Um pássaro ferido, ainda que recuperado do ferimento, dificilmente pode voltar a voar.
Angola foi um sonho, um projecto de vida para muitos que acreditaram, que tiveram fé num império onde o Sol nunca se punha, do Minho a Timor, gerido por um imperador senil e esquizofrénico, escondido na sua toca de São Bento.
Alguém escreveu que a fé é um atributo dos imbecis, pois se dirigida a uma entidade a que chamam Deus, esta nos falta quando mais dela precisamos. Pior é ainda quando essa fé tem por alvo um ser grotesco que, do seu tugúrio onde se esconde do mundo divulga a sua insanidade entre todos aqueles que acreditam nele, que não vêem que se trata apenas de um camponês travestido de ditador, um louco a quem entregaram as chaves das suas vidas.
Depois vieram os outros, a loucura consumada em palavras de ordem, “Nem mais um soldado para Angola!”, a insanidade desbotada em ideologias destrutivas, os egos exaltados nas lutas de poder, tristes fantoches manipulados por interesses obscuros.
No meio da confusão das mentes tresloucadas, os pássaros foram esquecidos, abandonados ao seu destino, entregues à divina providência que nunca se manifesta, perdidos na sua rota de ilusões, pois alguém lhes disse que teriam uma ceia farta, mas nem migalha lhes deixaram. Recolhidos em gaiolas de esterco, engavetados em blocos de cimento a que chamam casas, nem todos conseguiram voltar a bater as asas que os levasse a voar para destinos mais promissores.
Perdida a esperança em dias melhores, perdida a ilusão dos infindos espaços da savana africana, do grande sol poente das tardes mornas, do doce odor da pele de uma cabrita que os esperava, não raro, de porta entreaberta, foram definhando, se perdendo e chafurdando no charco da sociedade permissiva, adúltera, mergulhando no esquecimento temporário que o álcool proporciona.
Pássaros feridos pela ignomínia de um louco e de um povo demente que não sabe honrar os seus filhos e que espera hoje a vinda de um novo louco que venha dar sentido e continuidade à sua demência.
(Escrito em 14 de Fevereiro de 2008, em memória de meu irmão, Mário Valdemar, falecido ontem no hospital Garcia da Horta em Almada, aos 62 anos de idade.)
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