Na crónica anterior falei de um fenómeno que sucede mais frequentemente do que se possa pensar e que parece suscitar a ideia de que tudo está ligado e que nada acontece por acaso. Essa ligação não é feita de fios ou quaisquer espécie de laços. É como se estivéssemos mergulhados num imenso mar, a que eu chamo mar cósmico e assim, estamos todos em contacto com tudo o que existe, não somente com os outros seres humanos, mas com toda a natureza visível e invisível.
Esse mar, tal como acontece com os oceanos da Terra, pode tomar aspectos diferentes: pode ser um mar revolto, furioso, violento; ou pode ser um mar pacífico e tranquilo. Estas são as pontas da escala pois, entre estas duas situações extremas há toda uma escada que vai do mais pacífico ao mais violento.
As pessoas também são assim, reflectem no seu comportamento as condições do mar em que estão inseridas. Isto não as iliba de nenhuma responsabilidade: as pessoas são assim por reflectirem esse mar, ou porque se identificam com essas condições? Não se trata aqui da história do ovo e da galinha, qual é que veio primeiro. Trata-se que as pessoas acabam por se inserir no ambiente com o qual mais se identificam. Tal como na vida em sociedade, cada um procura o grupo onde se sente bem e que está de acordo com a sua natureza.
Todos conhecemos os inúmeros mundos e submundos que existem sobre a Terra. Há o mundo dos muito ricos, cujos segredos raramente transpiram para o cidadão vulgar; há o mundo dos ricos e dos novos-ricos, daqueles que gostam de estar sempre na ribalta e nas páginas das revistas que não têm nada para ler; há o mundo dos políticos que têm uma necessidade ingente de impor aos outros as suas ideias; há o mundo dos empresários cuja finalidade na vida é aumentarem o número dos cifrões; há os gestores, que não são mais do que fiéis serventes dos empresários; há o mundo dos trabalhadores, para quem o trabalho é o seu castigo nesta vida; há o mundo dos que não fazem nada e ninguém sabe como e quem os sustenta; há o mundo dos drogados, dos alcoólicos, dos dependentes, dos ladrões, dos assaltantes, e de toda uma categoria de gente que vive à margem dos padrões da sociedade. No meio destes mundos há os submundos, que correspondem a uma certa incidência das características do seu mundo. Por exemplo, entre os políticos há os mentirosos (quase todos), os corruptos e os honestos (muito poucos); entre os ladrões há os violentos, os que matam para roubar e os que assaltam quando não está ninguém em casa. Há uma infinidade de variações que constituem os estratos que formam a nossa sociedade. Grosso modo, a humanidade é formada por uma quantidade imensa de estratos sociais, uma pirâmide gigantesca em cuja base estão os miseráveis, os famintos, os que não são nada e apenas pretendem sobreviver, nem que seja por mais um dia.
Não adianta alguém achar que não tem nada a ver com este ou aquele mundo ou submundo, pois também faz parte desse imenso mar cósmico onde tudo está ligado. Eu tenho tudo a ver com aquele ser miserável que teve a desdita de nascer assim (carma à parte) e que só espera que lhe dêem um pouco de arroz para poder chegar ao dia de amanhã. Ele é meu irmão, faz parte de mim, como eu faço parte dele nesse mar cósmico. Não me identifico com ele, a minha condição é diferente, mas por ele sinto compaixão, quer dizer, no verdadeiro sentido do termo, comungo da sua paixão, da sua desdita. Neste aspecto, as ideias racistas que no passado eram fruto da ignominiosa ignorância da maior parte da sociedade, hoje já não fazem mais sentido e até se tornam ridículas. Pesquisas recentes provaram que pode haver mais diferenças genéticas entre dois arianos, caucasianos, ou o que lhe quiserem chamar, loiros e de olhos azuis, do que entre um deles e um indivíduo de raça negra. A única diferença entre as raças ainda admissível, é a dos costumes e da cultura, mas mesmo estas tendem a desaparecer.
Quer queiramos, quer não, cada um de nós pertence a um desses mundos e submundos e aí vamos vivendo apesar de, esporadicamente, podermos estar temporariamente em contacto com outros. Apesar das aparências poderem por vezes levar à conclusão que as coisas não são assim, por vermos pessoas que circulam por todos os campos e todos os níveis, na realidade essas pessoas têm o seu próprio mundo ou submundo, onde acabam por ir parar quando se aquietam na sua faina e meditam um pouco sobre a sua verdadeira condição. Ciente disto, ainda que apenas ao nível do subconsciente, o homem tentou impor essa divisão de forma concreta. Na Índia instituiu o sistema de castas; na Antiguidade Clássica e na Idade Média, havia claras divisões inultrapassáveis, quem tinha nascido nobre seria nobre para toda a vida, ainda que tivesse caído na mais completa miséria. Quem era do povo, permaneceria para sempre do povo, quem era escravo seria sempre escravo, mesmo depois de libertado pelos seus donos. Hoje as coisas não são bem assim, mas só na sua forma exterior, que na interior, onde se manifestam essas ligações invisíveis, as divisões permanecem.
Não acho que muita gente esteja de acordo com esta ideia, mas ainda bem que é assim, se toda a gente pensasse da mesma maneira a vida seria uma grande chateza. Os especialistas das ciências sociais logo me dirão: “isso está tudo errado”. Talvez esteja, mas não me parece que a sociedade tenha evoluído alguma coisa com a ajuda deles. O que é que está errado, as minhas ideias ou a ciência deles? Provavelmente estamos todos errados e não há receitas nenhumas que expliquem os fenómenos que acontecem na sociedade. Muito bem, eu dou a minha contribuição, que cada um dê a sua e não se preocupe com o que é “politicamente correcto”, porque isto não passa de moda. Mas adiante.
Há pessoas que vivem em permanente agonia, nada lhes corre bem, o mundo parece estar sempre contra elas, e outras que parece que nasceram com aquilo virado para a Lua, só têm sorte e tudo lhes corre bem. Claro que isto é um exagero pois, não há ninguém que só tenha azar na vida, como não há ninguém que só tenha sorte e não tenha os seus problemas. Como dizia Santo Agostinho, “no dia em que não tiver problemas estou morto.” Acontece porém que aqueles que dizem que só têm azar na vida não reparam nas coisas boas que lhes acontecem. Os outros, aqueles a quem tudo corre bem, preferem ignorar as coisas menos boas e seguir em frente.
Esta situação não escolhe “castas”. Acontece a toda a gente, desde os mais ricos aos mais pobres, com especial incidência na chamada classe média, que parece concentrar em si todo o género de frustrações. Os mais azarentos encontram-se normalmente nessa camada.
Nós reflectimos nos outros aquilo que nós somos, os especialistas em psicologia dizem-no a toda a hora. Então se reflectimos insegurança, medo e pensamentos negativos, é muito natural que vamos receber de volta tudo isso. Se por outro lado reflectirmos segurança e uma atitude positiva perante a vida, seremos compensados dessa mesma forma.
Uma das coisas que já venho a notar há muito tempo, é as pessoas terem medo de falar, de escrever, de expor as suas ideias, por muito absurdas que possam parecer. Têm um receio permanente de ferir as susceptibilidades dos outros, de serem mal compreendidas e interpretadas. Então preferem esconder-se por detrás de conversas de ocasião, que não fazem mal a ninguém, mas também não contribuem em nada para o conhecimento de cada um.
Como esta crónica é acerca de laços ou ligações invisíveis, e como parece que me estou a afastar do assunto, o que não é totalmente verdade, vou voltar à calha e fazer o possível por não sair dela.
Digo acima que recebemos aquilo que reflectimos. Ora reflectimos e recebemos através do quê? Justamente através desse mar cósmico em que estamos inseridos. Atraímos para nós todos os azares ou as coisas boas, consoante a nossa atitude interior perante a vida. Se alguém se convence que é azarento, vai ter azar toda a vida. As atitudes positivas acabam por resolver muitas vezes problemas, aparentemente, inultrapassáveis.
Conheci em tempos um indivíduo que dizia que a sua vida era uma sucessão ininterrupta de coisas azarentas, tudo lhe acontecia, desde as coisas mais prosaicas às mais complicadas. Um dia resolveu visitar Paris de automóvel, numa viagem que fez com alguns amigos. Era Inverno e tinha nevado. Procuraram estacionar o carro numa rua junto do rio Sena. Como o estacionamento era em espinha, esse indivíduo saiu do carro para ajudar na manobra. Foi colocar-se, justamente, entre o carro e o rio. O chão estava gelado e ele mal conseguia manter-se em pé. Na manobra o carro foi derrapando no gelo e só parou quando as rodas bateram no rebordo estreito que delimitava a rua. Esse indivíduo só não foi parar ao rio porque conseguiu pendurar-se no pára-choques do carro. Porque é que ele se foi colocar, justamente, entre o carro e o rio?
Esta história é verdadeira e procura exemplificar o que acontece a algumas pessoas: parece que atraem o azar. Mas, se virmos bem, essas pessoas não conseguem ter um único pensamento positivo. Pensam sempre o pior. Se vão ao médico por sentirem algum sintoma menos agradável, pensam logo que têm uma doença muito grave; se têm que tratar de algum assunto junto de uma Repartição Pública, acham que os funcionários estão ali para os maltratarem e não os ajudarem em nada; se tentam falar com alguém numa empresa, um gerente ou um director, já sabem que vão receber como resposta que esse gerente ou esse director não está, que está em férias ou, o mais vulgar, que está em reunião e que, portanto, não o pode atender. E o que é facto, as coisas acontecem realmente assim Isto faz com que essas pessoas fiquem cada vez mais pessimistas e, cada vez que pensarem realizar alguma coisa, pensam logo que não vão conseguir ou que vão ter muitas dificuldades.
O pessimista nunca está satisfeito com nada. Além disso, tudo quanto lhe acontece é culpa dos outros. O optimista está sempre satisfeito, tem uma atitude positiva, mesmo quando tenha que superar problemas bem difíceis ou tenha que atravessar sérios revezes. É paradigmática aquela história do sujeito que tinha dois filhos, um optimista e outro pessimista. No Natal resolveu oferecer-lhes presentes e testar a sua atitude. Assim, ao optimista, ofereceu um balde de esterco de cavalo, ao pessimista uma bicicleta. Quando os garotos viram os presentes, o optimista disse logo: “onde está o cavalo?”. O pessimista, por seu lado, ficou chateado: “E agora? Todos os meus amigos vão pedir para dar uma volta de bicicleta. Que chatice.”
Eu tinha uma colega de trabalho que, quando ia a uma consulta no posto médico, vinha de lá sempre a queixar-se com a atitude pouco simpática das empregadas do posto. Dificultavam-lhe as coisas de uma forma que ela não conseguia entender, demonstrando uma má vontade visível em atender os seus pedidos. Eu era utente desse mesmo posto e, comigo, as coisas passavam-se de modo diferente. “Ah, mas isso é porque és um homem bonito”, dizia-me ela. Eu respondia-lhe: “Não é nada disso. Tu vais para lá com pedras na mão e depois o que é que esperas em troca?” A conversa ficava sempre por aqui, ela convencida que tinha toda a razão e que, por qualquer motivo que ela não compreendia, as empregadas não gostavam dela e tratavam-na mal. Era assim ali e em todos os locais onde ia tratar de alguma coisa.
Evidentemente que há situações que acontecem e são incompreensíveis. Uma pessoa encontra um empregado mal humorado, alguém que às vezes tem problemas sérios para resolver ou que não se sente bem com a vida, que tem um familiar doente, etc. São tudo situações que podem acontecer e, não nos podemos esquecer que as pessoas que nos atendem nesses locais ou em quaisquer outros, são seres humanos como nós. Não são máquinas com um sorriso estereotipado no rosto para nos atenderem com a maior simpatia do mundo, quando muitas vezes têm o coração a sangrar. Têm filhos, têm pais, marido, mulher, processos de divórcio, problemas de drogas, contas para pagar e sei lá que mais. E quando sentem alguma animosidade da nossa parte, ficam pior, respondem-nos muitas vezes de forma agressiva.
Não quero imitar os livros de auto ajuda que se publicam e que as pessoas compram muito interessadas, mas depois não sei o que acontece: ou não lêem os livros; ou os livros não ajudam nada; ou não aplicam o que aprenderam nesses livros. No entanto direi que, na maioria das vezes, as coisas podem passar-se mais agradavelmente ou não, conforme a nossa atitude. Em termos gerais eu não me queixo da forma como sou tratado. Exceptuando alguns poucos casos muito esporádicos, as pessoas são gentis e agradáveis comigo. Por outro lado, nunca procuro fugir às coisas, procuro sempre dizer a verdade.
Um dia cheguei ao Rio de Janeiro com uma mala cheia de castanhas, nozes, figos secos, amêndoas, um bolo-rei, todas aquelas coisas que costumamos comprar no Natal. Era Dezembro e o Natal estava próximo. A funcionária da alfândega perguntou-me o que continha a mala. “Presentes de Natal”, respondi eu com toda a tranquilidade. Ela mandou-me abrir a mala. Quando viu o que continha, disse-me logo: “Feche, feche, não vi nada. Pode passar”.
Numa outra altura, ofereceram-me uma caixa cheia de sacos de café para levar para Lisboa. A caixa tinha escrito por fora “Café”, seguido de uma marca que já não me lembro. Como é que vou entrar em Lisboa com este café todo, pensei. O funcionário da alfândega olhou para mim e perguntou-me de onde vinha e o que é que continha a caixa. Respondi-lhe que vinha do Rio de Janeiro e a caixa continha café. “É tudo café?”, perguntou ele. Confirmei que era tudo café. Olhou para mim, sorriu e disse-me para seguir. À saída disse-me ainda: “Cuidado, que café em excesso faz mal à saúde”.
Há três anos atrás cheguei ao aeroporto de São Paulo com nada mais, nada menos, do que doze malas. Estava em mudança para o Brasil e aproveitei para trazer o máximo de coisas possível. Meti as malas em dois carros e dirigi-me à alfândega com bastante dificuldade, pois estava sozinho e não conseguia levar os dois carros ao mesmo tempo. A funcionária da alfândega verificou a bagagem e depois mandou-me seguir. Quando viu a minha dificuldade em empurrar os dois carros, ela própria agarrou num e ajudou-me a levá-lo até à paragem de táxis.
No princípio do passado mês de Setembro, por recomendação do meu médico oftalmologista, especialista em retina, tive necessidade de marcar uma consulta urgente para outro oftalmologista, devido à catarata que ameaçava o meu olho esquerdo. Devido a duas intervenções cirúrgicas anteriores, a catarata era de origem traumática, e a córnea estava em risco de perder as suas últimas células, o que me traria mais complicações no futuro, como um transplante de córnea. Portanto o assunto era urgente. Telefonei para o consultório e a empregada disse-me que só tinha consulta para o dia 26 de Outubro. Em vez de começar com aquela ladainha de que o caso era grave e que precisava de uma consulta urgente, etc., resolvi brincar. “Não acredito!”, disse eu. “Acredite sim, não há nenhuma possibilidade antes do dia 26 de Outubro”, respondeu a empregada. “Então eu vou fazer o seguinte: vou sentar-me aí à porta do consultório e só saio quando o médico me atender”, disse eu. Ela riu e depois disse-me: “Dê-me o seu número de telefone. Se houver algum cancelamento, telefono-lhe imediatamente, está bem assim? Nesse dia à noite, quando cheguei a casa, tinha um recado no telefone dizendo que tinha a consulta no dia seguinte às oito horas da manhã. Acabei por ser operado no dia 6 de Outubro, aparentemente, e pelos resultados até agora, com completo sucesso.
Todos temos situações semelhantes, que correram mal porque talvez, na altura, estávamos cheios de medo, ou que correram bem porque estávamos com uma atitude positiva. Há pequenas coisas que têm, por vezes, um efeito fantástico. Ultimamente quando vou ser atendido por alguém que vejo que não está de bem com a vida e, se estiver um sol radioso de meio-dia, eu digo “boa noite!”. Invariavelmente a pessoa olha para mim e não consegue deixar de rir. A partir daí tudo se torna mais fácil
Como acontece com toda a gente, fui parado várias vezes na estrada pela GNR. Em duas ocasiões faltavam-me documentos cuja consequência era a apreensão da viatura e uma multa. Nos dois casos, não só não fui multado, como o carro também não foi apreendido. Deram-me apenas o prazo de 48 horas para apresentar os documentos em falta.
Sou uma pessoa com sorte? Não. Nem jogo na lotaria porque nunca me sai nada. Tenho apenas uma atitude positiva perante a vida e os problemas que se apresentam. Nem sempre as coisas resultam a meu contento, mas o saldo é muito positivo.
1 comentário:
Uma vez que este "mundo" é um sonho colectivo, nós somos inteiramente responsáveis em conjunto por aquilo que nele acontece. Alguém com essa consciência e uma vibração elevada (positiva/optimista), facilmente consegue projectar na sua "vida" uma existência facilitada, "sortuda". Também tenho essa experiência. Estou farta que me chamem sortuda - não é sorte, eu construo a minha realidade. Ainda não consegui que me saísse a lotaria, mas é muito fácil projectar a nossa energia positiva sobre as pessoas em nosso redor, "manipulando-as" para se abrirem a nós e nos ajudarem no que precisamos, ao invés de nos serem obstáculos.
Eu consegui que um assaltante que me parou na rua, não só não me assaltasse, mas ainda apanhasse do chão a minha carteira e ma entregasse na mão deixando-me seguir caminho. Ele próprio não percebeu muito bem o que se passou ;)
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