terça-feira, 26 de agosto de 2008

O Novo Império do Sol Nascente

Não vi a cerimónia de inauguração dos Jogos Olímpícos de Beijing (não sei porque continuam a chamar-lhe Pequim). Não vi a cerimónia de encerramento. Mas vi grande parte dos jogos, porque gosto de ver desporto bem praticado e este, foi mesmo do mais alto nível. Que o digam os inúmeros recordes batidos, o que me levou a desconfiar se não haveria algo de estranho na água da piscina olímpica ou até, no ar daquela grande capital chinesa. Nada havendo de estranho nem na água, nem no ar, os resultados obtidos levam-me a pensar que não há limites para o desenvolvimento das capacidades humanas.
A China procurava com este evento de manifestações nacionalistas, com hinos e bandeiras a subir nos mastros premiando os medalhados, apenas um objectivo: estabelecer a sua hegemonia global a nível desportivo, como primeiro passo para outras hegemonias, como a económica, que busca a largos e seguros passos. Conseguiu esse objectivo conquistando nada menos do que 51 medalhas de ouro, bastante mais do que os americanos alcançaram. Mas se a contagem não fosse feita por nacionalidades, a Europa da Comunidade Europeia ganhava, porque o conjunto dos seus países conquistou para cima de 75 medalhas de ouro.
Medalhas e nacionalismos à parte, não vi as cerimónias de abertura e encerramento, porque não posso ignorar o regime político que vigora na China, o povo escravizado pelos novos mandarins, a ausência de liberdades e a falta de respeito pelos direitos humanos. Não posso ignorar o Tibete e o que os chineses têm feito no Tibete, inclusive campanhas maciças contra o lamaísmo através de propaganda ateia. Nunca simpatizei com o regime lamaísta do Tibete, em que os lamas mantiveram a região num atraso digno da Idade Média europeia, mas a invasão e anexação da região pela China foi um acto de autêntica pirataria, de domínio do mais forte e humilhação do mais fraco, perante a complacência de todo o resto do mundo. O argumento de que o Tibete já foi uma região da China é o mesmo que procura justificar a instalação do Estado de Israel na Palestina.
No final dos Jogos, apenas no final, vem a Amnistia Internacional, pela voz de Esteban Beltran, dizer que assim não. Que a China continuou a perseguição e punição de jornalistas e activistas dos direitos humanos durante os Jogos Olímpicos; que um evento desta natureza nunca mais deveria ser realizado num contexto de violação de direitos; que as autoridades chinesas deveriam libertar os presos políticos, abolir a educação pelo trabalho e acabar com a repressão sobre os activistas dos direitos humanos; que o Comité Olímpico Internacional deveria considerar o respeito pelos direitos humanos como uma das exigências básicas para um país poder sediar as Olimpíadas.
Melhor teria sido se esta atitude tivesse sido tomada no início dos Jogos e não no fim, ou ainda, na altura da escolha de Beijing para sede das Olimpíadas. Mas não, o Ocidente, os paladinos da democracia e das liberdades fundamentais renderam-se ao prodígio chinês que conseguiu adaptar e desenvolver uma economia de mercado dentro de um regime de ditadura comunista e de desrespeito pelos padrões sociais e políticos por que se rege o mundo ocidental. Renderam-se ao poder organizativo de um país que procura a todo o custo a hegemonia mundial em todos os aspectos. O mundo inteiro ficou de joelhos perante a extraordinária capacidade de organização dos chineses.
Hitler e os nazis em 1936 utilizaram os Jogos de Berlim como palco e veículo da propaganda do regime hitleriano, realizando umas Olimpíadas espectaculares, como nunca antes se haviam realizado. Mas nessa altura a fina-flor da raça ariana, não ganhou os Jogos. Estes foram ganhos por uns “miseráveis” negros americanos pertencentes a um país que também, na altura, era extremamente racista. Mas… “business is business!” lá diz o “uncle Sam”. No caso da China, não só conseguiu transformar o palco de Beijing em tremenda propaganda, como ainda ganhou os Jogos.
Se Esteban Beltran tivesse levantado a sua voz na altura da escolha de Beijing para sediar os jogos, provavelmente a sua voz clamaria no deserto. Agora, no final dos Jogos, a sua voz perde-se de certeza nessas imensas areias de interesses obscuros em que o mundo ocidental vegeta.

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