Talibã é a designação do regime fundamentalista de raiz islâmica que se impôs no Afeganistão entre 1996 e 2001, emergindo como poder depois de uma guerra civil que pôs fim à ocupação soviética e ao efémero regime pró comunista que tinha o apoio da antiga União Soviética. O regime talibã, durante a sua existência também efémera (apenas 5 anos), revelou-se de uma crueldade de que temos dificuldade em encontrar precedentes, impondo na população um clima de terror através de purgas, limpezas étnicas e perseguição e extermínio daqueles que não comungavam do seu fanatismo. Uma verdadeira teocracia, tudo era feito em nome de Deus, inclusive as execuções públicas no estádio de futebol de Cabul.
Os membros desse regime chamavam-se talibs, que quer dizer em língua pashtu, uma das duas línguas faladas no Afeganistão, estudante. Realmente o poder talibã era um poder de estudantes e universitários. Prefiro chamar-lhes talibãs, em vez de talibs, porque é a forma mais conhecida. Levaram ao extremo o controlo dos costumes, da tradição e da moral. Por exemplo:
- As mulheres tinham que andar completamente vestidas, de cara tapada com a famosa “burka”, e não podiam sair sem acompanhamento masculino da família. Não tinham acesso a serviços de saúde e hospitalares por não poderem ser tratadas por outros homens. Era-lhes proibido exercer qualquer forma de profissão, não lhes era permitido trabalhar fora do lar em que habitavam, mesmo quando ficavam viúvas e com filhos pequenos para sustentar.
- Os homens não podiam usar calções ou bermudas, mesmo que estivesse um calor de rachar, nos jogos de futebol os jogadores apresentavam-se de calças compridas. Tinham também que usar barba, o mais comprida possível.
- Nos intervalos dos jogos de futebol, no estádio de Cabul, eram comuns as execuções de prevaricadores da moral imposta. Essas execuções podiam ser a amputação de membros, a decapitação ou a morte por apedrejamento. Os casos de adultério eram o prato especial dessas ocasiões, em que os condenados, o homem e a mulher, eram colocados em dois buracos até ao nível da cintura e depois o carrasco, normalmente um talibã proeminente, atirava-lhes pedras até os corpos dos dois executados ficarem transformados numa massa sanguinolenta. Tudo isto precedido por uma prelecção sobre o Alcorão e a leitura de algumas das suas passagens, embora a maior parte dos presentes não percebesse essa leitura feita numa língua estranha.
- Durante os encontros de futebol, os espectadores mais animados, que gritassem mais alto o apoio à sua equipa, eram imediatamente chicoteados por guardas talibã que circulavam permanentemente entre as pessoas.
O termo talibã passou a ser sinónimo de fanatismo, de fundamentalismo religioso. Naturalmente que nos interrogamos sobre o aparecimento de tal fanatismo. Interrogamo-nos também porque é que esse fanatismo só aparece, aparentemente, através do islamismo. Podemos chegar à fácil conclusão de que esta é uma religião fanática. Mas será que é assim?
O Alcorão, o livro sagrado islâmico, não é diferente de outros livros sagrados. Se por um lado o Alcorão contém uns vinte e tantos trechos convocando os fiéis à “jihad” (guerra santa), o Antigo Testamento da Bíblia tem uma porção de passagens de moral extremamente cruel. Basta lembrar as instruções do Deus Javé aos que cercavam Jericó. Vejam-se os livros da Bíblia “Números”, “Deuterónimo” e “Josué”.
Muitos teólogos, bispos e pastores, tentando amenizar ou explicar essas passagens mais incómodas do Antigo Testamento, dizem que se trata de metáforas ou alegorias, que essas coisas não aconteceram de facto. Neste caso seria interessante saber quais as passagens verídicas e quem é que decide o que é verdadeiro ou simbólico.
A moral emergente destes livros sagrados, também chamados de “Sagradas Escrituras”, é uma moral sanguinária e racista, convidando às chamadas “limpezas étnicas”.
O Novo Testamento também não está livre de mácula em aspectos morais. O próprio Jesus repudia a família, instituição cara aos postulantes da trilogia Deus, Pátria, Família, lema muito usado por regimes fascistas ou fascizantes.
O que aconteceu no Afeganistão, em que o poder caiu nas mãos de um grupo de fanáticos, não poderia acontecer no Ocidente. Será assim? Desde a guerra da Bósnia que passei a acreditar que tudo é possível. Os americanos bombardearam o Afeganistão, não porque quisessem acabar com o regime talibã, mas porque este recebia apoio financeiro de Bin Laden, o presumível mentor do ataque às torres gémeas de N. York e porque, pela primeira vez na História, o terrorismo estava a apoiar um regime, em vez deste apoiar aquele.
Mas no Ocidente o fanatismo também vai tendo as suas áreas privilegiadas, tem progredido de forma assustadora, na razão directa da disseminação das igrejas evangélicas.
Na Inglaterra, que é quase uma teocracia, encalhada entre os regimes laicos ocidentais, dado que a rainha ou o rei é, ao mesmo tempo, o chefe do Estado e o chefe da Igreja Anglicana, têm se passado coisas que julgávamos abolidas definitivamente.
Numa época em que já ninguém duvida e a ciência o tem demonstrado à exaustão, que a Terra tem uns largos milhões de anos de idade e que o ser humano tem sido sujeito às mesmas regras de evolução que toda a restante natureza, há escolas importantes que tiveram o apoio do Primeiro-Ministro Blair, além da doação de milhões de libras, onde os professores são obrigados a contrariar tudo quanto diga respeito à evolução e a ensinar o criacionismo, tal como está na Bíblia. Assim, os alunos aprendem que a Terra tem cerca de 10 mil anos de idade e que o ser humano foi criado por Deus em pessoa. Gente formada nas melhores universidades é obrigada a ensinar estas coisas, sob pena de perder o emprego.
Nos EUA a situação não é melhor. Tem havido autênticas batalhas jurídicas entre grupos que querem impor o criacionismo nas escolas e aqueles que defendem que o que deve ser ensinado são as leis da evolução. Em algumas regiões, alguém que não seja membro de uma religião qualquer, é considerado um pária, é colocado à margem da sociedade e nem sequer um emprego decente consegue arranjar.
O Sr. Bush telefona todas as segundas-feiras para o pastor Ted Haggard, que é o presidente da Associação Nacional de Igrejas Evangélicas. Não sei que tipo de conselhos dá a Bush, mas o pastor Ted, falando em nome de 30 milhões de adeptos, defende que o Estado americano deve evoluir para uma teocracia, onde os judeus, os homossexuais e outros segmentos da sociedade não conformes com a moral cristã, devem ser simplesmente expulsos ou eliminados (leia-se chacinados). Em escolas as crianças não cristãs sofrem a maior discriminação, sendo por vezes expulsas pelo facto de não serem crianças cristãs. Como diz um conhecido escritor anti-religioso, Richard Dawkins, não há crianças cristãs, muçulmanas ou judias. Há crianças filhas de pais cristãos, muçulmanos e judeus. Só que não é dada a essas crianças a liberdade de decidirem que crença querem seguir, ou se querem seguir alguma crença.
Todas as religiões se dizem moderadas, que não impõem nenhuma forma de fanatismo, que este acontece apenas em grupos mais fundamentalistas das religiões. Puro engano. O fanatismo nasce dentro das religiões, os seus livros sagrados, levados à letra, motivam o crescimento do fanatismo.
Portanto, os talibãs estarão sempre onde o poder religioso superar o poder laico do Estado, seja entre muçulmanos, judeus ou cristãos. Não é por acaso que na altura em que a Igreja Católica tinha toda a preponderância sobre os Estados europeus e suas colónias, que a Inquisição mais floresceu e realizou a sua tarefa macabra.
Termino com uma pequena prece: “Livre-nos Deus de todas as religiões, que nelas reside o verdadeiro mal”.
terça-feira, 20 de novembro de 2007
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
O Santo Graal e os Templários
Quando se fala do Graal, ou no Santo Graal na tradição cristã, entramos naturalmente no campo do misticismo, do esoterismo e até no campo religioso. Isto não é de estranhar porque, ao falarmos do Graal estamos no universo do mistério, portanto, algo inerente àqueles campos. O mistério é a força vital do misticismo, do esoterismo e da religião.
Por constituir, ainda hoje, um verdadeiro mistério, o Graal tem sido objecto, ao longo dos séculos, de inúmeras explicações e interpretações, cada uma assumindo-se como a verdadeira. Com algumas variantes, a lenda conta-nos que o Graal teria sido trazido para a Europa por José de Arimateia, que o teria escondido algures na Bretanha. Seria uma taça usada na Última Ceia de Jesus com os seus discípulos em que teriam sido recolhidas gotas do sangue de Cristo expiando na cruz. Por esta razão, trata-se de um objecto especialmente sagrado e possuidor de poderes mágicos.
Esta é uma lenda tão verdadeira e tão falsa como a lenda de Santiago de Compostela, cujo símbolo, a vieira, é também uma representação do Graal. Segundo esta lenda o Apóstolo Santiago andou na Península Ibérica a converter os gentios, e daí a existência do famoso Caminho de Santiago. Ora Santiago nunca saiu da Palestina e foi morto em Jerusalém por decapitação. Da mesma forma, José de Arimateia não deve ter ido para a Europa nem escondido o Graal algures na Bretanha. Estas duas lendas foram criadas com objectivos precisos, como mais adiante veremos.
Uma outra lenda, largamente difundida actualmente através de uma obra de ficção intitulada “O Código Da Vinci”, refere também essa personagem enigmática chamada José de Arimateia e conta-nos que, após a crucificação de Jesus, ele, José de Arimateia, acompanhado de um pequeno grupo de que faziam parte 3 Marias, Maria mãe de Jesus, Maria Madalena e Maria de Betânia (possível irmã de Lázaro), teriam fugido de Jerusalém numa pequena embarcação, navegando um pouco à deriva pelo Mediterrâneo e aportado a uma pequena aldeia de palafitas no sul da actual França. Neste caso o Graal já não seria uma taça, mas o próprio ventre de Maria Madalena, que estaria grávida de Jesus. Assim, a palavra Graal seria uma corruptela do francês “Sangréal”, o que me parece forçado demais. Sangue real (de realeza) significaria a hereditariedade da criança que crescia no ventre de Maria Madalena, sangue de Jesus, cuja ascendência é atribuída à casa de David. Esta criança terá nascido algures no leste da França e dado origem a uma dinastia real ou dinastia sagrada, a dinastia Merovíngia.
Esta será uma lenda verdadeira ou falsa? Terá sido criada também com um objectivo específico? É facto que na costa europeia do Mediterrâneo existem muitas igrejas e capelas dedicadas a Maria Madalena. Este facto parece querer confirmar a lenda, mas na verdade não prova nada. O culto a Maria Madalena pode ter outra origem, como por exemplo, no culto de Ísis, deusa egípcia particularmente reverenciada na bacia mediterrânica. Neste caso a Igreja, em vez de erradicar o culto a uma deusa pagã, substituiu-o pelo de Maria Madalena. Por outro lado, testes feitos com DNA retirado de túmulos merovíngios não mostraram nenhuma ligação com habitantes da Palestina. A leitura do livro “O Código Da Vinci” pode ser empolgante, mas não passa de uma ficção baseada numa história inventada no século XX.
Uma outra lenda refere que os Cátaros, de alguma maneira, terão se apossado da taça misteriosa, e daí a cruzada contra eles teria como finalidade, além da supressão da heresia, a retomada pela Igreja do Santo Graal. A cruzada foi particularmente violenta, acabando com a conquista do castelo de Monteségur, último refúgio dos cátaros, e todos os resistentes foram queimados vivos em frente do castelo. A heresia foi, aparentemente, dominada mas, parece que alguns cátaros conseguiram fugir levando a preciosa taça.
Outras lendas acerca da natureza do Graal têm sido postas a circular ao longo dos séculos:
• Que seria a esmeralda que Lúcifer usava na fronte (terceiro olho) antes da queda. Ao cair para mundos inferiores a pedra de esmeralda ter-se-á partido em três partes, uma das quais permaneceu na testa de Lúcifer, dando-lhe uma visão deformada das coisas, outra foi trazida à Terra pelos anjos bons e aqui permaneceu, sendo guardada por quem a merece.
• Que seria um livro misterioso com as palavras secretas que Jesus terá ditado a José de Arimateia. Estas palavras só poderão ser lidas e entendidas por quem estiver nas graças de Deus.
Da mesma maneira que o culto a Maria Madalena teve uma origem provável no culto de Ísis, a grande deusa egípcia, também o mistério do Graal é bem mais antigo que o cristianismo. A origem do Graal é celta, pertence à tradição celta, foi apenas cristianizada mais de mil anos após a presumível existência de Jesus. Para os celtas, o Graal era o caldeirão onde os druidas cozinhavam as suas poções mágicas, que davam força e destemor aos guerreiros, beleza às mulheres e uma longa e saudável vida a quem a tomasse regularmente. Como é que o Graal se transformou num símbolo cristão?
Na sua tremenda expansão por toda a Europa o cristianismo operou de duas maneiras:
1. Eliminou as tradições que conseguiu eliminar, muitas vezes à custa de autênticos genocídios, em que nem as mulheres e as crianças eram poupadas, considerando-as pagãs e convertendo os sobreviventes ao cristianismo;
2. Quando essas tradições tinham raízes muito fortes na população, ou quando esta era muito difícil de combater pelas armas, adoptou-as, dando-lhes novas roupagens e caracterizando-as com uma feição cristã. O culto de Madalena em substituição do de Ísis ou outras Virgens Negras, um pouco por toda a Europa, mas especialmente na costa mediterrânica, é exemplo dessa adopção.
Uma das coisas curiosas que acontecem com o nome de Portugal é a sua relação com o Graal. Sabe-se que tribos celtas terão chegado em determinada altura a Portugal, vindas do centro da Europa. Os Lusitanos eram tribos de origem celta, os seus cultos eram caracteristicamente celtas. Existem em Portugal numerosos monumentos megalíticos celtas. Só não se sabe onde estavam os celtas antes de se expandirem do centro da Europa para a Península Ibérica e chegado a Portugal, pois há vestígios de presença celta anteriores a essa grande migração. É provável que tenha havido migrações anteriores e que os celtas tenham estado em Portugal antes de se estabelecerem no centro da Europa.
Historicamente a origem do nome de Portugal tem a ver com o condado Portucalense, que foi a sua génese e cujo nome vem de uma povoação existente na foz do rio Douro, Portucale, hoje cidade do Porto. Mas existem documentos antigos do tempo do 1º rei português, D. Afonso Henriques, em que aparece escrito Portograal, significando porta do Graal ou porto do Graal.
Estranho? Não tanto assim, se pensarmos que a fundação de Portugal, em pleno século 12, é coincidente com a tremenda expansão que a lenda do Graal conheceu em toda a Europa. A fundação de Portugal é também coincidente com a fundação de uma Ordem de Cavalaria que dominou toda a Europa durante, pelo menos, dois séculos, a Ordem do Templo. É pela mão dos templários que a lenda do Graal é ressuscitada do fundo dos tempos.
Assumindo-se como Cavaleiros do Graal, os Templários promoveram a criação da lenda do Rei Artur, dos Cavaleiros da Távola Redonda, e de vários romances de Cavalaria sobre a demanda do Graal, cujos autores mais famosos foram Chrétien de Troyes, que publicou o seu “Conte du Graal” em 1190, Robert de Boron, que escreveu “L’Estoire du Graal” entre 1200 e 1210, e Wolframs-Esehenbach, que escreveu a história de Parcifal baseado nos autores anteriores.
Tratou-se, na verdade, da primeira grande campanha de “marketing” registada na História. Ao mesmo tempo que impunham o seu poder temporal por toda a Europa, os Templários rodearam-se de uma aura mística e misteriosa com a difusão das lendas referentes ao Graal.
Como é que tudo aconteceu?
Como é sabido, a Ordem do Templo foi fundada em Jerusalém, em 1118, por alguns Cavaleiros que integraram a 1ª Cruzada e que eram originários do centro da Europa. Esses Cavaleiros eram 9, um número de grande significado simbólico, e estiveram em Jerusalém durante 9 anos, sem admitirem mais ninguém nas suas fileiras. O objectivo da fundação da Ordem do Templo, cujo primeiro nome era Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, era o de protecção aos peregrinos que demandavam a Terra Santa.
Aqui começa o primeiro dos mistérios que rodeiam os Templários. Claro que durante esses 9 anos em que não admitiram mais ninguém, esses 9 Cavaleiros não tinham a menor condição de proteger os peregrinos.
Mas proteger de quê? Dos assaltos durante a longa viagem até à Palestina? Dos árabes ou, como se dizia na altura, dos infiéis?
Antes da tomada de Jerusalém pelos cruzados os peregrinos tinham trânsito livre, ninguém os importunava. Depois da conquista da Cidade Santa pelos cruzados, que fizeram dessa conquista um verdadeiro genocídio, pois mataram todo o ser vivente que havia dentro das muralhas da cidade, incluindo árabes, judeus e… pasme-se, cristãos, que ali viviam tranquilos. A carnificina foi de tal ordem que ninguém foi poupado, velhos, mulheres e crianças.
Evidentemente que depois desta carnificina feita em nome do Deus cristão, os peregrinos não estavam seguros. Mas não eram 9 Cavaleiros que os iam proteger, como é evidente.
Durante esses 9 anos os Cavaleiros do Templo terão ficado instalados numa parte do antigo templo de Salomão, daí o nome de Ordem do Templo e Templários, parte essa contígua às antigas cavalariças do templo.
De repente, em 1127, os Templários aparecem na Europa e transformam-se rapidamente na Ordem mais poderosa e temida de toda a cristandade, temida tanto por monarcas como pelo próprio Papa.
Ao mesmo tempo em que se expandem por toda a Europa, constituindo-se em poder dentro dos vários poderes, uma vez que não guardavam obediência a nenhum monarca, mas apenas ao Papa o que, na prática quer dizer que não obedeciam a ninguém, apenas à própria hierarquia.
Esta hierarquia constituía também uma organização muito semelhante a uma multinacional actual: os Templários de cada país tinham o seu próprio Grão-mestre, o qual estava subordinado ao Grão-mestre da Ordem, sedeado em Jerusalém.
Este é o segundo mistério referente aos Templários: como é que conseguiram tal poder tão rapidamente, ainda por cima com a bênção do Papa e o apoio dos vários monarcas, que se prodigalizaram em doar à Ordem do Templo grandes extensões de terras e outras benfeitorias?
Ao mesmo tempo em que acontece esta expansão, ressurgem das cinzas as velhas lendas relativas ao Graal, como a saga arturiana e os romances de Cavalaria, trabalhos claramente encomendados para cimentar a posição da Ordem do Templo e rodeá-la de uma aura mística de virtudes.
Tudo acontece praticamente em simultâneo: o estabelecimento dos Templários na Europa, a sua rápida expansão, o ressurgimento das lendas do Graal adaptadas ao cristianismo, e a fundação do reino de Portugal, que alguém já afirmou ter sido fundado como um país templário.
As lendas do Graal estão também rodeadas de profundo mistério. No caso da saga arturiana fala-se na Bretanha e atribui-se a sua localização ao sul ou sudoeste da actual Inglaterra. Mas a Bretanha era, e é, também, uma região no noroeste da França. Portanto, o reino mítico de Avalon estar localizado na Inglaterra ou na França.
Quanto à figura do rei Artur, não se sabe se existiu de facto. A lenda arturiana refere-se a acontecimentos passados cerca de 500 anos antes de terem sido escritos. É o mesmo que alguém hoje escrever sobre o achamento do Brasil baseado apenas em relatos orais, sem ter acesso a qualquer documento ou à carta de Pêro Vaz de Caminha.
Pelo que os historiadores conseguiram apurar até agora, é provável que tenha existido na Bretanha alguém chamado Artur, aliás um nome vulgar na região. Tratar-se-ia de um reizinho local ou um chefe de tribo, mas a sua história e a dos Cavaleiros da Távola Redonda é claramente inventada com o propósito de fornecer aos Templários a aura mística de que necessitavam.
Embora as lendas do Graal na saga arturiana estejam recheadas de elementos mágicos, demonstrando claramente a sua origem celta, basta referir a Dama do Lago, Merlin o mago, Excalibur a espada mágica, integram também elementos cristãos, num claro compromisso dos Templários com a Igreja. No entanto, está ainda longe o tempo das perseguições das bruxas e dos magos efectuadas pela Santa Inquisição. O tempo é de magia, de reconstrução da Terra Devastada, da demanda da pureza e das virtudes cavaleirescas oferecidas pelo Graal.
O tema da Terra Devastada expresso nos romances de demanda do Graal, prende-se com a situação que se vivia na Europa naquele tempo. Ultrapassado o primeiro milénio depois de Cristo, carregado das sombras negras das profecias de fim do mundo, de todas as desgraças e do julgamento final, a Europa vivia num autêntico caos de lutas permanentes, dominado pelo poder absoluto de Roma. Terra devastada pode significar dissolução de costumes, ausência de valores morais ou mesmo a injustiça de uma sociedade compartimentada entre nobres ociosos, padres viciosos e uma população miserável e escravizada. Esta população era constituída maioritariamente por camponeses que trabalhavam a terra para os seus senhores. Não possuíam a terra, não eram escravos, pois não podiam ser vendidos, mas viviam numa servidão absoluta ligada à terra de onde não poderiam nunca sair. Se a terra fosse vendida, esses servos acompanhavam a terra para os novos senhores. A sua situação miserável e de servidão era imutável.
Apesar da quase totalidade da população estar agregada à terra, a agricultura era incipiente na maioria dos Estados. Os nobres e senhores das terras passavam o tempo quase exclusivamente a guerrearem-se mutuamente, a combater uns com os outros, conquistando terras e castelos e fazendo variar as fronteiras indefinidamente. A fome e a doença grassavam por todo o lado.
A moral era baixa ou, em muitos casos não havia sequer regras morais, excepto aquelas impostas pela Igreja Católica que, no meio de toda aquela confusão estava mais interessada em firmar o seu poder absoluto em vez de se preocupar com a moral reinante. Salvo raras excepções, os membros do Clero não primavam também por um comportamento moral que fosse um reflexo de bons costumes para a sociedade.
O sistema social em vigor na Idade Média contribuía fortemente para esta situação. Os camponeses, chamados em algumas regiões “moços da gleba”, não tinham nenhuns direitos, a própria vida dependia da vontade e, muitas vezes, do humor dos seus senhores. Não tinham direito a qualquer propriedade e o que conseguiam produzir da terra lhes era retirado quase na totalidade pelo dono da terra. Não tinham direito a manter a sua família dentro de padrões morais, as suas filhas serviam muitas vezes de concubinas satisfazendo os apetites sexuais dos nobres e dos filhos dos nobres desocupados, que as largavam depois para casarem com um camponês qualquer e continuar a sua vida de miséria. Não havia a menor possibilidade de um camponês ascender na escala social, atingir um estatuto de nobreza ou ser um religioso. Estas situações estavam reservadas à classe nobre.
Quer dizer, havia apenas três classes sociais: a Nobreza, o Clero e o Povo. O povo nunca poderia deixar de ser povo, nascia povo, vivia povo e morria povo, muitas vezes morria a defender as terras do seu senhor ou a ajudar o seu senhor a atacar as terras de outros.
Na Nobreza as coisas também não eram fáceis. O único que tinha direito a herdar o título, a fortuna e as propriedades era o filho varão mais velho que estivesse vivo na hora da morte do seu progenitor. Todos os outros filhos e filhas não tinham direito a nada. Os filhos varões tinham três opções de vida: ou ficavam a viver à conta do irmão mais velho, que seria o conde, o duque ou o marquês; ou colocavam-se ao serviço como cavaleiros de um senhor qualquer e passavam a vida a pelejar; ou entravam para um seminário ou um mosteiro e tornavam-se religiosos. Muitos tornavam-se cavaleiros andarilhos oferecendo os seus serviços aqui e ali, até um dia serem mortos numa refrega qualquer. Esta situação está magistralmente relatada na obra “D. Quixote de la Mancha” de Cervantes. O tolo do D. Quixote procura desesperadamente um motivo que justifique a sua existência e a sua condição de cavaleiro andarilho. Dulcineia, a dama por quem se mete em todas as aventuras é a sua anima, o seu lado feminino que procura compensar a brutalidade da sua profissão de cavaleiro. Em outras palavras é o seu Graal pessoal, que procura alcançar, sujeitando-se às cenas e atitudes mais ridículas.
As filhas da Nobreza tinham um destino complicado: ou a família as conseguia casar com algum senhor de bens, normalmente um casamento negociado, ou seguiam o caminho religioso entrando para um convento, onde seguiriam o percurso normal de noviça a freira.
Era assim a Terra Devastada na Idade Média. Wolframs-Esehenbach refere-se a ela na sua obra “Parcifal”, baseada em duas obras anteriores, como já vimos. Foi nesta Terra Devastada que o Papa Urbano II clamou pela defesa dos peregrinos na Terra Santa e mandou organizar a 1ª Cruzada, que reuniu qualquer coisa como 600 mil combatentes, entre cavaleiros, peões, mendigos, salteadores, juntando muitos cavaleiros de renome mas também muito da escumalha que abundava na Europa de então. O sucesso desta 1ª Cruzada deveu-se à promessa do Papa de que quem permanecesse fiel à cruzada teria todos os pecados perdoados e um lugar no céu à sua espera. Quantos mais infiéis matasse mais fácil seria a sua entrada no paraíso. Acabou por conquistar Jerusalém, mas à custa de um dos mais horríveis e odiosos feitos do cristianismo. Com muito suor, muitas lutas e sofrendo os horrores da peste, os cruzados foram sendo dizimados, mortos nos numerosos combates e por doença. Dos 600.000 que tinham partido, apenas uns 15.000 chegaram às muralhas de Jerusalém.
Mesmo assim, em número reduzido, conseguiram tomar a cidade, fazendo dessa conquista um verdadeiro banho de sangue. Tanto os resistentes como a população desarmada foram mortos. Os cruzados não pouparam ninguém, muçulmanos, judeus, e até cristãos. Não pouparam nem velhos, nem mulheres nem crianças. Excepto os judeus, que foram queimados vivos, todos os outros foram passados ao fio de espada. Tudo isto feito em nome de Deus ou de Jesus Cristo.
Além da carnificina da conquista de Jerusalém, a 1ª Cruzada conseguiu ainda outro feito espantoso: destruir a civilização mais evoluída da época.
É nesta 1ª Cruzada que chegam à Palestina os cavaleiros que virão a fundar a Ordem do Templo. A sua estadia de 9 anos, o seu regresso à Europa e expansão meteórica podem ter algumas explicações:
1. Terão encontrado documentos antigos contradizendo a história oficial do cristianismo e sua origem, o que lhes terá dado um poder tremendo, fazendo tremer os alicerces da Igreja e assim, o apoio do Papa, na condição de manterem sigilo absoluto sobre o teor desses documentos. É uma hipótese provável, pois sabe-se que nas correntes mais internas templárias se assumia que o verdadeiro Messias era João Baptista, e não Jesus. Muitos templários eram conhecidos como tendo aderido à seita dos joanitas, os seguidores de João Baptista. Leonardo da Vinci devia saber disto e, por essa razão, representou sempre Jesus em situação inferior à de João Baptista, como no famoso quadro da “Madona do Rochedo” ou “Virgem do Rochedo”.
2. Terão estado em contacto com escolas e mestres sufis do Islamismo, o que lhes conferiu um saber superior a tudo quanto era conhecido na Europa.
3. Nos contactos com o Islamismo terão conhecido o “Velho da Montanha”, Hassan-i-Sabbah, o chefe dos “assassinos”, cujo nome provém do haxixe, que eles fumavam, drogando-se, antes de cometerem as suas missões fatídicas. Com os “assassinos” terão aprendido a arte de forçar decisões através do medo. Para se ter uma noção do tenebroso poder dos “assassinos” e da sua arte de se infiltrarem no território inimigo, basta lembrar Saladino, o grande estratega muçulmano que conseguiu unir os árabes contra os cruzados e retomar Jerusalém. Ninguém conseguia chegar perto de Saladino, a sua guarda impedia de forma feroz qualquer tentativa de aproximação. Saladino e o “Velho da Montanha” (Alamute) eram inimigos declarados. Na primeira vez que Saladino cercou a fortaleza de Alepo, aliada dos “assassinos”, foi surpreendido durante o sono por um “assassino”. Conseguiu defender-se por ter acordado a tempo de evitar a punhalada fatal. Ficou apenas com um ligeiro ferimento na face, mas o episódio atemorizou o próprio Saladino, que resolveu levantar o cerco e retirar. Na segunda vez que tentou o cerco a Alepo, já mais seguro e com a sua guarda bem instruída para evitar qualquer tentativa de infiltração, acordou a meio da noite olhando aterrorizado para um bilhete espetado na sua mesa-de-cabeceira por um punhal. O bilhete era dos “assassinos” recomendando-lhe para levantar o cerco e ir embora porque, de uma próxima vez o punhal teria outro destino. Aterrorizado, Saladino levantou o cerco e foi embora.
Chegámos agora à parte final da nossa pequena palestra. Já vimos como os Templários se assumiram como Cavaleiros do Graal. Mas voltando à pergunta inicial, o que é o Graal afinal?
É um objecto possuidor de poderes miraculosos?
É a taça da Última Ceia em que José de Arimateia recolheu as gotas do sangue de Cristo?
É uma pedra?
É um livro?
Teriam os Templários o segredo da sua verdadeira natureza?
Os Cavaleiros que buscavam o Graal, buscavam o quê?
• O tal objecto?
• O Paraíso Terrestre ou o Jardim das Hespérides?
• O Shangrila?
• O Nirvana?
• A Paz Profunda dos rosacruzes?
Para mim, O Graal ou o Santo Graal, como lhe queiram chamar, está no coração de cada um de nós, pois é aí que o devemos buscar.
O Graal é a mestria que cada um de nós poderá atingir um dia.
Por constituir, ainda hoje, um verdadeiro mistério, o Graal tem sido objecto, ao longo dos séculos, de inúmeras explicações e interpretações, cada uma assumindo-se como a verdadeira. Com algumas variantes, a lenda conta-nos que o Graal teria sido trazido para a Europa por José de Arimateia, que o teria escondido algures na Bretanha. Seria uma taça usada na Última Ceia de Jesus com os seus discípulos em que teriam sido recolhidas gotas do sangue de Cristo expiando na cruz. Por esta razão, trata-se de um objecto especialmente sagrado e possuidor de poderes mágicos.
Esta é uma lenda tão verdadeira e tão falsa como a lenda de Santiago de Compostela, cujo símbolo, a vieira, é também uma representação do Graal. Segundo esta lenda o Apóstolo Santiago andou na Península Ibérica a converter os gentios, e daí a existência do famoso Caminho de Santiago. Ora Santiago nunca saiu da Palestina e foi morto em Jerusalém por decapitação. Da mesma forma, José de Arimateia não deve ter ido para a Europa nem escondido o Graal algures na Bretanha. Estas duas lendas foram criadas com objectivos precisos, como mais adiante veremos.
Uma outra lenda, largamente difundida actualmente através de uma obra de ficção intitulada “O Código Da Vinci”, refere também essa personagem enigmática chamada José de Arimateia e conta-nos que, após a crucificação de Jesus, ele, José de Arimateia, acompanhado de um pequeno grupo de que faziam parte 3 Marias, Maria mãe de Jesus, Maria Madalena e Maria de Betânia (possível irmã de Lázaro), teriam fugido de Jerusalém numa pequena embarcação, navegando um pouco à deriva pelo Mediterrâneo e aportado a uma pequena aldeia de palafitas no sul da actual França. Neste caso o Graal já não seria uma taça, mas o próprio ventre de Maria Madalena, que estaria grávida de Jesus. Assim, a palavra Graal seria uma corruptela do francês “Sangréal”, o que me parece forçado demais. Sangue real (de realeza) significaria a hereditariedade da criança que crescia no ventre de Maria Madalena, sangue de Jesus, cuja ascendência é atribuída à casa de David. Esta criança terá nascido algures no leste da França e dado origem a uma dinastia real ou dinastia sagrada, a dinastia Merovíngia.
Esta será uma lenda verdadeira ou falsa? Terá sido criada também com um objectivo específico? É facto que na costa europeia do Mediterrâneo existem muitas igrejas e capelas dedicadas a Maria Madalena. Este facto parece querer confirmar a lenda, mas na verdade não prova nada. O culto a Maria Madalena pode ter outra origem, como por exemplo, no culto de Ísis, deusa egípcia particularmente reverenciada na bacia mediterrânica. Neste caso a Igreja, em vez de erradicar o culto a uma deusa pagã, substituiu-o pelo de Maria Madalena. Por outro lado, testes feitos com DNA retirado de túmulos merovíngios não mostraram nenhuma ligação com habitantes da Palestina. A leitura do livro “O Código Da Vinci” pode ser empolgante, mas não passa de uma ficção baseada numa história inventada no século XX.
Uma outra lenda refere que os Cátaros, de alguma maneira, terão se apossado da taça misteriosa, e daí a cruzada contra eles teria como finalidade, além da supressão da heresia, a retomada pela Igreja do Santo Graal. A cruzada foi particularmente violenta, acabando com a conquista do castelo de Monteségur, último refúgio dos cátaros, e todos os resistentes foram queimados vivos em frente do castelo. A heresia foi, aparentemente, dominada mas, parece que alguns cátaros conseguiram fugir levando a preciosa taça.
Outras lendas acerca da natureza do Graal têm sido postas a circular ao longo dos séculos:
• Que seria a esmeralda que Lúcifer usava na fronte (terceiro olho) antes da queda. Ao cair para mundos inferiores a pedra de esmeralda ter-se-á partido em três partes, uma das quais permaneceu na testa de Lúcifer, dando-lhe uma visão deformada das coisas, outra foi trazida à Terra pelos anjos bons e aqui permaneceu, sendo guardada por quem a merece.
• Que seria um livro misterioso com as palavras secretas que Jesus terá ditado a José de Arimateia. Estas palavras só poderão ser lidas e entendidas por quem estiver nas graças de Deus.
Da mesma maneira que o culto a Maria Madalena teve uma origem provável no culto de Ísis, a grande deusa egípcia, também o mistério do Graal é bem mais antigo que o cristianismo. A origem do Graal é celta, pertence à tradição celta, foi apenas cristianizada mais de mil anos após a presumível existência de Jesus. Para os celtas, o Graal era o caldeirão onde os druidas cozinhavam as suas poções mágicas, que davam força e destemor aos guerreiros, beleza às mulheres e uma longa e saudável vida a quem a tomasse regularmente. Como é que o Graal se transformou num símbolo cristão?
Na sua tremenda expansão por toda a Europa o cristianismo operou de duas maneiras:
1. Eliminou as tradições que conseguiu eliminar, muitas vezes à custa de autênticos genocídios, em que nem as mulheres e as crianças eram poupadas, considerando-as pagãs e convertendo os sobreviventes ao cristianismo;
2. Quando essas tradições tinham raízes muito fortes na população, ou quando esta era muito difícil de combater pelas armas, adoptou-as, dando-lhes novas roupagens e caracterizando-as com uma feição cristã. O culto de Madalena em substituição do de Ísis ou outras Virgens Negras, um pouco por toda a Europa, mas especialmente na costa mediterrânica, é exemplo dessa adopção.
Uma das coisas curiosas que acontecem com o nome de Portugal é a sua relação com o Graal. Sabe-se que tribos celtas terão chegado em determinada altura a Portugal, vindas do centro da Europa. Os Lusitanos eram tribos de origem celta, os seus cultos eram caracteristicamente celtas. Existem em Portugal numerosos monumentos megalíticos celtas. Só não se sabe onde estavam os celtas antes de se expandirem do centro da Europa para a Península Ibérica e chegado a Portugal, pois há vestígios de presença celta anteriores a essa grande migração. É provável que tenha havido migrações anteriores e que os celtas tenham estado em Portugal antes de se estabelecerem no centro da Europa.
Historicamente a origem do nome de Portugal tem a ver com o condado Portucalense, que foi a sua génese e cujo nome vem de uma povoação existente na foz do rio Douro, Portucale, hoje cidade do Porto. Mas existem documentos antigos do tempo do 1º rei português, D. Afonso Henriques, em que aparece escrito Portograal, significando porta do Graal ou porto do Graal.
Estranho? Não tanto assim, se pensarmos que a fundação de Portugal, em pleno século 12, é coincidente com a tremenda expansão que a lenda do Graal conheceu em toda a Europa. A fundação de Portugal é também coincidente com a fundação de uma Ordem de Cavalaria que dominou toda a Europa durante, pelo menos, dois séculos, a Ordem do Templo. É pela mão dos templários que a lenda do Graal é ressuscitada do fundo dos tempos.
Assumindo-se como Cavaleiros do Graal, os Templários promoveram a criação da lenda do Rei Artur, dos Cavaleiros da Távola Redonda, e de vários romances de Cavalaria sobre a demanda do Graal, cujos autores mais famosos foram Chrétien de Troyes, que publicou o seu “Conte du Graal” em 1190, Robert de Boron, que escreveu “L’Estoire du Graal” entre 1200 e 1210, e Wolframs-Esehenbach, que escreveu a história de Parcifal baseado nos autores anteriores.
Tratou-se, na verdade, da primeira grande campanha de “marketing” registada na História. Ao mesmo tempo que impunham o seu poder temporal por toda a Europa, os Templários rodearam-se de uma aura mística e misteriosa com a difusão das lendas referentes ao Graal.
Como é que tudo aconteceu?
Como é sabido, a Ordem do Templo foi fundada em Jerusalém, em 1118, por alguns Cavaleiros que integraram a 1ª Cruzada e que eram originários do centro da Europa. Esses Cavaleiros eram 9, um número de grande significado simbólico, e estiveram em Jerusalém durante 9 anos, sem admitirem mais ninguém nas suas fileiras. O objectivo da fundação da Ordem do Templo, cujo primeiro nome era Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, era o de protecção aos peregrinos que demandavam a Terra Santa.
Aqui começa o primeiro dos mistérios que rodeiam os Templários. Claro que durante esses 9 anos em que não admitiram mais ninguém, esses 9 Cavaleiros não tinham a menor condição de proteger os peregrinos.
Mas proteger de quê? Dos assaltos durante a longa viagem até à Palestina? Dos árabes ou, como se dizia na altura, dos infiéis?
Antes da tomada de Jerusalém pelos cruzados os peregrinos tinham trânsito livre, ninguém os importunava. Depois da conquista da Cidade Santa pelos cruzados, que fizeram dessa conquista um verdadeiro genocídio, pois mataram todo o ser vivente que havia dentro das muralhas da cidade, incluindo árabes, judeus e… pasme-se, cristãos, que ali viviam tranquilos. A carnificina foi de tal ordem que ninguém foi poupado, velhos, mulheres e crianças.
Evidentemente que depois desta carnificina feita em nome do Deus cristão, os peregrinos não estavam seguros. Mas não eram 9 Cavaleiros que os iam proteger, como é evidente.
Durante esses 9 anos os Cavaleiros do Templo terão ficado instalados numa parte do antigo templo de Salomão, daí o nome de Ordem do Templo e Templários, parte essa contígua às antigas cavalariças do templo.
De repente, em 1127, os Templários aparecem na Europa e transformam-se rapidamente na Ordem mais poderosa e temida de toda a cristandade, temida tanto por monarcas como pelo próprio Papa.
Ao mesmo tempo em que se expandem por toda a Europa, constituindo-se em poder dentro dos vários poderes, uma vez que não guardavam obediência a nenhum monarca, mas apenas ao Papa o que, na prática quer dizer que não obedeciam a ninguém, apenas à própria hierarquia.
Esta hierarquia constituía também uma organização muito semelhante a uma multinacional actual: os Templários de cada país tinham o seu próprio Grão-mestre, o qual estava subordinado ao Grão-mestre da Ordem, sedeado em Jerusalém.
Este é o segundo mistério referente aos Templários: como é que conseguiram tal poder tão rapidamente, ainda por cima com a bênção do Papa e o apoio dos vários monarcas, que se prodigalizaram em doar à Ordem do Templo grandes extensões de terras e outras benfeitorias?
Ao mesmo tempo em que acontece esta expansão, ressurgem das cinzas as velhas lendas relativas ao Graal, como a saga arturiana e os romances de Cavalaria, trabalhos claramente encomendados para cimentar a posição da Ordem do Templo e rodeá-la de uma aura mística de virtudes.
Tudo acontece praticamente em simultâneo: o estabelecimento dos Templários na Europa, a sua rápida expansão, o ressurgimento das lendas do Graal adaptadas ao cristianismo, e a fundação do reino de Portugal, que alguém já afirmou ter sido fundado como um país templário.
As lendas do Graal estão também rodeadas de profundo mistério. No caso da saga arturiana fala-se na Bretanha e atribui-se a sua localização ao sul ou sudoeste da actual Inglaterra. Mas a Bretanha era, e é, também, uma região no noroeste da França. Portanto, o reino mítico de Avalon estar localizado na Inglaterra ou na França.
Quanto à figura do rei Artur, não se sabe se existiu de facto. A lenda arturiana refere-se a acontecimentos passados cerca de 500 anos antes de terem sido escritos. É o mesmo que alguém hoje escrever sobre o achamento do Brasil baseado apenas em relatos orais, sem ter acesso a qualquer documento ou à carta de Pêro Vaz de Caminha.
Pelo que os historiadores conseguiram apurar até agora, é provável que tenha existido na Bretanha alguém chamado Artur, aliás um nome vulgar na região. Tratar-se-ia de um reizinho local ou um chefe de tribo, mas a sua história e a dos Cavaleiros da Távola Redonda é claramente inventada com o propósito de fornecer aos Templários a aura mística de que necessitavam.
Embora as lendas do Graal na saga arturiana estejam recheadas de elementos mágicos, demonstrando claramente a sua origem celta, basta referir a Dama do Lago, Merlin o mago, Excalibur a espada mágica, integram também elementos cristãos, num claro compromisso dos Templários com a Igreja. No entanto, está ainda longe o tempo das perseguições das bruxas e dos magos efectuadas pela Santa Inquisição. O tempo é de magia, de reconstrução da Terra Devastada, da demanda da pureza e das virtudes cavaleirescas oferecidas pelo Graal.
O tema da Terra Devastada expresso nos romances de demanda do Graal, prende-se com a situação que se vivia na Europa naquele tempo. Ultrapassado o primeiro milénio depois de Cristo, carregado das sombras negras das profecias de fim do mundo, de todas as desgraças e do julgamento final, a Europa vivia num autêntico caos de lutas permanentes, dominado pelo poder absoluto de Roma. Terra devastada pode significar dissolução de costumes, ausência de valores morais ou mesmo a injustiça de uma sociedade compartimentada entre nobres ociosos, padres viciosos e uma população miserável e escravizada. Esta população era constituída maioritariamente por camponeses que trabalhavam a terra para os seus senhores. Não possuíam a terra, não eram escravos, pois não podiam ser vendidos, mas viviam numa servidão absoluta ligada à terra de onde não poderiam nunca sair. Se a terra fosse vendida, esses servos acompanhavam a terra para os novos senhores. A sua situação miserável e de servidão era imutável.
Apesar da quase totalidade da população estar agregada à terra, a agricultura era incipiente na maioria dos Estados. Os nobres e senhores das terras passavam o tempo quase exclusivamente a guerrearem-se mutuamente, a combater uns com os outros, conquistando terras e castelos e fazendo variar as fronteiras indefinidamente. A fome e a doença grassavam por todo o lado.
A moral era baixa ou, em muitos casos não havia sequer regras morais, excepto aquelas impostas pela Igreja Católica que, no meio de toda aquela confusão estava mais interessada em firmar o seu poder absoluto em vez de se preocupar com a moral reinante. Salvo raras excepções, os membros do Clero não primavam também por um comportamento moral que fosse um reflexo de bons costumes para a sociedade.
O sistema social em vigor na Idade Média contribuía fortemente para esta situação. Os camponeses, chamados em algumas regiões “moços da gleba”, não tinham nenhuns direitos, a própria vida dependia da vontade e, muitas vezes, do humor dos seus senhores. Não tinham direito a qualquer propriedade e o que conseguiam produzir da terra lhes era retirado quase na totalidade pelo dono da terra. Não tinham direito a manter a sua família dentro de padrões morais, as suas filhas serviam muitas vezes de concubinas satisfazendo os apetites sexuais dos nobres e dos filhos dos nobres desocupados, que as largavam depois para casarem com um camponês qualquer e continuar a sua vida de miséria. Não havia a menor possibilidade de um camponês ascender na escala social, atingir um estatuto de nobreza ou ser um religioso. Estas situações estavam reservadas à classe nobre.
Quer dizer, havia apenas três classes sociais: a Nobreza, o Clero e o Povo. O povo nunca poderia deixar de ser povo, nascia povo, vivia povo e morria povo, muitas vezes morria a defender as terras do seu senhor ou a ajudar o seu senhor a atacar as terras de outros.
Na Nobreza as coisas também não eram fáceis. O único que tinha direito a herdar o título, a fortuna e as propriedades era o filho varão mais velho que estivesse vivo na hora da morte do seu progenitor. Todos os outros filhos e filhas não tinham direito a nada. Os filhos varões tinham três opções de vida: ou ficavam a viver à conta do irmão mais velho, que seria o conde, o duque ou o marquês; ou colocavam-se ao serviço como cavaleiros de um senhor qualquer e passavam a vida a pelejar; ou entravam para um seminário ou um mosteiro e tornavam-se religiosos. Muitos tornavam-se cavaleiros andarilhos oferecendo os seus serviços aqui e ali, até um dia serem mortos numa refrega qualquer. Esta situação está magistralmente relatada na obra “D. Quixote de la Mancha” de Cervantes. O tolo do D. Quixote procura desesperadamente um motivo que justifique a sua existência e a sua condição de cavaleiro andarilho. Dulcineia, a dama por quem se mete em todas as aventuras é a sua anima, o seu lado feminino que procura compensar a brutalidade da sua profissão de cavaleiro. Em outras palavras é o seu Graal pessoal, que procura alcançar, sujeitando-se às cenas e atitudes mais ridículas.
As filhas da Nobreza tinham um destino complicado: ou a família as conseguia casar com algum senhor de bens, normalmente um casamento negociado, ou seguiam o caminho religioso entrando para um convento, onde seguiriam o percurso normal de noviça a freira.
Era assim a Terra Devastada na Idade Média. Wolframs-Esehenbach refere-se a ela na sua obra “Parcifal”, baseada em duas obras anteriores, como já vimos. Foi nesta Terra Devastada que o Papa Urbano II clamou pela defesa dos peregrinos na Terra Santa e mandou organizar a 1ª Cruzada, que reuniu qualquer coisa como 600 mil combatentes, entre cavaleiros, peões, mendigos, salteadores, juntando muitos cavaleiros de renome mas também muito da escumalha que abundava na Europa de então. O sucesso desta 1ª Cruzada deveu-se à promessa do Papa de que quem permanecesse fiel à cruzada teria todos os pecados perdoados e um lugar no céu à sua espera. Quantos mais infiéis matasse mais fácil seria a sua entrada no paraíso. Acabou por conquistar Jerusalém, mas à custa de um dos mais horríveis e odiosos feitos do cristianismo. Com muito suor, muitas lutas e sofrendo os horrores da peste, os cruzados foram sendo dizimados, mortos nos numerosos combates e por doença. Dos 600.000 que tinham partido, apenas uns 15.000 chegaram às muralhas de Jerusalém.
Mesmo assim, em número reduzido, conseguiram tomar a cidade, fazendo dessa conquista um verdadeiro banho de sangue. Tanto os resistentes como a população desarmada foram mortos. Os cruzados não pouparam ninguém, muçulmanos, judeus, e até cristãos. Não pouparam nem velhos, nem mulheres nem crianças. Excepto os judeus, que foram queimados vivos, todos os outros foram passados ao fio de espada. Tudo isto feito em nome de Deus ou de Jesus Cristo.
Além da carnificina da conquista de Jerusalém, a 1ª Cruzada conseguiu ainda outro feito espantoso: destruir a civilização mais evoluída da época.
É nesta 1ª Cruzada que chegam à Palestina os cavaleiros que virão a fundar a Ordem do Templo. A sua estadia de 9 anos, o seu regresso à Europa e expansão meteórica podem ter algumas explicações:
1. Terão encontrado documentos antigos contradizendo a história oficial do cristianismo e sua origem, o que lhes terá dado um poder tremendo, fazendo tremer os alicerces da Igreja e assim, o apoio do Papa, na condição de manterem sigilo absoluto sobre o teor desses documentos. É uma hipótese provável, pois sabe-se que nas correntes mais internas templárias se assumia que o verdadeiro Messias era João Baptista, e não Jesus. Muitos templários eram conhecidos como tendo aderido à seita dos joanitas, os seguidores de João Baptista. Leonardo da Vinci devia saber disto e, por essa razão, representou sempre Jesus em situação inferior à de João Baptista, como no famoso quadro da “Madona do Rochedo” ou “Virgem do Rochedo”.
2. Terão estado em contacto com escolas e mestres sufis do Islamismo, o que lhes conferiu um saber superior a tudo quanto era conhecido na Europa.
3. Nos contactos com o Islamismo terão conhecido o “Velho da Montanha”, Hassan-i-Sabbah, o chefe dos “assassinos”, cujo nome provém do haxixe, que eles fumavam, drogando-se, antes de cometerem as suas missões fatídicas. Com os “assassinos” terão aprendido a arte de forçar decisões através do medo. Para se ter uma noção do tenebroso poder dos “assassinos” e da sua arte de se infiltrarem no território inimigo, basta lembrar Saladino, o grande estratega muçulmano que conseguiu unir os árabes contra os cruzados e retomar Jerusalém. Ninguém conseguia chegar perto de Saladino, a sua guarda impedia de forma feroz qualquer tentativa de aproximação. Saladino e o “Velho da Montanha” (Alamute) eram inimigos declarados. Na primeira vez que Saladino cercou a fortaleza de Alepo, aliada dos “assassinos”, foi surpreendido durante o sono por um “assassino”. Conseguiu defender-se por ter acordado a tempo de evitar a punhalada fatal. Ficou apenas com um ligeiro ferimento na face, mas o episódio atemorizou o próprio Saladino, que resolveu levantar o cerco e retirar. Na segunda vez que tentou o cerco a Alepo, já mais seguro e com a sua guarda bem instruída para evitar qualquer tentativa de infiltração, acordou a meio da noite olhando aterrorizado para um bilhete espetado na sua mesa-de-cabeceira por um punhal. O bilhete era dos “assassinos” recomendando-lhe para levantar o cerco e ir embora porque, de uma próxima vez o punhal teria outro destino. Aterrorizado, Saladino levantou o cerco e foi embora.
Chegámos agora à parte final da nossa pequena palestra. Já vimos como os Templários se assumiram como Cavaleiros do Graal. Mas voltando à pergunta inicial, o que é o Graal afinal?
É um objecto possuidor de poderes miraculosos?
É a taça da Última Ceia em que José de Arimateia recolheu as gotas do sangue de Cristo?
É uma pedra?
É um livro?
Teriam os Templários o segredo da sua verdadeira natureza?
Os Cavaleiros que buscavam o Graal, buscavam o quê?
• O tal objecto?
• O Paraíso Terrestre ou o Jardim das Hespérides?
• O Shangrila?
• O Nirvana?
• A Paz Profunda dos rosacruzes?
Para mim, O Graal ou o Santo Graal, como lhe queiram chamar, está no coração de cada um de nós, pois é aí que o devemos buscar.
O Graal é a mestria que cada um de nós poderá atingir um dia.
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