Para determinada tradição oriental e algumas escolas esotéricas nada do que vemos, sentimos, tocamos ou cheiramos existe. É tudo ilusão, é tudo o mundo de “maya” Tudo aquilo que existe e que nós vemos como fazendo parte do nosso universo, segundo a perspectiva daquela filosofia, não seria mais do que expressões do nosso consciente.
Esta é uma coisa difícil de digerir para um indígena ocidental como eu que, ao contrário de muitos outros que se afadigam em transportarem para o hemisfério do lado de cá, coisas que eles julgam aprender do lado de lá, tenho da tradição oriental a ideia de que estagnou no tempo, não evoluiu. Tenho um profundo respeito pela tradição budista e pela sua filosofia interna, não a externa, com a qual me identifico em muitos pontos. Mas não posso deixar de pensar que o Tibete, onde assentou arraiais depois de Buda se ter manifestado na Índia, país em que o budismo tem muito pouca expressão (santos à porta de casa não fazem milagres), foi um país que parou no tempo, devido precisamente a ser administrado por uma data de monges e lamas, chefiados pelo Dalai Lama e que pouco mais faziam do que estudar antigos escritos e entoar mantras.
Ora o Dalai Lama vive no exílio no norte da Índia depois que o seu país, o Tibete, foi invadido pelas forças da China comunista em 1959. É uma pessoa altamente respeitada em todo o mundo, principalmente por ser um propagador das ideias da paz, da harmonia e da concórdia entre os homens. O Dalai Lama era ainda criança quando os chineses chegaram e tomaram tudo, uma criança que gostava de brincar com binóculos a ver como andava o seu país, de que ele era o governante supremo.
Os budistas têm também um profundo respeito por todos os seres viventes. São absolutamente vegetarianos e não fazem mal a uma mosca, no sentido literal do termo. Nas visitas que fiz algumas vezes ao lama Khetsung Gyaltsen, tive oportunidade de verificar isso. Em pleno verão, com a casa cheia de mosquitos e todo o género de insectos voadores, andava um dos seus discípulos de jornal na mão a afastar para o exterior toda aquela chusma de bichinhos que, de vez em quando, não se esqueciam de dar a sua ferroada ou a sua picada. Pensei na altura como é que seria nos mosteiros com ratos, baratas, grilos, etc. Como não pensei mais nisso, também não sei como é que fazem, se vivem em perfeita comunhão com toda essa bicharada, ou se a expulsam de alguma maneira por força do pensamento ou através do uso de alguma qualidade de incenso. Não sei.
Mas voltando ao mundo de “maya”, da ilusão, a Física ocidental acabou por vir dar uma certa razão a essa ideia. Assim, o nosso mundo material não passa de um imenso vazio visto sob a perspectiva atómica, quero dizer, à dimensão do átomo. A matéria mais dura, compacta e resistente, à dimensão atómica é um enorme vazio.
Foram os gregos que nos legaram a ideia do átomo, como o mais pequeno e indivisível elemento da matéria. Ninguém sabe como é que os gregos descobriram o átomo, pois não tinham a tecnologia necessária para o fazer. Provavelmente alguém lhes ensinou. Durante muito tempo o átomo foi mostrado com um núcleo como se fosse um Sol, rodeado de electrões como se fossem planetas gravitando à volta da sua estrela central. Hoje sabe-se que não é bem assim. Além disso, deixou de ser indivisível e não é o menor elemento da matéria.
Para termos uma ideia do que seria colocarmo-nos na dimensão atómica, considerando um átomo com o seu núcleo rodeado de uma nuvem onde vibram os electrões, o núcleo seria 100.000 vezes menor do que o conjunto todo e, se o núcleo tivesse um centímetro de diâmetro, os electrões estariam a cerca de, mais ou menos, mil metros de distância. Portanto, se nos colocássemos no lugar do núcleo de um átomo de hidrogénio, por exemplo, que tem apenas um electrão, não conseguiríamos ver este nem com os binóculos mais potentes. Se conseguíssemos condensar os átomos de uma montanha do tamanho dos Himalaias, eles caberiam dentro de uma pequeno recipiente, não maior do que um cálice de licor, mas esse cálice teria o mesmo peso da montanha.
Temos assim que a matéria, por mais densa e pesada que nos possa parecer, é apenas vazio. A Física Quântica veio ainda complicar mais. Segundo esta disciplina, o mundo tangível aos nossos sentidos não é mais do que a projecção daquilo que queremos ver ou sentir. Por isso se diz, com muita propriedade, que cada um tem a sua própria verdade. Por exemplo, não vemos com os olhos. Estes são meros transmissores de sensações luminosas para o nosso cérebro. Nós vemos com o cérebro e, se determinada imagem não corresponder a nada do que aí tenhamos guardado, acontece que podemos até deixar de ver algumas coisas.
Conta-se a este respeito que, quando Colombo chegou à América, a uma das ilhas que hoje suponho pertencer às Bahamas, os indígenas não viram as caravelas à distância. O chefe da tribo percebeu um movimento pouco usual nas águas e fixou melhor o olhar. Então viu os três navios à distância. Os outros índios só conseguiram vê-los quando o chefe lhes descreveu o que estava a ver. Verdade ou lenda, isto procura explicar que os índios não viam as caravelas pela simples razão de não fazerem parte do que estava arquivado no seu cérebro.
A Física Quântica vai mais longe: o mundo material em que estamos inseridos pode ser alterado pela nossa vontade e pensamento. Coisa estranha, então temos esse poder incrível e não o utilizamos? Na verdade, utilizamo-lo a todo o momento sem sequer darmos por isso. Ao visitarmos determinados locais podemos sentir-nos bem ou sentir-nos mal, porque esses locais estão impregnados das impressões de quem e do que os frequenta. É vulgar ouvir-se dizer que uma pessoa se sente muito bem quando visita uma catedral gótica, ou se sente mal ao visitar uma prisão ou um hospital. Esses locais transmitem-nos, digamos assim, as impressões das pessoas que os frequentaram. Os átomos que constituem essas construções ficaram com o registo de todas as impressões sentidas pelas pessoas que lá estiveram. Em todos os locais por onde andamos, seja em casas, ruas, jardins, sentimos sempre essa estranha sensação de bem-estar ou de mal-estar. Se algumas vezes conseguimos dar uma explicação lógica para essas sensações, na maioria dos casos não temos qualquer explicação, sentimos somente.
Então, esse vazio que constitui o mundo atómico, não parece ser assim tão vazio, há correntes invisíveis que circulam entre os átomos e entre os seus elementos, transformando esse vazio num imenso mar, a que poderíamos chamar mar cósmico. De outro modo, não haveria outra explicação para as sensações que experimentamos e determinados fenómenos que acontecem na vida de todos nós. Ou seja, estamos todos inseridos nesse mar, nós, os animais, as plantas, tudo o que faz parte da Criação. Por isso se diz que fazemos parte do todo.
Julgo que foi o Paulo Coelho que num dos seus livros deu um exemplo dessas ligações. Numa determinada ilha da Indonésia os cientistas observaram que os macacos se alimentavam de batatas que desenterravam. Comiam-nas assim mesmo, cheias de terra. Durante certo tempo dedicaram-se a ensinar os macacos a lavarem primeiro as batatas num riacho próximo, antes de as comerem. Qual não foi a sua surpresa quando verificaram que, numa ilha vizinha, mas sem possibilidades de contacto com aquela onde estavam, os macacos começaram a proceder da mesma forma.
A minha mãe tinha um periquito de que gostava muito, dentro de uma gaiola metálica. Dois dias antes de falecer, ninguém sabe como, o periquito rebentou com a gaiola e desapareceu. Nessa altura, estava eu num dos meus períodos de meditação, ouvi nitidamente junto de mim o chilrear de um periquito. Ainda hoje, de vez em quando, ouço esse periquito.
O pai de um amigo meu estava muito mal no hospital. Ele tinha um canário dentro de uma gaiola e pediu ao filho para levar o canário para a sua oficina de artes plásticas e tomar conta dele. Sempre que o pai desse meu amigo piorava no hospital, o canário ficava doente. Quando havia melhoras no hospital, o canário voltava a cantar. Isto passou-se durante cerca de três semanas, ao fim das quais, durante a noite, o senhor morreu. Quando esse meu amigo voltou à oficina no dia seguinte de manhã, o canário estava morto.
Eu tenho um amigo que não vejo nem sei dele há vários anos e se chama Artur. Ele é brasileiro, natural do Rio de Janeiro. Por volta dos anos oitenta estava eu na Avenida Nª Senhora de Copacabana à procura de uma loja que não conseguia encontrar. Eu não sabia do Artur há pelo menos dois ou três anos. Não me lembro de quem estava comigo nessa altura, mas eram duas pessoas. Como não encontrava a loja, comentei com essas pessoas que, quem devia saber ao certo a localização da loja era o Artur. Ao fim de uns cinco ou dez minutos, no meio da multidão de fim de tarde daquela Avenida, dei de caras com o Artur.
Perdi-lhe de novo o contacto. Passados uns dois anos estava eu em N. York a conversar com a minha colega de profissão, Célia, que era gerente de um vasto sector de reservas de uma empresa aérea. Como ela também conhecia o Artur, perguntei-lhe se sabia alguma coisa dele. Ela disse-me que ele era o Director de Vendas de uma cadeia de hotéis e que estivera lá, em N. York, a conversar com ela há cerca de três meses. Despedi-me dela e encaminhei-me para o elevador, no 70º andar daquele edifício. Quando o elevador chegou, esbarro com uma pessoa que ia a sair do mesmo elevador, o Artur.
Nesses mesmos anos oitenta, estava eu em Londres, de passagem a caminho da Nigéria. Passei o fim-de-semana em Londres e assisti à vitória da Escócia sobre a Inglaterra no estádio de Wembley, na final da Taça da Grã-Bretanha em futebol. Os escoceses ficaram tão loucos com a vitória, que conseguiram arrancar as balizas do estádio e deixar o relvado com enormes buracos. Escusado será dizer que, na noite de Sábado para Domingo, as ruas estavam cheias de escoceses bêbedos.
Na manhã de Domingo chamei um táxi para me transportar do hotel até Victória Station, onde iria tomar o comboio com destino ao aeroporto de Gatwick, pois o meu voo saía daquele aeroporto. Ao entrar na estação lembrei-me de repente que tinha esquecido no táxi uma pequena bolsa onde tinha todo o dinheiro para a viagem e mais o passaporte. Olhei para trás à procura do táxi e o que vi, foi um mar de centenas táxis. Procurei um polícia e contei-lhe o sucedido, pedindo-lhe para tentar encontrar o táxi pelo “walkie-talkie” que ele tinha à cintura. O polícia perguntou-me se eu tinha alguma ideia de quantos táxis havia em Londres. Limitou-se a tomar nota da ocorrência e recomendou-me que me dirigisse à esquadra mais próxima, que ficava somente a uns três quarteirões de distância. Quem conhece Londres sabe que os quarteirões são grandes, portanto, aqueles três quarteirões equivaliam a uma distância de mais de um quilómetro. Lá fui à procura da esquadra, carregando a mala. Entrei na esquadra por uma porta de vaivém, como aquelas dos filmes de “cowboys” e pedi para falar com o inspector de serviço. Mandaram-me esperar. Enquanto esperava, vi claramente a imagem do motorista de táxi, um preto gordo natural da Jamaica, a entrar por aquela porta com a minha bolsa na mão. Olhei para a porta, mas não havia ninguém. Pensei automaticamente que a imagem tinha sido fruto da minha imaginação. Passados mais uns quinze minutos de espera sinto a porta abrir-se e vejo, para meu espanto e alegria, o motorista com a minha bolsa na mão.
Tenho muitos mais exemplos de acontecimentos assim estranhos que poderia contar. Mas, como esta crónica já vai longa, vou deixar para outra oportunidade.
Para conclusão, tenho farta experiência da existência desses laços invisíveis que nos ligam a tudo e a todos e que, em determinadas circunstâncias o circuito fecha-se, colocando-nos em sintonia com esse mar cósmico, ou o que lhe quiserem chamar. Na verdade somos apenas gotas de um imenso oceano, fazemos todos parte de um todo, mau grado os egoísmos e as manifestações individualistas de cada um. Tudo o resto é uma grande ilusão ou, como dizem os orientais, é o mundo de “maya”.
2 comentários:
A sua produção é muito interessante. A história das caravelas invisíveis é fascinante.
Bom final de semana
Como budista, achei piada ao seu post. Convém esclarecer que infelizmente nem todos os budistas são vegetarianos. Só aqueles que percebem o valor dessa prática como prática de compaixão e não têm demasiado apego aos hamburguers e bifinhos. Existem muitos budistas que não seguem essa via, porque apesar de ser um caminho simples e claro, cada um tem o seu e não existe a obrigação nem o dogma de que todos têm que ser vegetarianos - é mais deixado à consciência de cada um.
Quanto às suas experiências e histórias, sugiro-lhe que pesquise e leia sobre o biólogo Rupert Sheldrake e as suas teorias dos campos mórficos. Encontrará a resposta científica a esses fenómenos de "coincidências", "telepatias" e "sincronicidades". Claro que estas teorias ainda não são reconhecidas pela maior parte da comunidade científica, mas eu acredito que um dia serão parte do paradigma reinante, tais são as evidências que as comprovam. Um abraço
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