sábado, 31 de março de 2007

Alhos e Bugalhos

DECLARAÇÃO ENDEREÇADA A CIDADÃOS NÃO FANÁTICOS
de: Brasilino Godinho
O signatário, Brasilino Godinho, viveu sob o regime de Salazar durante quatro décadas (quarenta anos, não são quatro dias). E nesse longo período não se limitou a ver passar os comboios. Ou, distraído, a olhar para o ar, alheio ao que se passava em redor.
Na qualidade de cidadão vulgar e sem vinculações de política partidária, sentiu no corpo e na alma tudo aquilo que caracterizou a natureza, os métodos e os instrumentos da orientação política do ditador, António Oliveira Salazar.
Com a autoridade que lhe advém da sua experiência de vida e do conhecimento directo, quotidiano e presencial, da ditadura salazarista, está em singulares condições de confirmar que o artigo "ALHOS E BUGALHOS", de Manuel O. Pina é:
A APRECIAÇÃO MAIS CORRECTA, MAIS LÚCIDA, MAIS SÉRIA E MAIS CONFORME À REALIDADE DO QUE FOI O REGIME DE SALAZAR, QUE APARECEU ATÉ HOJE NO SÍTIO "PORTUGALCLUB. Quem disser o contrário mente! Entendo assistir-me o dever de dar testemunho da Verdade e a obrigação ética de aqui a realçar.
Brasilino Godinho
EQUILIBRIO

Gabriel Cipriano / Rio de Janeiro

Gostaríamos ter dito o que Brasilino Godinho falou sobre o ensaio "ALHOS E BOGALHOS" de O. Pina. Sentimos, e pensamos exatamente isso.
Por entre tantos extremismos, tanta irritação, ódios e vulgaridades, alguém usou o bom senso para uma análise ampla, correta e definitiva, sobre Salazarismo e suas consequências...
Parabens ao Brasilino por sua sagaz observação, e parabens ao Pina pelo equilibrio de sua análise. São páginas destas que redimem o cascavélico.
Em nosso linguajar, "palermice," NUNCA MAIS (*)
(*) Edgar Alan Poe.


Alhos e Bugalhos
Por: Manuel O. Pina

Considerar que a recente vitória do nome de Salazar num recente concurso televisivo tenha sido uma vitória política, que algo aconteceu que vai influir politicamente no país daqui para o futuro, é confundir alhos com bugalhos. Embora alguns aqui se tenham regozijado com o desenrolar e o desfecho de tal concurso, como se de uma grande vitória eleitoral se tratasse, o que é facto é que o evento envolveu uma minoria ridícula do povo português. Essa minoria pode continuar a gritar e a votar no Salazar que, certamente, não irá mudar absolutamente nada.
Considerar que os actuais serviços de informação ou, serviços secretos (como lhes quiserem chamar) sejam uma reedição da antiga PIDE/DGS, é confundir alhos com bugalhos. Todos os países têm os seus próprios serviços de informação, uns mais secretos que outros, cuja finalidade única é a defesa da integridade do Estado. Em Estados ditatoriais, esta função ganha outros contornos, a defesa da integridade do Estado passa também a incluir a perseguição, prisão e tortura, muitas vezes a morte, de cidadãos que simplesmente não estão de acordo com a política vigente ou que se manifestam verbalmente ou por escrito contra essa política. Era assim com a PIDE/DGS, e não adianta tentarem dizer que é mentira pois, historicamente, já está mais do que comprovado. A PIDE prendeu e torturou milhares de pessoas pelo simples motivo de não estarem de acordo com o regime do Estado Novo. Pretender ignorar isto é, no mínimo, estúpido, e denota a prepotência e a intolerância das pessoas que o fazem.
Nos regimes democráticos os serviços de informação têm o seu campo de actuação perfeitamente definido e não interferem na vida regular dos cidadãos, a não ser que haja provas de que alguns desses cidadãos tenham praticado actos, venham a praticar, ou se organizem com esse fim, de tentar destruir o Estado de alguma maneira virulenta ou violenta.
Comparando o que acontecia no tempo de Salazar e o que acontece hoje, vemos claramente que há diferenças fundamentais:
No tempo de Salazar a PIDE entrava na casa de qualquer um, sem qualquer mandato judicial, e revirava tudo à procura de documentos comprometedores. Esses documentos podiam ser um simples livro, colocado no Index do Estado Novo. Hoje esta situação não só é impossível como é inimaginável.
No tempo de Salazar a PIDE prendia pessoas, sem qualquer mandato judicial, levada por denúncia ou por suspeita de pertencerem a algum partido de esquerda ou organização afim. Hoje as pessoas podem pertencer a qualquer partido, mesmo a um partido quer tenha Salazar como patrono, podem possuir vasta documentação, que não vão ser presas por isso.
No tempo de Salazar uma pessoa era presa se escrevesse e tentasse publicar qualquer texto que contrariasse a política vigente. Hoje qualquer pessoa pode escrever o que quiser, que nada acontece. Como prova está aqui o Portugalclub onde têm aparecido coisas escritas que, no tempo de Salazar dava direito a uma estadia prolongada nos calabouços da António Maria Cardoso.
No tempo de Salazar os adversários políticos eram perseguidos, presos e, em alguns casos, mortos. Foi assim com Humberto Delgado. Hoje os adversários políticos perdem ou ganham as próximas eleições, e têm ampla liberdade de expressarem as suas opiniões.
Dizer-se que hoje existem presos políticos em Portugal é despudor, é falta de vergonha, ou pior, é provocação gratuita. Ou então é um profundo desconhecimento da verdadeira realidade dos dias de hoje. Misturar críticas à inépcia deste ou de qualquer outro governo eleito democraticamente, com insinuações de polícia política, é confundir alhos com bugalhos, é não saber o que está a dizer.
Portanto, quem hoje comemora e votou em Salazar nesse famigerado concurso, deve estar de acordo com os processos da sua polícia política, deve estar de acordo em que as pessoas podem ser presas sem haver qualquer culpa formada a respeito delas, que as suas casas podem ser reviradas de alto a baixo, num profundo desprezo e falta de respeito pelos cidadãos. Deve estar de acordo que os adversários políticos devem ser sumariamente eliminados ou presos em campos de retiro como Peniche ou o Tarrafal. Devem estar de acordo em que as pessoas devem ser caladas por qualquer meio que seja necessário, que devem ser amordaçadas nas suas opiniões e, se tentarem manifestá-las, prisão com elas. Quem assim votou e comemora, deve rever-se nesse paraíso idílico que foi o Estado Novo.
Quem hoje comemora a "estrondosa" vitória de Salazar talvez não se lembre que a desgraça da descolonização, a forma como foi feita, é culpa, em última análise, do próprio Salazar. Se ele tivesse dialogado com os movimentos independentistas, se tivesse procurado alguma forma de acordo para a autodeterminação e independência dos territórios ultramarinos, e não se remetesse à sua postura autista de não dialogar com ninguém, talvez as pessoas que foram tão prejudicadas, que tiveram que abandonar tudo o que tinham, não tivessem passado por essa situação e hoje ainda pudessem permanecer nos lugares que habitavam. A descolonização foi o que foi, não por culpa do Mário Soares, ou do Álvaro Cunhal, ou do Rosa Coutinho, ou do PREC, ou do Otelo, ou seja lá de quem for. Foi culpa exclusiva do próprio Salazar ao recusar-se a negociar e defender os interesses dos portugueses que habitavam nas colónias. Como bom e grande ditador que era, não se importou de sacrificar vidas e bens, só por causa da sua política teimosa e autista. Foi assim também com a Índia portuguesa, em que escreveu a Vassalo e Silva para que as forças portuguesas se deixassem sacrificar. É este o homem que provocou assim tanto contentamento? É este o homem e o regime que querem de novo para Portugal? Pobre Portugal e pobres portugueses...
Manuel O. Pina

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