O cristianismo é uma religião criada pelos judeus, apesar destes terem sido considerados os responsáveis pelo martírio e crucificação de Jesus, que também era, presumivelmente, judeu. Os autores de toda a história ou histórias que compuseram a nova religião eram judeus, mesmo Paulo, considerado por muitos como o grande obreiro da nova religião. Os criadores dos evangelhos canónicos, apesar de não se saber exactamente quem eram, eram judeus. Os responsáveis pelos escritos encontrados em Dag Hammadi, no Alto Egipto, tidos como evangelhos apócrifos, nome incorrectamente aplicado uma vez que não se tratava apenas de evangelhos, mas de escritos de vária natureza, eram judeus. Mas, não foram os judeus que adoptaram a nova religião, mas sim os gentios que, para os judeus queria dizer o mesmo que pagão. Ou seja, o cristianismo cresceu e espalhou-se por todo o mundo pela mão de todos, menos dos judeus, que acabaram por ficar com o estigma da condenação e morte de Jesus.
O termo “pagão” tem sido aplicado de maneira indiscriminada ao longo do tempo, ao ponto dos dicionários e enciclopédias não serem unânimes quanto à sua definição. Parece que o termo foi usado originalmente pelos cristãos ao referirem-se aos cultos praticados no Império Romano e na Grécia, por estes serem cultos politeístas e de adorarem deuses identificados com a Natureza. Na verdade, o termo pagão vem do latim “paganu”, que quer dizer, literalmente, homem do campo. Nos primeiros séculos, durante o período das perseguições romanas e depois, quando o cristianismo foi legalizado por Constantino, os cristãos constituíam uma pequena parte da população que se concentrava, principalmente, nos centros urbanos. Nos campos continuavam os cultos dos antigos deuses e por isso, passaram a chamar-lhes cultos pagãos.
Hoje nada resta desses cultos pagãos, a não ser de uma forma folclórica, que nada tem a ver com a sua verdadeira essência. O cristianismo encarregou-se de os suprimir, aniquilar, de profanar e demolir os seus santuários e de lançar à fogueira os seus livros sagrados. No entanto, essas sociedades pagãs deixaram-nos uma herança de inestimável valor e que, de algum modo, continua presente e a influenciar a nossa civilização. Foi o paganismo que nos deixou as grandes pirâmides de Gize e outros monumentos extraordinários do Antigo Egipto; deixou-nos os mitos e as peças gregas, que ainda hoje continuam a “quebrar” a cabeça daqueles que se dedicam às áreas da psicologia; foi o paganismo que inspirou os grandes filósofos da Antiguidade, como Sócrates e Platão; foi sob o paganismo que o homem engendrou as primeiras ideias acerca da sua origem a partir dos animais; os astrónomos pagãos sabiam que a Terra era uma esfera e que girava em torno do Sol.
As grandes civilizações da Antiguidade não atingiram este nível de conhecimento através dos cultos pagãos da Natureza, como nos querem fazer acreditar. Esses cultos não eram mais do que xamanismo, ainda hoje em uso em algumas regiões do planeta. A origem desse notável conhecimento e de percepção de uma realidade maior vamos encontrá-la no legado espiritual que os egípcios nos deixaram através das suas Escolas de Mistérios.
Nos Mistérios egípcios, com destaque para os Mistérios de Osíris e Mistérios de Ísis, o conhecimento e a percepção dessa realidade maior eram transmitidos por meio de rituais de iniciação, nos quais o iniciando era levado a compreender o verdadeiro sentido de uma parábola, a aprender o significado de relatos simbólicos e, muito especialmente, a vivenciar uma história mítica, que devia assimilar interiormente. É sabido que muitos filósofos e outras figuras importantes da cultura grega frequentaram e foram iniciados nesses Mistérios. Foi assim que passaram para a Grécia e tomaram a forma, entre outros, de Mistérios de Elêusis em honra da grande Mãe e do deus-homem Dionísius.
O tema fulcral, tanto dos Mistérios egípcios como dos gregos, com especial relevância para os Mistérios de Osíris e Mistérios de Dionísius, era um mito muito comum e que teve várias manifestações nas sociedades do antigo Médio Oriente, durante os cerca de dois mil anos que antecederam a nossa era. Esse mito referia-se ao nascimento de um “salvador” por alturas do solstício de inverno (25 de Dezembro), filho de uma virgem, que oferece aos seus seguidores a possibilidade de renascimento através do ritual do baptismo, que morre em sacrifício pelos pecados do mundo, desce ao inferno e ressuscita ao terceiro dia, subindo ao céu em glória. A sua morte e ressurreição eram celebradas numa refeição ritual de pão e vinho, simbolizando seu corpo e sangue.
A tradição destes Mistérios foi herdada por grupos gnósticos, inicialmente ligados a escolas gnósticas de Alexandria, no Egipto, e que vieram a espalhar-se e a constituir os primeiros grupos cristãos, os quais eram constituídos na sua grande maioria por judeus. Assim, operou-se a transposição do mito de Osíris ou Dionísius para o mito de Jesus. À semelhança do que se passava nos Mistérios egípcios e gregos, também aqui havia os Mistérios Interiores e os Mistérios Exteriores, ou pequenos mistérios, dedicados à grande maioria da população que assistia nos templos aos rituais especialmente preparados para ela, mas que não tinha acesso à verdadeira essência dos Mistérios.
Os gnósticos que pertenciam ao núcleo dos Mistérios Interiores não se preocupavam com a história de Jesus, pois sabiam que o Cristo despertava no interior de cada um através da ascensão a um conhecimento e percepção maiores. Para eles, a história de Jesus não seria uma biografia, mas um veículo conscienciosamente construído para transmitir conhecimentos espirituais codificados, criado por gnósticos judeus.
Assim, o cristianismo teve a sua génese no paganismo e nos ensinamentos pagãos, sendo na verdade uma religião pagã. Embora os gnósticos tenham sido perseguidos e suprimidos pelo cristianismo e tratados como hereges, este acabou por adoptar temas do mundo pagão: festivais pagãos foram adoptados como dias de santos cristãos; locais de culto pagão foram transformados em locais de culto cristão; nomes de deuses pagãos foram substituídos por nomes de santos cristãos.
O cristianismo foi construído pela visão literal de alguns gnósticos que não conheciam os Mistérios Interiores, apenas os Exteriores, e assim se perdeu toda a espiritualidade milenar do paganismo, dando origem a séculos e séculos de obscurantismo, àquilo que ficou conhecido como Idade das Trevas, da qual ainda estamos a tentar libertar-nos com dificuldade.
Nota final: esta crónica é, por sua natureza, um resumo muito condensado de um tema que é muito vasto. Estarei à disposição através de e-mail para responder a questões que eventualmente queiram formular.
3 comentários:
Olá Manuel, gostaria de entrar em contato comvc, tb estudo a origem do Paganismo.
E seu artigo é mt interessante.
meu e-mail: nanda.casdecultura@gmail.com
Gostei muito de suas teorias!
Por um acaso existe um livro chamadado Crônicas do Paganismo?
olá manuel adorei seu enuciado será q teria um livro q falasse sobre o paganismo?
meu email é: thays_stz16@hotmail.com
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