois se expandiu para o resto da Europa através de três manifestos, o primeiro dos quais se chamava “Fama Fraternitatis” e que teve como objectivo, pelo que penso, lançar a ideia de uma sociedade ou ordem de superiores invisíveis, que dominava a Europa de então.
- Estou de acordo, mas não devemos confundir duas coisas: a primeira é a de que a tradição rosacruz não nasceu na Alemanha, é muito mais antiga como sabe; a segunda é a de que não podemos separar a edição anónima desses manifestos das condições em que se vivia nessa altura na Europa.
- Bem, sobre a primeira razão, sim, a tradição é muito antiga, e há quem a reporte ao antigo Egipto, o qual a teria recebido da Atlântida. Mas a que condições se refere?
- Essa é uma grande história… mas temos tempo para falar dela, pelo menos da sua maior parte ou da parte mais importante.
- Então vamos lá.
- O século dezasseis foi um século muito complicado para a Europa. Complicado e sangrento. Foi o século da Reforma da Igreja, iniciada na Alemanha por Martinho Lutero. Na verdade a Igreja não foi reformada, foi dividida. E esta divisão teve consequências dramáticas para os povos envolvidos no cisma. A reacção católica foi o que se esperaria, considerando o histórico cruel de muitos séculos do seu braço regenerador, a Inquisição. Não podemos esquecer que ainda em 1600 Giordano Bruno foi queimado na fogueira depois de ser torturado durante oito anos. E foi aqui, em Frankfurt, que Giordano foi atraído para voltar a Veneza por um amigo que lhe prometeu ensinar-lhe técnicas de melhorar a memória. Esse amigo acabou por denunciá-lo à sagrada Inquisição.
- Mas a reacção católica teve particular expressão em França…
- Sim. Por ordem dos monarcas franceses os reformadores foram perseguidos e chacinados sucessivamente, culminando com a matança de São Bartolomeu, em que dezenas de milhares de huguenotes, assim se chamavam os reformadores franceses, foram mortos.
Enquanto o ouvia com profunda admiração, lembrava-me do nosso primeiro encontro, numa pequena pastelaria junto da Fonte Luminosa em Lisboa. O irmão que nos apresentou já partiu deste mundo. Foi um encontro rápido, enquanto tomávamos um café, mas suficiente para ter ficado com a impressão de nos conhecermos há muito tempo.
- Os movimentos surgidos na Alemanha – disse eu – no século seguinte foram uma espécie de reacção a essa perseguição, beneficiando entretanto da liberdade concedida nas regiões libertadas do domínio da cúria romana. Foi assim que surgiu a ideia dos irmãos rosacruz, uma fraternidade tornada invisível pelo anonimato dos manifestos.
- Certamente. Mas você acha que essa fraternidade invisível existia de facto?
- Acho que a publicação dos manifestos foi uma ideia genial, principalmente o primeiro, o “Fama Fraternitatis”. Porque através dele os invisíveis passaram a existir, mesmo que não tenham existido na realidade, pois não havia nenhum grupo denominado rosacruz.
- Foi realmente uma ideia brilhante – concordou Samuel. Uma ideia que não nasceu de um grupo, mas talvez de uma ou duas pessoas, embora houvesse um grupo que incluía alguns teólogos, ligado a uma universidade alemã, a universidade de Tübingen, se não estou em erro, que talvez tivesse contribuído com algumas ideias para a execução dos manifestos. O secretismo mantido ao longo dos séculos sobre a autoria dos manifestos, principalmente do primeiro, confirma que não foi ideia de um grupo, pois, se fosse o caso, alguém acabaria por quebrar o sigilo.
- Concordo, Samuel. No entanto parece não haver já muitas dúvidas de que o terceiro manifesto, “As Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreuz” foi escrito por Valentin Andreae, um teólogo ligado a essa universidade de Tübingen. Ora, como o primeiro manifesto parece contar a história de Christian Rosenkreuz, embora não refira nenhum nome, apenas as iniciais C. R., e como o estilo entre a “Fama” e as “Bodas” é semelhante, é de presumir que foi Valentin o autor da “Fama Fraternitatis”.
- Provavelmente sim. Mas C. R. pode tanto significar “cristão rosacruz”, como “cristão renascido”, o que poderia significar coisas diferentes, mas na realidade não, trata-se da mesma coisa pois, o cristão rosacruz originado dentro da Reforma, é na verdade um cristão renascido. A Ideia dos manifestos era o renascimento cristão ou, o resgate do cristianismo original, não inquinado pela Igreja de Roma.
- Quer dizer que, ao contrário do que geralmente se pensa, essa fraternidade de irmãos invisíveis da rosacruz nasceu dentro do cristianismo reformador. De facto, logo no início da “Fama” se fala de Jesus Cristo. As de onde é que terão surgido as ideias dos manifestos?
- Essa é uma longa e complexa história. Na altura viviam-se tempos apocalípticos. Kepler, o astrónomo ou astrólogo do imperador do Sacro Império Romano, observou em 1603 uma conjunção de Júpiter e Saturno no signo de Peixes. Conhecendo ele os trabalhos de astrólogos judeus e árabes, pensou logo que essa conjunção tinha um significado especial. Outras ocorrências astrológicas levaram-no a concluir que uma situação semelhante havia ocorrido em 7 a. C., época considerada mais provável para o nascimento de Jesus Cristo. Ele calculou também, não sei em que é que se terá baseado, que idênticas situações astrológicas tinham ocorrido em datas importantes para a humanidade, como no tempo de Adão, Moisés, etc. Ele achava que algo muito importante estava para acontecer, talvez o nascimento ou aparecimento de um novo profeta, ou talvez a segunda vinda de Cristo.
- Mas não foi só por isso que se considerava que o fim do mundo estava próximo…
- Não, embora a segunda vinda de Cristo pudesse significar o juízo final bíblico. Mas logo em 1604 Júpiter e Saturno voltaram a aproximar-se, desta vez em Sagitário, confirmando as previsões fatalistas. Foi também nesse ano de 1604 que o mundo, ou melhor, a Europa, assistiu aterrorizada à explosão de uma supernova. Esta estrela permaneceu visível por mais de um ano. Para Kepler algo semelhante acontecera em 7 a. C., o aparecimento da Estrela de Belém.
- Imagino o susto das pessoas. Realmente deviam pensar que o fim estava próximo.
- De facto as pessoas viviam muito assustadas, para além do susto que os católicos tiveram com o misterioso aparecimento da “Fama” colada nas paredes de Paris, mas esta é uma história para outra altura.
- Sim, iremos falar dela.
- Voltando às estrelas e conjunções, - continuou Samuel – sinais inequívocos de fim do mundo eminente, em 1623 deu-se nova conjunção de Saturno e Júpiter, agora no signo de Leão. Isto teve um significado muito especial. Desde Paracelso que se acreditava no aparecimento de uma figura simbolizada pelo “Leão da Meia-Noite” e que seria uma figura redentora, talvez um príncipe do norte que daria continuidade à Reforma e aniquilaria o “império do mal” dominado pelo papa. Alguns astrólogos tinham previsto o segundo advento de Cristo precisamente para 1623, podendo este ser o Leão das profecias
- Isso é um pouco confuso, “Leão da Meia-Noite”, príncipe do norte…
- A constelação de Leão está no norte, próximo da Ursa Maior, daí a vinda de um príncipe do norte.
- Percebo agora. Mas como as profecias geralmente dão errado, não conheço nenhuma que tenha dado certo, também esta acabou por estar completamente errada. Não só não apareceu nenhum príncipe do norte, nem aconteceu o segundo advento de Cristo, nem o fim do mundo, mas estalou a guerra dos 30 Anos.
- Sim, uma guerra religiosa entre o Sacro Império Romano católico e os Estados protestantes da Alemanha. As não podemos falar de uma guerra de 30 anos, mas de trinta anos de guerras sucessivas, em que nem sempre a motivação religiosa foi a causa.
Chegámos ao fim do almoço naquele restaurante búlgaro cuja comida era muito parecida com a portuguesa. Samuel tinha que tomar um avião que o levaria para N. York. U iria voltar para Lisboa na manhã do dia seguinte. Continuaríamos a nossa conversa em outra altura, talvez em Paris, onde Samuel tinha um compromisso cerca de um mês mais tarde.
Caminhando pelas velhas ruas do centro de Frankfurt de volta para o hotel, numa tarde primaveril já beirando o verão, pensei nos estranhos desígnios do povo alemão. Fora ali que havia sido lançada a ideia rosacruz, a ideia de uma fraternidade invisível que prometia modificar a sociedade, libertando-a de corrupções e tornando-a mais fraterna; fora ali, mais precisamente na Áustria, que nascera o criador da Psicologia e era ali que vários grupos continuavam a desenvolver as ideias de Freud e Jung, ainda que este fosse suíço, mas um suíço de língua alemã; fora ali que o “ovo da serpente” havia dado nascimento ao nazismo, como todas as trágicas consequências que mancharam para sempre a história recente da humanidade. O mal e o bem viviam lado a lado, ocupando contudo o mesmo espaço na mente de cada um.
No momento em que escrevo esta espécie de memórias, também não posso deixar de pensar que vivemos novamente tempos apocalípticos. Já não são as estrelas e as conjunções astrológicas os principais protagonistas, ainda que estejam também presentes, mas é o aquecimento global e, principalmente, o fatídico calendário maia que prevê o fim do mundo para 2012. Talvez seja tempo do aparecimento de uma nova fraternidade de invisíveis.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O Caminho de Santiago

III – Luz do Ocidente

O Caminho de Compostela não é o único caminho que levava os peregrinos da Europa de Oriente para Ocidente, terminando invariavelmente na costa atlântica, não em mar aberto, mas em rias profundas, que permitiam abrigo e ancoragem segura de barcos. Mas é o único caminho que foi “recuperado” pelo cristianismo, passando a constituir uma das suas três peregrinações principais, juntamente com Roma e Jerusalém.
Além do Caminho de Compostela havia mais três, dois dos quais bastante conhecidos e um que terá caído no esquecimento. Estranhamente, esses caminhos estavam escalonados por latitudes separadas de três em três graus, todas passavam por lugares sagrados e por regiões onde abundam megalitos e dólmenes, vestígios naturais atribuídos à antiga civilização celta ou lígure.
Já vimos que o Caminho de Compostela corria ao longo do paralelo 42. Logo acima, no paralelo 45, havia desde tempos imemoriais um caminho que talvez fosse o menos importante e por isso esquecido, mas que passava por Le Puy, pelas célebres grutas de Lascaux e terminava em Lugon. Não existe ponto de referência para o início deste caminho.
Mais a norte, ao longo do paralelo 48 havia o caminho que tinha início em Sainte-Odile, na Alsácia, povoação situada em recinto de antigas construções ciclópicas impossíveis de datar, e terminava perto de Quessant, na costa atlântica. Ao longo deste caminho encontramos inúmeros megalitos, provavelmente pontos de referência e orientação para os peregrinos. Passa por diversos locais sagrados, especialmente por Chartres, o lugar mais sagrado dos franceses.
Subindo mais três graus na latitude, encontramos o caminho britânico ao longo do paralelo 51. É provável que este caminho tivesse origem mais a leste, no continente europeu, numa altura em que talvez ainda não existisse o Canal da Mancha e a Ilhas Britânicas não existissem como ilhas, mas fazendo parte do continente.
Considerando apenas o território britânico, este caminho começa em Canterbury e passa por Maidstone (a pedra da Virgem), Godstone (a pedra de Deus), por um cromeleque chamado Amesbury, que alguns entendem significar o “túmulo de Adão”, depois por outro cromeleque, Avesbury, que talvez signifique o “túmulo de Eva”. Passa também por Stonehenge, com o seu “grande templo do Sol” e o Cathoir Ghall, a “sala de dança dos gigantes”. Segue-se Glastonbury, onde se conta que José de Arimateia teria depositado o Graal, perto da colina de Avalon, que antes dos depósitos fluviais era a ilha mítica de Avalon, bem conhecida através da lenda de Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Este caminho termina num local próximo de Tintagel, onde foi descoberto, gravado na pedra, um labirinto semelhante a um outro encontrado na Galiza, não distante de Santiago de Compostela.
Tudo isto, as rotas traçadas de Oriente para Ocidente, a balizagem ao longo de um paralelo preciso com pequenas variações de minutos, a existência de lugares considerados desde sempre sagrados ao longo desses caminhos, não pode ser obra do acaso.
É de presumir que estes caminhos foram traçados com fins religiosos, em que os peregrinos seguiam a rota do Sol, ou a rota indicada pela Via Láctea, de leste para oeste e terminando sempre no mar atlântico. Mas a precisão com que foram marcados sugere-nos que poderia haver outro motivo que ainda desconhecemos, mas que podemos pressentir. Para uma peregrinação religiosa não é necessária a existência de uma rota elaborada com tal precisão, qualquer caminho serve, desde que sirva para atingir o objectivo final. Por exemplo, para a peregrinação a Roma ou Jerusalém não existe um caminho pré-determinado. No caso de Compostela, outros caminhos foram sendo criados ao longo do tempo, como o chamado caminho português, mas prevaleceu sobre todos o caminho tradicional, aquele que segue ao longo do paralelo 42. O que procuravam os peregrinos a Ocidente?
Uma das profecias de João XXIII diz: “ (…) Luz do Neiva no Oriente, mas a luz vem sempre do Ocidente”. Seria para esta luz que os peregrinos caminhavam através de mil dificuldades impostas pelas condições do terreno e dos perigos que punham em risco a própria vida? Que luz seria esta? Será que os portos atlânticos que os peregrinos demandavam eram pontos de encontro com seres que vinham do mar e traziam consigo todo um conjunto de conhecimentos que depois legavam a esses peregrinos?
Temos que reconhecer que estamos perante um enigma, pois na verdade não sabemos para que é que esses caminhos serviam. Alguns autores afirmam que se tratava de caminhos iniciáticos, ao longo dos quais o peregrino era submetido a provas duras que lhe poderiam proporcionar o acesso a um conhecimento maior. Outros afirmam que durante o percurso o peregrino poderia aprender certos conhecimentos ocultos, como por exemplo o tratamento da pedra. Já vimos que os talhadores de pedra na região, no tempo dos lígures, se chamavam tiagos. O que é que acontecia quando chegavam ao seu destino, à beira do Atlântico? Entravam em contacto com seres que consideravam superiores, que depois chamaram deuses, vindos de algures do meio do oceano? Para tentarmos encontrar alguma resposta temos que recorrer à tradição.
Parece não haver já dúvidas para ninguém de que existiu, há uns milhares de anos, uma grande ilha a meio do Atlântico, de que os arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias serão os remanescentes. Parece também não haver dúvidas para ninguém de que, há uns milhares de anos, se deu um imenso cataclismo, que na Bíblia se chama Dilúvio Universal. Este dilúvio é conhecido sob a forma de lendas em todas as latitudes e longitudes da Terra. Portanto, havendo assim tantas descrições, umas mais fantasiosas que outras, é prova de que aconteceu na realidade. Esse cataclismo terá afundado essa ilha e levado para o fundo das águas os atributos de uma civilização evoluída, a que Platão chamou de Atlântida.
Aparentemente não havia uma única ilha, mas várias ilhas, uma grande ilha rodeada de outras menores. Estas ilhas seriam habitadas por duas raças, uma de pele escura avermelhada e outra de pele clara. A de pele escura era de pequena estatura, mas a de pele clara era constituída por indivíduos altos. Não é credível que esses habitantes não tivessem entrado em contacto com os habitantes das regiões limítrofes, como a Europa ocidental, a costa ocidental da África e a costa oriental da América. Também não é credível que não tivesse havido migrações, tanto para ocidente como para oriente, e que esses povos migrados não se tivessem misturado com as populações locais. Acreditamos que essas migrações terão fundado colónias que mantiveram ligações com a pátria de origem, cujos conhecimentos procuraram transportar para as novas terras que ocupavam.
A determinada altura aconteceu o cataclismo que, além de afundar a pátria de origem, causou devastações por toda a Terra, salvando-se apenas uns poucos sobreviventes. Estes, a pouco e pouco, órfãos da terra-mãe, foram esquecendo os prodígios que a sua civilização tinha alcançado, mas mantiveram os conhecimentos básicos que lhes permitiram depois dar início a outras civilizações. Por isso a civilização do antigo Egipto despontou de repente, como o desabrochar de uma rosa.
Assim, os caminhos traçados de forma quase geométrica poderão ter sido os marcos de referência para os sobreviventes do cataclismo, que após aportarem em locais abrigados da costa, se encaminhavam para o interior ao encontro das populações aí residentes e também sobreviventes. Temos consciência de que esta é uma teoria sem bases de prova, mas é uma teoria tão boa como muitas outras. Com o tempo, esses caminhos serviram para levar os peregrinos em busca desses seres que um dia vieram do ocidente, movidos por uma vaga lembrança da portentosa civilização que aí teria existido.
Isto leva-nos a outro ponto, que é o de saber onde ficaria situado o Paraíso Terrestre. Segundo a Bíblia, estava situado na região de quatro rios, dentre os quais, o Tigre e o Eufrates. Embora na Mesopotâmia actual (Iraque) não existam esses quatro rios, apenas aqueles dois referidos, pesquisas por satélite revelaram a existência em tempos idos de mais dois rios. Portanto, assunto resolvido, o Paraíso ficava localizado na Mesopotâmia. Mas, como grande parte dos livros da Bíblia terão sido escritos por sábios judeus após a sua libertação do cativeiro na Babilónia, é muito provável que a descrição do Paraíso tenha sido originada em alguma lenda daquela região e assim, a indicação daqueles rios.
Por outro lado, Caim, depois de ter assassinado Abel, foi enviado para a Terra de Nod, a leste do Éden. Aparentemente, apesar de expulsos, Adão e Eva ainda estariam no Paraíso (Éden), porque foi dali que Caim foi enviado para leste. Mas “Nod”, segundo alguns autores, significa “peregrinação”, quer dizer, a partir do Éden, Caim peregrinou pelas terras do leste. Mas a leste de quê? Da Mesopotâmia? Foi Caim peregrinar para os antigos Irão, Afeganistão, Paquistão, Índia? Para sabermos que leste era esse precisamos de situar o Éden em algum lugar.
Por estudos feitos através de satélites, está provado que o deserto do Sara foi, em tempos recuados, uma região luxuriante, com várias cidades hoje soterradas debaixo das areias, com lagos e quatro rios, entre os quais o próprio Nilo, que terá sido desviado do seu primitivo curso para o actual que conhecemos. A civilização que ali prosperou terá vindo, muito provavelmente, da Atlântida. Os tuaregues, os “aristocratas” do deserto, serão originários da civilização que ali se implantou pois, segundo a lenda, a filha da Poseidon, Atena, ter-se-á retirado para a terra de Hoggar para ali cumprir uma missão civilizadora. A terra de Hoggar é o Sara e Atena, como rainha dessa região, chamava-se Tin-Hinan.
Esta rainha, considerada deusa pelos tuaregues, terá estabelecido um governo matriarcal e por isso, entre os tuaregues a mulher continua a ter um papel muito especial, é a guardiã da tradição. Mas uma lenda acaba quando começa a História e assim, Tin-Hinan deixou de ser uma lenda quando o seu túmulo foi descoberto em Abalessa, ao sul da actual Argélia. Pelo estudo dos seus restos mortais, tratava-se de uma mulher branca, de elevada estatura, parecida com as mulheres egípcias do tempo dos faraós, as ancas estreitas e as espáduas largas.
Por motivos que desconhecemos, o Nilo foi desviado do seu curso, privando o Hoggar da sua água, e parte da população ali existente terá partido para oriente, criando a esplendorosa civilização egípcia. Seria o Hoggar, o local em que se situava o Éden, pois também era uma região de quatro rios?
Segundo a tradição, a grande ilha da Atlântida também tinha quatro rios, os quais corriam no sentido dos pontos cardeais. Seria, afinal, a Atlântida, o local do Paraíso terrestre? Tanto do Hoggar como da Atlântida, as migrações foram feitas maioritariamente para leste, exceptuando as eventuais migrações que terão povoado as Américas.
Assim, talvez aqueles caminhos tão bem demarcados no terreno levassem os peregrinos em busca, não só dos seres que em tempos recuados teriam vindo do mar a ocidente, mas em busca do Paraíso perdido.