Filosoficamente, conhecimento é a forma de entendimento que representa o acto de conhecer implicitamente contido na coisa conhecida. De acordo com Platão, conhecimento é a crença verdadeira e justificada. Já Aristóteles dividia o conhecimento em três áreas: científica, prática e técnica. Para alguns o conhecimento é o acto ou actividade de conhecer, realizado por meio da razão ou da experiência. Ao longo dos séculos, muitos autores se expressaram acerca do que entendiam por conhecimento.
Apesar de todas as tentativas para se definir o que é o conhecimento, parece que, afinal, ninguém sabe o que é. Há coisas que são muito difíceis de definir, ou mesmo impossíveis. Para mim conhecimento é a percepção de algo de que tomo consciência, independentemente de se tratar de algo verdadeiro ou falso, porque aqui, nas definições, entra muito da subjectividade inerente a todo o ser humano. É mais fácil tomar conhecimento ou tomar consciência de algo em que se acredita, e aqui entram os aspectos das crenças, do que numa coisa que, à partida pensamos ser falsa, porque não faz parte daquilo em que acreditamos. Cada um tem a sua própria percepção da realidade, de acordo com as suas experiências e aquilo em que acredita. Por isso se diz que a verdade absoluta não existe, que existe apenas a verdade de cada um.
Costuma-se dizer que quem conta um conto acrescenta um ponto. Isto quer dizer que cada um, ao tomar conhecimento de determinada ocorrência, seja por via escrita, oral ou presencial, ao passar adiante a informação acrescenta-lhe algo que vem da sua própria subjectividade. Tive há muitos anos uma experiência que demonstra isto de forma bem clara. Frequentava nessa altura um curso de técnica de ensino e um dos professores resolveu fazer uma experiência. Colocou todos fora da sala, menos um dos alunos, e fechou a porta. Na parede desdobrou uma tapeçaria representando uma cena da Idade Média e pediu ao aluno para olhar atentamente para a tapeçaria e os seus pormenores. Passados uns cinco minutos dobrou de novo a tapeçaria e chamou um dos alunos que estava fora da sala. Pediu àquele que tinha visto a tapeçaria para contar ao aluno que tinha chamado os pormenores do que tinha visto. Este segundo aluno, depois de receber a informação do primeiro, teria que a transmitir ao próximo. Assim, sucessivamente, foram entrando os alunos e recebendo a informação do que entrara anteriormente. Depois do último ter entrado e recebido a informação do penúltimo, o professor desdobrou a tapeçaria para todos poderem ver. A gargalhada foi geral, a descrição feita pelo penúltimo aluno não correspondia minimamente ao que estava na tapeçaria.
Um dia destes alguém me perguntou: já parou para pensar do que é que os pensamentos são feitos? Fiquei mudo e quieto, pois saber responder a isso é quase o mesmo que saber sobre a verdadeira natureza de Deus. Todos conhecemos os pensamentos, mas não sabemos nada, rigorosamente, sobre a sua verdadeira natureza. Podem ser bons, podem ser maus e podem ser perigosos.
Os pensamentos podem ser perigosos porque podem criar noções erradas e levar os outros a acreditar nelas. Os pensamentos geram suposições, e as pessoas são levadas a acreditar que essas suposições são verdadeiras. Basta olharmos para a História e vermos o que tem acontecido. Durante séculos alguém supôs que o mundo era plano, logo, quem entendesse que era redondo corria sérios riscos de ir parar a uma fogueira da Inquisição. No século XIX, alguém do alto da sua enorme sabedoria, definiu que a velocidade máxima que o homem podia atingir era a velocidade do cavalo em corrida, qualquer coisa como cerca de sessenta quilómetros por hora. Em parte isto até é verdade, acima daquela velocidade os riscos são maiores, mas não é por causa da velocidade, mas devido a acidentes que possam ocorrer. Poderíamos dar numerosos exemplos em como as falsas suposições originadas em pensamentos nos têm enganado ao longo da História.
Talvez a mais notável descoberta do século XX, para além da Teoria da Relatividade de Einstein e da sua fórmula mágica, E=mc2, que pode atirar-nos a todos para o paraíso, o purgatório ou o inferno, para onde cada um se sentir melhor, foi a descoberta da mecânica quântica, tida inicialmente como um desvario de alguns cientistas loucos. A mecânica quântica veio revolucionar, voltar completamente do avesso muitas concepções que tínhamos como certas e que faziam parte do conhecimento geral.
Tanto a religião como as várias formas de materialismo nos têm tirado a noção de nos sentirmos responsáveis. Qualquer coisa que aconteça é porque Deus assim o quis ou, de maneira mais chã, a responsabilidade é do governo, do egoísmo da sociedade, e por aí vai. Nós não nos sentimos responsáveis por nada, os responsáveis são sempre os outros ou qualquer instituição de costas bem largas para levar com toda a frustração que sentimos e todo o nosso desamor. Mas a mecânica quântica diz-nos: alto! Você é responsável! E não nos dá nenhuma solução ou resposta reconfortante. Diz-nos apenas: quer mudar as coisas? Mude-se a si mesmo. E diz-nos mais; o mundo é muito grande e cheio de mistérios.
Que mistérios são estes? O que julgamos conhecer (saber) é real ou pura ilusão? Vivemos num mundo virtual ou aquilo que vemos e tocamos é real?
Durante toda a vida fomos levados a acreditar que tudo acontecia fora de nós e que nada tinha a ver como que se passava no nosso interior. A mecânica quântica ensina-nos o contrário. Ela diz que o que se passa dentro de nós é que vai criar o que acontece fora, portanto, somos sempre responsáveis por tudo quanto aconteça ao nosso redor.
Uma das coisas mais estranhas é o que se passa com os nossos olhos e o nosso cérebro. Quem é que vê, o cérebro ou os olhos? Se examinarmos o cérebro de uma pessoa a olhar determinados objectos, verificamos que uma zona anterior do cérebro é activada. Mas se pedirmos a essa pessoa para fechar os olhos e tentar lembrar-se dos objectos, a mesma zona do cérebro é activada. Isto quer dizer que quem vê, realmente, é o cérebro, que os olhos não passam de lentes que transmitem determinadas impressões ao cérebro. O cérebro não consegue estabelecer uma diferença entre o que vê e o que se lembra. Isto passa-se com o que aconteceu recentemente ou com algo que aconteceu no passado, ao visualizarmos uma cena do passado activamos os mesmos neurónios que viram a cena.
Todas as nossas lembranças passadas compõem aquilo a que podemos chamar conhecimento. Resta saber se esse conhecimento corresponde a uma realidade, ou se é apenas ilusão induzida pelo que o cérebro conseguiu reter. O cérebro processa muito mais informação do que aquela de que tomamos conhecimento. Processa cerca de 400 mil milhões de bits por segundo, mas somente nos damos conta de 2.000 bits. A diferença é assustadora. Isto quer dizer que o cérebro sabe mais do que nós?
A constatação de que o cérebro processa um volume incomensuravelmente maior do que aquilo de que tomamos conhecimento pode levar-nos a concluir que os chamados fenómenos paranormais, a intuição e até a inspiração, resultam dessa camada de informação que nos é desconhecida. No entanto, o cérebro talvez tenha restrições em relação ao que os olhos vêem. Como uma câmara fotográfica, os olhos vêem mais do que aquilo que o cérebro regista, pois o cérebro só regista o que já é conhecido, que já é do seu conhecimento.
Isto é um paradoxo, sem dúvida. Por um lado o cérebro recebe muito mais informação do que aquela de que tomamos consciência, por outro lado há uma inibição em registar o que não conhece. O que se passa é que somos presas do que está impresso na nossa memória, qualquer coisa estranha nunca antes vista nem imaginada, não tem lugar entre o enorme aglomerado de informação que constitui o nosso conhecimento. A propósito disto há aquela história que já contei numa das crónicas anteriores, que não sei se é verdadeira, mas que ilustra o funcionamento dos nossos olhos e do nosso cérebro. Quando Colombo chegou às Caraíbas nenhum nativo conseguia enxergar as caravelas na linha do horizonte. A razão de não verem os navios deve-se a eles não constarem do seu conhecimento. Um xamã notou um movimento estranho nas águas e começou a imaginar o que provocaria aquele movimento. Só ao fim de alguns dias de constante observação é que começou a ver os navios e, nessa altura, descreve o que vê para os outros membros da tribo. Como todos acreditavam nele, começaram também a enxergar os barcos.
Portanto, sem nos darmos conta estamos limitados ao que o cérebro capta e ao que armazena em memória. O cérebro não distingue o que se passa dentro de nós do que se passa no exterior. O conhecimento é assim um conjunto de percepções que formam um mundo virtual único para cada indivíduo.
Os costumes, os hábitos da sociedade, formam padrões de associação que vão condicionar a actividade do nosso cérebro, seja o que vemos e aprendemos desde a mais tenra idade até às experiências adultas. Dir-se-ia assim que todos teriam então o mesmo conjunto de percepções e, neste caso, estaríamos a lidar com a realidade. Isto só é verdadeiro em parte, porque cada indivíduo acrescenta as suas vivências, os seus estudos, as suas observações, as suas crenças, formando esse mundo virtual que é o seu conhecimento.
Desta forma o conhecimento não é realidade nem ilusão, é antes a mistura das duas coisas pois, se existe uma certa percepção da realidade, existe também uma grande carga a que podemos chamar imaginação ou ilusão. Condicionados pelo mundo exterior e pelo armazenamento interior de sensações e percepções, acabamos por não saber distinguir a realidade da ilusão.
Como tenho afirmado em várias crónicas que escrevi, não estamos sozinhos no universo, estamos ligados a todos e a tudo através daquilo que chamo de mar cósmico. Sendo assim, a consciência colectiva também está imersa nesse misto de realidade e ilusão, influenciando tudo quanto existe no universo.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007
Ligações Invisíveis (2)
Na crónica anterior falei de um fenómeno que sucede mais frequentemente do que se possa pensar e que parece suscitar a ideia de que tudo está ligado e que nada acontece por acaso. Essa ligação não é feita de fios ou quaisquer espécie de laços. É como se estivéssemos mergulhados num imenso mar, a que eu chamo mar cósmico e assim, estamos todos em contacto com tudo o que existe, não somente com os outros seres humanos, mas com toda a natureza visível e invisível.
Esse mar, tal como acontece com os oceanos da Terra, pode tomar aspectos diferentes: pode ser um mar revolto, furioso, violento; ou pode ser um mar pacífico e tranquilo. Estas são as pontas da escala pois, entre estas duas situações extremas há toda uma escada que vai do mais pacífico ao mais violento.
As pessoas também são assim, reflectem no seu comportamento as condições do mar em que estão inseridas. Isto não as iliba de nenhuma responsabilidade: as pessoas são assim por reflectirem esse mar, ou porque se identificam com essas condições? Não se trata aqui da história do ovo e da galinha, qual é que veio primeiro. Trata-se que as pessoas acabam por se inserir no ambiente com o qual mais se identificam. Tal como na vida em sociedade, cada um procura o grupo onde se sente bem e que está de acordo com a sua natureza.
Todos conhecemos os inúmeros mundos e submundos que existem sobre a Terra. Há o mundo dos muito ricos, cujos segredos raramente transpiram para o cidadão vulgar; há o mundo dos ricos e dos novos-ricos, daqueles que gostam de estar sempre na ribalta e nas páginas das revistas que não têm nada para ler; há o mundo dos políticos que têm uma necessidade ingente de impor aos outros as suas ideias; há o mundo dos empresários cuja finalidade na vida é aumentarem o número dos cifrões; há os gestores, que não são mais do que fiéis serventes dos empresários; há o mundo dos trabalhadores, para quem o trabalho é o seu castigo nesta vida; há o mundo dos que não fazem nada e ninguém sabe como e quem os sustenta; há o mundo dos drogados, dos alcoólicos, dos dependentes, dos ladrões, dos assaltantes, e de toda uma categoria de gente que vive à margem dos padrões da sociedade. No meio destes mundos há os submundos, que correspondem a uma certa incidência das características do seu mundo. Por exemplo, entre os políticos há os mentirosos (quase todos), os corruptos e os honestos (muito poucos); entre os ladrões há os violentos, os que matam para roubar e os que assaltam quando não está ninguém em casa. Há uma infinidade de variações que constituem os estratos que formam a nossa sociedade. Grosso modo, a humanidade é formada por uma quantidade imensa de estratos sociais, uma pirâmide gigantesca em cuja base estão os miseráveis, os famintos, os que não são nada e apenas pretendem sobreviver, nem que seja por mais um dia.
Não adianta alguém achar que não tem nada a ver com este ou aquele mundo ou submundo, pois também faz parte desse imenso mar cósmico onde tudo está ligado. Eu tenho tudo a ver com aquele ser miserável que teve a desdita de nascer assim (carma à parte) e que só espera que lhe dêem um pouco de arroz para poder chegar ao dia de amanhã. Ele é meu irmão, faz parte de mim, como eu faço parte dele nesse mar cósmico. Não me identifico com ele, a minha condição é diferente, mas por ele sinto compaixão, quer dizer, no verdadeiro sentido do termo, comungo da sua paixão, da sua desdita. Neste aspecto, as ideias racistas que no passado eram fruto da ignominiosa ignorância da maior parte da sociedade, hoje já não fazem mais sentido e até se tornam ridículas. Pesquisas recentes provaram que pode haver mais diferenças genéticas entre dois arianos, caucasianos, ou o que lhe quiserem chamar, loiros e de olhos azuis, do que entre um deles e um indivíduo de raça negra. A única diferença entre as raças ainda admissível, é a dos costumes e da cultura, mas mesmo estas tendem a desaparecer.
Quer queiramos, quer não, cada um de nós pertence a um desses mundos e submundos e aí vamos vivendo apesar de, esporadicamente, podermos estar temporariamente em contacto com outros. Apesar das aparências poderem por vezes levar à conclusão que as coisas não são assim, por vermos pessoas que circulam por todos os campos e todos os níveis, na realidade essas pessoas têm o seu próprio mundo ou submundo, onde acabam por ir parar quando se aquietam na sua faina e meditam um pouco sobre a sua verdadeira condição. Ciente disto, ainda que apenas ao nível do subconsciente, o homem tentou impor essa divisão de forma concreta. Na Índia instituiu o sistema de castas; na Antiguidade Clássica e na Idade Média, havia claras divisões inultrapassáveis, quem tinha nascido nobre seria nobre para toda a vida, ainda que tivesse caído na mais completa miséria. Quem era do povo, permaneceria para sempre do povo, quem era escravo seria sempre escravo, mesmo depois de libertado pelos seus donos. Hoje as coisas não são bem assim, mas só na sua forma exterior, que na interior, onde se manifestam essas ligações invisíveis, as divisões permanecem.
Não acho que muita gente esteja de acordo com esta ideia, mas ainda bem que é assim, se toda a gente pensasse da mesma maneira a vida seria uma grande chateza. Os especialistas das ciências sociais logo me dirão: “isso está tudo errado”. Talvez esteja, mas não me parece que a sociedade tenha evoluído alguma coisa com a ajuda deles. O que é que está errado, as minhas ideias ou a ciência deles? Provavelmente estamos todos errados e não há receitas nenhumas que expliquem os fenómenos que acontecem na sociedade. Muito bem, eu dou a minha contribuição, que cada um dê a sua e não se preocupe com o que é “politicamente correcto”, porque isto não passa de moda. Mas adiante.
Há pessoas que vivem em permanente agonia, nada lhes corre bem, o mundo parece estar sempre contra elas, e outras que parece que nasceram com aquilo virado para a Lua, só têm sorte e tudo lhes corre bem. Claro que isto é um exagero pois, não há ninguém que só tenha azar na vida, como não há ninguém que só tenha sorte e não tenha os seus problemas. Como dizia Santo Agostinho, “no dia em que não tiver problemas estou morto.” Acontece porém que aqueles que dizem que só têm azar na vida não reparam nas coisas boas que lhes acontecem. Os outros, aqueles a quem tudo corre bem, preferem ignorar as coisas menos boas e seguir em frente.
Esta situação não escolhe “castas”. Acontece a toda a gente, desde os mais ricos aos mais pobres, com especial incidência na chamada classe média, que parece concentrar em si todo o género de frustrações. Os mais azarentos encontram-se normalmente nessa camada.
Nós reflectimos nos outros aquilo que nós somos, os especialistas em psicologia dizem-no a toda a hora. Então se reflectimos insegurança, medo e pensamentos negativos, é muito natural que vamos receber de volta tudo isso. Se por outro lado reflectirmos segurança e uma atitude positiva perante a vida, seremos compensados dessa mesma forma.
Uma das coisas que já venho a notar há muito tempo, é as pessoas terem medo de falar, de escrever, de expor as suas ideias, por muito absurdas que possam parecer. Têm um receio permanente de ferir as susceptibilidades dos outros, de serem mal compreendidas e interpretadas. Então preferem esconder-se por detrás de conversas de ocasião, que não fazem mal a ninguém, mas também não contribuem em nada para o conhecimento de cada um.
Como esta crónica é acerca de laços ou ligações invisíveis, e como parece que me estou a afastar do assunto, o que não é totalmente verdade, vou voltar à calha e fazer o possível por não sair dela.
Digo acima que recebemos aquilo que reflectimos. Ora reflectimos e recebemos através do quê? Justamente através desse mar cósmico em que estamos inseridos. Atraímos para nós todos os azares ou as coisas boas, consoante a nossa atitude interior perante a vida. Se alguém se convence que é azarento, vai ter azar toda a vida. As atitudes positivas acabam por resolver muitas vezes problemas, aparentemente, inultrapassáveis.
Conheci em tempos um indivíduo que dizia que a sua vida era uma sucessão ininterrupta de coisas azarentas, tudo lhe acontecia, desde as coisas mais prosaicas às mais complicadas. Um dia resolveu visitar Paris de automóvel, numa viagem que fez com alguns amigos. Era Inverno e tinha nevado. Procuraram estacionar o carro numa rua junto do rio Sena. Como o estacionamento era em espinha, esse indivíduo saiu do carro para ajudar na manobra. Foi colocar-se, justamente, entre o carro e o rio. O chão estava gelado e ele mal conseguia manter-se em pé. Na manobra o carro foi derrapando no gelo e só parou quando as rodas bateram no rebordo estreito que delimitava a rua. Esse indivíduo só não foi parar ao rio porque conseguiu pendurar-se no pára-choques do carro. Porque é que ele se foi colocar, justamente, entre o carro e o rio?
Esta história é verdadeira e procura exemplificar o que acontece a algumas pessoas: parece que atraem o azar. Mas, se virmos bem, essas pessoas não conseguem ter um único pensamento positivo. Pensam sempre o pior. Se vão ao médico por sentirem algum sintoma menos agradável, pensam logo que têm uma doença muito grave; se têm que tratar de algum assunto junto de uma Repartição Pública, acham que os funcionários estão ali para os maltratarem e não os ajudarem em nada; se tentam falar com alguém numa empresa, um gerente ou um director, já sabem que vão receber como resposta que esse gerente ou esse director não está, que está em férias ou, o mais vulgar, que está em reunião e que, portanto, não o pode atender. E o que é facto, as coisas acontecem realmente assim Isto faz com que essas pessoas fiquem cada vez mais pessimistas e, cada vez que pensarem realizar alguma coisa, pensam logo que não vão conseguir ou que vão ter muitas dificuldades.
O pessimista nunca está satisfeito com nada. Além disso, tudo quanto lhe acontece é culpa dos outros. O optimista está sempre satisfeito, tem uma atitude positiva, mesmo quando tenha que superar problemas bem difíceis ou tenha que atravessar sérios revezes. É paradigmática aquela história do sujeito que tinha dois filhos, um optimista e outro pessimista. No Natal resolveu oferecer-lhes presentes e testar a sua atitude. Assim, ao optimista, ofereceu um balde de esterco de cavalo, ao pessimista uma bicicleta. Quando os garotos viram os presentes, o optimista disse logo: “onde está o cavalo?”. O pessimista, por seu lado, ficou chateado: “E agora? Todos os meus amigos vão pedir para dar uma volta de bicicleta. Que chatice.”
Eu tinha uma colega de trabalho que, quando ia a uma consulta no posto médico, vinha de lá sempre a queixar-se com a atitude pouco simpática das empregadas do posto. Dificultavam-lhe as coisas de uma forma que ela não conseguia entender, demonstrando uma má vontade visível em atender os seus pedidos. Eu era utente desse mesmo posto e, comigo, as coisas passavam-se de modo diferente. “Ah, mas isso é porque és um homem bonito”, dizia-me ela. Eu respondia-lhe: “Não é nada disso. Tu vais para lá com pedras na mão e depois o que é que esperas em troca?” A conversa ficava sempre por aqui, ela convencida que tinha toda a razão e que, por qualquer motivo que ela não compreendia, as empregadas não gostavam dela e tratavam-na mal. Era assim ali e em todos os locais onde ia tratar de alguma coisa.
Evidentemente que há situações que acontecem e são incompreensíveis. Uma pessoa encontra um empregado mal humorado, alguém que às vezes tem problemas sérios para resolver ou que não se sente bem com a vida, que tem um familiar doente, etc. São tudo situações que podem acontecer e, não nos podemos esquecer que as pessoas que nos atendem nesses locais ou em quaisquer outros, são seres humanos como nós. Não são máquinas com um sorriso estereotipado no rosto para nos atenderem com a maior simpatia do mundo, quando muitas vezes têm o coração a sangrar. Têm filhos, têm pais, marido, mulher, processos de divórcio, problemas de drogas, contas para pagar e sei lá que mais. E quando sentem alguma animosidade da nossa parte, ficam pior, respondem-nos muitas vezes de forma agressiva.
Não quero imitar os livros de auto ajuda que se publicam e que as pessoas compram muito interessadas, mas depois não sei o que acontece: ou não lêem os livros; ou os livros não ajudam nada; ou não aplicam o que aprenderam nesses livros. No entanto direi que, na maioria das vezes, as coisas podem passar-se mais agradavelmente ou não, conforme a nossa atitude. Em termos gerais eu não me queixo da forma como sou tratado. Exceptuando alguns poucos casos muito esporádicos, as pessoas são gentis e agradáveis comigo. Por outro lado, nunca procuro fugir às coisas, procuro sempre dizer a verdade.
Um dia cheguei ao Rio de Janeiro com uma mala cheia de castanhas, nozes, figos secos, amêndoas, um bolo-rei, todas aquelas coisas que costumamos comprar no Natal. Era Dezembro e o Natal estava próximo. A funcionária da alfândega perguntou-me o que continha a mala. “Presentes de Natal”, respondi eu com toda a tranquilidade. Ela mandou-me abrir a mala. Quando viu o que continha, disse-me logo: “Feche, feche, não vi nada. Pode passar”.
Numa outra altura, ofereceram-me uma caixa cheia de sacos de café para levar para Lisboa. A caixa tinha escrito por fora “Café”, seguido de uma marca que já não me lembro. Como é que vou entrar em Lisboa com este café todo, pensei. O funcionário da alfândega olhou para mim e perguntou-me de onde vinha e o que é que continha a caixa. Respondi-lhe que vinha do Rio de Janeiro e a caixa continha café. “É tudo café?”, perguntou ele. Confirmei que era tudo café. Olhou para mim, sorriu e disse-me para seguir. À saída disse-me ainda: “Cuidado, que café em excesso faz mal à saúde”.
Há três anos atrás cheguei ao aeroporto de São Paulo com nada mais, nada menos, do que doze malas. Estava em mudança para o Brasil e aproveitei para trazer o máximo de coisas possível. Meti as malas em dois carros e dirigi-me à alfândega com bastante dificuldade, pois estava sozinho e não conseguia levar os dois carros ao mesmo tempo. A funcionária da alfândega verificou a bagagem e depois mandou-me seguir. Quando viu a minha dificuldade em empurrar os dois carros, ela própria agarrou num e ajudou-me a levá-lo até à paragem de táxis.
No princípio do passado mês de Setembro, por recomendação do meu médico oftalmologista, especialista em retina, tive necessidade de marcar uma consulta urgente para outro oftalmologista, devido à catarata que ameaçava o meu olho esquerdo. Devido a duas intervenções cirúrgicas anteriores, a catarata era de origem traumática, e a córnea estava em risco de perder as suas últimas células, o que me traria mais complicações no futuro, como um transplante de córnea. Portanto o assunto era urgente. Telefonei para o consultório e a empregada disse-me que só tinha consulta para o dia 26 de Outubro. Em vez de começar com aquela ladainha de que o caso era grave e que precisava de uma consulta urgente, etc., resolvi brincar. “Não acredito!”, disse eu. “Acredite sim, não há nenhuma possibilidade antes do dia 26 de Outubro”, respondeu a empregada. “Então eu vou fazer o seguinte: vou sentar-me aí à porta do consultório e só saio quando o médico me atender”, disse eu. Ela riu e depois disse-me: “Dê-me o seu número de telefone. Se houver algum cancelamento, telefono-lhe imediatamente, está bem assim? Nesse dia à noite, quando cheguei a casa, tinha um recado no telefone dizendo que tinha a consulta no dia seguinte às oito horas da manhã. Acabei por ser operado no dia 6 de Outubro, aparentemente, e pelos resultados até agora, com completo sucesso.
Todos temos situações semelhantes, que correram mal porque talvez, na altura, estávamos cheios de medo, ou que correram bem porque estávamos com uma atitude positiva. Há pequenas coisas que têm, por vezes, um efeito fantástico. Ultimamente quando vou ser atendido por alguém que vejo que não está de bem com a vida e, se estiver um sol radioso de meio-dia, eu digo “boa noite!”. Invariavelmente a pessoa olha para mim e não consegue deixar de rir. A partir daí tudo se torna mais fácil
Como acontece com toda a gente, fui parado várias vezes na estrada pela GNR. Em duas ocasiões faltavam-me documentos cuja consequência era a apreensão da viatura e uma multa. Nos dois casos, não só não fui multado, como o carro também não foi apreendido. Deram-me apenas o prazo de 48 horas para apresentar os documentos em falta.
Sou uma pessoa com sorte? Não. Nem jogo na lotaria porque nunca me sai nada. Tenho apenas uma atitude positiva perante a vida e os problemas que se apresentam. Nem sempre as coisas resultam a meu contento, mas o saldo é muito positivo.
Esse mar, tal como acontece com os oceanos da Terra, pode tomar aspectos diferentes: pode ser um mar revolto, furioso, violento; ou pode ser um mar pacífico e tranquilo. Estas são as pontas da escala pois, entre estas duas situações extremas há toda uma escada que vai do mais pacífico ao mais violento.
As pessoas também são assim, reflectem no seu comportamento as condições do mar em que estão inseridas. Isto não as iliba de nenhuma responsabilidade: as pessoas são assim por reflectirem esse mar, ou porque se identificam com essas condições? Não se trata aqui da história do ovo e da galinha, qual é que veio primeiro. Trata-se que as pessoas acabam por se inserir no ambiente com o qual mais se identificam. Tal como na vida em sociedade, cada um procura o grupo onde se sente bem e que está de acordo com a sua natureza.
Todos conhecemos os inúmeros mundos e submundos que existem sobre a Terra. Há o mundo dos muito ricos, cujos segredos raramente transpiram para o cidadão vulgar; há o mundo dos ricos e dos novos-ricos, daqueles que gostam de estar sempre na ribalta e nas páginas das revistas que não têm nada para ler; há o mundo dos políticos que têm uma necessidade ingente de impor aos outros as suas ideias; há o mundo dos empresários cuja finalidade na vida é aumentarem o número dos cifrões; há os gestores, que não são mais do que fiéis serventes dos empresários; há o mundo dos trabalhadores, para quem o trabalho é o seu castigo nesta vida; há o mundo dos que não fazem nada e ninguém sabe como e quem os sustenta; há o mundo dos drogados, dos alcoólicos, dos dependentes, dos ladrões, dos assaltantes, e de toda uma categoria de gente que vive à margem dos padrões da sociedade. No meio destes mundos há os submundos, que correspondem a uma certa incidência das características do seu mundo. Por exemplo, entre os políticos há os mentirosos (quase todos), os corruptos e os honestos (muito poucos); entre os ladrões há os violentos, os que matam para roubar e os que assaltam quando não está ninguém em casa. Há uma infinidade de variações que constituem os estratos que formam a nossa sociedade. Grosso modo, a humanidade é formada por uma quantidade imensa de estratos sociais, uma pirâmide gigantesca em cuja base estão os miseráveis, os famintos, os que não são nada e apenas pretendem sobreviver, nem que seja por mais um dia.
Não adianta alguém achar que não tem nada a ver com este ou aquele mundo ou submundo, pois também faz parte desse imenso mar cósmico onde tudo está ligado. Eu tenho tudo a ver com aquele ser miserável que teve a desdita de nascer assim (carma à parte) e que só espera que lhe dêem um pouco de arroz para poder chegar ao dia de amanhã. Ele é meu irmão, faz parte de mim, como eu faço parte dele nesse mar cósmico. Não me identifico com ele, a minha condição é diferente, mas por ele sinto compaixão, quer dizer, no verdadeiro sentido do termo, comungo da sua paixão, da sua desdita. Neste aspecto, as ideias racistas que no passado eram fruto da ignominiosa ignorância da maior parte da sociedade, hoje já não fazem mais sentido e até se tornam ridículas. Pesquisas recentes provaram que pode haver mais diferenças genéticas entre dois arianos, caucasianos, ou o que lhe quiserem chamar, loiros e de olhos azuis, do que entre um deles e um indivíduo de raça negra. A única diferença entre as raças ainda admissível, é a dos costumes e da cultura, mas mesmo estas tendem a desaparecer.
Quer queiramos, quer não, cada um de nós pertence a um desses mundos e submundos e aí vamos vivendo apesar de, esporadicamente, podermos estar temporariamente em contacto com outros. Apesar das aparências poderem por vezes levar à conclusão que as coisas não são assim, por vermos pessoas que circulam por todos os campos e todos os níveis, na realidade essas pessoas têm o seu próprio mundo ou submundo, onde acabam por ir parar quando se aquietam na sua faina e meditam um pouco sobre a sua verdadeira condição. Ciente disto, ainda que apenas ao nível do subconsciente, o homem tentou impor essa divisão de forma concreta. Na Índia instituiu o sistema de castas; na Antiguidade Clássica e na Idade Média, havia claras divisões inultrapassáveis, quem tinha nascido nobre seria nobre para toda a vida, ainda que tivesse caído na mais completa miséria. Quem era do povo, permaneceria para sempre do povo, quem era escravo seria sempre escravo, mesmo depois de libertado pelos seus donos. Hoje as coisas não são bem assim, mas só na sua forma exterior, que na interior, onde se manifestam essas ligações invisíveis, as divisões permanecem.
Não acho que muita gente esteja de acordo com esta ideia, mas ainda bem que é assim, se toda a gente pensasse da mesma maneira a vida seria uma grande chateza. Os especialistas das ciências sociais logo me dirão: “isso está tudo errado”. Talvez esteja, mas não me parece que a sociedade tenha evoluído alguma coisa com a ajuda deles. O que é que está errado, as minhas ideias ou a ciência deles? Provavelmente estamos todos errados e não há receitas nenhumas que expliquem os fenómenos que acontecem na sociedade. Muito bem, eu dou a minha contribuição, que cada um dê a sua e não se preocupe com o que é “politicamente correcto”, porque isto não passa de moda. Mas adiante.
Há pessoas que vivem em permanente agonia, nada lhes corre bem, o mundo parece estar sempre contra elas, e outras que parece que nasceram com aquilo virado para a Lua, só têm sorte e tudo lhes corre bem. Claro que isto é um exagero pois, não há ninguém que só tenha azar na vida, como não há ninguém que só tenha sorte e não tenha os seus problemas. Como dizia Santo Agostinho, “no dia em que não tiver problemas estou morto.” Acontece porém que aqueles que dizem que só têm azar na vida não reparam nas coisas boas que lhes acontecem. Os outros, aqueles a quem tudo corre bem, preferem ignorar as coisas menos boas e seguir em frente.
Esta situação não escolhe “castas”. Acontece a toda a gente, desde os mais ricos aos mais pobres, com especial incidência na chamada classe média, que parece concentrar em si todo o género de frustrações. Os mais azarentos encontram-se normalmente nessa camada.
Nós reflectimos nos outros aquilo que nós somos, os especialistas em psicologia dizem-no a toda a hora. Então se reflectimos insegurança, medo e pensamentos negativos, é muito natural que vamos receber de volta tudo isso. Se por outro lado reflectirmos segurança e uma atitude positiva perante a vida, seremos compensados dessa mesma forma.
Uma das coisas que já venho a notar há muito tempo, é as pessoas terem medo de falar, de escrever, de expor as suas ideias, por muito absurdas que possam parecer. Têm um receio permanente de ferir as susceptibilidades dos outros, de serem mal compreendidas e interpretadas. Então preferem esconder-se por detrás de conversas de ocasião, que não fazem mal a ninguém, mas também não contribuem em nada para o conhecimento de cada um.
Como esta crónica é acerca de laços ou ligações invisíveis, e como parece que me estou a afastar do assunto, o que não é totalmente verdade, vou voltar à calha e fazer o possível por não sair dela.
Digo acima que recebemos aquilo que reflectimos. Ora reflectimos e recebemos através do quê? Justamente através desse mar cósmico em que estamos inseridos. Atraímos para nós todos os azares ou as coisas boas, consoante a nossa atitude interior perante a vida. Se alguém se convence que é azarento, vai ter azar toda a vida. As atitudes positivas acabam por resolver muitas vezes problemas, aparentemente, inultrapassáveis.
Conheci em tempos um indivíduo que dizia que a sua vida era uma sucessão ininterrupta de coisas azarentas, tudo lhe acontecia, desde as coisas mais prosaicas às mais complicadas. Um dia resolveu visitar Paris de automóvel, numa viagem que fez com alguns amigos. Era Inverno e tinha nevado. Procuraram estacionar o carro numa rua junto do rio Sena. Como o estacionamento era em espinha, esse indivíduo saiu do carro para ajudar na manobra. Foi colocar-se, justamente, entre o carro e o rio. O chão estava gelado e ele mal conseguia manter-se em pé. Na manobra o carro foi derrapando no gelo e só parou quando as rodas bateram no rebordo estreito que delimitava a rua. Esse indivíduo só não foi parar ao rio porque conseguiu pendurar-se no pára-choques do carro. Porque é que ele se foi colocar, justamente, entre o carro e o rio?
Esta história é verdadeira e procura exemplificar o que acontece a algumas pessoas: parece que atraem o azar. Mas, se virmos bem, essas pessoas não conseguem ter um único pensamento positivo. Pensam sempre o pior. Se vão ao médico por sentirem algum sintoma menos agradável, pensam logo que têm uma doença muito grave; se têm que tratar de algum assunto junto de uma Repartição Pública, acham que os funcionários estão ali para os maltratarem e não os ajudarem em nada; se tentam falar com alguém numa empresa, um gerente ou um director, já sabem que vão receber como resposta que esse gerente ou esse director não está, que está em férias ou, o mais vulgar, que está em reunião e que, portanto, não o pode atender. E o que é facto, as coisas acontecem realmente assim Isto faz com que essas pessoas fiquem cada vez mais pessimistas e, cada vez que pensarem realizar alguma coisa, pensam logo que não vão conseguir ou que vão ter muitas dificuldades.
O pessimista nunca está satisfeito com nada. Além disso, tudo quanto lhe acontece é culpa dos outros. O optimista está sempre satisfeito, tem uma atitude positiva, mesmo quando tenha que superar problemas bem difíceis ou tenha que atravessar sérios revezes. É paradigmática aquela história do sujeito que tinha dois filhos, um optimista e outro pessimista. No Natal resolveu oferecer-lhes presentes e testar a sua atitude. Assim, ao optimista, ofereceu um balde de esterco de cavalo, ao pessimista uma bicicleta. Quando os garotos viram os presentes, o optimista disse logo: “onde está o cavalo?”. O pessimista, por seu lado, ficou chateado: “E agora? Todos os meus amigos vão pedir para dar uma volta de bicicleta. Que chatice.”
Eu tinha uma colega de trabalho que, quando ia a uma consulta no posto médico, vinha de lá sempre a queixar-se com a atitude pouco simpática das empregadas do posto. Dificultavam-lhe as coisas de uma forma que ela não conseguia entender, demonstrando uma má vontade visível em atender os seus pedidos. Eu era utente desse mesmo posto e, comigo, as coisas passavam-se de modo diferente. “Ah, mas isso é porque és um homem bonito”, dizia-me ela. Eu respondia-lhe: “Não é nada disso. Tu vais para lá com pedras na mão e depois o que é que esperas em troca?” A conversa ficava sempre por aqui, ela convencida que tinha toda a razão e que, por qualquer motivo que ela não compreendia, as empregadas não gostavam dela e tratavam-na mal. Era assim ali e em todos os locais onde ia tratar de alguma coisa.
Evidentemente que há situações que acontecem e são incompreensíveis. Uma pessoa encontra um empregado mal humorado, alguém que às vezes tem problemas sérios para resolver ou que não se sente bem com a vida, que tem um familiar doente, etc. São tudo situações que podem acontecer e, não nos podemos esquecer que as pessoas que nos atendem nesses locais ou em quaisquer outros, são seres humanos como nós. Não são máquinas com um sorriso estereotipado no rosto para nos atenderem com a maior simpatia do mundo, quando muitas vezes têm o coração a sangrar. Têm filhos, têm pais, marido, mulher, processos de divórcio, problemas de drogas, contas para pagar e sei lá que mais. E quando sentem alguma animosidade da nossa parte, ficam pior, respondem-nos muitas vezes de forma agressiva.
Não quero imitar os livros de auto ajuda que se publicam e que as pessoas compram muito interessadas, mas depois não sei o que acontece: ou não lêem os livros; ou os livros não ajudam nada; ou não aplicam o que aprenderam nesses livros. No entanto direi que, na maioria das vezes, as coisas podem passar-se mais agradavelmente ou não, conforme a nossa atitude. Em termos gerais eu não me queixo da forma como sou tratado. Exceptuando alguns poucos casos muito esporádicos, as pessoas são gentis e agradáveis comigo. Por outro lado, nunca procuro fugir às coisas, procuro sempre dizer a verdade.
Um dia cheguei ao Rio de Janeiro com uma mala cheia de castanhas, nozes, figos secos, amêndoas, um bolo-rei, todas aquelas coisas que costumamos comprar no Natal. Era Dezembro e o Natal estava próximo. A funcionária da alfândega perguntou-me o que continha a mala. “Presentes de Natal”, respondi eu com toda a tranquilidade. Ela mandou-me abrir a mala. Quando viu o que continha, disse-me logo: “Feche, feche, não vi nada. Pode passar”.
Numa outra altura, ofereceram-me uma caixa cheia de sacos de café para levar para Lisboa. A caixa tinha escrito por fora “Café”, seguido de uma marca que já não me lembro. Como é que vou entrar em Lisboa com este café todo, pensei. O funcionário da alfândega olhou para mim e perguntou-me de onde vinha e o que é que continha a caixa. Respondi-lhe que vinha do Rio de Janeiro e a caixa continha café. “É tudo café?”, perguntou ele. Confirmei que era tudo café. Olhou para mim, sorriu e disse-me para seguir. À saída disse-me ainda: “Cuidado, que café em excesso faz mal à saúde”.
Há três anos atrás cheguei ao aeroporto de São Paulo com nada mais, nada menos, do que doze malas. Estava em mudança para o Brasil e aproveitei para trazer o máximo de coisas possível. Meti as malas em dois carros e dirigi-me à alfândega com bastante dificuldade, pois estava sozinho e não conseguia levar os dois carros ao mesmo tempo. A funcionária da alfândega verificou a bagagem e depois mandou-me seguir. Quando viu a minha dificuldade em empurrar os dois carros, ela própria agarrou num e ajudou-me a levá-lo até à paragem de táxis.
No princípio do passado mês de Setembro, por recomendação do meu médico oftalmologista, especialista em retina, tive necessidade de marcar uma consulta urgente para outro oftalmologista, devido à catarata que ameaçava o meu olho esquerdo. Devido a duas intervenções cirúrgicas anteriores, a catarata era de origem traumática, e a córnea estava em risco de perder as suas últimas células, o que me traria mais complicações no futuro, como um transplante de córnea. Portanto o assunto era urgente. Telefonei para o consultório e a empregada disse-me que só tinha consulta para o dia 26 de Outubro. Em vez de começar com aquela ladainha de que o caso era grave e que precisava de uma consulta urgente, etc., resolvi brincar. “Não acredito!”, disse eu. “Acredite sim, não há nenhuma possibilidade antes do dia 26 de Outubro”, respondeu a empregada. “Então eu vou fazer o seguinte: vou sentar-me aí à porta do consultório e só saio quando o médico me atender”, disse eu. Ela riu e depois disse-me: “Dê-me o seu número de telefone. Se houver algum cancelamento, telefono-lhe imediatamente, está bem assim? Nesse dia à noite, quando cheguei a casa, tinha um recado no telefone dizendo que tinha a consulta no dia seguinte às oito horas da manhã. Acabei por ser operado no dia 6 de Outubro, aparentemente, e pelos resultados até agora, com completo sucesso.
Todos temos situações semelhantes, que correram mal porque talvez, na altura, estávamos cheios de medo, ou que correram bem porque estávamos com uma atitude positiva. Há pequenas coisas que têm, por vezes, um efeito fantástico. Ultimamente quando vou ser atendido por alguém que vejo que não está de bem com a vida e, se estiver um sol radioso de meio-dia, eu digo “boa noite!”. Invariavelmente a pessoa olha para mim e não consegue deixar de rir. A partir daí tudo se torna mais fácil
Como acontece com toda a gente, fui parado várias vezes na estrada pela GNR. Em duas ocasiões faltavam-me documentos cuja consequência era a apreensão da viatura e uma multa. Nos dois casos, não só não fui multado, como o carro também não foi apreendido. Deram-me apenas o prazo de 48 horas para apresentar os documentos em falta.
Sou uma pessoa com sorte? Não. Nem jogo na lotaria porque nunca me sai nada. Tenho apenas uma atitude positiva perante a vida e os problemas que se apresentam. Nem sempre as coisas resultam a meu contento, mas o saldo é muito positivo.
Ligações Invisíveis (1)
Para determinada tradição oriental e algumas escolas esotéricas nada do que vemos, sentimos, tocamos ou cheiramos existe. É tudo ilusão, é tudo o mundo de “maya” Tudo aquilo que existe e que nós vemos como fazendo parte do nosso universo, segundo a perspectiva daquela filosofia, não seria mais do que expressões do nosso consciente.
Esta é uma coisa difícil de digerir para um indígena ocidental como eu que, ao contrário de muitos outros que se afadigam em transportarem para o hemisfério do lado de cá, coisas que eles julgam aprender do lado de lá, tenho da tradição oriental a ideia de que estagnou no tempo, não evoluiu. Tenho um profundo respeito pela tradição budista e pela sua filosofia interna, não a externa, com a qual me identifico em muitos pontos. Mas não posso deixar de pensar que o Tibete, onde assentou arraiais depois de Buda se ter manifestado na Índia, país em que o budismo tem muito pouca expressão (santos à porta de casa não fazem milagres), foi um país que parou no tempo, devido precisamente a ser administrado por uma data de monges e lamas, chefiados pelo Dalai Lama e que pouco mais faziam do que estudar antigos escritos e entoar mantras.
Ora o Dalai Lama vive no exílio no norte da Índia depois que o seu país, o Tibete, foi invadido pelas forças da China comunista em 1959. É uma pessoa altamente respeitada em todo o mundo, principalmente por ser um propagador das ideias da paz, da harmonia e da concórdia entre os homens. O Dalai Lama era ainda criança quando os chineses chegaram e tomaram tudo, uma criança que gostava de brincar com binóculos a ver como andava o seu país, de que ele era o governante supremo.
Os budistas têm também um profundo respeito por todos os seres viventes. São absolutamente vegetarianos e não fazem mal a uma mosca, no sentido literal do termo. Nas visitas que fiz algumas vezes ao lama Khetsung Gyaltsen, tive oportunidade de verificar isso. Em pleno verão, com a casa cheia de mosquitos e todo o género de insectos voadores, andava um dos seus discípulos de jornal na mão a afastar para o exterior toda aquela chusma de bichinhos que, de vez em quando, não se esqueciam de dar a sua ferroada ou a sua picada. Pensei na altura como é que seria nos mosteiros com ratos, baratas, grilos, etc. Como não pensei mais nisso, também não sei como é que fazem, se vivem em perfeita comunhão com toda essa bicharada, ou se a expulsam de alguma maneira por força do pensamento ou através do uso de alguma qualidade de incenso. Não sei.
Mas voltando ao mundo de “maya”, da ilusão, a Física ocidental acabou por vir dar uma certa razão a essa ideia. Assim, o nosso mundo material não passa de um imenso vazio visto sob a perspectiva atómica, quero dizer, à dimensão do átomo. A matéria mais dura, compacta e resistente, à dimensão atómica é um enorme vazio.
Foram os gregos que nos legaram a ideia do átomo, como o mais pequeno e indivisível elemento da matéria. Ninguém sabe como é que os gregos descobriram o átomo, pois não tinham a tecnologia necessária para o fazer. Provavelmente alguém lhes ensinou. Durante muito tempo o átomo foi mostrado com um núcleo como se fosse um Sol, rodeado de electrões como se fossem planetas gravitando à volta da sua estrela central. Hoje sabe-se que não é bem assim. Além disso, deixou de ser indivisível e não é o menor elemento da matéria.
Para termos uma ideia do que seria colocarmo-nos na dimensão atómica, considerando um átomo com o seu núcleo rodeado de uma nuvem onde vibram os electrões, o núcleo seria 100.000 vezes menor do que o conjunto todo e, se o núcleo tivesse um centímetro de diâmetro, os electrões estariam a cerca de, mais ou menos, mil metros de distância. Portanto, se nos colocássemos no lugar do núcleo de um átomo de hidrogénio, por exemplo, que tem apenas um electrão, não conseguiríamos ver este nem com os binóculos mais potentes. Se conseguíssemos condensar os átomos de uma montanha do tamanho dos Himalaias, eles caberiam dentro de uma pequeno recipiente, não maior do que um cálice de licor, mas esse cálice teria o mesmo peso da montanha.
Temos assim que a matéria, por mais densa e pesada que nos possa parecer, é apenas vazio. A Física Quântica veio ainda complicar mais. Segundo esta disciplina, o mundo tangível aos nossos sentidos não é mais do que a projecção daquilo que queremos ver ou sentir. Por isso se diz, com muita propriedade, que cada um tem a sua própria verdade. Por exemplo, não vemos com os olhos. Estes são meros transmissores de sensações luminosas para o nosso cérebro. Nós vemos com o cérebro e, se determinada imagem não corresponder a nada do que aí tenhamos guardado, acontece que podemos até deixar de ver algumas coisas.
Conta-se a este respeito que, quando Colombo chegou à América, a uma das ilhas que hoje suponho pertencer às Bahamas, os indígenas não viram as caravelas à distância. O chefe da tribo percebeu um movimento pouco usual nas águas e fixou melhor o olhar. Então viu os três navios à distância. Os outros índios só conseguiram vê-los quando o chefe lhes descreveu o que estava a ver. Verdade ou lenda, isto procura explicar que os índios não viam as caravelas pela simples razão de não fazerem parte do que estava arquivado no seu cérebro.
A Física Quântica vai mais longe: o mundo material em que estamos inseridos pode ser alterado pela nossa vontade e pensamento. Coisa estranha, então temos esse poder incrível e não o utilizamos? Na verdade, utilizamo-lo a todo o momento sem sequer darmos por isso. Ao visitarmos determinados locais podemos sentir-nos bem ou sentir-nos mal, porque esses locais estão impregnados das impressões de quem e do que os frequenta. É vulgar ouvir-se dizer que uma pessoa se sente muito bem quando visita uma catedral gótica, ou se sente mal ao visitar uma prisão ou um hospital. Esses locais transmitem-nos, digamos assim, as impressões das pessoas que os frequentaram. Os átomos que constituem essas construções ficaram com o registo de todas as impressões sentidas pelas pessoas que lá estiveram. Em todos os locais por onde andamos, seja em casas, ruas, jardins, sentimos sempre essa estranha sensação de bem-estar ou de mal-estar. Se algumas vezes conseguimos dar uma explicação lógica para essas sensações, na maioria dos casos não temos qualquer explicação, sentimos somente.
Então, esse vazio que constitui o mundo atómico, não parece ser assim tão vazio, há correntes invisíveis que circulam entre os átomos e entre os seus elementos, transformando esse vazio num imenso mar, a que poderíamos chamar mar cósmico. De outro modo, não haveria outra explicação para as sensações que experimentamos e determinados fenómenos que acontecem na vida de todos nós. Ou seja, estamos todos inseridos nesse mar, nós, os animais, as plantas, tudo o que faz parte da Criação. Por isso se diz que fazemos parte do todo.
Julgo que foi o Paulo Coelho que num dos seus livros deu um exemplo dessas ligações. Numa determinada ilha da Indonésia os cientistas observaram que os macacos se alimentavam de batatas que desenterravam. Comiam-nas assim mesmo, cheias de terra. Durante certo tempo dedicaram-se a ensinar os macacos a lavarem primeiro as batatas num riacho próximo, antes de as comerem. Qual não foi a sua surpresa quando verificaram que, numa ilha vizinha, mas sem possibilidades de contacto com aquela onde estavam, os macacos começaram a proceder da mesma forma.
A minha mãe tinha um periquito de que gostava muito, dentro de uma gaiola metálica. Dois dias antes de falecer, ninguém sabe como, o periquito rebentou com a gaiola e desapareceu. Nessa altura, estava eu num dos meus períodos de meditação, ouvi nitidamente junto de mim o chilrear de um periquito. Ainda hoje, de vez em quando, ouço esse periquito.
O pai de um amigo meu estava muito mal no hospital. Ele tinha um canário dentro de uma gaiola e pediu ao filho para levar o canário para a sua oficina de artes plásticas e tomar conta dele. Sempre que o pai desse meu amigo piorava no hospital, o canário ficava doente. Quando havia melhoras no hospital, o canário voltava a cantar. Isto passou-se durante cerca de três semanas, ao fim das quais, durante a noite, o senhor morreu. Quando esse meu amigo voltou à oficina no dia seguinte de manhã, o canário estava morto.
Eu tenho um amigo que não vejo nem sei dele há vários anos e se chama Artur. Ele é brasileiro, natural do Rio de Janeiro. Por volta dos anos oitenta estava eu na Avenida Nª Senhora de Copacabana à procura de uma loja que não conseguia encontrar. Eu não sabia do Artur há pelo menos dois ou três anos. Não me lembro de quem estava comigo nessa altura, mas eram duas pessoas. Como não encontrava a loja, comentei com essas pessoas que, quem devia saber ao certo a localização da loja era o Artur. Ao fim de uns cinco ou dez minutos, no meio da multidão de fim de tarde daquela Avenida, dei de caras com o Artur.
Perdi-lhe de novo o contacto. Passados uns dois anos estava eu em N. York a conversar com a minha colega de profissão, Célia, que era gerente de um vasto sector de reservas de uma empresa aérea. Como ela também conhecia o Artur, perguntei-lhe se sabia alguma coisa dele. Ela disse-me que ele era o Director de Vendas de uma cadeia de hotéis e que estivera lá, em N. York, a conversar com ela há cerca de três meses. Despedi-me dela e encaminhei-me para o elevador, no 70º andar daquele edifício. Quando o elevador chegou, esbarro com uma pessoa que ia a sair do mesmo elevador, o Artur.
Nesses mesmos anos oitenta, estava eu em Londres, de passagem a caminho da Nigéria. Passei o fim-de-semana em Londres e assisti à vitória da Escócia sobre a Inglaterra no estádio de Wembley, na final da Taça da Grã-Bretanha em futebol. Os escoceses ficaram tão loucos com a vitória, que conseguiram arrancar as balizas do estádio e deixar o relvado com enormes buracos. Escusado será dizer que, na noite de Sábado para Domingo, as ruas estavam cheias de escoceses bêbedos.
Na manhã de Domingo chamei um táxi para me transportar do hotel até Victória Station, onde iria tomar o comboio com destino ao aeroporto de Gatwick, pois o meu voo saía daquele aeroporto. Ao entrar na estação lembrei-me de repente que tinha esquecido no táxi uma pequena bolsa onde tinha todo o dinheiro para a viagem e mais o passaporte. Olhei para trás à procura do táxi e o que vi, foi um mar de centenas táxis. Procurei um polícia e contei-lhe o sucedido, pedindo-lhe para tentar encontrar o táxi pelo “walkie-talkie” que ele tinha à cintura. O polícia perguntou-me se eu tinha alguma ideia de quantos táxis havia em Londres. Limitou-se a tomar nota da ocorrência e recomendou-me que me dirigisse à esquadra mais próxima, que ficava somente a uns três quarteirões de distância. Quem conhece Londres sabe que os quarteirões são grandes, portanto, aqueles três quarteirões equivaliam a uma distância de mais de um quilómetro. Lá fui à procura da esquadra, carregando a mala. Entrei na esquadra por uma porta de vaivém, como aquelas dos filmes de “cowboys” e pedi para falar com o inspector de serviço. Mandaram-me esperar. Enquanto esperava, vi claramente a imagem do motorista de táxi, um preto gordo natural da Jamaica, a entrar por aquela porta com a minha bolsa na mão. Olhei para a porta, mas não havia ninguém. Pensei automaticamente que a imagem tinha sido fruto da minha imaginação. Passados mais uns quinze minutos de espera sinto a porta abrir-se e vejo, para meu espanto e alegria, o motorista com a minha bolsa na mão.
Tenho muitos mais exemplos de acontecimentos assim estranhos que poderia contar. Mas, como esta crónica já vai longa, vou deixar para outra oportunidade.
Para conclusão, tenho farta experiência da existência desses laços invisíveis que nos ligam a tudo e a todos e que, em determinadas circunstâncias o circuito fecha-se, colocando-nos em sintonia com esse mar cósmico, ou o que lhe quiserem chamar. Na verdade somos apenas gotas de um imenso oceano, fazemos todos parte de um todo, mau grado os egoísmos e as manifestações individualistas de cada um. Tudo o resto é uma grande ilusão ou, como dizem os orientais, é o mundo de “maya”.
Esta é uma coisa difícil de digerir para um indígena ocidental como eu que, ao contrário de muitos outros que se afadigam em transportarem para o hemisfério do lado de cá, coisas que eles julgam aprender do lado de lá, tenho da tradição oriental a ideia de que estagnou no tempo, não evoluiu. Tenho um profundo respeito pela tradição budista e pela sua filosofia interna, não a externa, com a qual me identifico em muitos pontos. Mas não posso deixar de pensar que o Tibete, onde assentou arraiais depois de Buda se ter manifestado na Índia, país em que o budismo tem muito pouca expressão (santos à porta de casa não fazem milagres), foi um país que parou no tempo, devido precisamente a ser administrado por uma data de monges e lamas, chefiados pelo Dalai Lama e que pouco mais faziam do que estudar antigos escritos e entoar mantras.
Ora o Dalai Lama vive no exílio no norte da Índia depois que o seu país, o Tibete, foi invadido pelas forças da China comunista em 1959. É uma pessoa altamente respeitada em todo o mundo, principalmente por ser um propagador das ideias da paz, da harmonia e da concórdia entre os homens. O Dalai Lama era ainda criança quando os chineses chegaram e tomaram tudo, uma criança que gostava de brincar com binóculos a ver como andava o seu país, de que ele era o governante supremo.
Os budistas têm também um profundo respeito por todos os seres viventes. São absolutamente vegetarianos e não fazem mal a uma mosca, no sentido literal do termo. Nas visitas que fiz algumas vezes ao lama Khetsung Gyaltsen, tive oportunidade de verificar isso. Em pleno verão, com a casa cheia de mosquitos e todo o género de insectos voadores, andava um dos seus discípulos de jornal na mão a afastar para o exterior toda aquela chusma de bichinhos que, de vez em quando, não se esqueciam de dar a sua ferroada ou a sua picada. Pensei na altura como é que seria nos mosteiros com ratos, baratas, grilos, etc. Como não pensei mais nisso, também não sei como é que fazem, se vivem em perfeita comunhão com toda essa bicharada, ou se a expulsam de alguma maneira por força do pensamento ou através do uso de alguma qualidade de incenso. Não sei.
Mas voltando ao mundo de “maya”, da ilusão, a Física ocidental acabou por vir dar uma certa razão a essa ideia. Assim, o nosso mundo material não passa de um imenso vazio visto sob a perspectiva atómica, quero dizer, à dimensão do átomo. A matéria mais dura, compacta e resistente, à dimensão atómica é um enorme vazio.
Foram os gregos que nos legaram a ideia do átomo, como o mais pequeno e indivisível elemento da matéria. Ninguém sabe como é que os gregos descobriram o átomo, pois não tinham a tecnologia necessária para o fazer. Provavelmente alguém lhes ensinou. Durante muito tempo o átomo foi mostrado com um núcleo como se fosse um Sol, rodeado de electrões como se fossem planetas gravitando à volta da sua estrela central. Hoje sabe-se que não é bem assim. Além disso, deixou de ser indivisível e não é o menor elemento da matéria.
Para termos uma ideia do que seria colocarmo-nos na dimensão atómica, considerando um átomo com o seu núcleo rodeado de uma nuvem onde vibram os electrões, o núcleo seria 100.000 vezes menor do que o conjunto todo e, se o núcleo tivesse um centímetro de diâmetro, os electrões estariam a cerca de, mais ou menos, mil metros de distância. Portanto, se nos colocássemos no lugar do núcleo de um átomo de hidrogénio, por exemplo, que tem apenas um electrão, não conseguiríamos ver este nem com os binóculos mais potentes. Se conseguíssemos condensar os átomos de uma montanha do tamanho dos Himalaias, eles caberiam dentro de uma pequeno recipiente, não maior do que um cálice de licor, mas esse cálice teria o mesmo peso da montanha.
Temos assim que a matéria, por mais densa e pesada que nos possa parecer, é apenas vazio. A Física Quântica veio ainda complicar mais. Segundo esta disciplina, o mundo tangível aos nossos sentidos não é mais do que a projecção daquilo que queremos ver ou sentir. Por isso se diz, com muita propriedade, que cada um tem a sua própria verdade. Por exemplo, não vemos com os olhos. Estes são meros transmissores de sensações luminosas para o nosso cérebro. Nós vemos com o cérebro e, se determinada imagem não corresponder a nada do que aí tenhamos guardado, acontece que podemos até deixar de ver algumas coisas.
Conta-se a este respeito que, quando Colombo chegou à América, a uma das ilhas que hoje suponho pertencer às Bahamas, os indígenas não viram as caravelas à distância. O chefe da tribo percebeu um movimento pouco usual nas águas e fixou melhor o olhar. Então viu os três navios à distância. Os outros índios só conseguiram vê-los quando o chefe lhes descreveu o que estava a ver. Verdade ou lenda, isto procura explicar que os índios não viam as caravelas pela simples razão de não fazerem parte do que estava arquivado no seu cérebro.
A Física Quântica vai mais longe: o mundo material em que estamos inseridos pode ser alterado pela nossa vontade e pensamento. Coisa estranha, então temos esse poder incrível e não o utilizamos? Na verdade, utilizamo-lo a todo o momento sem sequer darmos por isso. Ao visitarmos determinados locais podemos sentir-nos bem ou sentir-nos mal, porque esses locais estão impregnados das impressões de quem e do que os frequenta. É vulgar ouvir-se dizer que uma pessoa se sente muito bem quando visita uma catedral gótica, ou se sente mal ao visitar uma prisão ou um hospital. Esses locais transmitem-nos, digamos assim, as impressões das pessoas que os frequentaram. Os átomos que constituem essas construções ficaram com o registo de todas as impressões sentidas pelas pessoas que lá estiveram. Em todos os locais por onde andamos, seja em casas, ruas, jardins, sentimos sempre essa estranha sensação de bem-estar ou de mal-estar. Se algumas vezes conseguimos dar uma explicação lógica para essas sensações, na maioria dos casos não temos qualquer explicação, sentimos somente.
Então, esse vazio que constitui o mundo atómico, não parece ser assim tão vazio, há correntes invisíveis que circulam entre os átomos e entre os seus elementos, transformando esse vazio num imenso mar, a que poderíamos chamar mar cósmico. De outro modo, não haveria outra explicação para as sensações que experimentamos e determinados fenómenos que acontecem na vida de todos nós. Ou seja, estamos todos inseridos nesse mar, nós, os animais, as plantas, tudo o que faz parte da Criação. Por isso se diz que fazemos parte do todo.
Julgo que foi o Paulo Coelho que num dos seus livros deu um exemplo dessas ligações. Numa determinada ilha da Indonésia os cientistas observaram que os macacos se alimentavam de batatas que desenterravam. Comiam-nas assim mesmo, cheias de terra. Durante certo tempo dedicaram-se a ensinar os macacos a lavarem primeiro as batatas num riacho próximo, antes de as comerem. Qual não foi a sua surpresa quando verificaram que, numa ilha vizinha, mas sem possibilidades de contacto com aquela onde estavam, os macacos começaram a proceder da mesma forma.
A minha mãe tinha um periquito de que gostava muito, dentro de uma gaiola metálica. Dois dias antes de falecer, ninguém sabe como, o periquito rebentou com a gaiola e desapareceu. Nessa altura, estava eu num dos meus períodos de meditação, ouvi nitidamente junto de mim o chilrear de um periquito. Ainda hoje, de vez em quando, ouço esse periquito.
O pai de um amigo meu estava muito mal no hospital. Ele tinha um canário dentro de uma gaiola e pediu ao filho para levar o canário para a sua oficina de artes plásticas e tomar conta dele. Sempre que o pai desse meu amigo piorava no hospital, o canário ficava doente. Quando havia melhoras no hospital, o canário voltava a cantar. Isto passou-se durante cerca de três semanas, ao fim das quais, durante a noite, o senhor morreu. Quando esse meu amigo voltou à oficina no dia seguinte de manhã, o canário estava morto.
Eu tenho um amigo que não vejo nem sei dele há vários anos e se chama Artur. Ele é brasileiro, natural do Rio de Janeiro. Por volta dos anos oitenta estava eu na Avenida Nª Senhora de Copacabana à procura de uma loja que não conseguia encontrar. Eu não sabia do Artur há pelo menos dois ou três anos. Não me lembro de quem estava comigo nessa altura, mas eram duas pessoas. Como não encontrava a loja, comentei com essas pessoas que, quem devia saber ao certo a localização da loja era o Artur. Ao fim de uns cinco ou dez minutos, no meio da multidão de fim de tarde daquela Avenida, dei de caras com o Artur.
Perdi-lhe de novo o contacto. Passados uns dois anos estava eu em N. York a conversar com a minha colega de profissão, Célia, que era gerente de um vasto sector de reservas de uma empresa aérea. Como ela também conhecia o Artur, perguntei-lhe se sabia alguma coisa dele. Ela disse-me que ele era o Director de Vendas de uma cadeia de hotéis e que estivera lá, em N. York, a conversar com ela há cerca de três meses. Despedi-me dela e encaminhei-me para o elevador, no 70º andar daquele edifício. Quando o elevador chegou, esbarro com uma pessoa que ia a sair do mesmo elevador, o Artur.
Nesses mesmos anos oitenta, estava eu em Londres, de passagem a caminho da Nigéria. Passei o fim-de-semana em Londres e assisti à vitória da Escócia sobre a Inglaterra no estádio de Wembley, na final da Taça da Grã-Bretanha em futebol. Os escoceses ficaram tão loucos com a vitória, que conseguiram arrancar as balizas do estádio e deixar o relvado com enormes buracos. Escusado será dizer que, na noite de Sábado para Domingo, as ruas estavam cheias de escoceses bêbedos.
Na manhã de Domingo chamei um táxi para me transportar do hotel até Victória Station, onde iria tomar o comboio com destino ao aeroporto de Gatwick, pois o meu voo saía daquele aeroporto. Ao entrar na estação lembrei-me de repente que tinha esquecido no táxi uma pequena bolsa onde tinha todo o dinheiro para a viagem e mais o passaporte. Olhei para trás à procura do táxi e o que vi, foi um mar de centenas táxis. Procurei um polícia e contei-lhe o sucedido, pedindo-lhe para tentar encontrar o táxi pelo “walkie-talkie” que ele tinha à cintura. O polícia perguntou-me se eu tinha alguma ideia de quantos táxis havia em Londres. Limitou-se a tomar nota da ocorrência e recomendou-me que me dirigisse à esquadra mais próxima, que ficava somente a uns três quarteirões de distância. Quem conhece Londres sabe que os quarteirões são grandes, portanto, aqueles três quarteirões equivaliam a uma distância de mais de um quilómetro. Lá fui à procura da esquadra, carregando a mala. Entrei na esquadra por uma porta de vaivém, como aquelas dos filmes de “cowboys” e pedi para falar com o inspector de serviço. Mandaram-me esperar. Enquanto esperava, vi claramente a imagem do motorista de táxi, um preto gordo natural da Jamaica, a entrar por aquela porta com a minha bolsa na mão. Olhei para a porta, mas não havia ninguém. Pensei automaticamente que a imagem tinha sido fruto da minha imaginação. Passados mais uns quinze minutos de espera sinto a porta abrir-se e vejo, para meu espanto e alegria, o motorista com a minha bolsa na mão.
Tenho muitos mais exemplos de acontecimentos assim estranhos que poderia contar. Mas, como esta crónica já vai longa, vou deixar para outra oportunidade.
Para conclusão, tenho farta experiência da existência desses laços invisíveis que nos ligam a tudo e a todos e que, em determinadas circunstâncias o circuito fecha-se, colocando-nos em sintonia com esse mar cósmico, ou o que lhe quiserem chamar. Na verdade somos apenas gotas de um imenso oceano, fazemos todos parte de um todo, mau grado os egoísmos e as manifestações individualistas de cada um. Tudo o resto é uma grande ilusão ou, como dizem os orientais, é o mundo de “maya”.
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