I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 4ª Parte
Enquanto aguardava novo contacto de Samuel para continuarmos a nossa conversa iniciada em Alfama, onde tínhamos falado pouco acerca de Saint-Martin e Willermoz, nomes que eu considerava dos mais importantes para tentar compreender o destino das ideias rosacruzes surgidas no início do século dezassete, continuei as minhas pesquisas sobre um assunto que, para mim, era fascinante. No entanto, tinha a sensação de que esse tempo mágico dos manifestos estava perdido para sempre.
Encontrámo-nos novamente, naquele final de Junho que se mostrava mais quente do que o normal, em casa de um amigo comum, Daniel Escobar (ver nota de rodapé), um padre erudito com vários mestrados e doutoramentos, responsável por algumas obras caritativas da Igreja.
Daniel Escobar vivia literalmente no meio de livros, a sua biblioteca e local habitual de trabalho era um autêntico caos, com livros amontoados por todo o lado e a sua mesa era um mar de papel, entre livros, revistas, cadernos e folhas soltas. No meio de toda aquela confusão sabia, exactamente, o local de cada publicação que precisasse de consultar. A empregada doméstica que tratava da casa tinha ordens para não entrar ali.
A casa ficava situada no bairro da Lapa, uma daquelas casas em que a frente para a rua não deixava adivinhar o seu tamanho, que para além de vários quartos e salas, se estendia por um jardim bem cuidado, e um subsolo onde Daniel construíra uma capela dedicada à Senhora da Conceição, onde por vezes celebrava missas. Baptizados e casamentos celebrava-os na Igreja dos Navegantes, também na Lapa.
Daniel Escobar recebeu-nos calorosamente. Vestia trajos civis, colarinho aberto, nada fazendo suspeitar da sua condição de sacerdote. Conduziu-nos para o aposento onde gostava de receber os amigos, a sua caótica biblioteca.
Conhecera Daniel Escobar na época, uns anos antes, em que me encontrava envolvido na Igreja Católica. Tínhamos feito juntos uma viagem e estadia em Fátima, num 13 de Maio e, como eu não reservara hotel ou pensão para passar a noite de 12 para 13, fiquei acomodado nos aposentos de um bispo que cancelara a sua presença à última hora. As refeições, usando as senhas destinadas ao mesmo bispo, tomei-as no Centro Paulo VI. Tudo isto arranjado pelo padre Daniel Escobar.
Era o fim da tarde desse dia de Junho e o Sol, ainda alto àquela hora, entrava por uma janela virada para poente, de onde também se podia ver um pouco do Tejo. Daniel serviu-nos um malte da melhor qualidade, quase fazendo esquecer o gosto do whisky, tal a pureza em que fora destilado.
- Como está N. York? - Perguntou Daniel dirigindo-se a Samuel.
- A confusão do costume. – Respondeu Samuel.
- Confusão? Sempre achei que se tratava de uma cidade bem ordenada, apesar do seu gigantismo. – Disse Daniel.
- É uma cidade bem ordenada, sem dúvida. Mas ao mesmo tempo parece o mundo em miniatura. Ali encontra-se de tudo, seja o que for que consiga imaginar.
Enquanto os ouvia os meus olhos pousaram-se sobre um livro não volumoso, mas de grandes dimensões, intitulado “Símbolos da Rosa+Cruz”.
- Livro interessante. – Disse eu.
- Como o Manel sabe, interesso-me por muitas coisas, sou um estudioso compulsivo de tudo o que faz mover a espécie humana. Sou um homem da Igreja, não tenho dúvidas, mas ao mesmo tempo sou um buscador. Tento analisar as coisas sob o ponto de vista cristão, pois queiramos ou não, pelo menos nos últimos dois milénios, tudo se tem movido dentro do Cristianismo. Falo do mundo ocidental, evidentemente, mas mesmo no Oriente o Cristianismo tem tido a sua influência.
- Sim, de acordo. – Disse Samuel. – A ideia ou as ideias rosacruzes surgiram dentro do Cristianismo, beneficiando da liberdade provisória proporcionada pela Reforma.
- Provisória? – Estranhou Daniel.
- Sim, porque logo os potentados das regiões abrangidas se apossaram do movimento religioso e começaram a estabelecer as suas regras, limitando a liberdade de pensamento e expressão.
- Ainda bem que não foi só a Igreja a responsável. – Disse Daniel, rindo.
- Nesse aspecto a Igreja foi sempre imbatível. – Respondeu Samuel, também rindo. – Mas acha que a Maçonaria também surgiu de dentro do Cristianismo?
- Sem dúvida. – Respondeu Daniel. – Foi beber na mesma fonte.
- E a Maçonaria ateia?
- Refere-se aos chamados “Grande Oriente”?
- Sim. Como o GOL português e o GOF francês.
Daniel parou uns instantes, reflectindo, depois disse:
- Do meu ponto de vista não existe Maçonaria ateia. Essa corrente, como sabem, nasceu em França, um pouco antes da Revolução Francesa, recebendo desta muita influência. Como é que alguém pode considerar-se ateu e referir-se ao Grande Arquitecto como responsável por toda a Criação? Chamar-lhe Grande Arquitecto ou Deus não é a mesma coisa?
- Julgo que a ideia do ateísmo vem do facto de não seguirem uma religião. – Atalhei eu. – Mas isso não passa de um sofisma, pois não seguir uma religião não faz de ninguém ateu.
- Mas não é difícil conceber a ideia de Deus fora de uma religião? – Perguntou Daniel.
- Sem dúvida. – Respondi. – É um caminho difícil e por vezes pode tornar-se perigoso, pois pode conduzir-nos a extremos e desequilíbrios não muito recomendáveis para a nossa saúde mental.
- Convido-vos para jantar comigo – Interrompeu Daniel. – Não aceito uma recusa. Mandei preparar um borrego à moda da minha terra e o vinho é especial da minha quinta.
Samuel esboçou uma tentativa de recusa, dizendo que já tinha um compromisso, mas não adiantou, ficámos os dois para jantar.
- Bem, onde é que nós estávamos? – Perguntou Daniel.
- Na Maçonaria ateia. – Respondi.
- Ah, isso mesmo. Nada acontece fora do Cristianismo.
- Mesmo essa forma de Maçonaria e algumas expressões rosacruzes? – Perguntei.
- Onde nasceu a Maçonaria? Não foi no século dezassete, ligada ao movimento jacobita inglês?
- Sim, – concordei, – e a Rosa+Cruz?
- No mesmo século, ligada a um grupo de teólogos alemães, nomeadamente Valentin Andreae e Tobias Hess.
- Tobias Hess? – Estranhou Samuel. – É a primeira vez que ouço esse nome.
- Tobias Hess era um grande amigo de Andreae. Provavelmente a “Fama” e outros manifestos, saíram da sua cabeça ou da cabeça dos dois.
- Mas os escritos são do Andreae. – Disse eu.
- Sim, Tobias tinha uma vida muito complicada, uma casa com mais de uma dúzia de filhos, um caos doméstico que ele tinha que sustentar e que não o deixava concentrar-se verdadeiramente nas suas ideias de modo a escrevê-las. Quem o fez foi Andreae, não tenho dúvidas de que os manifestos foram criados pelos dois.
- Portanto, – continuou Daniel, – essa ideia de uma fraternidade invisível de seres superiores chamada Rosa+Cruz nasceu dentro do Cristianismo, no movimento da Reforma a que os dois pertenciam. Havia um outro, chamado Besold, que talvez tenha dado algum contributo para os manifestos, não sei. Mas Besold arrependeu-se da Reforma ao ver o caminho que as coisas levavam, desgostoso que o cristianismo reformador tivesse caído em mãos profanas de duques, arquiduques, etc., e voltou para o catolicismo.
- Penso que os manifestos tiveram a virtude de sacudir as consciências da época, mostrando que era possível construir uma sociedade melhor. – Disse Samuel. – Mas o que é que o Daniel pensa dos manifestos e da história de Christian Rosenkreutz?
- Bem, a exposição da “Fama” nas paredes de Paris, de forma anónima, foi um puro acto de terrorismo.
- Terrorismo? – Estranhei.
- Sim, terrorismo. Terrorismo ideológico. Deixou toda a gente insegura com medo dessa fraternidade invisível.
- Quer dizer os católicos. – Disse eu.
- Não só os católicos, também os protestantes, pois o texto não privilegiava nenhuns.
- Compreendo. – Disse eu. – Mas a “Fama” colocava em perigo a Igreja. Afinal tratava-se de um texto profético de uma nova sociedade cristã, ou seja, atingia os próprios alicerces da Igreja.
- Meu caro Manel… Vamos esquecer a minha condição de sacerdote. Com vós os dois sinto-me à vontade para dizer o que vou dizer. Todos sabemos que Lutero iniciou um movimento de purga de vícios da Igreja. Mas essa ideia perdeu-se depois nos meandros do poder secular, com os vários “delfins”, duques e afins, a tentarem dominar o movimento na sua região e a ditarem ordens. Isto veio beneficiar em parte a Contra-Reforma. Mas reconheço os vícios apontados por Lutero e de que a Igreja precisava realmente de uma reforma. Acham estranho eu dizer isto?
- Não. – Respondeu Samuel. – Pelo que conheço de si, acho que é uma pessoa que não teme questões como essa.
- Que me têm causado alguns dissabores. Por isso não chegarei nunca a bispo ou cardeal. Para isso teria que abdicar da minha consciência e aceitar coisas que me parecem inaceitáveis.
- O Daniel disse-me um dia que a consciência de cada um é inviolável. – Disse eu.
- Mantenho essa afirmação.
- E porque é que então continua sacerdote? – Perguntou Samuel.
- Por duas razões. Em primeiro lugar, porque o sacerdócio é para toda a vida, mesmo que renunciasse aos meus votos e optasse pela vida civil, como muitos têm feito, nunca deixaria de ser sacerdote. Em segundo lugar, porque acho que as mudanças, se possíveis, devem ser feitas no interior da Igreja, e não fora dela.
- Mas o que é facto, – contrapus, – é que não tem havido mudanças. A Igreja continua igual ao que sempre foi. Os dogmas e a censura continuam os mesmos ao fim de uma porção de séculos.
- Reconheço que tem sido um caminho muito difícil. – Respondeu Daniel. – Mas, apesar de tudo, a Igreja tem hoje uma postura diferente perante o mundo. Sei que vai dizer que a Inquisição não exerce hoje o seu poder porque esse poder lhe foi retirado pela sociedade civil. Mas vamos parar de falar da Igreja, afinal, como alguém já disse, ela é o grande repositório espiritual da humanidade.
- Será? – Perguntou Samuel. – Não acha que existe uma tradição espiritual exterior à Igreja?
- Não, não acho. – Respondeu Daniel.
- Bem, – continuou Samuel, – existe o Budismo, o Hinduísmo e toda uma tradição oriental que nada tem a ver com a Igreja.
- Aparentemente é assim. – Respondeu Daniel. – Mas iríamos muito longe para sabermos a origem de toda essa tradição. O que é, afinal, a tradição espiritual da humanidade?
- A tradição espiritual da humanidade é algo primordial, que vem da origem dos tempos. – Disse eu. Por isso a Maçonaria, a Rosa+Cruz, mesmo a Teosofia, reportam a sua origem a tempos muito antigos, em certos casos assumem uma origem atlante.
- Exactamente. – Disse Samuel. – Parece que tudo nos veio via Egipto, o Egipto Antigo. Não sabemos até que ponto a tradição egípcia terá influenciado a tradição oriental, mas sabemos que foi do Egipto que surgiram as três grandes religiões manifestadas. Não é assim?
- Não vai falar de Akhenaton, como o grande mentor dessa tradição. – Disse Daniel.
- Não. – Respondeu Samuel. – Embora em alguns círculos se considere Akhenaton como o faraó que primeiro quis instituir a noção de um Deus único, não concordo com isso porque essa noção sempre existiu no Antigo Egipto. Há um livro muito interessante, cujo autor não me recordo agora, chamado “O Egípcio”, que retrata Akhenaton de forma muito pouco favorável. Segundo esse livro, Akhenaton era um ser fraco, louco, esquizofrénico, que conduziu o Egipto a uma verdadeira guerra civil com milhares de mortos, que enfraqueceu as fronteiras tornando-as vulneráveis aos exércitos inimigos, que levou o Egipto praticamente à bancarrota ao mandar construir a sua cidade de Akhetaton, próximo da actual Amarna, tudo isto para impor o culto de Aton em substituição do de Amon.
- Por isso, disse Daniel, – todas as referências ao seu reinado foram apagadas e não se sabe onde a sua múmia foi depositada, ou mesmo se chegou a ser mumificado, tal o ódio que despertou, não só na classe sacerdotal, mas também na maior parte da população.
- Então concorda com esse retrato de Akhenaton? – Perguntei.
- Concordo. Embora essa história possa não passar de um mito, assim como a outra. Por um lado, Akhenaton foi um déspota paranóico que tentou impor o culto de Aton ao povo egípcio. Por outro lado foi um místico, um Cristo antecipado e sacrificado mas… ninguém governa um país poderoso como o Antigo Egipto através do misticismo. Pura loucura.
- Voltado a uma questão anterior, – disse eu, – em que o Daniel disse que tudo aconteceu dentro do Cristianismo, onde é que coloca essa tradição primordial?
- No Cristianismo. – Respondeu Daniel.
- Bem, – disse Samuel, – julgo entender o que o padre Daniel quer dizer. Sabemos que o Antigo Egipto terá sido o herdeiro e depositário dessa tradição primordial, uma chama viva mantida ao longo de séculos pelas Escolas de Mistérios, como os Mistérios e Osíris e de Ísis. Isto terá dado origem ao Gnosticismo, ou Escolas Gnósticas, com uma filosofia muito semelhante à Maçonaria tradicional. O Gnosticismo, por sua vez, deu origem ao Cristianismo na sua filosofia original, que pouco tem a ver com a actual, pois esta é literal, na assumpção de um Cristo vivente, enquanto a herança gnóstica fala de um Cristo interior. Deste modo o Cristianismo pode ser considerado o herdeiro de toda a tradição primordial. O Cristo literal foi mantido pela religião, mais interessada no poder secular do que no espiritual. O Cristo interior da tradição gnóstica e egípcia foi mantido e revivido, sempre que foi possível, pela ideia Rosa+Cruz, pela Maçonaria e pela Teosofia. Concordam?
Ficámos em silêncio durante uns momentos, apreendendo o significado das palavras de Samuel. De facto, os primeiros grupos cristãos eram gnósticos, o seu Cristo era o Cristo interior, e não Aquele, supostamente crucificado. Mas nenhuma religião se poderia manter com base apenas nesse Cristo interior.
- Muito bem. – Disse por fim Daniel. – Acho que chegou a hora de irmos jantar.
Olhei para Samuel, cuja expressão reflectia a compreensão da evasiva de Daniel, que não poderia concordar, dada a sua condição de sacerdote católico, mas que no fundo do seu íntimo talvez estivesse de acordo.
Fomos Jantar. O borrego assado estava excelente e o vinho, ainda que caseiro, era óptimo. A conversa desenvolveu-se por outros temas mais laicos.
Esta dói a última vez que conversei e me encontrei com o padre Daniel. Os nossos caminhos seguiram rumos diferentes. Só agora, no dia 12 de Maio deste ano, me lembrei dele e da conversa que tivemos, juntamente com Samuel. Neste mesmo dia 12 de Maio, Daniel faleceu. Confesso que a coincidência me deixou perturbado. Terei sido avisado, de algum modo, da sua partida?
segunda-feira, 31 de maio de 2010
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Conversas com Samuel Dalatando
I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 3ª Parte
Depois da nossa estadia em Edimburgo, durante cerca de um ano pouco soube de Samuel Dalatando. Sabia que ele vivia em N. York, num apartamento da rua 52, e que era um “globetrotter”, um cidadão do mundo. Viajava constantemente e não raro via notícias a seu respeito na imprensa e na televisão. Sabia, no entanto, que mais dia, menos dia, o nosso contacto se restabeleceria e continuaríamos as nossas conversas. Entretanto fui fazendo alguma pesquisa, li alguns livros, consultei outros, cruzei informações, afim de poder obter uma imagem mais abrangente de todo o processo rosacruz.
Se o século dezassete se tinha notabilizado pela explosão das ideias rosacruzes, envolvendo alguns nomes importantes, beneficiando e um certo clima de aparente liberdade resultante da crise que grassava na Igreja provocada pela Reforma iniciada por Lutero, o século seguinte assistiu a uma certa concretização daquelas ideias, pois foi o século do aparecimento de muitas organizações maçónicas ou paramaçónicas.
Três nomes, entre muitos, marcaram indelevelmente esse século dezoito, cujas ideias e rituais foram adoptados por uma infinidade de organizações até aos dias de hoje. Esses nomes são: Martines de Pasqually, Jean-Baptiste Villermoz e Louis-Claude de Saint-Martin.
Enquanto aguardava o contacto de Samuel, fui pesquisando sobre essas três figuras marcantes do século XVIII, que influenciaram todo o movimento maçónico e deram origem ao chamado “cristianismo esotérico”, conhecido como martinismo, além de terem estabelecido toda uma ritualística ainda hoje seguida por várias escolas iniciáticas. Como gostaria de conversar com Samuel sobre este assunto…
Entretanto, os ecos da conversa tida com Sir F. em Edimburgo mantinham-se na minha cabeça, levando-me a concluir, talvez precipitadamente, que tudo não passava de uma grande ilusão criada por mentes geniais, mas uma ilusão que acabou, de certa maneira, por influenciar a sociedade, não só daquela época, mas de todo o tempo posterior.
Numa certa tarde de Junho, um ano após o nosso encontro em Edimburgo, recebi um telefonema de Samuel. Estava em Lisboa, onde ficaria por alguns dias. Combinámos encontrarmo-nos nessa noite em Alfama, num daqueles restaurantes com mesas e cadeiras ao ar livre, típicos da época dos Santos Populares naquele bairro antigo de Lisboa.
Os nossos encontros foram sempre em terreno neutro, nunca na residência de cada um ou em algum local mais pessoal, ou ligado a alguma escola iniciática. Sabia que Samuel tinha atingido os mais altos graus iniciáticos em algumas dessas escolas, assim como eu procurava trilhar por esse caminho, mas nunca nos referimos às nossas experiências nesse campo. Era uma espécie de território reservado.
Alfama cheirava a sardinha assada por todo o lado, e Samuel, apesar do calor de verão, vestia impecavelmente, fato completo, como de costume. Sentámo-nos a uma mesa de um restaurante ao ar livre, numa rua que descia em largos degraus e, como não podia deixar de ser, pedimos uma boa dose de sardinha assada e vinho tinto do Dão, meu preferido e também do Samuel.
- Chegou a alguma conclusão depois da nossa entrevista com Sir F. em Edimburgo? – Perguntou a certa altura Samuel.
- Não a uma conclusão, mas talvez a várias. – Respondi. – É difícil tirar conclusões em assuntos que parecem esgueirar-se entre os dedos A uma certeza aparente corresponde uma dúvida, e esta dá origem a outras.
- É verdade. Nestas coisas é muito difícil encontrar o “fio de Ariadne” que nos conduza a porto seguro. Ou você acredita, e neste caso as suas dúvidas são dissipadas pela crença, pois é assim que funcionam as igrejas, ou não acredita, e parte em busca de respostas difíceis de encontrar.
- Julgo que a segunda hipótese é a mais saudável. – Disse eu.
- Sem dúvida. Mas um caminho muito penoso. Por exemplo, como já vimos, os irmãos da Rosa+Cruz eram invisíveis, portanto, não existiam, ou, existiam se alguém acreditasse na sua existência. Isto moldava todo o pensamento e estrutura da sociedade. Ainda hoje é assim. Dá para entender?
- Entendo. Se acreditarmos seriamente em algo que não exista concretamente, esse algo passa a existir na nossa mente, mesmo que nunca se venha a concretizar.
- É isso. Esse é o mistério das religiões. Não se baseiam elas todas em mitos ou lendas?
- De facto. Mas as ideias rosacruzes acabaram por se concretizar, não é?
- O que é que quer dizer com isso?
- Quero dizer que as ideias rosacruzes acabaram por se concretizar em associações fundadas a partir do século dezoito. O que me diz de Martines de Pasqually, Willermoz e Saint-Martin? Para não falar em Cagliostro, Jacob Boehme e outros?
- Vejo que andou a pesquisar bastante. O que é que eu acho? Gostaria de saber o que Andreae pensaria. Seria certamente interessante.
- Mas não acha que eles colocaram no “terreno” as ideias rosacruzes?
- Em parte, sim. Não podemos afirmar que Pasqually fosse rosacruz ou partidário das ideias rosacruzes. Coloco-o mais próximo do ideal maçónico. No entanto, o seu pensamento seria inconcebível se não tivesse havido essa mitologia rosacruz.
- Inconcebível porquê? – Perguntei.
- A mitologia rosacruz, chamemos-lhe assim, produziu algo de prodigioso, abriu um vasto espaço para a manifestação de actividades e fenómenos antes proibidos pela censura católica.
- Compreendo. – Respondi. - Pasqually era uma figura estranha. Dizia que o conhecimento que tinha recebera-o por herança do seu pai. Ora, como ninguém sabe quem ele era, também ninguém sabe quem era o pai.
- Certo. Não se sabe realmente qual a sua origem. Uns dizem que era português, cujo nome verdadeiro seria Martins de Pascoais, outros afirmam o seu nascimento em Espanha, outros dão-no como francês ou suíço. Mas de uma coisa há certeza, que ele era um judeu convertido.
- Porquê? – Perguntei.
- Porque a doutrina que propunha e que está patente no livro “Tratado de Reintegração dos Seres” é típica do cristianismo judeu, algo que se considerava extinto há muito tempo.
- Ele fundou várias ordens, principalmente a que ficou mais famosa, a ordem dos “Elus Cohens” [Sacerdotes Eleitos]. Acha que essas ordens estavam mais próximas da Maçonaria?
- Sem dúvida. Embora se tratasse de uma maçonaria operativa, ou seja, com rituais em que havia invocações mágicas ou espirituais, em que se activavam energias consideradas divinas. Esses rituais continham uma teurgia em que se invocavam seres espirituais inteligentes, como os anjos.
- Uma espécie de espiritismo? Como é que essas práticas podem ser consideradas maçónicas?
- Bem, Pasqually dizia que o seu ritual era uma tradução de uma “Constituição e Patente” que fora concedida a seu pai por Charles Stuart, rei da Escócia, Irlanda e Inglaterra, Grão-Mestre de todas as Lojas maçónicas sobre a Terra. Mas para compreender isto precisamos de saber o que era a Maçonaria nos séculos dezoito e dezanove, pois hoje, ainda que haja semelhanças, evoluiu para algo um pouco diferente. A Maçonaria do século dezoito estava ligada intimamente à Casa Real dos Situat. Não há hoje dúvidas de que as primeiras Lojas foram fundadas em Inglaterra ou na Escócia, havendo implícita uma herança escocesa, pois até as Lojas francesas se intitulavam de “Maçonaria Escocesa”. Na época, o grau de cavaleiro maçónico era importante quando concedido por um rei. Combinar a Escócia com as lendas dos templários ali exilados, criava uma nova mitologia à qual, não era estranha a mitologia rosacruz. Podemos dizer, sem errar muito, que a Maçonaria de Pasqually era uma Maçonaria Teosófica, à qual aderiram sem reservas iniciais, Willermoz e Saint-Martin.
- Parece-me, - disse eu, - que essa Maçonaria de Pasqually pouco tinha a ver com a Maçonaria que se estendeu desde o Reino Unido até à França e Alemanha. Parece-me mais uma resposta católica ao rosacrucianismo protestante. Mas isto pode ser um grande disparate.
- Não. Não é disparate nenhum se pensarmos que desde o início houve grandes clivagens entre a Maçonaria jacobita e a Maçonaria pró Stuart. Os maçons jacobitas defendiam que a Maçonaria renascera na Europa durante o período das Cruzadas, e depois, juntamente com os mistérios trazidos do Oriente pelos rosacruzes, estabelecera-se definitivamente na sociedade. Deste modo a Maçonaria propunha-se restaurar a unidade primitiva do homem, a restauração da perfeição adâmica preconizada por Pasqually.
- Isso é um pouco confuso. – Disse eu.
- Para confundir ainda mais, - disse Samuel, rindo, - um tal de Von Hund criou o Rito da “Estrita Observância”, a presumida continuação de uma ordem secreta templária que tinha sobrevivido à perseguição do Papa e de Filipe de França. Dizia-se então que os verdadeiros segredos residiam aqui, na “Estrita Observância”, e não entre as Lojas jacobitas.
- Complicado. – Disse eu. – Mas o que é que isso tem a ver com o rosacrucianismo?
- A ideia rosacruz foi a base a partir da qual tudo se desenvolveu. Nada teria sido possível sem essa abertura proporcionada pela ideia rosacruz. Essa ideia era a da construção de uma sociedade renascida em Cristo, uma sociedade ideal e fraterna, sem os defeitos que permeavam a sociedade do século dezassete. Para mim, a Maçonaria lançou-se à conquista dessa ideia de duas formas: através do catolicismo jacobita, e é aqui que entra Pasqually; ou pela via templária, reformista, anti-católica e escocesa.
O jantar tinha chegado ao fim. Sem dar por isso, eu tinha comido uma dúzia de sardinhas e Samuel outro tanto. Descemos a rua até às imediações de Santa Apolónia, passando pela Casa dos Bicos, uma construção de que eu não gostava, por achá-la absurda e porque a beleza de Lisboa antiga não precisava daquilo. Continuámos a conversa caminhando em direcção ao Terreiro do Paço.
- Pelo que entendi até agora, - disse eu, - a Maçonaria é a herdeira natural da ideia rosacruz transposta para o concreto sob a forma de Lojas, Ritos e rituais. Certo?
- É provável que seja assim. – Respondeu Samuel
- Onde é que entram Willermoz e Saint-Martin?
- Saint-Martin, referindo-se a Pasqually, terá declarado um dia que se tratava de um homem extraordinário, mas que era o único que não conseguia entender.
- Isso pressupõe uma certa divergência entre os dois.
- Sim. Saint-Martin nunca aceitou muito bem a necessidade da teurgia no ritual. Dizia que para encontrar Cristo ou a essência divina, não eram necessárias essas invocações.
- Mas Saint-Martin era um místico.
- Sim, sem dúvida. Ele sistematizou as ideias de Pasqually num sistema que veio a chamar-se Martinismo, o que não quer dizer que ele aprovaria algumas correntes martinistas actuais, que se desviaram da verdadeira essência preconizada por ele.
- É correcto dizer-se que o Martinismo é o esoterismo cristão?
- Julgo que sim, pelo menos o Martinismo idealizado por Saint-Martin. Ele achava que a “Queda” podia ser superada através da regeneração e reintegração na verdadeira luz. Isto era possível através do que ele chamava de “acto do Reparador, ou seja, Cristo.
- E qual a ligação que pode ser estabelecida entre Saint-Martin e a Fraternidade Rosa+Cruz?
- Ele era denominado “O Filósofo Desconhecido”, o que pode ter vários significados. Mas um filósofo desconhecido tem muito a ver com uma fraternidade invisível, não é?
Chegámos nesta altura ao Terreiro do Paço. Tomámos um táxi, deixei Samuel no hotel Ritz, onde estava hospedado, e segui para casa. Prometemos encontrarmo-nos brevemente para continuarmos esta conversa, logo que a agenda de Samuel, sobrecarregada com reuniões, inclusive com o Primeiro-ministro, o permitisse
Depois da nossa estadia em Edimburgo, durante cerca de um ano pouco soube de Samuel Dalatando. Sabia que ele vivia em N. York, num apartamento da rua 52, e que era um “globetrotter”, um cidadão do mundo. Viajava constantemente e não raro via notícias a seu respeito na imprensa e na televisão. Sabia, no entanto, que mais dia, menos dia, o nosso contacto se restabeleceria e continuaríamos as nossas conversas. Entretanto fui fazendo alguma pesquisa, li alguns livros, consultei outros, cruzei informações, afim de poder obter uma imagem mais abrangente de todo o processo rosacruz.
Se o século dezassete se tinha notabilizado pela explosão das ideias rosacruzes, envolvendo alguns nomes importantes, beneficiando e um certo clima de aparente liberdade resultante da crise que grassava na Igreja provocada pela Reforma iniciada por Lutero, o século seguinte assistiu a uma certa concretização daquelas ideias, pois foi o século do aparecimento de muitas organizações maçónicas ou paramaçónicas.
Três nomes, entre muitos, marcaram indelevelmente esse século dezoito, cujas ideias e rituais foram adoptados por uma infinidade de organizações até aos dias de hoje. Esses nomes são: Martines de Pasqually, Jean-Baptiste Villermoz e Louis-Claude de Saint-Martin.
Enquanto aguardava o contacto de Samuel, fui pesquisando sobre essas três figuras marcantes do século XVIII, que influenciaram todo o movimento maçónico e deram origem ao chamado “cristianismo esotérico”, conhecido como martinismo, além de terem estabelecido toda uma ritualística ainda hoje seguida por várias escolas iniciáticas. Como gostaria de conversar com Samuel sobre este assunto…
Entretanto, os ecos da conversa tida com Sir F. em Edimburgo mantinham-se na minha cabeça, levando-me a concluir, talvez precipitadamente, que tudo não passava de uma grande ilusão criada por mentes geniais, mas uma ilusão que acabou, de certa maneira, por influenciar a sociedade, não só daquela época, mas de todo o tempo posterior.
Numa certa tarde de Junho, um ano após o nosso encontro em Edimburgo, recebi um telefonema de Samuel. Estava em Lisboa, onde ficaria por alguns dias. Combinámos encontrarmo-nos nessa noite em Alfama, num daqueles restaurantes com mesas e cadeiras ao ar livre, típicos da época dos Santos Populares naquele bairro antigo de Lisboa.
Os nossos encontros foram sempre em terreno neutro, nunca na residência de cada um ou em algum local mais pessoal, ou ligado a alguma escola iniciática. Sabia que Samuel tinha atingido os mais altos graus iniciáticos em algumas dessas escolas, assim como eu procurava trilhar por esse caminho, mas nunca nos referimos às nossas experiências nesse campo. Era uma espécie de território reservado.
Alfama cheirava a sardinha assada por todo o lado, e Samuel, apesar do calor de verão, vestia impecavelmente, fato completo, como de costume. Sentámo-nos a uma mesa de um restaurante ao ar livre, numa rua que descia em largos degraus e, como não podia deixar de ser, pedimos uma boa dose de sardinha assada e vinho tinto do Dão, meu preferido e também do Samuel.
- Chegou a alguma conclusão depois da nossa entrevista com Sir F. em Edimburgo? – Perguntou a certa altura Samuel.
- Não a uma conclusão, mas talvez a várias. – Respondi. – É difícil tirar conclusões em assuntos que parecem esgueirar-se entre os dedos A uma certeza aparente corresponde uma dúvida, e esta dá origem a outras.
- É verdade. Nestas coisas é muito difícil encontrar o “fio de Ariadne” que nos conduza a porto seguro. Ou você acredita, e neste caso as suas dúvidas são dissipadas pela crença, pois é assim que funcionam as igrejas, ou não acredita, e parte em busca de respostas difíceis de encontrar.
- Julgo que a segunda hipótese é a mais saudável. – Disse eu.
- Sem dúvida. Mas um caminho muito penoso. Por exemplo, como já vimos, os irmãos da Rosa+Cruz eram invisíveis, portanto, não existiam, ou, existiam se alguém acreditasse na sua existência. Isto moldava todo o pensamento e estrutura da sociedade. Ainda hoje é assim. Dá para entender?
- Entendo. Se acreditarmos seriamente em algo que não exista concretamente, esse algo passa a existir na nossa mente, mesmo que nunca se venha a concretizar.
- É isso. Esse é o mistério das religiões. Não se baseiam elas todas em mitos ou lendas?
- De facto. Mas as ideias rosacruzes acabaram por se concretizar, não é?
- O que é que quer dizer com isso?
- Quero dizer que as ideias rosacruzes acabaram por se concretizar em associações fundadas a partir do século dezoito. O que me diz de Martines de Pasqually, Willermoz e Saint-Martin? Para não falar em Cagliostro, Jacob Boehme e outros?
- Vejo que andou a pesquisar bastante. O que é que eu acho? Gostaria de saber o que Andreae pensaria. Seria certamente interessante.
- Mas não acha que eles colocaram no “terreno” as ideias rosacruzes?
- Em parte, sim. Não podemos afirmar que Pasqually fosse rosacruz ou partidário das ideias rosacruzes. Coloco-o mais próximo do ideal maçónico. No entanto, o seu pensamento seria inconcebível se não tivesse havido essa mitologia rosacruz.
- Inconcebível porquê? – Perguntei.
- A mitologia rosacruz, chamemos-lhe assim, produziu algo de prodigioso, abriu um vasto espaço para a manifestação de actividades e fenómenos antes proibidos pela censura católica.
- Compreendo. – Respondi. - Pasqually era uma figura estranha. Dizia que o conhecimento que tinha recebera-o por herança do seu pai. Ora, como ninguém sabe quem ele era, também ninguém sabe quem era o pai.
- Certo. Não se sabe realmente qual a sua origem. Uns dizem que era português, cujo nome verdadeiro seria Martins de Pascoais, outros afirmam o seu nascimento em Espanha, outros dão-no como francês ou suíço. Mas de uma coisa há certeza, que ele era um judeu convertido.
- Porquê? – Perguntei.
- Porque a doutrina que propunha e que está patente no livro “Tratado de Reintegração dos Seres” é típica do cristianismo judeu, algo que se considerava extinto há muito tempo.
- Ele fundou várias ordens, principalmente a que ficou mais famosa, a ordem dos “Elus Cohens” [Sacerdotes Eleitos]. Acha que essas ordens estavam mais próximas da Maçonaria?
- Sem dúvida. Embora se tratasse de uma maçonaria operativa, ou seja, com rituais em que havia invocações mágicas ou espirituais, em que se activavam energias consideradas divinas. Esses rituais continham uma teurgia em que se invocavam seres espirituais inteligentes, como os anjos.
- Uma espécie de espiritismo? Como é que essas práticas podem ser consideradas maçónicas?
- Bem, Pasqually dizia que o seu ritual era uma tradução de uma “Constituição e Patente” que fora concedida a seu pai por Charles Stuart, rei da Escócia, Irlanda e Inglaterra, Grão-Mestre de todas as Lojas maçónicas sobre a Terra. Mas para compreender isto precisamos de saber o que era a Maçonaria nos séculos dezoito e dezanove, pois hoje, ainda que haja semelhanças, evoluiu para algo um pouco diferente. A Maçonaria do século dezoito estava ligada intimamente à Casa Real dos Situat. Não há hoje dúvidas de que as primeiras Lojas foram fundadas em Inglaterra ou na Escócia, havendo implícita uma herança escocesa, pois até as Lojas francesas se intitulavam de “Maçonaria Escocesa”. Na época, o grau de cavaleiro maçónico era importante quando concedido por um rei. Combinar a Escócia com as lendas dos templários ali exilados, criava uma nova mitologia à qual, não era estranha a mitologia rosacruz. Podemos dizer, sem errar muito, que a Maçonaria de Pasqually era uma Maçonaria Teosófica, à qual aderiram sem reservas iniciais, Willermoz e Saint-Martin.
- Parece-me, - disse eu, - que essa Maçonaria de Pasqually pouco tinha a ver com a Maçonaria que se estendeu desde o Reino Unido até à França e Alemanha. Parece-me mais uma resposta católica ao rosacrucianismo protestante. Mas isto pode ser um grande disparate.
- Não. Não é disparate nenhum se pensarmos que desde o início houve grandes clivagens entre a Maçonaria jacobita e a Maçonaria pró Stuart. Os maçons jacobitas defendiam que a Maçonaria renascera na Europa durante o período das Cruzadas, e depois, juntamente com os mistérios trazidos do Oriente pelos rosacruzes, estabelecera-se definitivamente na sociedade. Deste modo a Maçonaria propunha-se restaurar a unidade primitiva do homem, a restauração da perfeição adâmica preconizada por Pasqually.
- Isso é um pouco confuso. – Disse eu.
- Para confundir ainda mais, - disse Samuel, rindo, - um tal de Von Hund criou o Rito da “Estrita Observância”, a presumida continuação de uma ordem secreta templária que tinha sobrevivido à perseguição do Papa e de Filipe de França. Dizia-se então que os verdadeiros segredos residiam aqui, na “Estrita Observância”, e não entre as Lojas jacobitas.
- Complicado. – Disse eu. – Mas o que é que isso tem a ver com o rosacrucianismo?
- A ideia rosacruz foi a base a partir da qual tudo se desenvolveu. Nada teria sido possível sem essa abertura proporcionada pela ideia rosacruz. Essa ideia era a da construção de uma sociedade renascida em Cristo, uma sociedade ideal e fraterna, sem os defeitos que permeavam a sociedade do século dezassete. Para mim, a Maçonaria lançou-se à conquista dessa ideia de duas formas: através do catolicismo jacobita, e é aqui que entra Pasqually; ou pela via templária, reformista, anti-católica e escocesa.
O jantar tinha chegado ao fim. Sem dar por isso, eu tinha comido uma dúzia de sardinhas e Samuel outro tanto. Descemos a rua até às imediações de Santa Apolónia, passando pela Casa dos Bicos, uma construção de que eu não gostava, por achá-la absurda e porque a beleza de Lisboa antiga não precisava daquilo. Continuámos a conversa caminhando em direcção ao Terreiro do Paço.
- Pelo que entendi até agora, - disse eu, - a Maçonaria é a herdeira natural da ideia rosacruz transposta para o concreto sob a forma de Lojas, Ritos e rituais. Certo?
- É provável que seja assim. – Respondeu Samuel
- Onde é que entram Willermoz e Saint-Martin?
- Saint-Martin, referindo-se a Pasqually, terá declarado um dia que se tratava de um homem extraordinário, mas que era o único que não conseguia entender.
- Isso pressupõe uma certa divergência entre os dois.
- Sim. Saint-Martin nunca aceitou muito bem a necessidade da teurgia no ritual. Dizia que para encontrar Cristo ou a essência divina, não eram necessárias essas invocações.
- Mas Saint-Martin era um místico.
- Sim, sem dúvida. Ele sistematizou as ideias de Pasqually num sistema que veio a chamar-se Martinismo, o que não quer dizer que ele aprovaria algumas correntes martinistas actuais, que se desviaram da verdadeira essência preconizada por ele.
- É correcto dizer-se que o Martinismo é o esoterismo cristão?
- Julgo que sim, pelo menos o Martinismo idealizado por Saint-Martin. Ele achava que a “Queda” podia ser superada através da regeneração e reintegração na verdadeira luz. Isto era possível através do que ele chamava de “acto do Reparador, ou seja, Cristo.
- E qual a ligação que pode ser estabelecida entre Saint-Martin e a Fraternidade Rosa+Cruz?
- Ele era denominado “O Filósofo Desconhecido”, o que pode ter vários significados. Mas um filósofo desconhecido tem muito a ver com uma fraternidade invisível, não é?
Chegámos nesta altura ao Terreiro do Paço. Tomámos um táxi, deixei Samuel no hotel Ritz, onde estava hospedado, e segui para casa. Prometemos encontrarmo-nos brevemente para continuarmos esta conversa, logo que a agenda de Samuel, sobrecarregada com reuniões, inclusive com o Primeiro-ministro, o permitisse
domingo, 2 de maio de 2010
Conversas com Samuel Dalatando
I – A Fraternidade Rosa-Cruz – 2ª Parte
Quando o primeiro manifesto, o “Fama Fraternitatis”, foi exposto nas paredes de Paris, causando o maior alvoroço e temor entre todos os que sabiam ler e entre os que viam o seu mundo ficar à mercê dos tais invisíveis, que ninguém sabia quem eram, mas que parecia terem grande poder, o seu conteúdo já era conhecido em certos círculos alemães, pois alguns manuscritos tinham chegado à posse e conhecimento de pessoas ligadas ao ocultismo e alquimia, de que Paracelso continuava a ser o seu grande mentor, graças à liberdade concedida nas terras sob o domínio protestante.
O efeito dos manifestos foi devastador para os católicos. Quem eram os invisíveis? Estariam eles associados às ideias demoníacas dos judeus e dos árabes? Seriam eles discípulos de Paracelso? Como encontrá-los, persegui-los, se eles eram invisíveis?
Mesmo assim, não podendo ser identificada e provada a sua filiação em algum grupo de rosacruzes, pessoas foram presas e torturadas. Na Holanda as autoridades católicas montaram um tribunal para julgar os textos rosacruzes. Esse tribunal concluiu que a existência dos Irmãos da Rosa-Cruz não passava de ficção. Mas se era ficção, porque é que gerara tanto medo?
O próximo encontro com Samuel não foi em Paris, como eu esperava depois da nossa conversa em Frankfurt. Telefonou-me perguntando-me se poderia estar em Edimburgo, na Escócia, por volta do dia 10 de Junho, pois gostaria de me apresentar a alguém ligado à Maçonaria e aos Cavaleiros Templários e, provavelmente, ligado a algum movimento ou organização rosacruz ou martinista. Evidentemente que lhe respondi que tinha todo o interesse em conhecer tal pessoa e que faria tudo para poder estar lá nesse dia 10 de Junho.
Mas porquê o 10 de Junho, dia de Portugal, perguntei-lhe. Porque ele fora convidado a estar presente na comemoração da “White Cockade”, que se realizava nessa altura. Disse-me também para levar um trajo de cerimónia, pois eu também era convidado.
“White Cockade”? O que era isso? Nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Na época ainda não havia a Internet para facilitar a pesquisa. O único meio era as bibliotecas. Foi na biblioteca da Universidade Católica que encontrei a resposta: havia inúmeras “white cockade” por todo o mundo; no caso escocês era o símbolo usado pelos seguidores de Charles Edward Stuart, pretendente jacobita ao trono inglês; esse símbolo era constituído por uma rosa branca usada na frente da boina ou na lapela do casaco. O termo “jacobita” derivava de James, ou Jacob, pai de Charles Edward, e era o termo usado para designar os católicos no Reino Unido.
Enquanto viajava para Edimburgo, via Londres, naquele 9 de Junho, pensei se não estaria a deixar-me envolver em algum movimento monárquico de restauração da Casa de Stuart, situação na qual não me sentia muito confortável em virtude das reservas que tinha, e que sempre tive em relação às monarquias reinantes.
Samuel esperava-me no aeroporto de Edimburgo e, enquanto nos dirigíamos para o hotel num carro alugado com motorista, informou-me que tínhamos encontro marcado à noite com Sir F., a pessoa de que me falara ao telefone. Perguntei-lhe quem de facto era essa pessoa, como era, ao que me respondeu que logo veria por mim próprio.
O motorista foi-nos buscar ao hotel um pouco antes das 19 horas. Ainda era dia e podiam ver-se distintamente as muralhas do velho castelo dominando a cidade. Ao percorrer as antigas ruas de Edimburgo, esperava ser conduzido a uma vetusta mansão e participar de um faustoso jantar. Em vez da mansão, esperava-me um terceiro andar sem elevador de um velho edifício do centro da cidade. Em vez do jantar, apenas um chá acompanhado de bolachas e bolinhos.
Sir F. recebeu-nos à porta do seu apartamento e introduziu-nos num salão modestamente decorado, onde se podiam ver velhas gravuras penduradas nas paredes. Era um homem corpulento que devia andar pelos 70 anos de idade, barba branca crescida e uns olhos azuis brilhantes e inquisitivos. Vestia o tradicional “kilt” escocês e estava acompanhado por um jovem que apresentou como príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica caso a actual Casa de Gales não tivesse descendência. Para sobreviver, como vim a saber mais tarde, este príncipe trabalhava numa livraria.
Depois de sentados em sofás já com bastante uso, e de servido o chá numa mesa baixa, por uma mulher também idosa que calculei ser a pessoa que tomava conta da casa e de Sir F., este, depois de um olhar caloroso em direcção a Samuel, olhou para mim e disse:
- Samuel falou-me do seu interesse pelas coisas templárias e rosacruzes. Samuel é meu grande amigo desde longa data e falou-me muito de si. Espero que nos tornemos também amigos.
- Sim, – respondi – tenho vindo a pesquisar há algum tempo acerca dos templários e dos rosacruzes, assim como dos maçons.
- Então veio ao lugar certo. - disse ele com um largo sorriso – Sei alguma coisa acerca disso tudo.
- Alguma coisa? – Perguntou Samuel.
- Sim, alguma coisa. Ninguém sabe tudo acerca desses assuntos e há muita informação confusa.
- Por informação confusa – disse eu, - o que me pode dizer acerca dos templários na Escócia? Sempre é verdade que fugiram em barcos de La Rochelle, durante a perseguição ordenada por Filipe o Belo, de França, e se refugiaram aqui, dando origem ao que nós conhecemos hoje como Maçonaria?
Sir F. olhou para mim com curiosidade, como que a avaliar se eu queria realmente ser esclarecido, ou se esperava confirmação do que dissera. Depois pegou num livro que tinha sobre uma estante e disse
- Este é um livro muito interessante sobre a história dos templários na Escócia. Foi escrito pelo meu querido amigo Andrew Sinclair, descendente da antiga família Saint Clair ou St. Clair. Como já o li, tenho o maior prazer em oferecê-lo a si, se não se importa de o receber apesar de já lido.
Recebi o livro com satisfação e pedi a Sir. F. que fizesse uma dedicatória, que ele escreveu de imediato. Olhei a capa e o título era “The Sword and the Grail” [A Espada e o Graal]. Em subtítulo, “A História do Graal, os Templários e a verdadeira descoberta da América”.
- A verdadeira descoberta da América? – Perguntei.
- Sim. Os templários que vieram para a Escócia navegaram também para ocidente e acabaram por descobrir a América, muito antes de Colombo. Aí nesse livro tem fotos de gravações em pedra na Nova Inglaterra feitas por esses descobridores.
- Interessante. – Comentei.
- Quer dizer que os templários fugidos das perseguições em França vieram acolher-se aqui na Escócia. – Acrescentei.
- Não todos. Vieram apenas alguns. Como também encontrará nesse livro, a maior parte rumou para Portugal, onde foram bem recebidos e acolhidos. Desembarcaram próximo de Nazaré e depois transportaram a carga que levavam para Tomar.
- O tesouro templário?
- É provável que fosse um tesouro, talvez dinheiro, talvez mapas. Não foram eles que depois, através da vossa Ordem de Cristo desenvolveram os descobrimentos? Onde é que Portugal foi achar o dinheiro e os mapas para esse notável empreendimento?
De facto, quando os portugueses se lançaram na campanha dos Descobrimentos estavam praticamente na bancarrota, tinham acabado de ter uma guerra com Castela e não havia dinheiro para nada.
- Os templários permaneceram na Escócia até aos dias de hoje? – Perguntei. – Pelo que sei existe ainda uma Ordem Templária Escocesa.
- Sim, existe. Mas hoje essa Ordem não é mais do que uma organização de carácter caritativo, recebemos doações que depois distribuímos pelos mais necessitados. Reunimo-nos duas ou três vezes por ano em Capítulo, na catedral de St. Mary. Uma das ocasiões é precisamente na altura da festa da “White Cokade”, que se realiza amanhã.
- A família St. Clair foi uma das famílias que acolheu os templários. – Disse Samuel. – Essa família não está ligada à capela de Rosslyn, que parece conter segredos templários e maçónicos?
- É verdade. – Concordou Sir F. – Nessa altura Rosslyn era um castelo da família St. Clair. A capela é uma reminiscência. Foram também os St. Clair que se lançaram á descoberta da América.
- Mas que mistérios estão guardados em Rosslyn? – Perguntou Samuel.
- Rosslyn, a capela, foi criada pelo mestre maçon William St. Clair. Está cheia de símbolos templários e cabalísticos, muitos dos quais ainda não foram compreendidos. Foi durante séculos, e julgo que ainda é, a grande referência dos maçons de todo o mundo. Rosslyn, em escocês antigo, quer dizer “corrente de sangue”, Ross [corrente] e Lyn [vermelho ou sangue], e tem a ver, naturalmente, com Cristo.
Ficámos em silêncio durante algum tempo.
- Quer dizer que a Maçonaria foi criada a partir dos templários? – Perguntei.
- Não. São vias diferentes. Os templários eram uma cavalaria ao serviço da Igreja. A Maçonaria nasceu dos antigos mestres pedreiros. Ninguém sabe quando nasceu a Maçonaria ou a ideia maçónica. Porque isto é que é importante – a ideia. É sobre uma ideia que se organizam associações, agremiações. Portanto, a ideia maçónica já existia há muito tempo e foi trazida desde a mais remota antiguidade até nós por esses mestres pedreiros. Não foram estes mestres pedreiros que construíram o Templo de Salomão? Não foram eles que construíram as catedrais góticas?
- Sim, – Concordei. – Evidentemente que a ideia maçónica do cristianismo é diferente da dos templários. No entanto, há um ponto comum, a ideia de uma sociedade regenerada, como a ideia rosacruz do século XVII.
- Se estou a compreender, - disse Samuel, - a questão toda se resume à ideia. Uma organização é uma mera forma de tornar a ideia acessível a outros. Quero dizer, uma forma de difundir a ideia o mais possível, como no caso da ideia rosacruz do século XVII, difundida através dos manifestos e de outras obras da altura. Dizem até que Francis Bacon foi o autor dos manifestos, e não o Valentin Andreae.
- Já li algures que Francis Bacon foi, não só o autor dos manifestos, como também quem escreveu as peças atribuídas a Shakespeare. – Disse eu.
- Não, não… - respondeu Sir F. – Muita coisa tem sido atribuída a Francis Bacon, que foi uma mente iluminada, sem dúvida. Mas não é verdade. Shakespeare foi uma pessoa muito inteligente e foi ele mesmo quem escreveu as suas peças. Pode ter tido alguma ajuda mas, o autor é ele mesmo, hoje não há dúvidas, a não ser entre alguns especuladores que pretendem desvirtuar as suas qualidades. Quanto aos manifestos, também não, embora encontremos alguns elementos comuns, por exemplo, entre a “Fama” e a “Nova Atlântida”, esta sim, da autoria dele.
- Também já vi escrito por recentes associações rosacruzes, que Francis Bacon foi Imperator da Ordem Rosacruz, ou seja, o seu máximo dirigente. – Contrapus.
Sir F. sorriu ao ouvir esta minha última frase.
- Veja bem, - disse ele, - como é que alguém poderia ser responsável por algo que não existia?
- Não existia uma Ordem ou alguma espécie de organização chamada Rosacruz?
- Claro que não. O que existia era a ideia, que foi expressa magistralmente nos manifestos por esse génio chamado Valentin Andreae. A ideia era de uma sociedade cristã renovada, ideia também expressa na “Nova Atlântida” do Francis Bacon. Houve muitos, na altura, que se consideraram rosacruzes por aderirem a essa ideia de uma nova sociedade, mas não havia nenhuma organização. Aliás, enquanto uma ideia se mantém por si mesma e se expande, ela frutifica nas mentes dos que a ela aderem e pode, de facto, mudar algo na sociedade. Quando a ideia se cristaliza numa organização, ela transforma-se em algo hierárquico, dando origem a lutas pelo poder e a vaidades de quem está no poder. Fica reduzida a uma doutrina fechada, como acontece com as igrejas. Enquanto ideia, ela circula livre e pode iluminar as mentes preparadas ou receptivas. Fiz-me entender?
- Perfeitamente, - respondi. Mas de onde surgiu essa ideia, ou essas ideias, como a da Maçonaria e da Rosa+Cruz. Porque é que Andreae teve a iniciativa de escrever os manifestos, mantendo-se contudo incógnito?
- Bem, antes de mais é necessário entendermos que ninguém inventou nada até hoje, limitamo-nos a descobrir aquilo que já existia. Evidentemente que as ideias de Valentin Andreae e de Francis Bacon não surgiram naquela altura, eles limitaram-se a compreendê-las e a transpô-las para o papel, um sob a forma de manifestos anónimos, outro em obras sobre uma nova cidade, que é o mesmo que dizer, uma nova sociedade. A ideia rosacruz inspirou uma obra tremenda e por todos conhecida. Refiro-me ao “Dom Quixote” de Cervantes. Não é por acaso que esse livro apareceu escrito na mesma altura que os manifestos. Tido como uma caricatura ridícula dos romances de cavalaria, na verdade encerra grandes ensinamentos. Sancho Pança é a realidade da sociedade da altura. Se os romances do século XIII falavam de uma terra devastada, o “Dom Quixote” faz exactamente a mesma coisa quatro séculos mais tarde, pois é conhecida a imensa corrupção que grassava numa Europa liderada pela Igreja de Roma. Simbolicamente, a dama, Dulcineia, representa a rosa, e o combate empreendido é um combate contra a corrupta sociedade, é a cruz, o arquétipo daquele que assume uma missão, mesmo que essa missão não tenha possibilidades de êxito. No entanto, apesar dos desaires sofridos, a sua mensagem ficou para toda a eternidade.
- Muito interessante essa associação da obra de Cervantes com a ideia rosacruz, - disse Samuel.
- Mas voltando à pergunta inicial, - continuou Sir F. – qual a origem das ideias. Provavelmente têm o mesmo tronco original, tanto a Rosa+Cruz, como a Maçonaria, ou mesmo os Templários. Essas ideias foram sendo mantidas ao longo do tempo, muitas vezes à revelia dos poderes vigentes, por aqueles que aprendemos a chamar de alquimistas. Quem eram de facto os alquimistas? Gente que buscava, simplesmente. Gente que pensava que as coisas podiam ser diferentes, que a sociedade podia tornar-se mais justa e fraterna. Usavam os seus conhecimentos científicos nessa busca espiritual. Os seus modestos laboratórios eram apenas um meio através do qual poderiam chegar à Pedra Filosofal.
- Paracelso foi importante na difusão dessas ideias? – Perguntou Samuel.
- Sim. Paracelso e outros. Pitágoras, por exemplo, é tido como um dos mestres antigos dessas ideias.
- Analisando os manifestos e outras obras da altura, - disse eu, - vejo que a sabedoria contida neles veio do Oriente. Na obra de Andreae, a sabedoria é a Sofia, uma dama com asas, como se fosse um anjo. Toda a história de C. R., que se presume serem as iniciais de Christian Rosenkreutz, começa realmente no Oriente, na antiga Síria, onde ele é iniciado pelos sábios da cidade de Damcar. Mas parece que este nome resultou de um erro ortográfico e que o verdadeiro nome seria Damar. Mas não importa, o que parece acontecer é que essas ideias vieram ou nasceram no Oriente. Foi lá, em Jerusalém, que os templários foram buscar aquilo que é chamado de seu segredo, e que lhes permitiu atingir um poder muito grande na Europa.
- De facto assim parece ser. – Disse Sir F. – Numa Europa amordaçada pelo poder da Igreja de Roma, os árabes, na sua diversidade de nações beneficiavam de uma certa liberdade que lhes permitia desenvolver determinados conhecimentos que talvez não tenham sido criados por eles, mas eles souberam retê-los e transmiti-los a quem merecia. Não só os árabes, mas também os judeus criaram ou receberam toda uma sistemática da tradição que reflectiram na Cabala e em outras obras. A Maçonaria reporta as suas origens ao antigo Templo de Salomão. Portanto, Andreae, muito inteligentemente, faz o seu herói peregrinar pelo Oriente e dali voltar com toda a sabedoria.
- Mas o herói de Andreae, o R. C., não é uma ficção? – Perguntou Samuel.
- Claro que é uma ficção. – Respondeu Sir F. – Esse herói nunca existiu a não ser na cabeça de Andreae e daqueles que assumiram a sua existência real. Mas serviu magistralmente os propósitos de criar uma lenda sobre a qual se construiu todo um castelo de crenças e tradições. O túmulo de Christian Rosenkreutz nunca existiu na verdade, assim como o próprio ocupante. Existiu apenas a ideia, uma ideia de génio, sem dúvida, que desencadeou uma onda de prosélitos que se auto intitularam rosacruzes, quando na verdade não havia rosacruzes.
- Qual a influência dessa ideia aqui no Reino Unido? – Perguntei.
- Já falámos de Francis Bacon. Poderia falar de outros supostamente considerados rosacruzes. O termo rosacruz passou a ser considerado pejorativo depois do envolvimento de alguns que se diziam rosacruzes na revolução e curta república de Cromwel. Restabelecida a monarquia, a palavra rosacruz foi banida, e ainda hoje há um sentimento de repúdio por essa palavra.
- Quer dizer que no Reino Unido não existe nenhuma organização ou confraria desse nome ou que procure reviver o rosacrucianismo. – Disse eu.
- Meu querido amigo, - respondeu Sir F. – reviver algo que nunca existiu? Evidentemente que existem e existiram algumas organizações que se intitularam de rosacruzes, mas não têm nada a ver com esse passado mágico dos manifestos e da “Nova Atlântida” de Bacon.
A noite já ia adiantada e preparámo-nos, eu e Samuel, para nos despedirmos e voltarmos para o hotel. Da minha parte, o diálogo com Sir F. tinha-me trazido muitos elementos novos sobre os quais teria que meditar. Havia algo implícito no seu discurso sobre o qual não vou falar, mas que deixo ao critério do leitor tirar as suas conclusões.
No dia seguinte iria estar presente nas cerimónias templárias realizadas na catedral de St. Mary, e depois na festa da “White Cokade”, onde teria a honra de entrar no enorme salão acompanhando a Primeira Dama da Escócia, seguido de uma banda de tambores e gaitas escocesas.
Quando o primeiro manifesto, o “Fama Fraternitatis”, foi exposto nas paredes de Paris, causando o maior alvoroço e temor entre todos os que sabiam ler e entre os que viam o seu mundo ficar à mercê dos tais invisíveis, que ninguém sabia quem eram, mas que parecia terem grande poder, o seu conteúdo já era conhecido em certos círculos alemães, pois alguns manuscritos tinham chegado à posse e conhecimento de pessoas ligadas ao ocultismo e alquimia, de que Paracelso continuava a ser o seu grande mentor, graças à liberdade concedida nas terras sob o domínio protestante.
O efeito dos manifestos foi devastador para os católicos. Quem eram os invisíveis? Estariam eles associados às ideias demoníacas dos judeus e dos árabes? Seriam eles discípulos de Paracelso? Como encontrá-los, persegui-los, se eles eram invisíveis?
Mesmo assim, não podendo ser identificada e provada a sua filiação em algum grupo de rosacruzes, pessoas foram presas e torturadas. Na Holanda as autoridades católicas montaram um tribunal para julgar os textos rosacruzes. Esse tribunal concluiu que a existência dos Irmãos da Rosa-Cruz não passava de ficção. Mas se era ficção, porque é que gerara tanto medo?
O próximo encontro com Samuel não foi em Paris, como eu esperava depois da nossa conversa em Frankfurt. Telefonou-me perguntando-me se poderia estar em Edimburgo, na Escócia, por volta do dia 10 de Junho, pois gostaria de me apresentar a alguém ligado à Maçonaria e aos Cavaleiros Templários e, provavelmente, ligado a algum movimento ou organização rosacruz ou martinista. Evidentemente que lhe respondi que tinha todo o interesse em conhecer tal pessoa e que faria tudo para poder estar lá nesse dia 10 de Junho.
Mas porquê o 10 de Junho, dia de Portugal, perguntei-lhe. Porque ele fora convidado a estar presente na comemoração da “White Cockade”, que se realizava nessa altura. Disse-me também para levar um trajo de cerimónia, pois eu também era convidado.
“White Cockade”? O que era isso? Nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Na época ainda não havia a Internet para facilitar a pesquisa. O único meio era as bibliotecas. Foi na biblioteca da Universidade Católica que encontrei a resposta: havia inúmeras “white cockade” por todo o mundo; no caso escocês era o símbolo usado pelos seguidores de Charles Edward Stuart, pretendente jacobita ao trono inglês; esse símbolo era constituído por uma rosa branca usada na frente da boina ou na lapela do casaco. O termo “jacobita” derivava de James, ou Jacob, pai de Charles Edward, e era o termo usado para designar os católicos no Reino Unido.
Enquanto viajava para Edimburgo, via Londres, naquele 9 de Junho, pensei se não estaria a deixar-me envolver em algum movimento monárquico de restauração da Casa de Stuart, situação na qual não me sentia muito confortável em virtude das reservas que tinha, e que sempre tive em relação às monarquias reinantes.
Samuel esperava-me no aeroporto de Edimburgo e, enquanto nos dirigíamos para o hotel num carro alugado com motorista, informou-me que tínhamos encontro marcado à noite com Sir F., a pessoa de que me falara ao telefone. Perguntei-lhe quem de facto era essa pessoa, como era, ao que me respondeu que logo veria por mim próprio.
O motorista foi-nos buscar ao hotel um pouco antes das 19 horas. Ainda era dia e podiam ver-se distintamente as muralhas do velho castelo dominando a cidade. Ao percorrer as antigas ruas de Edimburgo, esperava ser conduzido a uma vetusta mansão e participar de um faustoso jantar. Em vez da mansão, esperava-me um terceiro andar sem elevador de um velho edifício do centro da cidade. Em vez do jantar, apenas um chá acompanhado de bolachas e bolinhos.
Sir F. recebeu-nos à porta do seu apartamento e introduziu-nos num salão modestamente decorado, onde se podiam ver velhas gravuras penduradas nas paredes. Era um homem corpulento que devia andar pelos 70 anos de idade, barba branca crescida e uns olhos azuis brilhantes e inquisitivos. Vestia o tradicional “kilt” escocês e estava acompanhado por um jovem que apresentou como príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica caso a actual Casa de Gales não tivesse descendência. Para sobreviver, como vim a saber mais tarde, este príncipe trabalhava numa livraria.
Depois de sentados em sofás já com bastante uso, e de servido o chá numa mesa baixa, por uma mulher também idosa que calculei ser a pessoa que tomava conta da casa e de Sir F., este, depois de um olhar caloroso em direcção a Samuel, olhou para mim e disse:
- Samuel falou-me do seu interesse pelas coisas templárias e rosacruzes. Samuel é meu grande amigo desde longa data e falou-me muito de si. Espero que nos tornemos também amigos.
- Sim, – respondi – tenho vindo a pesquisar há algum tempo acerca dos templários e dos rosacruzes, assim como dos maçons.
- Então veio ao lugar certo. - disse ele com um largo sorriso – Sei alguma coisa acerca disso tudo.
- Alguma coisa? – Perguntou Samuel.
- Sim, alguma coisa. Ninguém sabe tudo acerca desses assuntos e há muita informação confusa.
- Por informação confusa – disse eu, - o que me pode dizer acerca dos templários na Escócia? Sempre é verdade que fugiram em barcos de La Rochelle, durante a perseguição ordenada por Filipe o Belo, de França, e se refugiaram aqui, dando origem ao que nós conhecemos hoje como Maçonaria?
Sir F. olhou para mim com curiosidade, como que a avaliar se eu queria realmente ser esclarecido, ou se esperava confirmação do que dissera. Depois pegou num livro que tinha sobre uma estante e disse
- Este é um livro muito interessante sobre a história dos templários na Escócia. Foi escrito pelo meu querido amigo Andrew Sinclair, descendente da antiga família Saint Clair ou St. Clair. Como já o li, tenho o maior prazer em oferecê-lo a si, se não se importa de o receber apesar de já lido.
Recebi o livro com satisfação e pedi a Sir. F. que fizesse uma dedicatória, que ele escreveu de imediato. Olhei a capa e o título era “The Sword and the Grail” [A Espada e o Graal]. Em subtítulo, “A História do Graal, os Templários e a verdadeira descoberta da América”.
- A verdadeira descoberta da América? – Perguntei.
- Sim. Os templários que vieram para a Escócia navegaram também para ocidente e acabaram por descobrir a América, muito antes de Colombo. Aí nesse livro tem fotos de gravações em pedra na Nova Inglaterra feitas por esses descobridores.
- Interessante. – Comentei.
- Quer dizer que os templários fugidos das perseguições em França vieram acolher-se aqui na Escócia. – Acrescentei.
- Não todos. Vieram apenas alguns. Como também encontrará nesse livro, a maior parte rumou para Portugal, onde foram bem recebidos e acolhidos. Desembarcaram próximo de Nazaré e depois transportaram a carga que levavam para Tomar.
- O tesouro templário?
- É provável que fosse um tesouro, talvez dinheiro, talvez mapas. Não foram eles que depois, através da vossa Ordem de Cristo desenvolveram os descobrimentos? Onde é que Portugal foi achar o dinheiro e os mapas para esse notável empreendimento?
De facto, quando os portugueses se lançaram na campanha dos Descobrimentos estavam praticamente na bancarrota, tinham acabado de ter uma guerra com Castela e não havia dinheiro para nada.
- Os templários permaneceram na Escócia até aos dias de hoje? – Perguntei. – Pelo que sei existe ainda uma Ordem Templária Escocesa.
- Sim, existe. Mas hoje essa Ordem não é mais do que uma organização de carácter caritativo, recebemos doações que depois distribuímos pelos mais necessitados. Reunimo-nos duas ou três vezes por ano em Capítulo, na catedral de St. Mary. Uma das ocasiões é precisamente na altura da festa da “White Cokade”, que se realiza amanhã.
- A família St. Clair foi uma das famílias que acolheu os templários. – Disse Samuel. – Essa família não está ligada à capela de Rosslyn, que parece conter segredos templários e maçónicos?
- É verdade. – Concordou Sir F. – Nessa altura Rosslyn era um castelo da família St. Clair. A capela é uma reminiscência. Foram também os St. Clair que se lançaram á descoberta da América.
- Mas que mistérios estão guardados em Rosslyn? – Perguntou Samuel.
- Rosslyn, a capela, foi criada pelo mestre maçon William St. Clair. Está cheia de símbolos templários e cabalísticos, muitos dos quais ainda não foram compreendidos. Foi durante séculos, e julgo que ainda é, a grande referência dos maçons de todo o mundo. Rosslyn, em escocês antigo, quer dizer “corrente de sangue”, Ross [corrente] e Lyn [vermelho ou sangue], e tem a ver, naturalmente, com Cristo.
Ficámos em silêncio durante algum tempo.
- Quer dizer que a Maçonaria foi criada a partir dos templários? – Perguntei.
- Não. São vias diferentes. Os templários eram uma cavalaria ao serviço da Igreja. A Maçonaria nasceu dos antigos mestres pedreiros. Ninguém sabe quando nasceu a Maçonaria ou a ideia maçónica. Porque isto é que é importante – a ideia. É sobre uma ideia que se organizam associações, agremiações. Portanto, a ideia maçónica já existia há muito tempo e foi trazida desde a mais remota antiguidade até nós por esses mestres pedreiros. Não foram estes mestres pedreiros que construíram o Templo de Salomão? Não foram eles que construíram as catedrais góticas?
- Sim, – Concordei. – Evidentemente que a ideia maçónica do cristianismo é diferente da dos templários. No entanto, há um ponto comum, a ideia de uma sociedade regenerada, como a ideia rosacruz do século XVII.
- Se estou a compreender, - disse Samuel, - a questão toda se resume à ideia. Uma organização é uma mera forma de tornar a ideia acessível a outros. Quero dizer, uma forma de difundir a ideia o mais possível, como no caso da ideia rosacruz do século XVII, difundida através dos manifestos e de outras obras da altura. Dizem até que Francis Bacon foi o autor dos manifestos, e não o Valentin Andreae.
- Já li algures que Francis Bacon foi, não só o autor dos manifestos, como também quem escreveu as peças atribuídas a Shakespeare. – Disse eu.
- Não, não… - respondeu Sir F. – Muita coisa tem sido atribuída a Francis Bacon, que foi uma mente iluminada, sem dúvida. Mas não é verdade. Shakespeare foi uma pessoa muito inteligente e foi ele mesmo quem escreveu as suas peças. Pode ter tido alguma ajuda mas, o autor é ele mesmo, hoje não há dúvidas, a não ser entre alguns especuladores que pretendem desvirtuar as suas qualidades. Quanto aos manifestos, também não, embora encontremos alguns elementos comuns, por exemplo, entre a “Fama” e a “Nova Atlântida”, esta sim, da autoria dele.
- Também já vi escrito por recentes associações rosacruzes, que Francis Bacon foi Imperator da Ordem Rosacruz, ou seja, o seu máximo dirigente. – Contrapus.
Sir F. sorriu ao ouvir esta minha última frase.
- Veja bem, - disse ele, - como é que alguém poderia ser responsável por algo que não existia?
- Não existia uma Ordem ou alguma espécie de organização chamada Rosacruz?
- Claro que não. O que existia era a ideia, que foi expressa magistralmente nos manifestos por esse génio chamado Valentin Andreae. A ideia era de uma sociedade cristã renovada, ideia também expressa na “Nova Atlântida” do Francis Bacon. Houve muitos, na altura, que se consideraram rosacruzes por aderirem a essa ideia de uma nova sociedade, mas não havia nenhuma organização. Aliás, enquanto uma ideia se mantém por si mesma e se expande, ela frutifica nas mentes dos que a ela aderem e pode, de facto, mudar algo na sociedade. Quando a ideia se cristaliza numa organização, ela transforma-se em algo hierárquico, dando origem a lutas pelo poder e a vaidades de quem está no poder. Fica reduzida a uma doutrina fechada, como acontece com as igrejas. Enquanto ideia, ela circula livre e pode iluminar as mentes preparadas ou receptivas. Fiz-me entender?
- Perfeitamente, - respondi. Mas de onde surgiu essa ideia, ou essas ideias, como a da Maçonaria e da Rosa+Cruz. Porque é que Andreae teve a iniciativa de escrever os manifestos, mantendo-se contudo incógnito?
- Bem, antes de mais é necessário entendermos que ninguém inventou nada até hoje, limitamo-nos a descobrir aquilo que já existia. Evidentemente que as ideias de Valentin Andreae e de Francis Bacon não surgiram naquela altura, eles limitaram-se a compreendê-las e a transpô-las para o papel, um sob a forma de manifestos anónimos, outro em obras sobre uma nova cidade, que é o mesmo que dizer, uma nova sociedade. A ideia rosacruz inspirou uma obra tremenda e por todos conhecida. Refiro-me ao “Dom Quixote” de Cervantes. Não é por acaso que esse livro apareceu escrito na mesma altura que os manifestos. Tido como uma caricatura ridícula dos romances de cavalaria, na verdade encerra grandes ensinamentos. Sancho Pança é a realidade da sociedade da altura. Se os romances do século XIII falavam de uma terra devastada, o “Dom Quixote” faz exactamente a mesma coisa quatro séculos mais tarde, pois é conhecida a imensa corrupção que grassava numa Europa liderada pela Igreja de Roma. Simbolicamente, a dama, Dulcineia, representa a rosa, e o combate empreendido é um combate contra a corrupta sociedade, é a cruz, o arquétipo daquele que assume uma missão, mesmo que essa missão não tenha possibilidades de êxito. No entanto, apesar dos desaires sofridos, a sua mensagem ficou para toda a eternidade.
- Muito interessante essa associação da obra de Cervantes com a ideia rosacruz, - disse Samuel.
- Mas voltando à pergunta inicial, - continuou Sir F. – qual a origem das ideias. Provavelmente têm o mesmo tronco original, tanto a Rosa+Cruz, como a Maçonaria, ou mesmo os Templários. Essas ideias foram sendo mantidas ao longo do tempo, muitas vezes à revelia dos poderes vigentes, por aqueles que aprendemos a chamar de alquimistas. Quem eram de facto os alquimistas? Gente que buscava, simplesmente. Gente que pensava que as coisas podiam ser diferentes, que a sociedade podia tornar-se mais justa e fraterna. Usavam os seus conhecimentos científicos nessa busca espiritual. Os seus modestos laboratórios eram apenas um meio através do qual poderiam chegar à Pedra Filosofal.
- Paracelso foi importante na difusão dessas ideias? – Perguntou Samuel.
- Sim. Paracelso e outros. Pitágoras, por exemplo, é tido como um dos mestres antigos dessas ideias.
- Analisando os manifestos e outras obras da altura, - disse eu, - vejo que a sabedoria contida neles veio do Oriente. Na obra de Andreae, a sabedoria é a Sofia, uma dama com asas, como se fosse um anjo. Toda a história de C. R., que se presume serem as iniciais de Christian Rosenkreutz, começa realmente no Oriente, na antiga Síria, onde ele é iniciado pelos sábios da cidade de Damcar. Mas parece que este nome resultou de um erro ortográfico e que o verdadeiro nome seria Damar. Mas não importa, o que parece acontecer é que essas ideias vieram ou nasceram no Oriente. Foi lá, em Jerusalém, que os templários foram buscar aquilo que é chamado de seu segredo, e que lhes permitiu atingir um poder muito grande na Europa.
- De facto assim parece ser. – Disse Sir F. – Numa Europa amordaçada pelo poder da Igreja de Roma, os árabes, na sua diversidade de nações beneficiavam de uma certa liberdade que lhes permitia desenvolver determinados conhecimentos que talvez não tenham sido criados por eles, mas eles souberam retê-los e transmiti-los a quem merecia. Não só os árabes, mas também os judeus criaram ou receberam toda uma sistemática da tradição que reflectiram na Cabala e em outras obras. A Maçonaria reporta as suas origens ao antigo Templo de Salomão. Portanto, Andreae, muito inteligentemente, faz o seu herói peregrinar pelo Oriente e dali voltar com toda a sabedoria.
- Mas o herói de Andreae, o R. C., não é uma ficção? – Perguntou Samuel.
- Claro que é uma ficção. – Respondeu Sir F. – Esse herói nunca existiu a não ser na cabeça de Andreae e daqueles que assumiram a sua existência real. Mas serviu magistralmente os propósitos de criar uma lenda sobre a qual se construiu todo um castelo de crenças e tradições. O túmulo de Christian Rosenkreutz nunca existiu na verdade, assim como o próprio ocupante. Existiu apenas a ideia, uma ideia de génio, sem dúvida, que desencadeou uma onda de prosélitos que se auto intitularam rosacruzes, quando na verdade não havia rosacruzes.
- Qual a influência dessa ideia aqui no Reino Unido? – Perguntei.
- Já falámos de Francis Bacon. Poderia falar de outros supostamente considerados rosacruzes. O termo rosacruz passou a ser considerado pejorativo depois do envolvimento de alguns que se diziam rosacruzes na revolução e curta república de Cromwel. Restabelecida a monarquia, a palavra rosacruz foi banida, e ainda hoje há um sentimento de repúdio por essa palavra.
- Quer dizer que no Reino Unido não existe nenhuma organização ou confraria desse nome ou que procure reviver o rosacrucianismo. – Disse eu.
- Meu querido amigo, - respondeu Sir F. – reviver algo que nunca existiu? Evidentemente que existem e existiram algumas organizações que se intitularam de rosacruzes, mas não têm nada a ver com esse passado mágico dos manifestos e da “Nova Atlântida” de Bacon.
A noite já ia adiantada e preparámo-nos, eu e Samuel, para nos despedirmos e voltarmos para o hotel. Da minha parte, o diálogo com Sir F. tinha-me trazido muitos elementos novos sobre os quais teria que meditar. Havia algo implícito no seu discurso sobre o qual não vou falar, mas que deixo ao critério do leitor tirar as suas conclusões.
No dia seguinte iria estar presente nas cerimónias templárias realizadas na catedral de St. Mary, e depois na festa da “White Cokade”, onde teria a honra de entrar no enorme salão acompanhando a Primeira Dama da Escócia, seguido de uma banda de tambores e gaitas escocesas.
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